Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06488/03
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/03/2007
Relator:Fonseca da Paz
Descritores:CONCURSO INTERNO DE INGRESSO
IMPEDIMENTO
ART. 45º Nº 2 DO CPA
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
Sumário:I- Nos termos do nº 2 do art. 45º do CPA, o impedimento de um membro do júri pode ser suscitado até ser proferida a decisão definitiva, por qualquer interessado.
II- Os actos em que tenham tido intervenção titulares ou agentes impedidos são anuláveis, nos termos gerais.
III- A omissão do dever de comunicação a que alude o art. 45º nº 1 do CPA constitui falta grave, para efeitos disciplinares.
IV- A Experiência Profissional (EP) como factor de avaliação curricular não depende apenas da antiguidade, devendo ser considerado pelo Júri do concurso a qualidade demonstrada no desempenho efectivo de funções.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam no 2º Juízo do TCA Sul

1. Relatório.
Anabela ..., Maria ...e Vitória ..., candidatas ao concurso externo de ingresso para provimento de 12 lugares de auxiliar de acção médica do quadro de pessoal do Hospital Condes de Castro Guimarães, aberto por Aviso nº 4869/200, publicado no D.R. II Série, nº 75, de 29.03.2001, vieram interpor recurso contencioso de anulação dos despachos de 14.5.02 do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que as excluiu das vagas postas a concurso.
A entidade recorrida respondeu, defendendo a legalidade dos despachos impugnados.
Em sede de alegações finais, as recorrentes enunciaram as conclusões de fls. 143 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
A entidade recorrida contra-alegou.
O Digno Magistrado do MºPº emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Matéria de Facto
Emerge dos autos a seguinte factualidade relevante:
a) As recorrentes candidataram-se e foram admitidas ao aludido concurso;
b) Na lista de classificação final foram colocadas fora das vagas postas a concurso;
c) As recorrentes, à data da sua candidatura, eram auxiliares de acção médica, contratadas, a exercer funções no Hospital para cujo quadro de pessoal foi aberto o concurso;
d) Homologada a lista de classificação final por deliberação de 24.01.2002, as recorrentes interpuseram recursos administrativos necessários destes actos
e) Nestes recursos, entre outros fundamentos, as recorrentes requereram que fosse apurado se se confirmava informação, que lhes havia sido dada, de a 6ª classificada ser enteada de um membro do Juri;
f) No Parecer sobre o qual foi exarado o acto ora impugnado, consta que o órgão recorrido administrativamente confirmou, na sua pronúncia, aquela relação de afinidade entre a concorrente classificada em 6º lugar (Maria João Martina Dias Gama) e a membra do Juri Maria Pilar Castanheira;
g) Os aludidos recursos não mereceram provimento
h) As recorrentes só tomaram conhecimento do facto referido na al. f) através da confirmação que consta no Parecer motivador do acto recorrido;
i) No factor HL (Habilitações literárias) foi estabelecido pelo Juri um único nível de valoração das habilitações académicas (cfr. Acta nº 1).
j) No factor EP (Experiência Profissional), o Juri adoptou critérios que:
a) Apenas tomam em consideração o aspecto duração da EP, esquecendo a sua natureza;
b) A valoração não atinge os vinte valores;
c) Tornam ininteligível o critério, pois não se consegue saber qual a situação pontuada com 5 e qual a pontuar com 10 valores, visto que ambas se reportam ao mesmo período de tempo;
k) Na Acta nº 1, o Juri alterou o ponto 10.1 do Aviso de Abertura do concurso na parte em que neste se diz que a prova de conhecimentos visa analisar conhecimentos:
a) Conhecimentos ao nível da escolaridade obrigatória, particularmente nas áreas de português e matemática, e ainda os conhecimentos resultantes da vivência do cidadão comum, nomeadamente nas áreas de saúde, higiene e meio ambiente;
b) Direitos e deveres da função pública e deontologia profissional;
Regime de férias, faltas e Licenças
Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública;
Deontologia de serviço público;
l) E, na dita Acta nº 1, refere apenas “Prova de Português” e “Prova de Matemática.
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3. Direito Aplicável
Nas conclusões das suas alegações, as recorrentes enunciam os seguintes vícios:
Violação do nº 1 do art. 44º do CPA e do art. 45º nº 2 do mesmo diploma;
Violação dos princípios da imparcialidade e da isenção, por não ter sido decidida a questão da suspeição e por ter intervindo no concurso, como membro do juri, a madrasta da concorrente classificada em 6º lugar;
Violação dos artigos 22º nº 1 e nº 2, c), 26º e 36º do D.L. 204/98, de 11 de Julho, por apenas ter sido utilizado um único nível de valoração das habilitações académicas, por apenas ter sido considerado o tempo de serviço no factor experiência profissional e por este factor ter sido classificado numa escala de 5 a 12, não atingindo os vinte pontos
Ininteligibilidade do critério de classificação nesse factor, inquinando o acto de erro grosseiro;
Violação do princípio da igualdade, ao estabelecer a mesma pontuação para situações diferentes;
Violação do ponto 10.1, al. b) do Aviso do concurso por não terem sido aferidos os conhecimentos relativos aos direitos e deveres da função pública e deontologia profissional;
Cumpre analisar, separadamente, cada um destes vícios.
No tocante à violação dos princípios da imparcialidade e da isenção (arts. 45º nº 2 e 44 nº 1, b) do CPA, a entidade recorrida sustenta que impendia sobre as recorrentes o ónus de suscitar a suspeição do membro do juri até antes da homologação da lista de classificação final, e que, não o tendo feito, já não poderiam suscitar a questão em sede de recurso hierarquico.
Não é, porém, assim.
Em primeiro lugar, as recorrentes só tiveram conhecimento formal da existência da referida relação através do acto impugnado contenciosamente, mais concretamente, através dos Pareceres sobre aos quais o mesmo foi proferido.
Em segundo lugar, e como refere o Digno Magistrado do MºPº, nos termos do nº 2 do artigo 45º do C.P.A, a autoridade recorrida devia ter conhecido da matéria do impedimento suscitado, sendo certo que o impedimento existente não fica sanado pelo facto de não ser requerido anteriormente, nem o valor da imparcialidade, que se pretende acautelar, deixa de ser afectado por essa razão. Por outro lado, o membro impedido não fica desonerado do dever de comunicar o impedimento, nem o presidente do orgão colectivo ou este ou o superior hierarquico deixam de ter o dever de o declarar sempre que dele tenham conhecimento, visto que os princípios da legalidade, da imparcialidade e da isenção não podem deixar de estar presentes em toda a actividade administrativa (cfr. Ac. STA de 23.04.2003, Proc. 0651/03; Ac. STA de 12.5.98, Rec. 41.161.
Procede, assim, o primeiro dos vícios alegados (conclusões 1ª a 5ª).
Passemos ao segundo.
Alegam as recorrentes que o procedimento e, com ele o acto impugnado violou o disposto no nº 1 do artigo 22º do Dec. Lei 204/98, quando na Acta nº 1, se estabelece para o factor HL (habilitações literárias), um único nível de valoração das habilitações académicas, visto que não é considerada e ponderada a titularidade do grau académico, ou melhor, não ocorreu a consideração e ponderação dos diferentes graus académicos possíveis, pois todos ficaram igualados numa única pontuação.
A entidade recorrida considera, todavia, que esta circunstância não ofende a al. c) do nº 2 do artigo 22º do D.L. 204/98, ao estabelecer um único nível de valoração de habilitações académicas.
Vejamos:
O art. 22º nº 1 do D.L. 204/98 prescreve o seguinte: “A avaliação curricular visa avaliar as aptidões profissionais do candidato na área para que o concurso é aberto, com base na análise do respectivo currículo profissional”.
E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “Na avaliação curricular são obrigatoriamente considerados e ponderados, de acordo com as exigências da função: a) A habilitação académica de base, onde se pondera a titularidade de grau académico ou a sua equiparação legalmente reconhecida.
Como é óbvio, a lei impõe a escolha dos candidatos com melhor currículo para a área do concurso, mas o juri apenas considerou em tal parâmetro a escolaridade obrigatória, violando frontalmente as normas citadas.
Como pode a entidade recorrida defender que não é relevante para as funções a exercer a titularidade de habilitações superiores, e que esta até pode ser negativa?
A desconsideração da titularidade de grau académico superior é uma nítida desconsideração dos interesses dos serviços públicos, que só podem beneficiar com um nível de preparação académica que se situe acima da escolaridade obrigatória, independentemente das funções exercidas.
E é manifesto que o critério legal exige a distinção valorativa das habilitações académicas na avaliação curricular.
Acresce que, quando se avalia a experiência profissional, para além da linear contagem do tempo de serviço, se deve ponderar o desempenho efectivo e qualitativo de funções na área de actividade para a qual o concurso é aberto (cfr. a alínea c) do nº 2 do artigo 22º do Dec. Lei nº 204/98; Ac. STA de 6.11.02, citado no douto Parecer do Ministério Público, segundo o qual a antiguidade não pode erigir-se em critério exclusivo da atribuição de pontuação dos candidatos.
Procedem, assim, também as conclusões 7ª e 8ª das alegações do recorrente, sendo ainda de destacar, nesta matéria, o Ac. STA de 7.03.2001, citado pelo recorrente, in Ac. Dout. do STA, nº 478.
É, quanto a nós, também óbvio que o procedimento concursal violou o disposto nos artigos 26º e 36º do Dec. Lei 204/98, por o Juri ter determinado, na Acta nº 1, que a valoração do factor EP (Experiência Profissional), iria de 5 a 12 pontos, não atingindo assim os 20 pontos impostos por lei, pelo que procede, igualmente, a conclusão 9ª.
No mesmo factor, como diz o recorrente, verifica-se a ininteligibilidade do critério que permite aferir e distinguir os candidatos com direito a pontuação 5 ou 10 pontos.
Finalmente, observa-se, no tocante, às provas de conhecimentos, que na Acta nº 1 apenas se referem as provas de Português e Matemática, apesar de no ponto 10.1 do Aviso de Abertura do Concurso estejam mencionados, na prova de conhecimentos, os relativos aos direitos e deveres da função pública e deontologia profissional, em conformidade com o disposto no artigo 21 nº 1 do Dec. Lei 204/98, norma esta que terá sido grosseiramente violada.
Procedem, assim, também as conclusões 10ª e 11ª das alegações das recorrentes.
4. Decisão.
Em face do exposto acordam em conceder provimento ao recurso e em anular o acto recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 3.05.07

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa