Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02987/07
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:09/13/2007
Relator:António Coelho da Cunha
Descritores:DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS, PATRIMÓNIO E CARGOS SOCIAIS
LEI Nº 4/83, DE 2 DE ABRIL, COM AS ALTERAÇÕES DA LEI Nº 25/95 DE 18.8.
LIGEIRO ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO
Sumário:Em casos de negligência leve ou meras irregularidades, como um ligeiro atraso na entrega da declaração de rendimentos, património e cargos sociais por parte de um autarca (art. 1º da Lei nº 4/83 de 2/4), e revelando-se que em anos anteriores o visado sempre cumpriu esta obrigação, não se justifica a declaração de perda de mandato.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam no 2º Juizo do TCA Sul

1. Relatório.
O Digno Magistrado do MºPº junto do TAF de Leiria veio interpor recurso jurisdicional da sentença que julgou improcedente a acção de perda de mandato intentada contra José ..., Presidente da C.M. de ..., em virtude de este não haver apresentado a declaração de rendimentos, de acordo com o disposto nos artigos 1º e 3º nº 1 da Lei 43/84, na redacção dada pela Lei 25/95 de 18 de Agosto.
Formula, para tanto, as conclusões de fls. 122 e 122 v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
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2 - Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
a) O demandado foi eleito e é Presidente da C.M. da ..., na sequência das eleições realizadas a 9.10.2005, tendo sido investido nas suas funções em 28.10.2005;
b) Foi remetido ao demandado, pelo Tribunal Constitucional, o ofício nº 507/06, com aviso de recepção de fls. 9, onde se verifica que foi recebido na Câmara Municipal, a 6 de Outubro de 2006, notificando-o para, no prazo de 30 dias, apresentar nesse Tribunal a declaração de património, rendimentos e cargos sociais, advertindo-o para o facto de incorrer em declaração de perda de mandato, caso não apresentasse a mencionada declaração, tendo o demandado proferido o seguinte despacho: “Ao Sr. Chefe de Gabinete para tratarmos 9-10-2006” (fls. 97).
c) Esgotado o prazo referido na alínea anterior e até 23.01.07, o demandado não entregou a sua declaração de património, rendimentos e cargos sociais;
d) A 12 de Março de 2007, o demandado entregou no Tribunal Constitucional declaração sobre o valor do património e rendimentos dos titulares dos cargos políticos (fls. 98 105);
e) Em 16 de Março de 2007 foi recebido ofício no Tribunal Constitucional, a juntar certidão comprovativa de rendimentos dos anos 1997, 1998 e 2004 (fls. 109 114);
f) A presente acção foi instaurada em 15.05.07.
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3 . Direito Aplicável
A sentença recorrida considerou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.
Para tanto, e em face da matéria de facto provada, observou que “a situação de incumprimento a que se refere o nº 1 do artigo 3º da Lei nº 4/83, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei nº 25/95, de 8 de Agosto, não se verificava quando da interposição da presente acção”.
Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 10º da Lei nº 27/96, continua a sentença recorrida, sob a epígrafe “Causas de não aplicação da Sanção”, prevê-se a possibilidade da perda de mandato não ter lugar quando, nos termos gerais de direito, se verifiquem causas que excluem a culpa do agente”.
Em suma, a decisão recorrida entendeu que não foi intenção do demandado não efectuar a entrega da declaração de rendimentos, apenas se verificando a irregularidade de tal entrega não ter sido efectuada no prazo devido.
Insurgindo-se contra este entendimento, o Digno Magistrado do MºPº, depois de observar que não pode ser dado como provado o constante da parte final do ponto 2, conclui que não está demonstrada a inexistência de negligência, visto que o demandado rapidamente esqueceu o seu dever de entregar a declaração, que já estava em falta no prazo que lhe era determinado. Tal é suficiente para ser declarada a perda de mandato, tendo em conta que aquela se basta com a actuação culposa (conclusões 1ª e 2ª).
O Ministério Público entende ainda que os Acordãos citados na sentença, nomeadamente o Ac. STA de 21.03.96, Proc. 39678, não são transponíveis para o caso dos autos (conclusão 3ª), e que a lei não distingue entre culpa e culpa grave (conclusão 4ª).
Também não estão verificadas as causas de exclusão e justificação a que alude o artigo 10º nº 1 da Lei 27/96, tendo o legislador tomado em consideração a gravidade da sanção, mas impondo-a a condutas apenas culposas, como decorre do teor do texto legal (conclusão 5ª).
A remessa posterior da declaração não sana o envio não atempado, tendo sido violados os artigos 3º nº 1 e 2º nº 3 da Lei 4/83, na redacção da Lei 25/93. –
É esta a questão a analisar.
Cumpre, em primeiro lugar, notar que, nesta matéria de omissão da entrega no T.C. da declaração referente ao património, rendimentos e cargos sociais, nem todos os cargos revestem a mesma natureza, pelo que o intérprete não pode deixar considerar a especificidade da situação concreta.
Como se diz no douto aresto de 21.03.1996 do Supremo Tribunal Administrativo, citado na decisão recorrida, não bastam meras irregularidades para justificar o decretamento do mandato. É necessário que se verifiquem condutas culposas por parte do autarca, suficientemente graves para justificar a perda do mandato, o que pressupõe a análise da situação concreta no seu contexto global.
Ora, no presente caso, não obstante a negligência do autarca, varios factores concorrem a favor do mesmo.
Em primeiro lugar, o demandado não se eximiu à notificação, como em outras situações tem acontecido e sido verificado neste TCA Sul.
Em segundo lugar, os autos indiciam que o R. sempre cumpriu, a obrigação em causa, de entrega atempada da declaração de património, rendimento e cargos sociais.
Em terceiro lugar, verifica-se que, na data em que a acção de perda de mandato foi intentada (15.05.07) já o demandado havia enviado (em 12.03.07) a sua declaração de rendimentos ao Tribunal. E o atraso da entrega é relativamente pouco significativo.
E, como refere o recorrido nas suas contra-alegações, o Tribunal Constitucional sabe, desde 12 de Março do corrente ano, quais eram os rendimentos e património do R. no início do seu actual mandato, podendo exercer plenamente o controlo legalmente prevista nesta matéria.
Deste modo, e de acordo com a doutrina expendida nos Acs. do STA de 21.03.96 e do T.C. de 15.1.92 (P. nº 25/92), não se justifica o decretamento da perda de mandato em casos de mera negligência, em que não seja evidente a violação de regras fundamentais de isenção e imparcialidade, susceptíveis de criar suspeição sobre a conduta do visado.
Ora, em face das circunstâncias do caso concreto, é de concluir, em face de um critério de razoabilidade, que o demandado não violou os deveres do seu cargo de forma a tornar o seu afastamento imperioso, pelo que a declaração de perda do mandato seria excessiva e desproporcionada.
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Sem custas (al. a) do nº 1 do art. 2º do C.C. Jud).

Lisboa, 13.09.07

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa