Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02249/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/27/2009
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IEC
PRESCIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:1. A prescrição da obrigação tributária, porque se destina a balizar o tempo dentro do qual o direito declarado pode ser exigido, tem no processo executivo, a sede de eleição para a respectiva apreciação;
2. Sem embargo, a sua ocorrência, porque impede a AF de exigir o respectivo cumprimento, torna inútil a apreciação da legalidade do acto de liquidação em que foi apurada pelo que, neste âmbito, pode e deve ser apreciada em processo de impugnação judicial;
3. Para a apreciação da prescrição relevam todos os factos com capacidade interruptiva, nos termos da lei, desde que ocorridos em momento em que o respectivo prazo esteja em curso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «S……………………, Ld.ª», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Leiria e que lhe julgou improcedente esta impugnação judicial de liquidação oficiosa de IEC de Álcool, levada a cabo pela DGAIEC – Alfândega de ………., referente ao ano de 1995 e na quantia global de €899.114,65, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões;

1.ª - O montante da liquidação oficiosa em causa nos autos, no valor de € 899.114,65, efectuada em 1996 pela Alfândega de ……….. respeita a factos tributários ocorridos em 1995 – 31 de 47 remessas de álcool etílico não vínico saídas do entreposto fiscal da Impugnante, sito em T…….. para o entresposto fiscal de “C……………….”, sito em E……, e ambos sob o controlo da mesma alfândega (P........).

2.ª - As expedições em causa foram levadas até ao fim e o regime de suspensão apurado (concluído documentalmente – art. 19.º, 6, do DL 52/93, de 26/02) tendo os exemplares 3 dos DAA (exemplares de reenvio ao expedidor) sido inclusivamente certificados pela própria alfândega de controlo e uns devolvidos à Impugnante e outros ficado na posse da respectiva estância aduaneira, o que para efeitos de apuramento do regime significa o mesmo.

3.ª - O entreposto fiscal de destino “C………………………” funcionava em pleno na altura dos factos, o que é ainda comprovado pelo facto de uma funcionária aduaneira da estância aduaneira de E……. da Alfândega de P........ ter juntado ao processo, em Fevereiro/1988, (que o Mº juiz determinou que ficassem em apenso) 42 exemplares 1 e 1-A de DAA de saída de produto do entreposto fiscal do Sr. C………………………. para países terceiros do Leste da Europa.

4.ª- A Impugnante não praticou qualquer irregularidade ou infracção e foi um operador de boa-fé, como decorre da basta prova constante do processo, dos factos dados como provados na douta sentença recorrida e ainda por força do facto de não lhe ter sido instaurado qualquer processo contra-ordenacional ou criminal.

5.ª - A douta sentença recorrida violou o princípio fundamental de direito comunitário do respeito do direito de defesa da Impugnante na medida em que se bastou com circunstância de a Alfândega de P........ ter dado à Impugnante (depositário autorizado expedidor) apenas um prazo máximo (!) de 5 (cinco) dias e para pagar a importância de € 899.114,65 de imposto especial sobre o álcool (ISA), desconsiderando totalmente o direito de defesa da Impugnante e, no mínimo, o comando da norma do art. 20.º, 4, do DL 52/93, 26/02, e do art. 20.º, 3, da DT 92/12/CEE, que concedem ao expedidor um prazo de 4 (quatro) meses para apresentar provas da regularidade da operação ou do local onde a infracção ou a irregularidade foi cometida e, deste modo, se poder desonerar da sua responsabilidade fiscal “objectiva ou pelo risco” (arts. 15.º, 3 e 6, do DL 52/93, 26/02, e 15.º, 3 e 4 da DT 92/12/CEE).

6.ª - O princípio fundamental de direito comunitário foi já objecto de apreciação e decisão pelo Tribunal de Justiça em situações idênticas ou similares: processo n.º C-395/00 (“Distellerie Fratelli Cipriani SpA contra Ministero dlle Finanza”), acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2000; proc. n.º C-462/98 (“Mediocurso/ Comissão”); e acórdão de 24/010/1996 (“Comissão/Lirestal”), proc. n.º C-32/95, pelo que a sua doutrina é aplicar directamente ao caso dos autos.

7.ª - Porém, caso assim não se entenda, então, em obediência à aplicação uniforme do direito comunitário dever-se-á recorrer ao mecanismo do recurso prejudicial (art. 234.º do Tratado) e ouvir, em conformidade, o Tribunal de Justiça.
Neste caso, a pergunta que se propõe seja feita pelo Supremo Tribunal Administrativo do Tribunal de Justiça é a seguinte:
“Um prazo máximo de 5 (cinco) dias, contados da notificação de uma liquidação a posteriori efectuada pela autoridade aduaneira a um depositário autorizado expedidor (no caso uma pequena empresa familiar de direito português) para pagar a quantia de € 899.114,65 ( oitocentos e noventa e nove mil, cento e catorze euros e sessenta e cinco cêntimos) imposto especial sobre o álcool (ISA), sem ter sido previamente aberto audição prévia, relativamente a 31 operações de expedição de álcool etílico a 96,3% efectuadas entre 07.11.1995 e 21.11.1995, pode ser considerado um prazo razoável para o exercício do seu direito de defesa por parte do depositário autorizado expedidor?”.

Acresce que,

8.ª - A fundamentação legal da douta sentença recorrida assenta errada e exclusivamente nas normas dos arts. 19.º, 6, al. b), e 20.º, 3 e 4 do DL 52/93, de 26/02, normas não aplicáveis ao caso dos autos. A primeira (art.º 19.º, 6, al. b)) porque não pode ser assacada à Impugnante qualquer falta de apuramento do regime de suspensão de qualquer das expedições de álcool efectuadas; a segunda e a terceira (art. 20.º, 3 e 4) porque bastará uma mera interpretação literal para se verificar que se reportam, exclusivamente, a transacções com o estrangeiro, sejam do estrangeiro para território nacional (n.º 3), sejam do território nacional para o exterior (n.º 4).

Porém, caso assim se não entendesse,

9.ª - Ou seja, a considerar-se que, no caso dos autos, subsistiria a responsabilidade fiscal do expedidor, então esta só pode assentar no “risco da circulação das mercadorias” prevista e regulada nos arts. 15.º, 3, da DT 92/12/CEE e 15.º, 3, do DL 52/93, 26/02 (e art. 15.º-B do DL 117/92, 2/06 também para a circulação nacional).

10.ª - Então, se se considerar que está em causa uma liquidação a posteriori originada pelo risco da circulação das mercadorias, tem-se por evidente que as normas aplicáveis são as identificadas na conclusão anterior a não a do art.20.º, 4, do DL 52/93, 26/02, porque as transacções não foram expedidas para o estrangeiro (1.ª parte), nem à Impugnante, repita-se, foi concedido o prazo de quatro meses ali consignado (2.ª parte).

11.ª - A douta sentença recorrida também não observou outros princípios e normas jurídicos fundamentais de direito comunitário e nacional, de carácter constitucional, tais como, o princípio da coerência do sistema, o princípio da segurança jurídica, o princípio da protecção da confiança legítima, o princípio da praticabilidade, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, o princípio da capacidade contributiva, e o princípio da justiça.

12.ª - Princípios e normas legais violados: Princípio fundamental de direito comunitário do respeito do direito de defesa; princípio da coerência do sistema; princípio da segurança jurídica; princípio da protecção da confiança legítima; princípio da praticabilidade; princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso; princípio da capacidade contributiva; princípio da justiça; arts. 266.º, 1 e 2, da CRP; arts. 4.º, 5.º, 6.º. 7.º e 8.º do CPA; arts. 5.º, 2 e 55.º da LGT; arts 15.º, 3 e 4 e 20.º, 3, da DT 92/12CEE; e arts. 15.º, 3 e 6, 19.º, 6, al. b) e 20.º, 3 e 4, do DL 52/93, 26/02.

- Não houve contra-alegações.

- O STA, para onde o recurso foi interposto, por douta decisão de 2008JAN16, declarou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso, mais declarando caber tal competência a este Tribunal e secção.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 377 e v.º, pronunciando-se, a final, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

- Na sequência do requerimento de fls. 356-A a 359, apresentado pela recorrente e esgrimindo com a prescrição da obrigação tributária em causa, a RFP pronunciou-se no sentido de ser dada resposta negativa a tal questão, nos termos do requerimento que constitui fls. 382 dos autos.

- Foi observado o princípio do contraditório.

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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). No ano de 1995, a impugnante, «Sociedade V………, L.da.», com o nipc ……….., desenvolvia a actividade de produção e comercialização de álcool etílico não vínico e era titular de um entreposto fiscal de armazenagem e de um entreposto fiscal de produção, tendo adquirido o estatuto de depositário autorizado, sob o n.º …………..,ao abrigo do Dec.Lei 117/92, de 22/6 (cfr. factualidade admitida pela impugnante na p.i.; documentos juntos a fls. 40 a 42 dos autos; informação exarada a fls. 151 a 156 dos autos):

B). No período de 07/11/1995 a 21/11/1995, foram emitidos, pela sociedade identificada no n.º 1(1), trinta e um Documentos Administrativos de Acompanhamento (DAA), tendo por objecto cisternas de álcool etílico a 96,3%, no total de 830.353,0 litros, nos quais foi identificada como destinatária a empresa “C…………………”, com sede em E…., depositário autorizado n.º ……….., que, em decurso da comunicação datada de11/10/1995, detinha o registo do entreposto fiscal de armazenagem n.º 39941122, referente aos produtos “Bebidas Espirituosas” e “Todos os vinhos” (cfr. documentos juntos a fls. 35 a 39 dos presentes autos; documentos juntos em apenso administrativo aos presentes autos; factualidade admitida pela impugnante na p.i.; informação exarada a fls. 151 a 156 dos autos);

C). A sociedade impugnante procedeu à entrega dos modelos 1.A dos DAA mencionados no n.º 2 junto da Alfândega de P........ (cfr. factualidade admitida pela impugnante na p.i.; prova testemunhal constante de fls. 164 a 170 dos presentes autos);

D). Os transportes de álcool identificados no n.º 2 foram realizados pelas empresas “Transportes …..”, “Transportes ………, L.da.” e “R……………., L.da.”, tendo por destino instalações sitas na Zona Industrial de E…… (cfr. documentos juntos a fls. 53 e 54 dos presentes autos; prova testemunhal constante de fls. 164 a 170 dos presentes autos);

E). Em 17/11/1995, funcionários da Delegação Aduaneira de E….. procederam á verificação física das instalações do entreposto fiscal de “C………………” identificado no n.º 2, constatando que as mesmas já não eram da propriedade do Sr. C…….., uma vez que deixou de pagar a renda em Setembro de 1995, facto este de que a Alfândega não foi informada, contudo, o proprietário do armazém deixou vistoriar as instalações tendo-se comprovado que no local não havia existências de álcool (cfr. documento junto em apenso administrativo aos presentes autos);

F). Em 20/1/1995, o Sr, C…………………. produziu alegações afirmando, além do mais, que não conhece a sociedade impugnante, nem tampouco recebeu álcool de ninguém, pelo facto do seu entreposto não ter feito qualquer movimento quer de entradas quer de saídas (cfr. auto de declarações junto em apenso administrativo ao presente processo);

G). Em 10/2/1998, o Sr. C................ reafirmou as declarações identificadas no n.º 6, em depoimento prestado em Tribunal, no qual refere, além do mais, que nunca comprou álcool nem fez qualquer movimento com esse material, que não houve qualquer actividade no armazém referido, nem podia haver, porquanto era o declarante que tinha as respectivas chaves, e, tendo-lhe sido exibidos os exemplares das DAA remetidas de Elvas, negou ser sua a rubrica e carimbo deles constantes(cfr. prova testemunhal constante de fls. 183 a 186 dos presentes autos);

H). Por despacho do Director da Alfândega de P........, de 22/11/1995, foram revogadas as autorizações concedidas para o depositário autorizado e para o entreposto fiscal conexo detido por C................ (cfr. documentos juntos em apenso administrativo);

I). Em 22/11/1995, a Alfândega de P........ promoveu uma inventariação física das existências da sociedade impugnante, procedendo à selagem e apreensão do álcool da mesma, bem como à notificação da revogação da autorização dos entrepostos fiscais n.º 39929254 e 399 40363 de que era titular e que se identificam no n.º 1 (cfr. factualidade admitida pela impugnante na p.i.; informação exarada a fls. 151 a 156 dos autos; documentos junto a fls. 146 a 148 dos presentes autos);

J). A solicitação da A. Aduaneira, a impugnante disponibilizou, como documentos relativos ás operações referenciadas no n.º 2, DAA, guias de remessa, apenas assinadas pelo expedidor e pelo transportador, e facturas emitidas, elementos considerados insuficientes pela A. Aduaneira para a comprovação da realização das operações, sendo que, nos termos dos artºs 19, n.º 6, al. b), e 20,nos 3 e 4, do Dec.Lei 52/93, de 26/2, sempre que se verifica uma expedição irregular de produtos sujeitos a IEC, o responsável pelo pagamento do respectivo imposto é o expedidor, em virtude do que se apurou imposto em falta no montante total de € 899.114,65, derivado de 830.353,0 litros de álcool etílico a 96,3%, correspondente a 799.629,93 litros de álcool etílico a 100%, quantidade que se multiplicou por 200$00 o litro (cfr. informação exarada a fls. 151 a 156 dos autos; documentos juntos a fls. 35 a 39 e 55 a 145 dos autos);

K). Em consequência, a A. Aduaneira estruturou liquidação oficiosa de Imposto Especial sobre o Álcool (ISA), notificada à sociedade impugnante por ofício datado de 25/10/1996, levada a efeito pelo Director da Alfândega de P........ e no montante global de € 899.144,65, liquidação cujo pagamento era da responsabilidade da sociedade impugnante e fixando-se para o efeito o prazo de cinco dias (cfr. informação exarada a fls. 151 a 156 dos presentes autos; documento junto a fls. 35 a 39 dos presentes autos);

L). Em 11/12/1996, deu entrada no então Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa a impugnação apresentada por “Sociedade V………………, L.da.” e tendo por objecto a liquidação identificada no n.º 11 (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 2 dos autos).

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- Mais se deram como não provados quaisquer outros factos diversos dos referenciados nas precedentes alíneas enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão ora recorrida, o seguinte;

«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apenso constam, no depoimento pelas testemunhas arroladas pelas partes, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr. art.º 361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

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- Por se terem por relevantes à decisão a proferir, considerando que se encontra documentalmente demonstrada, com suporte nos elementos “infra” referenciados, adita-se, ao probatório, a coberto do disposto no art.º 712.º/1, do CPC, ex vi do art.º 2.º/e, do CPPT, a seguinte factualidade;

M). Para cobrança coerciva da quantia apurada pela liquidação impugnada nestes autos, foi instaurada, em 1996DEZ20, contra a recorrente a execução fiscal n.º 2…………………, que se encontra apensa a estes autos e para a qual se remete;

P). Por despacho do Chefe do SFinanças de ……, datado de 2008FEV01, foi declarada extinta a execução fiscal identificada na alínea que antecede, por prescrição da obrigação tributária exequenda, na importância de € 870.495,79 – cfr. as quatro últimas folhas do processo de execução apenso.

Q). A quantia exequenda inicial, correspondente à quantia apurada na liquidação impugnada, na importância total de Esc. 180.256.303$ (€ 899.114,65) foi abatida em Esc. 5.737.565$, ficando reduzida ao valor da obrigação declarada prescrita (€ 870.495,79 = Esc. 174.518.738$) – cfr. fls. 90 do processo de execução apenso.

R). A declarada prescrição da obrigação tributária está por notificar, designadamente à A Aduaneira.

S). Os presentes autos de impugnação judicial seguiram a sua normal tramitação, sem qualquer interrupção por prazo inferior a um ano, até 1998MAI18 – cfr. fls. 226 destes autos;

T). Na data mencionada em S). foi aberta vista ao EMMP, em 1.ª instância, para emissão de parecer pré-sentencial, o qual foi efectivado em 1999JUL14 – cfr. fls. 226 a 243, inclusive, dos presentes autos.

U). A recorrente foi citada, para os termos da execução mencionada em M). através de carta registada, com AR, endereçada para a morada da sua sede, tendo aquele recibo sido devolvido assinado, no local reservado ao destinatário, em 97JAN17 – cfr. fls. 7 do proc. de execução apenso.

V). Por falta de bens penhoráveis, da recorrente, suficientes para satisfação da dívida exequenda, foi o referido processo executivo, mandado reverter contra os responsáveis subsidiários os quais foram citados em 2003MAR22 – cfr. fls. 104, 105 e v.º e 108 e v.º do proc. de execução apenso.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -

- Como é sobejamente sabido, o processo de impugnação judicial tem por desiderato a apreciação da validade substancial de um acto tributário.

- Por outro lado, a figura da prescrição, porque se destina a balizar o tempo dentro do qual o direito declarado pode ser exigido, tem a ver com a eficácia do acto tributário que o declarou, e não com a sua validade razão porque, como é entendimento jurisprudencial firme, constitui questão apreciável em sede executiva, onde, aliás, a respectiva apreciação é de natureza oficiosa, susceptível de determinar a extinção da respectiva instância, e já não no processo de impugnação judicial.

- Contudo, conforme é, igualmente, admitido pela doutrina e pela jurisprudência, particularmente do STA, a prescrição pode e deve, ainda assim, ser objecto de apreciação em sede de impugnação judicial, desde que se verifiquem os necessários pressupostos, isto é, desde que, uma vez declarada se torne inútil a continuação da discussão da legalidade do acto tributário impugnado.

- E, tais pressupostos traduzem-se no decurso do respectivo prazo, sem que a mesma tenha sido conhecida na sede própria, por um lado e, por outro, que o imposto decorrente do acto tributário impugnado não tenha sido pago, na medida em que se é certo que, em tais circunstâncias, ele não pode ser exigido, não é menos certo que se tiver sido cumprida a respectiva obrigação, ela converte-se em obrigação natural cuja prestação não pode ser repetida, nos termos do disposto nos art.ºs 304.º e 403.º, ambos do C.Civil (2).

- Ora, no caso vertente e como decorre da matéria de facto aditada ao probatório, o CSFT….. proferiu já, em 1 de Fevereiro do corrente ano, despacho declarando prescrita a obrigação tributária em causa; Contudo e à luz do que revelam os autos de execução fiscal, tal decisão não foi levada ao conhecimento das partes no sentido de, contra ela, poderem, nos termos legais, reagirem.

- Por isso que sempre importará, aqui, tomar conhecimento da arguida prescrição da obrigação tributária, por banda da recorrente, na medida em que aquela, proferida no processo executivo, ainda se não firmou na ordem jurídica sendo certo que se julga de tomar conhecimento de tal questão nesta sede, nos termos antes referidos, em lugar de ficarem os autos a aguardar que a aludida declaração de prescrição passe em julgado.

- “In casu” é indesmentível que a colecta decorrente do acto impugnado está por pagar, ainda que tenha sido instaurada, posteriormente aos presentes autos, acção executiva para o efeito, uma vez que a mesma, não só não atesta o pagamento da dívida exequenda como, mais do que isso, pressupõe a não concretização do mesmo pela declaração de prescrição por parte do CSFinanças.

- Assim tudo se resume a saber se decorreu, ou não, o prazo prescricional ao caso aplicável, já que, em caso de resposta afirmativa, se torna de todo inútil discutir a conformidade do acto tributário com o ordenamento jurídico aplicável, uma vez que ainda que se concluísse, de igual forma, pela afirmativa, ainda assim a AT não terá qualquer possibilidade, na dependência da sua exclusiva vontade, de cobrar a referida colecta.

- Ora, como o patenteiam os autos, está em causa ISA referente ao ano de 1995; Por consequência é aplicável ao caso dos autos o que prescrevia o, então, art.º 34.º do revogado CPT preceito que, ao contrário do que veio a suceder posteriormente, não estabelecia, para o efeito, qualquer distinção entre impostos periódicos e de obrigação única.

- De facto e nos termos do referido art.º 34.º do CPT, o prazo prescricional das obrigações tributárias era, ali, estabelecido em dez anos, contado do início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o respectivo facto tributário, sendo, no entanto, o seu curso interrompido pela instauração de processo de reclamação, recurso hierárquico, impugnação judicial ou execução fiscal, situação que se mantinha se e enquanto o referido processo não estivesse parado por período superior a um ano, por facto não imputável ao contribuinte; Se tal paragem ocorresse, reiniciava-se (tal qual no caso de suspensão do prazo prescricional) a respectiva contagem adicionando o prazo decorrido até à instauração do procedimento adequado à interrupção, com o que viesse a decorrer depois de transcorrido aquele dito ano de paragem.

- E, ainda que, na linha do mais recente entendimento sufragado pelo STA, seja de atender a todos e cada um dos factos com capacidade interruptiva do prazo de prescrição da obrigação tributária elencados na lei, - com eram, no âmbito da vigência do CPT, apenas e só, os referidos processos de reclamação, recurso hierárquico, impugnação judicial ou de execução fiscal -, tal atendimento tem, no entanto, como pressuposto inultrapassável, que o referido prazo de prescrição se encontre a correr, designadamente por força da cessação do efeito interruptivo resultante de um qualquer outro (e prévio) daqueles factos com capacidade para o efeito e enunciados na lei, ter estado sem a tramitação devida e normal por lapso de tempo superior a um ano e por circunstância que não seja imputável ao executado, como se doutrina, v.g., no Ac. do STA, de 2007OUT24, tirado no Proc. n.º 244/07; E isto porque, no dizer expresso de tal aresto, «Achando-se interrompido o prazo prescricional, pela ocorrência de algum daqueles factos, a posterior eclosão de outro, embora em abstracto capaz de interromper o prazo, é inócua, pela impossibilidade de interromper o que já está interrompido».

- Sucede que, “in casu”,ocorreram dois factos susceptíveis de, por si em abstracto, serem adequados à interrupção do prazo prescricional, a saber a introdução em juízo da presente impugnação judicial e a instauração do processo executivo visando a cobrança coerciva da quantia apurada através do acto tributário aqui sindicado.

- E, como decorre do probatório, a mediação temporal entre cada um de tais factos foi de uns escassos nove (9) dias, já que enquanto o articulado inicial deste autos foi introduzido em juízo em 1996DEZ11 o aludido processo de execução fiscal foi instaurado em 20 desse mesmo mês e ano [fr. als. L) e M) do probatório], o que vale por dizer que a instauração do segundo, - o processo de execução fiscal -, ainda que possuindo-a em abstracto, deixou, contudo, de ter a virtualidade de interromper o prazo prescricional aqui em discussão em concreto em resultado de, o mesmo, se encontrar, em tal data, interrompido.

- Ou seja e em síntese, no caso vertente, tendo presente o que se acaba de referir e por cotejo entre os referidos meios processuais, apenas releva à indagação do decurso do prazo prescricional, as vicissitudes ocorridas no processo de impugnação judicial.

- Ora , para este efeito, basta ter em linha de conta o lapso de tempo decorrido, desde a cessação do efeito interruptivo do prazo prescricional decorrente da introdução em juízo dos presentes autos de impugnação judicial, ocorrido em 1999MAI19 – um ano e um dia depois do ter sido dada vista ao EMMP para parecer, sem qualquer outra movimentação processual -, para se concluir que, até 2008MAI19, decorreram nove anos certos; se a tal lapso de tempo aditarmos o que decorreu entre o início do ano de 1996 e o momento da verificação do primeiro facto interruptivo (instauração da impugnação), no total de 11 meses e 11 dias, forçosa se impõe a ilação de que, para os dez anos estipulados pelo art.º 34.º do CPT, ficaram, sempre e na pior das hipóteses, a faltar vinte ou, o que é o mesmo que dizer que o prazo prescricional em questão se esgotou, em qualquer caso, em 2008JUN20.

- E, ainda que se tenham aditado ao probatório, circunstâncias de facto relativas ao regime de prescrição das obrigações tributárias à luz da LGT, a verdade é que a subsunção da factualidade relevante a esse mesmo regime se traduziria, sempre, numa mera actividade académica e sem qualquer interesse específico e concreto, uma vez que a aplicação deste compêndio legal, quanto a esta matéria, está dependente da circunstância de, ao seu abrigo, a prescrição se verificar em momento mais favorável ao executado, do que ao abrigo do regime plasmado no CPT(3), o que, em termos de resultado final, sempre implicaria a ilação de que a obrigação tributária aqui em causa se encontra prescrita.


- Ou seja , e em face do que antes se referiu, forçoso se impõe concluir que a obrigação tributária em causa se encontra prescrita, o que prejudica, por inútil, a apreciação do recurso quanto ao mérito.
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- D E C I S Ã O -
- Nestes termos acordam, os juizes da secção de contencioso tributário do TCAS, em não conhecer do objecto do recurso, declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por prescrição da obrigação tributária decorrente do acto impugnado.
- Sem custas.
09JAN27
LUCAS MARTINS
PEREIRA GAMEIRO
JOSÉ CORREIA
(1) Agora, como doravante, sempre que o probatório se reportar a números, em termos identificativos, leiam-se as correspondentes alíneas, no caso a A)..
(2) Cfr., neste sentido , por todos e entre outros , o recente Ac. deste Tribunal , 07FEV27 , tirado no Rec. n.º 1.467/06.
(3) Como, aliás e de forma clara, decorre do sumário do Ac. do STA, de 2008ABR16, tirado no Proc. n.º 794/07 e citado pela DGAlfândegas, no requerimento/resposta de fls. 382.