Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02199/06
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:01/25/2007
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO CAUTELAR - ARTº 123º Nº 1 A) CPTA
REGIME REGRA DA IMPUGNAÇÃO DE ACTOS NULOS – ARTº 58º Nº 1 CPTA
CASO JULGADO MATERIAL – ARTº 671º Nº 1 CPC
Sumário:1. Salvo excepção de lei expressa, a impugnação de actos administrativos nulos ou juridicamente inexistentes não está sujeita a prazo, podendo ser deduzida a todo o tempo - artº 58º nº 1 CPTA.
2. O direito de acção em sede cautelar apenas na circunstância de actos administrativos inquinados por vícios geradores de anulabilidade se rege pelo disposto no artº 123º nº 1 a) CPTA por reporte ao prazo de 3 meses para impugnação de actos anuláveis ex vi artº 58º nº 2 b) do citado Código.
3. Apenas as decisões de mérito são susceptíveis de adquirir a eficácia de caso julgado material e podem ser obrigatórias num outro processo - artº 671º nº 1 CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Carlos & ..., SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, dela vem recorrer concluindo como segue:

I. A Douta Sentença recorrida enferma de nulidade, pois pretende aplicar o normativo do CPTA, quando, na verdade, o caso em apreço tem que ser analisado sob a égide da LPTA, em vigor à data das Deliberações em apreço, bem como da pendência dos processos judiciais.
II. Assim, pela aplicação do normativo da LPTA, encontra-se decorrido o prazo de caducidade para intentar a presente providência cautelar.
III. Existe caso julgado, pois as Sentenças proferidas em sede do TAC e do STA analisaram, em conjunto, todas as irregularidades invocadas pela ora Recorrida, Petrogal, quanto às deliberações ora suspensas.
IV. As deliberações em causa são constitutivas de direitos da ora Recorrente, pelo que não podem ser invalidadas, devendo-se manter no âmbito das relações jurídicas entre a CMA e a Carlos & Mira Lda.
V. A Recorrida, Petrogal, não tem qualquer legitimidade para requerer a suspensão da eficácia das deliberações de 1998 de 2005, pois as mesmas referem-se a um novo posto de gasolina, a ser implantado em zona que preencha os requisitos do Decreto-lei n° 246/92, de 30 de Outubro.
VI. Mesmo que a Petrogal tivesse a concessão do antigo posto de combustíveis, o mesmo encontra-se comprovadamente desactivado, e legalmente impedido de ser reactivado, pelo referido Decreto-lei n° 246/92, de 30 de Outubro, pelo que a Recorrida não tem prejuízos, nem presentes, nem futuros, pois não é concessionária de nenhum Posto licenciado.
VII. A suspensão de eficácia das deliberações de 1998 e de 2005 não confere à Petrogal o direito de obter, para si, a concessão do posto de combustíveis atribuído à Carlos e Mira Lda., pois a Petrogal nunca requereu, nem a atribuição de um novo posto de combustíveis, nem a transferência do antigo posto (mesmo que ao mesmo tivesse direito).
VIII. Assim, a Petrogal não tem sequer legitimidade para interpor a presente acção, e muito menos a intervir nos processos judiciais (o que se nos vislumbra, processualmente impossível), dado que o processo que correu os seus termos no STA, se encontra transitado em julgado e a Execução do mesmo não se compadece de ser sustida por uma "acção administrativa especial", como a que foi agora intentada pela ora Recorrida.

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A Recorrida Petróleos de Portugal – Petrogal SA contra-alegou, concluindo como segue:

a) As normas do CPTA aplicam-se inequivocamente no caso em apreço nos presentes autos;
b) Como se demonstrou no n.° 5 destas alegações (para onde se remete), a sentença recorrida decidiu bem ao dar por improcedente a questão prévia de caducidade do direito de acção no processo principal;
c) Mas ainda que as deliberações impugnadas pela ora Recorrida fossem apenas anuláveis, nem assim deixaria de estar em tempo a acção principal e, consequentemente, as providências cautelares requeridas;
d) É que, como se demonstrou no requerimento inicial e no n.° 8 das presentes alegações, só em 5 de Junho de 2006 é que a ora Recorrida tomou conhecimento da existência de uma série de factos que põem em causa os seus direitos, nomeadamente a existência de uma sentença que anulou a deliberação da CMA de 20 de Janeiro de 1999;
e) Sendo esta, portanto, a data a partir da qual começou a correr o prazo de três meses previsto no artº 58°/2/b do CPTA para impugnação de actos anuláveis;
f) Pelo que sempre teria de improceder a arguida excepção de caducidade do direito de acção no processo principal;
g) Improcedem, portanto, as conclusões l e II das alegações da Recorrente;
h) Como improcedente é, também, a conclusão III das alegações da Recorrente;
i) Desde logo, porque no processo de impugnação judicial da deliberação da CMA de 14 de Janeiro de 1998 (proc. n.° 595/98 do TAC de Lisboa) não houve qualquer pronúncia relativamente à validade dessa deliberação, dado que o processo se extinguiu por impossibilidade superveniente da lide;
j) Não houve, assim, qualquer caso julgado material relativamente às invalidades ou vícios de que padecia a deliberação da CMA de 14 de Janeiro de 1998, e que a Petrogal arguira no mencionado processo n.° 595/98, como bem se decidiu na sentença recorrida;
k) Por outro lado, decidiu ainda bem a sentença a quo quando considerou que até hoje nenhuma instância se pronunciou sobre a validade de qualquer uma das deliberações impugnadas nos autos principais, apreciando dos vícios que lhe são imputados pela ora Recorrida, como se demonstrou no n.° 17 destas alegações, que aqui se dá por reproduzido;
l) Não havendo, portanto, qualquer caso julgado da deliberação da CMA de 14 de Janeiro de 1998 por força do Acórdão do STA de 13 de Maio de 2003;
m) Mas ainda que houvesse algum caso julgado, o mesmo não seria oponível à ora Recorrida, pelas razões apontadas no n.° 22 destas alegações, para onde se remete;
n) Em suma: decidiu bem a sentença recorrida, ao considerar improcedentes as questões prévias invocadas pela CMA e pela ora Recorrente nas suas oposições;
o) A arguição constante da conclusão V das alegações da Recorrente nada tem a ver com os fundamentos pelos quais a sentença recorrida julgou verificados os requisitos previstos no art. 120° do CPTA para a concessão das providências requeridas, pelo que não cabe no âmbito da apreciação deste recurso jurisdicional;
p) De qualquer maneira, tal arguição nunca poderia proceder dado que é inequívoco, em primeiro lugar, que a deliberação da CMA de 14 de Janeiro de 1998 dizia respeito à transferência do posto licenciado à PETROGAL para outro local e, em segundo lugar, porque foi efectivamente através dessa deliberação (e não de outra) que foi aprovada essa transferência;
q) Improcede, também, a conclusão VII das alegações da Recorrente, dado não ser verdade que o posto de abastecimento se encontre comprovadamente desactivado e legalmente impedido de ser reactivado nos termos do Decreto-Lei n.° 246/92;
r) É inequívoca a existência de prejuízos para a ora Recorrida decorrentes da execução das deliberações da CMA impugnadas na acção principal, dado que a transferência do posto para outro local provoca o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado para os interesses da PETROGAL, como se havia demonstrado no requerimento inicial e foi reconhecido na sentença recorrida;
s) Decidiu bem, portanto, o Tribunal a quo, ao dar por verificado o requisito da primeira parte da alínea b) do n.° 1 do art. 120° do CPTA;
t) Como também decidiu bem no que respeita à verificação dos restantes requisitos para a concessão da providência requerida - parte da sentença, essa, que não foi sequer posta minimamente em causa pela Recorrente nas respectivas alegações de recurso.
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Com dispensa de vistos substituídos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão, em conferência - artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.
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Pela Mma. Senhora Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A) A Requerente "Petróleos de Portugal - Petrogal", em 08/03/1984, apresentou na Câmara Municipal da Amadora, pedido de licenciamento de instalação de posto de armazenagem e abastecimento de combustíveis líquidos no Casal de S. Brás, junto à E.M./542, que correu termos sob o n° 158-PD/84 - Acordo;
B) Em reunião da Câmara Municipal da Amadora, datada de 08/07/1986 foi deliberado aprovar o pedido de licenciamento que antecede, "condicionado a que a Petrogal construa um campo desportivo polivalente, de 20 x 40 metros, dentro dos limites do logradouro da Escola Primária do Casal de S. Brás, obra estimada em 2.500 contos" - doc. de fls. 28-29 dos autos;
C) Em 24/07/1986 a edilidade deliberou conceder à Requerente licença de construção para o posto de abastecimento supra referido, o que corresponde ao alvará de licença n° 471, de 28/11/1986 - Acordo e does. de fls. 46, 47 e 96;
D) Em 07/11/1986, foi lavrado termo de responsabilidade pelo engenheiro Armado José Costa Lopes, "(..) pela direcção e execução da obra que PETROLEOS DE PORTUGAL, EP - PETROGAL, pretende levar a efeito junto da Estrada Municipal nº 542, em Casal S. Brás (...)"- doc. de fls. 48;
E) Pelo ofício datado de 14/11/1986, sob n° 012752, o Vereador em exercício, Armando Cerqueira Romão, informou a Requerente de que "por deliberação de 30 de Setembro último, foi aceite por esta Câmara Municipal a transferência da quantia de 2 500 contos, por parte dessa empresa, com vista ao financiamento total das obras de construção de "ringue", a executar por força da concessão da autorização para instalação de posto de abastecimento de combustíveis no casal de S. Brás. Mais informo que a entrega da referida quantia deverá efectuar-se no prazo de 15 dias. - doc. de fls. 50; F) Em 28/11/1986 a Requerente procedeu ao referido pagamento de 2.500.000$00 - doc. de fls. 51;
G) Em 14/09/1988 a Requerente celebrou com Carlos Alberto Gomes Lobo e António Ribeiro Mira, na qualidade de únicos gerentes e em representação da sociedade comercial "CARLOS & MIRA - COMBUSTÍVEIS LUBRIFICANTES, LIMITADA", contrato de cessão de exploração, pelo qual a primeira cede de exploração à sociedade que os segundos representam, o estabelecimento comercial constituído por um posto de abastecimento de combustíveis líquidos, situado na estrada municipal n° 542, regido nos termos das cláusulas do documento complementar anexo, designado como contrato -doc. de fls. 53-56 e 57-65;
H) Estabelece o referido contrato de cessão de exploração celebrado entre a Requerente e a Contra-interessada, o seguinte, que se extrai, por súmula: "PRIMEIRA A PETROGAL, como dona e legítima possuidora do estabelecimento que é objecto deste contrato, cede a sua exploração ao CESSIONÁRIO, para nele serem comercializados produtos derivados de petróleo e outros por ela fornecidos. (...) VIGÉSIMA SEXTA O contrato é \-celebrado pelo prazo de cinco anos prorrogando-se por períodos sucessivos de um ano, se nenhuma das partes o tiver denunciado." - doc. de fls. 58-65, para que se remete e se considera integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais; I) Em 28/02/1990 a Direcção-Geral de Energia concedeu o Alvará n° L/272 à Requerente, para no prazo de 20 anos, explorar para venda, uma instalação armazenagem de combustíveis no casal de S. Brás, junto à E.M. n° 542 - doc. de fls. 66;
J) Em 09/01/1998 o Vereador da C.M.A., José Rodrigues Branco apresentou "Proposta", à reunião daquela Câmara Municipal, relativa à "Transferência de localização de posto de venda de combustíveis líquidos", da mesma constando o que se extrai: "O Munícipe José Augusto Alves Pires, na qualidade de sócio gerente da f irmã CARLOS & MIRA, Lda. (...) é a legítima detentora do direito de exploração da actual bomba de combustíveis líquidos que se encontra instalada na Rua 17 de Setembro, frente ao prédio n° 2, no Casal de S. Brás - Amadora. Este equipamento está instalado neste local desde Dezembro de 1987, com actividade continuada e sempre sob a tutela desta firma. O direito adquirido de exploração tem sido regular e formalmente consubstanciado através de pagamento das taxas devidas ao Município. O supra mencionado Munícipe em função dos normativos previstos no Decreto-Lei 256/92 de 30 de Outubro, requereu à Câmara através do DF 5057/93 a viabilidade para instalar este posto de abastecimento de combustíveis líquidos no local indicado na planta anexa, viabilizado e por unanimidade pela Câmara, na sua reunião de 10 de Novembro de 1993. Só agora e com o estudo e aprovação do Plano de Pormenor para a zona onde o terreno se insere, vai ser possível à C.M.A. dar sequência à viabilidade consagrada na deliberação supra mencionada. Foi apresentado pelo requerente para esta zona de terreno, um projecto de construção no pressuposto de o poder desenvolver a curto prazo, o que não foi possível por razões somente de natureza processual relacionadas com a legitimidade do terreno a favor da CMA.. A curto prazo estão reunidas as condições legais e formais conducentes à plena eficácia do acto viabilizado e possível através da celebração de um protocolo que vincule ambas as partes ao integral respeito pela aprovação para o local, do respectivo posto de combustíveis líquidos, em substituição daquele que terá de ser imperativamente desactivado, devido à já referida legislação que fixa o prazo de 5 anos para correcção destas situações e que teve já o seu terminus em 30/10/97. Assim, propõe-se para discussão e aprovação o seguinte:
a) Que o lote de terreno definido na planta anexa que vai constituir no Plano de Pormenor, fracção a favor do Município, seja permutado logo que legalmente estejam reunidos todos os requisitos a favor da firma requerente para o mesmo uso de actividade daquela que vinha exercendo no local a desactivar pelas razões já aduzidas.
b) Que sendo ainda previsível algum tempo até que estejam reunidas todas as condições conducentes à escritura de permuta, e acordados nos termos desta, se proceda à celebração de um protocolo de acordo que permita á requerente desenvolver acções no terreno com vista à construção do seu h-equipamento já definidos no projecto de construção existente na C.M.A .para apreciação dos serviços.
c) A presente proposta deve baixar aos serviços Técnicos da Câmara, de modo a que o projecto existente possa ser analisado em articulação com o estudo do Plano de Pormenor da zona." - doc. de fls. 32-33 e 34;
K) Em reunião da Câmara Municipal da Amadora, datada de 14/01/1998, com base na proposta que antecede, foi deliberado aprovar o pedido de "transferência de localização de posto de abastecimento de combustíveis" -doc. de fls. 31 dos autos;
L) O que não foi precedido de autorização da Requerente - Acordo;
M) A Requerente em 13/07/1998 interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação datada de 14/01/1998, assente em K) - doc. de fls.99;
N) Em 1999 a Requerente formulou junto da Entidade Pública Requerida pedido que lhe fosse passada em seu próprio nome a licença de ocupação de via pública do posto de abastecimento situado na Estrada Municipal 542, no Casal de S. Brás, o que foi deferido, por despacho do Presidente da C.M.A., datado de 23/02/1999 - docs. de fls. 105, 106-107 e 108-109;
O) Em reunião de 20/01/1999 a Câmara Municipal da Amadora deliberou revogar a deliberação de 14/01/98, com o seguinte teor:
"Considerando que:
1. Em 8 de Março de 1984, a Petrogal apresentou, à C.M.A., pedido de licenciamento para instalação de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos na Rua 17 de Setembro frente ao prédio nº 2 do Casal de S. Brás, o qual correu termos sob o nº 158-PD/84;
2. Em 8 de Julho de 1986, deliberou a C.M.A. aprovar o pedido identificado no ponto 2 da presente proposta;
3. Em 24 de Julho de 1986 foi concedido, pela C.M.A. à Petrogal, o alvará de licença de construção nº 4781;
4. A Petrogal pagou à C.M.A. o montante de esc. 2.500.000, em cumprimento da deliberação de 8.7.86;
5. A Petrogal tem pago as taxas anuais relativas à ocupação da via pública e publicidade;
6. Não existe no processo 158-PD/84, nenhum pedido de averbamento, ao alvará identificado no ponto 3 da presente proposta, de substituição do titular da licença de alvará;
7. Em 14 de Setembro de 1998, a Petrogal e a Sociedade Carlos & Mira, Lda., celebraram por escritura pública um contrato de cessão de exploração comercial do posto de abastecimento em causa;
8. O contrato mencionado no n" supra, apenas confere à Sociedade Carlos & Mira, Lda. a exploração do referido posto de abastecimento, pelo prazo de vinte e cinco anos, nos termos da cláusula vigésima sexta;
9. Nos termos do disposto na cláusula trigésima primeira do contrato mencionado no nº 7 da presente proposta, «Caducado ou resolvido o contrato, deve o cessionário, no prazo máximo de 30 dias, restituir à Petrogal o estabelecimento com todo o equipamento e material, que são propriedade desta e retirar as mercadorias que lhe pertencem»;
10. A deliberação de 14 de Janeiro de 1998, ao aprovar a transferência de localização do posto de abastecimento violou a lei por erro em pressupostos de facto, atento que considerou ter o munícipe José Augusto Alves Pires, sócio gerente da sociedade Carlos & Mira, Lda., legitimidade para requerer aquela transferência:
11. O lote de terreno, para o qual se aprovou a transferência da localização do posto de abastecimento não era, à data da deliberação de 14.01.98, propriedade da C.M.A., vedada lhe estava o exercício de qualquer acto de disposição sobre aquele;
Propõe-se que:
Seja revogada a deliberação da C.M.A. de 14 de Janeiro de 1998, notificando-se a sociedade Carlos & Mira, Lda., em conformidade." - docs. de fls. 35-37;
P) Da deliberação que antecede, foi interposto recurso contencioso de anulação pela Contra-interessada, que correu termos no TAC de Lisboa, sob n° 627/99, sem que a Requerente tivesse sido indicada como contra-interessada -Acordo;
Q) Por sentença proferida em 18/10/1999, o recurso contencioso assente em M), foi julgado extinto, por impossibilidade superveniente, determinado pela perda de objecto, por revogação da deliberação recorrida pela C.M.A. - docs. de fls. 100-101 e 102-104;
R) No âmbito do recurso contencioso de anulação assente em P), em 08/10/2002, foi proferida decisão, anulando a deliberação de 20/01/1999 - Acordo;
S) Decisão que foi confirmada pelo acórdão proferido em 13/05/2003 pelo STA, no âmbito do processo n° 257/2003, da 1° secção, 2° subsecção - Acordo;
T) Em 14/07/2004 a Contra-interessada requereu a execução da decisão transitada em julgado, assente em S) – Acordo;
U) A Entidade Pública Requerida e Contra-interessada estabeleceram negociações com vista a pôr termo ao processo de execução - Acordo;
V) A Requerente rescindiu com a Contra-interessada o contrato de cessão de exploração do posto de combustíveis com efeitos no dia 10/08/2005, assente em G) -Acordo e doc. de fls. 110-111;
W) Desde então o posto de combustíveis encontra-se inactivo - Acordo;
X) Na sequência das negociações referidas em U), em 04/10/2005 foi submetida à Câmara Municipal da Amadora a "Proposta nº 547/2005", a qual foi aprovada, com o seguinte teor:
"CONSIDERANDO:
1 A factualidade e as conclusões do parecer jurídico anexo à presente proposta;
2 É jurisprudência consensual que as sentenças dos Tribunais Administrativos podem ser executadas por acordo;
3 A Sociedade Carlos e Mira, Lda., requereu ao Tribunal Administrativo e Fiscal a execução da sentença que anulou a deliberação tomada em reunião de Câmara de 20 de Janeiro de 1999;
PROPÕE-SE QUE:
l - A Câmara Municipal da Amadora deliberar aceitar a proposta formulada pela requerente como termos de referência para o licenciamento de um posto de abastecimento de combustíveis, desde que o mesmo respeite as normas legais e regulamentares do urbanismo e da construção ao caso aplicáveis, e também às seguintes condições:
a) Apresentar a Sociedade Carlos e Mira, Lda. no prazo de 20 dias pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide na execução que corre termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (1° Juízo liquidatário), apenso ao processo nº 627/99;
b) Proceder à execução de um Parque Infantil, bem como ao ajardinamento da área envolvente, tal qual o mesmo seja definido no projecto final." — docs. de fls. 38-39 e de fls. 40-45;
Y) A Contra-interessada não requereu a inutilidade superveniente da lide da instância de execução, a que se refere em T), prosseguindo o processo os seus termos;
Z) Em 05/01/2006 a Requerente formulou à Entidade Pública Requerida, um pedido de informações e de emissão de certidão, relativos à deliberação de 06/10/2005 - doc. de fls. 114-117;
AA) O que foi reiterado em 03/05/2006 - doc. de fls. 118-119;
BB) A certidão requerida foi entregue em 05/06/2006 - Acordo;
CC) A Requerente deduziu a presente providência cautelar em 21/07/2006 - doc. fls. l e 2 dos autos;
DD) Consumada a transferência do posto de abastecimento para novo local, a Requerente ficará impedida de exercer a sua actividade no local licenciado, sito no Casal de S. Brás.

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Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir.

DO DIREITO


Vem assacada a sentença de incorrer nos seguintes vícios:

1. violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de caducidade do direito de acção cautelar ………………………………………………. itens 1 e 2 das conclusões de recurso;
2. violação primária de direito adjectivo por erro de julgamento em matéria de:
i. caso julgado …………………………………... itens 3 e 4 das conclusões;
ii. legitimidade activa cautelar …………………… itens 5 a 9 das conclusões.

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O discurso jurídico substanciador em sede de sentença no tocante às erxcepções do caso julgado e caducidade do direito de acção é o que de seguida se transcreve:
“(..)
1. Da caducidade do direito de acção

Como questão prévia suscitada pelas Entidades Requeridas, pública e privada, foi suscitada a questão de inadmissibilidade da presente lide cautelar por intempestividade do processo principal, alegando que os eventuais vícios de que as deliberações padeçam não têm por consequência jurídica a nulidade, razão pela qual será intempestiva a acção principal deduzida em juízo e, consequentemente, inadmissível o presente processo cautelar.
E sendo, porventura, as deliberações anuláveis, já passou o prazo de impugnação previsto.
Apreciando.
A questão de saber qual a consequência ou desvalor jurídico para um concreto acto administrativo importa que se conheça do teor ou conteúdo desse acto e do respectivo regime traçado na lei, no tocante ao regime de invalidade.
Ora, tomar conhecimento dessa questão seria antecipar para os presentes autos de contencioso cautelar o conhecimento de mérito que não lhe cabe, por não ser essa a finalidade da tutela cautelar.
A par, no requerimento inicial resulta a alegação por parte da Requerente de que as deliberações padecem de vícios conducentes ao regime de nulidade dos actos administrativos que ora pretende ver suspensos, invocando a alínea c) do n° 2 do art° 133° do CPA, pelo que o requerido nos autos consiste não no pedido de suspensão de acto anulável, caso em que decorrido o prazo de impugnação (de acto anulável) sem que tivesse sido intentada a competente acção administrativa, verificar-se-ia a causa de caducidade da providência cautelar, a que alude a al. a), do n° l, do art° 123° do CPTA, inviabilizando o seu decretamento futuro, estando antes em causa na presente instância, o pedido de suspensão de acto nulo, cuja impugnação, nos termos do n° l, do art° 58° do CPTA, não está sujeita a prazo.
Não colhe, deste modo, o alegado pela Entidade Requerida e Contra-interessada, quanto à caducidade da providência cautelar, reputando-se para tanto bastante, em sede cautelar, a arguição de nulidade dos actos pela Requerente.
Assim, muito embora não seja por nós desconhecida a douta jurisprudência firmada pelo STA e pelo TCA, no sentido de "O prazo regra de 3 meses previsto no artº 58°, nº 2, al. b) do CPTA para a impugnação de actos anuláveis é o prazo único para requerer providências cautelares de suspensão de eficácia de actos administrativos, independentemente do tipo de vícios a estes imputados", considerando para o efeito que, ainda que seja arguida a nulidade do acto, sempre terá de ser respeitado o prazo de três meses para requerer a adopção de providências cautelares ou, ao tempo do recurso contencioso de anulação, o prazo de dois meses - vide, a este respeito, a título meramente exemplificativo, os doutos acórdãos do STA, de 15/09/2004, proc. n° 620/04, de 1 1/10/2001, proc. n° 47968 e de 28/07/1999, proc. n° 4523 e do TCA Sul, de 12/05/2005, proc. n° 719/05 - , o certo é que, modestamente, é outro o nosso entendimento.

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Conforme já preconizámos em momento anterior a propósito da mesma questão, noutra instância cautelar, em face o que dispõe o n° 2, do art° 123° do CPTA, que se transcreve "quando a tutela dos interesses a que a providência cautelar se destina seja “assegurada, por via contenciosa não sujeita a prazo, deve o requerente, para efeitos da al. a) do número anterior, usar essa via no prazo de três meses contado desde o trânsito em julgado da decisão”, significa, para nós, que deixa de fazer sentido a jurisprudência então vigente ao tempo do recurso contencioso de anulação e agora também aplicada em alguns Tribunais Superiores, aos processos regulados pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que entende que a tutela cautelar sempre tem de ser usada em juízo dentro de três meses, sob pena de, por essa via, não se consagrando a obrigação de vir a juízo no processo principal dentro de qualquer prazo, ficarem paralisados, para sempre, os efeitos jurídicos do acto administrativo, sem uma pronúncia de mérito sobre a sua ilegalidade.
De acordo com o nosso entendimento, esta doutrina deixou de ter aplicação por via do n° 2, do art° 123° do CPTA, pois o legislador, de forma cautelosa, impôs um prazo ao interessado para vir deduzir o meio principal, ainda que estejam em causa actos feridos de nulidade.
Pelo que face ao que todo antecede, é de improceder a questão prévia suscitada.

2. Da excepção de caso Julgado

Alegam igualmente as Entidades Requeridas a excepção de caso julgado, decorrente do trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do recurso contencioso de anulação, a que se refere a alínea Q) do probatório e também do douto acórdão do STA, proferido em 13/05/2002, assente na alínea S), dos Factos Assentes.
Vejamos.
Conforme estabelece o n° l, do art° 497° do CPC, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, entendendo-se por acção idêntica quando exista identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (n° l, do art° 498° do CPC).
Dispõe o n° 3, do art° 498° do CPC que há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Assim, analisando o circunstancialismo fáctico, o que se verifica é que a Autora formulou como pedidos na presente instância a suspensão de eficácia de dois actos administrativos, um dos quais já previamente impugnado na instância de recurso contencioso de anulação e um outro, mais recentemente tomado - as deliberações da Câmara Municipal da Amadora, datadas de 14/01/1998 e de 06/10/2005, assentes em K) e X), formulando na acção administrativa principal de que os autos dependem, a declaração de nulidade ou anulação dos actos impugnados.
Ora, atento que no âmbito do processo judicial de recurso contencioso de anulação da deliberação, datada de 14/01/1998, a lide foi extinta por impossibilidade superveniente, decorrente do facto de a entidade administrativa ter revogado a sua deliberação, forçoso se tem de concluir pela improcedência da excepção alegada, por inexistência de qualquer caso julgado material sobre a primeira das deliberações ora impugnadas.
Não obstante reconhecer-se a identidade de partes, de pedido e de causa de pedir em relação à referida lide e à que representa a acção administrativa especial de que depende a presente instância cautelar quanto à impugnação da deliberação camarária de 18/01/1998, o que resulta indiciariamente provado nos autos é que, até hoje, nenhuma instância judicial se pronunciou sobre a validade de qualquer uma das deliberações impugnadas, apreciando dos vícios que lhe são imputados pela ora Requerente.
Pelo que será diferente o alcance do caso julgado da sentença já proferida e aquele que resultará de uma decisão a proferir no processo principal de que dependem os presentes autos de instância cautelar.
E deste modo, em nada serão conflituantes os efeitos da eventual sentença anulatória que porventura venha a ser prolatada, que pode culminar ou não pela procedência do pedido.
Com efeito, conforme já anteriormente se escreveu, sobre as questões que versam os presentes autos, relativas à legalidade das deliberações impugnadas, não existe qualquer pronúncia judicial anterior, por no âmbito do referido contencioso de anulação, sobre elas o julgador não se ter pronunciado, não emitido qualquer decisão de valor ou desvalor jurídico.
Atento o disposto no art° 673° do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, pelo que, com base no alegado, não pode haver qualquer excepção de caso julgado.
Ora, como distinguem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2a ed., Coimbra Editora, pp. 703, uma coisa é a excepção de caso julgado, que claramente in casu não existe, outra é a força de caso julgado, em relação a questões anteriormente já decididas, que, igualmente, entendemos não ocorrer.
Pelo que, se conclui não se colocar nos autos a excepção de caso julgado.
Sem prejuízo, deve ainda firmar-se que, relativamente ao douto acórdão proferido pelo STA, concordamos com a Requerente quando alega que o mesmo não lhe é oponível, na medida em que não foi parte na respectiva lide processual, estando aos seus precisos termos apenas vinculadas as respectivas partes processuais, ou seja, as oras Entidades Requeridas por serem os seus intervenientes processuais.
Pelo exposto, atentas as razões de facto e de direito indicados, julgo improcedentes as questões suscitadas pela Entidade Pública Requerida e Contra-interessada, relativas à excepção de caducidade do direito de acção e à excepção de caso julgado, por não provadas. (..)”

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A explanação doutrinária apresentada supra, que a presente formação deste TCA também sufraga sem qualquer declaração de voto contrária, não permite outro sentido de decisão que não seja o sentenciado e que se confirma inteiramente – cfr. artº 713º nº 5 CPC, ex vi artº 1º LPTA – pelo que não assiste razão ao Recorrente quanto às questões suscitadas em sede de erro de julgamento sobre matéria de facto.


1. caducidade do direito de acção cautelar – artº 123º nº1 a) e 58º nº 2 b) CPTA;


Efectivamente, no tocante ao disposto no artº 123º nº 1 a) do CPTA diz-nos a Doutrina que “(..) quando o processo cautelar tenha sido desencadeado como preliminar do processo principal, o decurso do prazo para a instauração do processo principal sem que este tenha sido instaurado conduz à extinção do processo cautelar e à caducidade da providência que nele tenha sido decretada. Isto vale, desde logo, para as acções relativas a actos administrativos caducando as providências cautelares que já tenham sido decretadas se estas não forem propostas dentro dos prazos dos artigos 58º e 69º. É a solução que o artº 79º nº 3 LPTA já consagrava, a propósito da suspensão da eficácia de actos administrativos, no pressuposto de que, de outro modo, o beneficiário da suspensão, uma vez obtida esta, já não teria de se dar ao trabalho de impugnar o acto. (..)” (1)
Este regime de caducidade do direito de acção cautelar, da extinção da instância cautelar pendente ou da própria providência que entretanto haja sido decretada, é corolário do princípio da instrumentalidade estrutural das providências cautelares face ao processo principal em que o Requerente deduza pedido cuja utilidade jurídica em sede de sentença favorável pretenda garantir.
No regime da caducidade, a instância cautelar depende “(..) das vicissitudes do processo principal. Por exemplo, na instauração, improcedência, extinção da instância, etc. – v. o artº 123º (..)” (2)
Salvo excepção de lei expressa, v.g. artº 101º CPTA, a impugnação de actos administrativos nulos ou juridicamente inexistentes não está sujeita a prazo, podendo ser deduzida a todo o tempo, cfr. artº 58º nº 1 CPTA, cabendo não perder de vista que, mostrando-se um acto eivado de vícios cuja sanção cominada seja, quanto a uns, a anulabilidade e, quanto a outros, a nulidade, é evidente que o acto apenas pode ser impugnado a todo o tempo no que tange às ilegalidades geradoras de nulidade.(3)
Pelo que vem dito e ressalvado o respeito devido por tese contrária, o direito de acção em sede cautelar apenas na circunstância de actos administrativos inquinados por vícios geradores de anulabilidade se rege pelo disposto no artº 123º nº 1 a) CPTA por reporte ao prazo de 3 meses para impugnação de actos anuláveis ex vi artº 58º nº 2 b) do citado Código, tese já sufragada no acórdão deste TCA Sul de 18.01.2007 in rec, nº 2024/06.
Exactamente porque não está sujeita a prazo a impugnação de actos nulos nem inexistentes – salvo, como já se disse, nos casos excepcionados por lei expressa – não só é aplicável a lei adjectiva em vigor aquando do exercício do direito de acção cautelar como, uma vez decretada a providência deduzida preliminarmente, o artº 123º nº 2 CPTA estabelece o prazo de 3 meses para o interessado dar entrada à acção de que a providência é instrumental, prazo “(..) cujo único objectivo é evitar que uma providência cautelar entretanto adoptada possa perdurar indefinidamente, sem que seja deduzido o correspondente meio contencioso principal. (..)” (4)

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De modo que improcede a questão suscitada nos itens 1 e 2 das conclusões de recurso



2. caso julgado material


Entende-se por efeito de caso julgado a inadmissibilidade de substituição ou modificação da decisão por qualquer Tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade de impugnação por reclamação ou recurso ordinário, dele decorrendo a investidura das decisões dos Tribunais na qualidade de título jurídico da situação concreta. (5)
Em aliança com a natureza jurídica dos Tribunais enquanto órgão de soberania, cfr. artº 202º nº 1 CRP, o caso julgado define as decisões judiciais como (..) “obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, cfr. artº 208º nº 2 da CRP.
Nestas circunstâncias, no que ao efeito de caso julgado importa, o fundamento da decisão jurisdicional só pode ter um conteúdo, que é exactamente o conteúdo valorativo declarado na norma aplicada podendo, assim, dizer-se que “(..) o caso julgado material recai sobre a decisão e os fundamentos, de facto e de direito, pois incide sobre a decisão fundamentada (..) o raciocínio subsuntivo vale no seu todo de conjunto e nos seus elementos de composição, o que (..) significa que a questão de facto (..) e a questão de direito do raciocínio de subsunção [facto subsumido e norma subsuntiva] são (..) globalmente abrangidos pelo caso julgado material da decisão fundamentada de facto e de direito (..) o caso julgado material integra os fundamentos decisivos para o sentido da sentença e os elementos, ou motivos objectivos, da relação jurídica litigiosa (..)” (6)
Dito de outro modo, no que tange à produção do efeito do caso julgado “(..) não existe uma diferença estrutural entre a sentença de anulação do acto administrativo e aquelas que, em geral, dão provimento a processos impugnatórios (..): contendo a verificação judicial da pretensão anulatória (reconstitutiva da posição) do recorrente, a sentença de provimento do recurso traduz “o resultado da aplicação da norma ao facto e assim a enunciação da regra do caso concreto” (..)”. (7)
De modo que, no que tange ao caso julgado material em sede administrativa pode afirmar-se tal como em sede adjectiva cível que “(..) o caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade de causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações jurídicas que podem ser atribuídas a esse fundamento (artºs. 497º nº 1 e 498º nº 4 CPC) . Assim, quando o objecto apreciado for susceptível de comportar várias qualificações jurídicas – como sucede quando um mesmo facto preenche simultaneamente a previsão de responsabilidade contratual e extracontratual - , o caso julgado, ainda que referido a uma única dessas qualificações, abrange-as a todas elas, porque o Tribunal deve apreciar a procedência da causa segundo todas essas qualificações.
Nesta hipótese, a excepção de caso julgado impede que um efeito jurídico pretendido ou obtido com fundamento numa qualificação jurídica possa ser requerido com base numa outra qualificação dos mesmos factos. (..)
Se, contudo, os factos forem distintos - isto é, se as causas de pedir se referirem a factos diferentes -, a excepção de caso julgado não pode operar (artºs. 497º nº 1 e 498º nº 4 CPC). (..)”(8)


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Em face das extensas citações doutrinárias, apenas as decisões de mérito são susceptíveis de adquirir a eficácia de caso julgado material, cfr. artº 671º nº 1 CPC e podem ser obrigatórias num outro processo.
Consequentemente, como acima transcrito da sentença sob recurso, “(..) no âmbito do processo judicial de recurso contencioso de anulação da deliberação, datada de 14/01/1998, a lide foi extinta por impossibilidade superveniente, decorrente do facto de a entidade administrativa ter revogado a sua deliberação, forçoso se tem de concluir pela improcedência da excepção alegada, por inexistência de qualquer caso julgado material sobre a primeira das deliberações ora impugnadas. (..)”.
Também aqui improcede a questão suscitada nos itens 3 e 4 das conclusões.

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Por tudo o exposto, também improcede a questão suscitada nos itens 5 a 9 das conclusões de recurso, no que importa à legitimidade activa cautelar nos termos estatuídos no artº 112º nº 1 CPTA, nada impede a sociedade Recorrida de requerer a providência cautelar que assegure a utilidade do processo principal que está legitimada a intentar.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC, reduzida a metade – artºs. 73º D nº 3 e 73º E nº 1 f) do CCJ.



Lisboa, 25.JAN.2007



(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Elsa Esteves)

(1) Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 2005, pág. 629.
(2) Vieira de Andrade, A justiça administrativa (Lições), Almedina, 5ª edição, pág. 318.
(3) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF – Anotados, Vol. I, Almedina, 2004, pág.378.
(4) Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 2005, pág. 631/632.
(5) Oliveira Ascensão, O direito – introdução e teoria geral, Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª edição, pág. 489.
(6) Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ, 325, págs.208, 209, 211 e 213 – “(..) No direito positivo, o recurso de revista (artºs. 721º e ss) demonstra que a qualificação jurídica integra o caso julgado material da sentença jurisdicional. Com efeito, o pressuposto específico do recurso de revista é a violação, por erro de interpretação ou subsunção, de lei substantiva (..)”.
(7) Mário Aroso de Almeida, Sobre a autoridade de caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos, Almedina, 1994, pág. 122.
(8) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, pág. 576.