Decisão Texto Integral: | Acordam no 2° Juízo TCA Sul
1. Relatório.
Luís ..., professor do quadro de nomeação definitiva do 2º ciclo do Ensino Básico, veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho de 2.05.2001, da Sra. Secretária de Estado da Administração Educativa, que, concordando com a nota informativa nº 305SEAE/CRS/2001, levado ao conhecimento do recorrente em 8.06.2001, revogou o despacho de 24.06.97, que determinara o seu reposicionamento na carreira, ao abrigo do art. 56º do Estatuto da Carreira Docente.
A entidade recorrida respondeu, defendendo a legalidade do acto.
Em sede de alegações finais, o recorrente formulou as conclusões de fls. 75 e seguintes, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
A entidade recorrida contra-alegou, reafirmando a legalidade do acto recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
x x
2. Matéria de Facto.
Emerge dos autos a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:
a) O recorrente é professor do quadro de nomeação definitiva do 2º Ciclo do Ensino Básico, pertencendo ao Grupo 07 Trabalhos Manuais da Escola E.B. do 2º e 3º ciclos Prof. Egas Moniz, em Avanca, tendo, em 31.07.91, concluído o Curso de Estudos Superiores Especializados (CESE) em Educação Especial, ministrado pela Escola Superior Jean Piaget, de Arcozelo, reconhecido pela Portaria nº 1154/91 de 7 de Novembro do Ministro da Educação e equivalente ao grau de licenciatura, nos termos do nº 6 do artigo 13º da Lei nº 46/86;
b) Por despacho de 24.06.97, o recorrente, que se encontrava posicionado no 6º escalão, foi reposicionado, ao abrigo do ponto 3, do Despacho nº 806/97 de 29 de Abril;
c) Em 2 de Maio de 2001, a Sra. Secretária de Estado da Administração Educativa exarou sobre a nota nº 305SEAE/CRS/2001, o seguinte despacho, ora impugnado:
“Concordo.
Comunique-se à DREC, nos termos do proposto em 6.
Dar conhecimento da presente à DGAE e às restantes DRE”.
d) Segundo o ponto 6 da referida nota informativa, “Em face do que antecede e tendo presente a questão colocada pela DREC, propõe-se que esta entidade seja informada que:
Relativamente aos docentes identificados na informação nº 1873/00/DSRH/PD, não poderão os mesmos aceder ao 10º escalão, uma vez que o acto de certificação dos CESES que frequentaram e que lhes conferiu habilitação equivalente a licenciatura é nulo, nulidade essa que, independentemente do momento em que venha a ser declarada, não produz quaisquer efeitos jurídicos, salvaguardados os decorrentes do despacho do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa, datado de 5.05.2000, no que respeita à manutenção do reposicionamento efectuado até essa data”.
e) O recorrente é um dos docentes identificados na Informação nº 1873/00/DSRH/PD.
x x
3. Direito Aplicável
Nas conclusões das suas alegações, o recorrente invoca, em síntese útil, os seguintes vícios do acto recorrido:
Enquanto interessado, não foi ouvido em audiência prévia, no processo conducente à declaração de nulidade do acto de certificação do CESE (conclusão 2ª);
O despacho recorrido, que determinou que o acto de certificação do CESES é nulo, carece de fundamentação;
Tal acto enferme ainda do vício de violação d lei (artigo 133º CPA) conclusões 2ª e 3ª;
E viola ainda o disposto no art. 13º nº 6 da Lei nº 46/86 (Lei de Bases do Sistema Educativo) conclusão 4ª.
O despacho recorrido violou o nº 3 do artigo 134º do Cód. Proc. Administrativo, uma vez que o recorrente concluiu o Curso de Estudos Superiores Especializados em Educação Especial, em 31.07.91, há cerca de 10 anos, e sempre leccionou, encontrando-se desde 1.10.00 no 8º escalão.
A entidade recorrida reconhece que o recorrente frequentou a Escola Superior de Educação Jean Piaget, em Arcozelo, tendo-lhe sido certificada a habilitação equivalente a licenciatura, ao abrigo do Despacho nº 809/97, de 22 de Maio, que regulamentou o artigo 56º do E.C.D., tendo sido por essa razão reposicionado em escalão superior. Contudo, o acto administrativo em que se consubstanciou essa certificação é nulo, porquanto o docente em causa não possuía as habilitações adequadas à frequência dos CESE, que conduziu a essa certificação.
Vejamos:
Na Informação sobre a qual recaiu o despacho impugnado refere-se que a certificação da habilitação equivalente à licenciatura, aos docentes que frequentaram a Escola Superior de Educação Jean Piaget, em Arcozelo, ao abrigo do Despacho nº 809/97, de 22 de Maio é nula.
Tal nulidade derivaria do facto de os destinatários do curso não possuírem as habilitações adequadas à frequência dos CESES que conduziram a essa certificação.
E, como tal, a certificação conferida não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sem prejuízo de certos efeitos jurídicos reportados a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito (cfr. artigo 134 nº 3 do CPA).
Como é sabido, em certas situações, os agentes de facto providos por actos nulos podem beneficiar de certa protecção (cfr. Freitas do Amaral, Cod. Proc. Administrativo Anotado, 4ª ed., notas ao artigo 134º) e, no caso concreto, foram salvaguardados os efeitos decorrentes do despacho do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa de 5.05.2000, que se reporta tão somente aos reposicionamentos efectuados até aquela data.
Isto posto, e analisando a situação concreta do recorrente, cumpre observar o preceituado no art. 13º nº 5 da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), redacção anterior à Lei nº 115/97, de 19.09, vigente à data da conclusão daqueles cursos pelo recorrente, segundo o qual: «Têm acesso aos cursos de estudos superiores especializados os indivíduos habilitados com o grau de bacharel ou licenciado”.
Acresce que nº 6 do mesmo artigo, invocado pelo recorrente, determina que: “O diploma de estudos superiores especializados é equivalente ao grau de licenciado para efeitos profissionais e académicos”.
E o artigo 56º nº 3 do Dec. Lei nº 139A/90, de 28 de Abril estipula que “a aquisição de licenciatura ou diploma de estudos superiores especializados em domínio que vise a qualificação para o exercício de outras funções educativas, nos termos do disposto no nº 1, por docentes profissionalizados integrados na carreira, determina a mudança de escalão correspondente àquele em que o docente se encontraria se tivesse ingressado na carreira com o grau de licenciado, no qual o docente cumprirá o mínimo de um ano de Serviço Completo”.
Ainda de acordo com o nº 4 do mesmo artigo e diploma legal, os cursos de estudos superiores especializados vieram a ser definidos pelo Despacho nº 809/97, do Ministro da Educação, publicado no D.R., 2ª Série, nº 118, de 22.05.97, encontrando-se entre eles os adquiridos pelo recorrente na E.S.E. Jean Piaget.
Ora, a formação base do recorrente é o Curso de Complemento de Formação de Trabalhos Manuais, regulado pelo Dec. Lei nº 311/84, de 26 de Setembro, e tal formação é reconhecida como equiparada a bacharelato, nos termos do Despacho nº 136/ME/88, publicado no D.R. II Série nº 194, de 23 de Agosto de 1988, sendo de notar que este último alterou o nº 2 do Despacho 138/MEC/87, publicado no D.R., 2ª Série, nº 129, de 5 de Junho de 1987, retirando a parte final deste último, segundo a qual as mencionadas habilitações constituem, para efeitos exclusivamente profissionais no âmbito da docência, habilitação académica de grau superior.
Ou seja, é de concluir, de acordo com o parecer do Ministério Público, que o recorrente possuía a habilitação exigida, por equiparação a curso de nível superior, para aceder a ser admitido ao CESES.
De qualquer forma, e como se escreve ainda naquele douto parecer, tendo o despacho recorrido, tal como o despacho de 5.05.2000 e o despacho de 4.06.01, salvaguardado os efeitos jurídicos dos reposicionamentos efectuados antes de 5.05.00, e estando o recorrente nessa situação, uma vez que foi reposicionado por despacho de 24.06.97, não se compreende que se pretenda impedi-lo de aceder na carreira, tal como esse reposicionamento permite, já que os actos de progressão nos escalões posteriores a esse reposicionamento são actos consequentes a este.
Concluindo, uma vez que se mantém válido o reposicionamento na carreira, decorrentes do CESES obtido pelo recorrente na Escola Jean Piaget, são legais os actos de progressão subsequentes, assistindo ao recorrente o direito a progredir até ao 10º escalão, nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 11º do D.L. nº 312/99, de 10 de Agosto.
Procede, assim, o invocado vício de violação de lei.
E procede, igualmente, o vício de forma por falta de fundamentação, uma vez que a entidade recorrida não explicitou quaisquer razões de facto ou de direito para declarar nula a certificação do CESES obtida pelo recorrente, assim violando o disposto nos artigos 124º e 125º do Cod. Proc. Administrativa.
Além de que o recorrente não foi ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, como é exigido pelo artigo 100º e seguintes do Cód. Proc. Administrativo.
4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e em anular o acto recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 17.05.07
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa |