Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02176/06
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:02/08/2007
Relator:Rogério Martins
Descritores:COLIGAÇÃO ACTIVA
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Sumário:É legal a coligação activa, face ao disposto no art.º 12°, n°1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no pedido de suspensão da eficácia dos actos da Fundação D. Pedro IV, Instituição Particular de Solidariedade Social, que determinaram a aplicação, a todos os requerentes, residentes no Bairro dos Lóios em Lisboa, do regime de renda apoiada previsto no Decreto-Lei 166/93, por estar em causa a apreciação de factos essencialmente idênticos, na avaliação do periculum in mora, nos termos do disposto no art.º 120º, n.º 1, al. b), do mesmo Código.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes do Tribunal Central Administrativo Sul:

Manuel ...e outros interpuseram RECURSO JURISDICIONAL do despacho de 12.9.2006, a fls. 1064-1066, pelo qual, no pressuposto de se verificar coligação ilegal dos requerentes, os notificou para indicarem qual o pedido que pretendiam ver apreciado, e da sentença de 11.10.2006, a fls. 1107-1113, pela qual, com base na existência de coligação ilegal e dado os requerentes não terem acedido a optar por um dos pedidos, foi absolvida da instância a requerida, Fundação D. Pedro IV, Instituição Particular de Solidariedade Social.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Cumpre decidir.
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São as seguintes as conclusões das alegações formuladas pelos Recorrentes e que definem o objecto do recurso:

A) A coligação dos requerentes, face ao disposto no artigo 12°, n°1 e 2 do C.P.T.A., é absolutamente lícita;
B) Para que se verifique a possibilidade de coligação de requerentes não é necessário que a causa de pedir seja a mesma e única bastando que a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação dos mesmos princípios ou regras de direito;
C) Os ora recorrentes peticionaram a suspensão da eficácia do acto que determinou a aplicação aos fogos que habitam do regime da renda apoiada, do preço técnico e da renda apoiada concretamente fixada a cada um, com base nos mesmos fundamentos e na interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas;
D) Os ora recorrentes têm situações jurídicas absolutamente similares, fundadas na mesmas normas e princípios jurídicos, sendo o seu pedido dependente da apreciação dos mesmos princípios e regras de direito, nomeadamente na alegada violação manifesta do disposto nos artigos 1º, n°2, 4º, 5º e 11º, n.º 1 e 2, alíneas b) e c), do Decreto-Lei 166/93, de 7 de Maio, 1º a 5º do Decreto-Lei 329-A/2000, de 22 de Dezembro, 21° do Decreto-Lei 49033, de 28 de Maio, 100°, 103°, 123° e 124° do Código de Procedimento Administrativo, 2°, 13°, 18°, 65°, 165°, alíneas b) e h), e 268°, n°3, da Constituição da República Portuguesa;
E) Os pedidos dependem essencialmente da apreciação e valoração dos mesmos factos e respectiva prova;
F) Qualquer imposição de "separação" dos respectivos processos terá não consequências muito gravosas a nível social como da própria Justiça;
G) Efectivamente tal "separação" implicará a repetição exaustiva pelo mesmo Tribunal (em mais de mil processos diferentes) das mesmas provas, nomeadamente da prova pericial ao estado das partes comuns do edificado (prova essencial relativa ao julgamento da manifesta ilegalidade na fixação do preço técnico dos fogos por parte da requerida), relativamente aos mesmos factos, com resultados que, para mais, podem ser díspares contribuindo para a descredibilização da Justiça;
H) A coligação dos ora requerentes é não perfeitamente válida como desejável pelos motivos supra referidos;
I) Ao julgar a coligação de requerentes ilegal o mui douto despacho recorrido (o despacho de 12.9.2006) violou o disposto no artigo 12°, n°1, do C.P.T.A., pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue a coligação legal.
J) Ao absolver da instância a requerida, por julgar a coligação dos requerentes ilegal, a mui douta sentença recorrida (da sentença de 11.10.2006, a fls. 1107-1113) violou o disposto no artigo 12°, n°1, do C.P.T.A., pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgando a coligação legal, ordene o prosseguimento dos autos.

Decidindo.

Manuel ...e outros, melhor identificados no requerimento inicial, intentaram contra a Fundação D. Pedro IV providência cautelar pedindo a suspensão da eficácia dos actos administrativos praticados por esta entidade, a determinar a aplicação do regime de renda apoiada, ao abrigo do disposto no art.º 11º do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7.5.com fixação do preço técnico e da renda, aos fogos que os requerentes habitam, no Bairro dos Lóios, em Lisboa

O Tribunal a quo entendeu que a coligação era ilegal, face ao disposto no artigo 12º, n.º 1, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Em resumo porque, no seu entender, está aqui em causa, no essencial, uma questão de facto que é distinta de requerente para requerente: o cerne do procedimento traduz-se em verificar o periculum in mora, o que passa pela análise e prova de factos individuais e distintos, designadamente, os rendimentos e composição de cada agregado familiar e as condições de cada um dos fogos.

Incorreu no entanto em erro de julgamento, em nosso entender.

Dispõe o artigo 12º, n.º 1, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:

“1 - Podem coligar-se vários autores contra um ou vários demandados e pode um autor dirigir a acção conjuntamente contra vários demandados, por pedidos diferentes, quando:
a) A causa de pedir seja a mesma e única ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material;
b) Sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”

Esta norma tem redacção idêntica à do art.º 30º do Código de Processo Civil, sobre a qual o Prof. Alberto Reis, no Código de Processo Civil anotado, vol. I, 3ª ed., p. 102, disse:

“A palavra ‘essencialmente’ está ali posta para significar o seguinte: quando a questão a resolver seja substancialmente de facto é necessário que os factos sejam os mesmos, quando seja substancialmente de direito, é indispensável que a solução dependa da interpretação e aplicação da mesma regra de direito”.

Mas o mesmo autor refere, na página 101, que “o advérbio ‘essencialmente’ mostra não ser necessário que os factos sejam precisamente os mesmos, bastando que sejam os mesmos fundamentalmente”.

Ora no caso concreto embora os factos relevantes atinentes a cada um dos requerentes não sejam exactamente iguais, são fundamentalmente os mesmos.

Na verdade estão aqui em causa essencialmente dois factos que são comuns:

1º - Os requerentes habitam fogos sitos no Bairro dos Lóios, em Lisboa, que lhes foram atribuídos nos termos do disposto no Decreto-Lei n. 49.033, de 28 de Maio de 1969.
2º - A requerida deliberou, em 8 de Junho de 2005, aplicar o regime de renda apoiada, a partir de 1 de Janeiro de 2006, a todos estes fogos.

Destes factos resulta ainda um outro que, embora com especificidades em relação a cada um dos requerentes, essencialmente é idêntico para todos: verificou-se um agravamento das rendas pagas por cada um dos requerentes com a necessária diminuição do seu rendimento disponível.

A especificidade dos prejuízos sofridos em concreto por cada um dos requerentes como resultado da deliberação em causa e da consequente alteração da renda paga por cada um, não impede, em nosso entender, a coligação.

Na verdade desde sempre se aceitou a coligação de autores no caso de acidentes de viação (ver entre muitos outros o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.04.1975, no recurso 065731).

Isto apesar de os prejuízos sofridos por cada uma das vítimas serem (normalmente) muito distintos, desde os danos morais aos patrimoniais, traduzidos em simples dores, na perda permanente de capacidades físicas ou da própria vida.

Reportando-nos de novo ao caso concreto a avaliação do periculum in mora, nos termos do disposto no art.º 120º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, passa por uma análise dos prejuízos resultantes da deliberação em causa e da consequente fixação da nova renda em relação a cada um dos requerentes, no contexto da situação económica de cada um.

Mas isto não impede a conclusão de que, no essencial, a questão de facto é a mesma: a repercussão económica da deliberação a suspender, um único acto que se repercutiu na esfera jurídica de todos os requerentes.

Termos em que se impõe revogar as decisões recorridas.

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Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, revogar o despacho e a sentença impugnados, a absolver a requerida da instância por coligação ilegal, ordenando a baixa do processo à 1ª Instância para, depois de assegurado o contraditório, aí se conhecer de mérito do pedido, fixando-se a pertinente matéria de facto, se nada mais a tal obstar.

Não é devida tributação, por dela estar isenta a Recorrida.
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Lisboa, 8.2.2007

(Rogério Martins)

(Coelho da Cunha)

(Cristina Santos)