Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02906/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/28/2009
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:IVA;
FACTURAS SIMULADAS;
"DÉFICIT INSTRUTÓRIO";
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO.
Sumário:1. Estando questionada a fundamentação de correcções operadas pela AT, nos termos referidos em relatório de acção inspectiva de que, aquelas, sejam decorrência, a ausência de tal relatório da fase de instrução dos autos, acarreta inultrapassável "déficit instrutório" importando a anulação da decisão recorrida;

2. A correcção da matéria tributável, em sede de IVA, pela não aceitação de direito à dedução no entendimento de que as facturas em que se suporte não titulam operações com aderência à realidade, impõe-se ser levada a cabo por meras correcções técnicas;

3. A utilização indevida de metodologia indirecta acarreta vício de violação de lei;

4. A impugnação judicial opera como contencioso de anulação destinando-se ao aferir da legalidade do acto impugnado à luz da fundamentação, formal e substancial, de que se serviu a AT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- F...................., com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pela Mm.a juiz do TAF de Beja e que lhe julgou totalmente improcedente esta impugnação judicial que deduzira contra liquidação adicional de IVA, e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2004, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;
1. A facturas referidas nos autos, traduz uma efectiva compra, de mercadoria por parte da ora recorrida.

2. A questão essencial em análise no caso sub judice, pendia-se e prende-se com a correcta o incorrecta classificação das facturas tidas como falsas pela Administração Tributária.

3. Tal só podia ser alcançado mediante uma análise aos elementos fáctico-jurídicos enunciados pela Administração Tributária para justificar a consideração de tais facturas como falsas.

4. Ao ignorar as razões evocadas pelo ora recorrente, tanto em sede de Petição Inicial, incorrendo assim em vício de falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar, sendo por isso a sentença que se recorre nula nos termos do art. 125.°, n.° l do CPPT, na media em que tais argumentos foram exaustivamente invocados pelo ora recorrente, nunca tendo merecido qualquer resposta.

5.Aliás, os factos invocados pelo ora recorrente, tinham que necessariamente constar da matéria de facto provada, porquanto aqueles eram suficientes para demonstrar a falta de fundamentação das liquidações impugnadas.

6. Consequentemente, ao assim não entender o Meritíssimo juiz "a quo" pôs em causa os preceituado nos art. art. 268.° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, art. 125.° do Código de Procedimento Administrativo e art. 77.° da Lei Geral Tributária, segundo os quais as liquidações impugnadas nos autos careciam de estar fundamentadas de facto e de direito.
7. E no caso concreto entende-se que tais liquidações carecem de fundamentação, porquanto as mesmas não são claras, coerentes ou sequer lógicos os argumentos da Administração Tributária, incorrendo assim no vício de falta de fundamentação a que alude o art. 125, n.° 2 do CPA, falta essa que invalida a decisão por nulidade em virtude de preterição de formalidade essencial, como alude o art. 133.°, n.° l do CPA.

8. Ao considerar válida a actuação do caso dos autos, cuja invalidade deveria ter sido decretada na sentença, incorreu esta em erro de julgamento por violação das disposições das disposições já referidas.
9. Mais, salvo melhor opinião, fez a sentença uma errada aplicação ias regras do ónus da prova a que alude o art. 342.° do C. Civil, porquanto era à AT a quem cabia em primeiro lugar, demonstrar que tais facturas diziam respeito a operações simuladas, como decorre do art. 19.° do CIVA e da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (cfr. Art. 75.° da LGT), devendo também assim serem anuladas as liquidações impugnadas.
10. Tendo em conta os valores em causa, não pode o julgador satisfazer-se com juízos de mera probabilidade, pelo que se tinha dúvidas, ainda assim deveria a Meritíssima Juiz anular os actos impugnados uma vez que, por aplicação do art.° 100.°, n.° l do CPPT, na ausência de tal certeza, a incerteza sobre o facto, resultará na anulação dos actos impugnados, o qual exprime um dos princípios basilares do processo tributário, "in dúbio contra fiscum".
11. Por último, não tendo sido dado como provado que as facturas constantes do art. 6.° da Petição Inicial são falsas, nunca poderia a sentença manter as liquidações impugnadas.

- Conclui que, pela procedência do recurso, seja anulada a decisão recorrida.

- Não houve contra-alegações.

- A Mm.a juiz recorrida sustentou a decisão recorrida quanto aos vícios formais que lhe são imputados pelo recorrente (cfr. fls. 118 e 119).
- No STA, para onde o recurso foi inicialmente interposto, foi proferido o douto despacho de fls. 137 e 138 julgando, aquele Alto Tribunal, incompetente em razão da hierarquia para daquele conhecer, mais declarando caber tal competência a este Tribunal e Secção.

-O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 147 e 148 pronunciando-se, a final, pela improcedência do recurso no entendimento de que não ocorrem os ditos vícios formais, sendo que os actos tributários impugnados se encontram devidamente fundamentados, não sendo, tão pouco, caso de se lançar mão do estatuído no art.° 100.°, n.° l, do CPPT.
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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida, com suporte dos elementos coligidos para os autos e nas regras da experiência comum, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -
A). O Impugnante encontra-se colectado pelo exercício da actividade de "aluguer de máquinas e equipamentos", CAE 71.340, dispondo de contabilidade organizada, dela se retirando que a actividade acima referida tem carácter acessório, sendo a actividade principal a de compra e venda de cortiça;

B). Em 2005-08-29, na sequência de informação da Direcção Distrital de Finanças de ......., foi elaborado Relatório da acção de fiscalização cruzada, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido (e de onde ressaltam a comprovação de que os emitentes das facturas que o sujeito passivo, ora impugnante contabilizou como compras de mercadorias nos anos em crise, não exerciam qualquer actividade produtiva ou comercial, e em particular da única factura que é o principal motivo da liquidação adicional, nestes autos em crise, porquanto a sociedade "S................, LDA" não se encontra registada para efeitos de IVA e de IRC), e que conclui "... pela existência de várias irregularidades praticadas na contabilidade, bem como outras anomalias contabilísticas/ fiscais ... ", que originaram as correcções em sede de IRS e de IVA que aí foram propostas;
C). Em 2005-08-31, por despacho do Chefe de Divisão - com delegação de competências do Director Distrital de Finanças, e na sequência do relatório/informação prestada pelos serviços de fiscalização, e acima referido, foi fixado - por recurso a métodos indirectos - ao Impugnante o rendimento colectável dos anos de 2001 a 2003;

D) As quais foi judicialmente impugnadas;

E). Em 2004-07-20, o Impugnante entregou a sua Declaração de IVA, referente ao 2. ° trimestre de 2004;

F). Em 2005-07-22, o Impugnante entregou uma Declaração de Substituição de IVA, na qual retirou o imposto dedutível inicialmente declarado na declaração melhor identificada na alínea E) supra, proveniente da factura, emitida em 2004-04-10, pela firma "......................., LDA".
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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, diversos dos referidos nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão a proferir a luz das plausíveis soluções de direito.
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. ENQUADRAMENTO JURÍDICO

- No caso vertente o recorrente esgrime com vícios de forma, como sejam o da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, e com vícios de fundo, particularmente com erro de julgamento por ter considerado serem de manter na ordem jurídica os actos tributários impugnados, quando os mesmos repousam em pressupostos de facto errado já que têm pressuposto que a factura em que figura como emitente a sociedade "S........................., Ld.ª" não titula operações económicas efectivamente levadas a cabo, o que não corresponderá à verdade, por um lado e, por outro, por ter entendido que os referidos actos tributários se não encontram devida e formalmente fundamentados.

- Na ordem de apreciação dos imputados vícios importaria iniciar a análise do presente recurso por aqueles que, se provados, importassem a anulação da decisão recorrida; Ora, nesta linha de consideração, porque, adiante-se desde já, se entende que a decisão recorrida se impõe, de facto, ser anulada, por ausência de suporte probatório, será por aqui que se iniciará a apreciação de recurso, com a inerente implicação de prejuízo das (restantes) questões suscitadas pelo recurso, atento o estatuído no art.° 660.°/2 do CPC.

- Vejamos, então e sinteticamente, a razão da afirmada necessidade de anulação da decisão recorrida, a coberto do preceituado no n.° 4, do art.° 712.° do CPC, aqui aplicável subsidiariamente.

- Como se referiu anteriormente, a recorrente esgrime com a falta de fundamentação dos actos tributários impugnados (cfr. conclusão 7ª), questão esta que foi expressamente apreciada pela decisão recorrida, como o atestam as suas págs. 8 a 10 (fls. 78 a 80, inclusive, aos autos).

- Ora, como se dá conta na decisão recorrida, para aí se decidir no sentido de que as liquidações impugnadas se encontravam clara, suficiente e coerentemente fundamentadas, arrimou-se a Mm.a juiz recorrida ao teor do relatório da acção inspectiva, como inequivocamente resulta dos seguintes excertos da referida decisão;

«Assim, e porque resulta dos autos que o acto em crise se encontra devidamente fundamentado (cfr. alínea A) a E) supra (1)), não se verifica qualquer o obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressarem as razões porque se tributou, esclarecendo-se, inclusive, os motivos e a indicação dos factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fiz, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo às liquidações adicionais impugnadas.

Na verdade, corporizada no relatório da acção de fiscalização (vide alínea B supra), não se verifica qualquer subjectividade, ambiguidade ou indeterminação nos critérios utilizados, pois, ali, se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo às liquidações adicionais impugnadas, que é fruto dos custos identificados na contabilidade corrigidos, com discriminação das razões porque não foram consideradas as "facturas falsas" (cfr. alíneas A) a F) supra), porque se considerou que a sua contabilização violaria o disposto no art.° 23.º do CIRC).
(...)».

- Ora, independentemente se não alcançar a razão das referências, na decisão recorrida, a circunstâncias relativas a tributação em sede de IRS e de IRC, na medida em que, nos autos, apenas se encontram em causa actos tributários referentes a IVA, a verdade é que, (ao menos também] relativamente a estes o suporte fundamentador do agir sindicado da AT radica no referido relatório da acção inspectiva cruzada a que se faz alusão na alínea B), do probatório; Por consequência, para que este Tribunal possa aferir do alegado erro de julgamento no que toca à fundamentação formal das liquidações impugnadas é indispensável a disponibilidade do referido relatório onde aquela se consubstancia.

- Ora, como resulta dos autos, os mesmos são de todo omissos quanto ao referido relatório, admitindo-se que o mesmo se possa encontrar junto ao processo administrativo que, nos termos do despacho de fls.43 dos autos, se depreende ter sido apenso a estes autos e que, por qualquer desconhecida razão acabou por não ser remetido a este Tribunal uma vez que, como se dá conta a fls. 126, foi expedido em recurso para o STA, num único volume de 127 páginas, tendo sido esse mesmo expediente que, posteriormente e na sequência da decisão do STA acima referida foi, por sua vez, remetido a este Tribunal (cfr. fls. 143 e 144 dos autos).

- Por consequência e ao abrigo do citado n.° 4, do art.° 712.° do CPC, forçosa se impõe a anulação da decisão recorrida, para que os autos baixem ao Tribunal para que sejam juntos os elementos em falta.

- Acresce que o referido relatório se revela indispensável a uma adequada compreensão da decisão recorrida em face das correcções operadas pela AT com relevo ao caso dos autos.

- De facto, tratando-se de não aceitação do direito à dedução de IVA no entendimento de que as facturas em que o recorrente a fez suportar não titulem operações com aderência à realidade, essas correcções não podem deixar de ter sido operadas por metodologia alternativa consistente em correcções técnicas e não por recurso a métodos indirectos, sendo a eventual utilização desta última para aquele aludido efeito aqui em causa, configurará manifesta violação da ordem jurídica estabelecida.

- Contudo, a Mm.a juiz recorrida, no discurso jurídico que empreendeu na decisão em crise, reportando-se à metodologia alternativa utilizada pela AT. jamais se reporta às ditas correcções técnicas, antes afirma expressamente que, no caso, a AF, para proceder como procedeu, se socorreu, do uso de métodos indirectos (cfr. §§ 2º e 3.º, da sentença recorrida, a fls. 77 dos autos), o que, como se começou por se referir se não lobriga compreender e apenas o referido relatório permitirá esclarecer; acresce que menos se compreende, ainda, este sentido do discurso jurídico da sentença quando é certo, tendo em conta as datas relevantes, que se não dá notícia da indispensável utilização do procedimento de revisão, nos termos do plasmado (cfr. art.°s 86.º e 91.º e segs. da LGT).

- Mas o relatório indicia ainda ser de indispensável relevância uma vez que o que se nos afigura transparecer dos autos é que a conduta da AT se terá suportada, tão só, na referida extrapolação de que a factura de "S.............., Ld.ª" referida, não tem aderência à realidade.

- Ora, funcionando a impugnação judicial como um processo contencioso de anulação mas sujeito ao princípio do dispositivo, ainda que, concomitantemente, também ao princípio do inquisitório, tal significa que a sua baliza de actuação se não pode deixar de limitar ao aferir da legalidade do agir da administração e, por consequência, do acto tributário impugnado, tendo em linha de conta tão só a fundamentação que lhe subjaz.

- Mas, sendo assim e salvaguardada a hipótese de a AT se ter, ainda, ancorado na falta de requisitos legais da factura em questão, o que, reafirma-se, apenas o relatório poderá esclarecer, a apreciação da conformidade de tal documento com o formalismo plasmado no n.° 5, do art.° 35.° do CIVA, como foi feito na decisão recorrida (cfr. o § 3.° da sentença, a fls. 78 dos autos), consubstanciará ilegalidade que, também ela, deverá ser expurgada da decisão a proferir em substituição da que agora se impõe anular.

- Ainda por último, e no âmbito da prova, se nos afigura que a sentença aqui em análise padecerá de outras irregularidades; Assim, no último §, de fls. 76 dos autos, referiu a Mm.a juiz recorrida, em defesa da legalidade da utilização de métodos indirectos, e reportando-se à factura em causa nos autos, que, além do mais, o recorrente "(...) não logrou fazer prova da compra, e/ou do meio de pagamento, pretensamente utilizado, pelo que não comprova a realização de tais operações.".

- Ora, em face dos elementos probatórios coligidos nestes autos, não se descortina qual aquele a que a Mm.a juiz recorrida se ancora para poder afirmar, desde logo, que o recorrente invocou um qualquer que não conseguiu demonstrar; mas para além disto, e sendo sabido que a regra geral é da admissão dos meios probatórios admitidos em direito, a não ser que sejam excluídos por lei ou os pretendidos utilizar se manifestem absolutamente inadequados a tal finalidade, não se percebe que se afirme que o recorrente não logrou fazer prova das operações a que se reporta a factura em causa, apesar, como se diz expressamente, da prova testemunhal apresentada e do seu confronto com a prova documental e com a factualidade assente [por acordo confissão em matéria disponível ?] (cfr. 3.º §, a fls. 77 dos autos) quando é certo que, "in casu", não houve lugar à produção de prova testemunhal por a Mm.a juiz recorrida se ter considerada habilitada, com a factualidade relevante e necessária à decisão da causa e, nessa medida, ter afastado a possibilidade da respectiva produção, como resulta inequívoco do teor de fls 49 e seguintes.
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-DECISÃO-
- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário, com a fundamentação exposta e ao abrigo do n.° 4, do art.° 712.°, do CPC, por força do art.° 2.°/e, do CPPT, em anular a decisão recorrida, baixando os autos ao Tribunal recorrida, onde, juntos os elementos em falta, deverá ser proferida nova decisão em que, além. do mais, se tenha em consideração todo o circunstancialismo referido.
- Sem custas.
09ABR28
LUCAS MARTINS
ASCENSÃO LOPES
MANUEL MALHEIROS
(1) Aqui como adiante alíneas do probatório.