Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02225/07
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:06/28/2007
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:ARTº 120º Nº 1 A) CPTA – FUMUS BONI IURIS – EVIDENTE PROCEDÊNCIA
ARTº 120º Nº 1 B) CPTA – FUMUS NON MALUS – FORMULAÇÃO NEGATIVA
ARTº 120º Nº 2 CPTA – CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES
DIREITO DO AMBIENTE – DIREITO FUNDAMENTAL DE NATUREZA ANÁLOGA AOS DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS – ARTº 17º CRP
Sumário:1. A qualidade de cognição exigida pelo artº 120º nº 1 a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão “evidente procedência da pretensão formulada” mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar.
2. No âmbito das providências conservatórias em que o interesse do requerente seja de mera conservação do status quo, no tocante à aparência do bom direito, ou fumus boni iuris, a intensidade exigida basta-se com que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão no processo principal ou a existência de causa obstativa do conhecimento de mérito - uma espécie de fumus negativo ou fumus non malus – cfr. artº 120º nº 1 b) CPTA.
3. Para os efeitos do disposto no artº 120º nº 2 CPTA, a ponderação entre os interesses públicos e privados colidentes resolve-se pela comparação do peso relativo dos interesses em presença, comparação a fazer à luz do circunstancialismo fáctico do caso concreto, cumprindo assegurar que, entre dois prejuízos, a decisão cautelar seja aquela que objectivamente provoque prejuízos em menor grau.
4. Nos termos do artº 12º nº 2 CRP a titularidade de direitos e deveres fundamentais pelas pessoas colectivas restringe-se àqueles que sejam “compatíveis com a sua natureza”, por isso são incompatíveis os direitos que, pela sua natureza, não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas, caso do direito ao ambiente, ressalvada a circunstância das associações ambientais.
5. A articulação entre direito do urbanismo e direito do ambiente expressa nos artºs. 9º e), 65º nº 2 a) e nº 4 e 66º nº 2 c) e) CRP configura o direito ao ambiente como um direito à abstenção de acções ambientalmente nocivas por parte do Estado e de terceiros e fundamenta a sua consagração como um dos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias a que se refere o artº 17º CRP.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Arrábida ..., SA, com os sinais nos autos, inconformada com a improcedência do pedido cautelar de suspensão de eficácia da deliberação da Comissão Directiva do Parque natural da Arrábida de 05.06.2006, proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, dela vem recorrer concluindo como segue:

1. A sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação das alíneas a) e b) do n° l e do n° 2 do artigo 120° do CPTA;
2. A ora recorrente requereu que a providência cautelar fosse decretada pelo Tribunal a quo por força do disposto na alínea a) do n.° l do artigo 120° do CPTA., por o acto suspendendo ser manifestamente ilegal, sendo evidente a procedência da pretensão a formular em sede de processo principal.
3. Para o efeito, alegou, desde logo, a ora recorrente vício de incompetência absoluta. Com efeito, o embargo ora em causa padece manifestamente de vício de incompetência absoluta e, consequentemente de nulidade, porquanto a competência para proceder ao embargo está legalmente atribuída ao Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, que nos termos do artigo 105° do Decreto-Lei n° 380/99, de 22 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 310/2003, de 10 de Dezembro é a entidade competente para determinar o embargo de trabalhos ou a demolição de obras quando estas violem plano especial de ordenamento do território, como é o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n° 141/2005, de 23 de Agosto.
4. As disposições do Decreto-Regulamentar n° 23/98 na parte que estipulavam a competência da comissão directiva para proceder ao embargo foram objecto de revogação pelo Decreto-Lei n° 380/99, de 22 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n° 310/2003, de 10 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial;
5. A Comissão Directiva do Parque Natural da Arrábida é um órgão que faz parte da estrutura orgânica do ICN, o qual consubstancia um instituto público e, portanto, pessoa colectiva juridicamente distinta do Estado. Tal significa que, estando a competência para o embargo cometida a um órgão do Estado, o exercício dessa competência por órgão de pessoa colectiva diferente, determina a nulidade dos respectivos actos administrativos, nos termos do artigo 133° n° l, al. b) do Código do Procedimento Administrativo.
6. O acto de embargo padece assim, manifestamente de vício de incompetência absoluta, gerador da sua nulidade nos termos do disposto no artigo 133°, n° l, al. bT) do Código do Procedimento Administrativo. Pelo que, é manifesto que o embargo padece irremediavelmente de nulidade por ter sido praticado no exercício de competências que estão legalmente cometidas à pessoa colectiva Estado, através do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional
7. Ora, andou mal a sentença recorrida ao entender que, quanto a este vício não pode dar-se por verificado o requisito da alínea a) do n° l do artigo 120° do CPTA porquanto, não havendo disposição expressa a revogar a norma do artigo 7°, n° 3, al. f) do Decreto-Regulamentar n° 23/98, de 14 de Outubro não é evidente que a mesma foi tacitamente revogada com a entrada em vigor da supra referida disposição do Decreto-.Lei n° 380/99, de 22 de Setembro e ao entender que apenas haverá evidencia quanto à procedência da pretensão quando o tribunal não tiver que proceder a indagação sobre os factos ou direito aplicável;
8. E evidente que este juízo sobra a evidência da procedência da acção principal tem de ser compatível com a natureza sumária da providência cautelar, pelo que o mesmo deve dispensar uma indagação aprofundada da matéria de facto e de direito que lhe está subjacente.
9. No entanto, não pode dizer-se que a indagação a fazer pelo tribunal na alínea a) é diferente da indagação a fazer na alínea b), pois a indagação é exactamente a mesma, com a mesma profundidade, apenas difere a conclusão a que se chega no final de tal indagação.
10. Acresce que, obviamente a natureza e profundidade da indagação a fazer pelo tribunal é diferente consoante está em causa uma questão exclusivamente dependente da matéria de facto ou de uma questão exclusivamente jurídica ou de direito. Pois, neste último caso, se não é necessário proceder a diligências de prova, o certo é que não é outro o papel do tribunal senão o de proceder à indagação dos princípios e regras de direito aplicáveis à questão suscitada.
11. Ora, no caso concreto e tratando-se de uma questão exclusivamente de direito, bastava ao tribunal aplicar os princípios e regras gerais para determinar, num juízo sumário, a ser aprofundado em sede de acção principal, se a norma que conferia competência para embargar à Comissão Directiva do Parque Natural da Arrábida se encontra em vigor ou se foi objecto de revogação tácita pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, bastando para o efeito determinar a natureza das normas invocadas para Fundamentar o embargo e comparar o âmbito das normas de competência que se sucederam no tempo.
12. É manifestamente restritivo do direito à tutela jurisdicional efectiva o entendimento de que não haverá evidência da procedência da pretensão quando a questão seja objecto de litígio entre as partes. É que, precisamente por ser objecto de litígio entre as partes, cabe ao tribunal pronunciar-se sobre ela, sob pena de, ao afirmar que havendo contestação do vício alegado, deixar integralmente "na mão" da autoridade requerida a aplicação ou não aplicação da disposição legal em causa: bastaria uma alegação genérica totalmente desprovida de fundamento para poder dizer-se que a questão é discutível.
13. A ora recorrente alegou ainda que o alvará de loteamento n° 11/2005 da Câmara Municipal de Sesimbra, a que se faz referencia na decisão e auto de embargo, foi emitido no âmbito de processo de execução de sentença do tribunal administrativo na qual se anulou parcialmente a deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra, datada de 2 de Março de 1989, na parte em que impôs a cedência de lotes à ora requerente. A referida deliberação havia também procedido á aprovação da operação de loteamento, tendo permanecido, nessa parte, plenamente válida e em vigor.
14. O que significa que, não obstante o respectivo alvará ser datado de 2005, tudo se passa, juridicamente, como se o mesmo tivesse sido emitido em 1989.
15. Pelo que, a decisão de embargo incorre em erro de facto e de direito ao considerar apenas, para efeitos de verificação da legalidade urbanística, o Alvará n° 11/2005, ignorando totalmente a licença de loteamento que deu origem ao referido alvará.
16. Ao contrário do decorre do acto de embargo, o acto a que deve atender-se para verificar o cumprimento dos parâmetros urbanísticos é, assim, a licença de loteamento consubstanciada na deliberação de 2 de Março de 1989 e não o alvará de loteamento respectivo.
17. Pelo que, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, a decisão suspendenda padece de erro de direito ao invocar a desconformidade do alvará com a legislação urbanística e, simultaneamente, ao invocar disposições muito posteriores ao acto de licenciamento e que, portanto, lhe não eram aplicáveis.
18. Se o que releva para esse efeito é a licença datada de 1989, as disposições invocadas na decisão e no auto de embargo posteriores a essa data são totalmente irrelevantes para aferir do cumprimento da legalidade urbanística porque posteriores à data da emissão da licença (nesse sentido vide o artigo 67° do Decreto-Lei n° 555/99).
19. De acordo com o artigo 14°, n° l a) da Portaria n° 26-F/80, de 9 de Janeiro, tratando-se de actividade residencial inserida em área urbana, a intervenção do Parque limitava-se à fase da elaboração dos planos urbanísticos a cargo das Câmaras Municipais, não tendo aquele Parque Natural qualquer intervenção, nestes casos, ao nível da aprovação das operações urbanísticas propriamente ditas. Dito de outro modo, tendo sido aprovada pelo próprio Parque Natural a inclusão dos terrenos a lotear em perímetro urbano, a Câmara Municipal já não tinha que consulta aquela Parque Natural, porquanto se tratava de área situada fora da sua jurisdição.
20. Tal entendimento foi corroborado pelo então Director do Parque Natural da Arrábida, que no âmbito do processo de loteamento, informou a Câmara Municipal de Sesimbra que a área a lotear se encontrava inserida em zona urbana, dispensada portanto de parecer do Parque Natural.
21. O disposto no artigo 65° do Decreto-Lei n° 400/84, de 31 de Dezembro, apenas eram considerados nulos os actos das câmaras municipais respeitantes a operações de loteamento ou as obras de urbanização que não tivessem sido precedidos de parecer prévio das entidades que devessem ser consultadas ou quando, consultadas aquelas entidades, tais actos fossem desconformes com os respectivos pareceres vinculativos.
22. Ora, no caso em análise, a Câmara Municipal de Sesimbra consultou, para todos os efeitos, o Parque Natural da Arrábida, o qual que informou que se tratava de zona urbana.
23. A existir a ilegalidade invocada pelo ora recorrido, a mesma determinaria mera anulabilidade, pelo que ter-se-ia sanado pelo decurso do tempo, ou seja, pelo prazo de um ano, que é o prazo mais alargado de impugnação dos actos administrativos e, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, o prazo de revogação de actos administrativos ilegais.
24. Nos casos em que a suposta actividade violadora de normas urbanísticas está titulada por um acto administrativo autorizatório, como a licença de loteamento, o princípio da legalidade impõe que o acto de embargo tenha também como pressuposto essencial a invalidade da licença.
25. No caso concreto, perante a licença de loteamento de 2 de Março de 1989, o acto de embargo apenas poderia fundamentar-se na invalidade da sua licença e, mais concretamente, na sua nulidade. E tal invalidade tem necessariamente que reportar-se à licença e não ao alvará.
26. A decisão de embargo em causa nos autos funda-se apenas na alegada legalidade do alvará n° 11/2005 sem sequer se referir à licença.
27. Entendeu o Tribunal a quo que se encontra indiciariamente provado nos autos que em reunião de 26.11.1986 o Conselho Geral do Parque Natural da Arrábida aprovou a reposição do terreno da recorrente como urbano e que, em quer no âmbito do pedido de viabilidade quer no âmbito do pedido de licenciamento o Parque Natural da Arrábida se pronunciou inequivocamente no sentido de que se tratava de área urbana.
28. Tendo sido demonstrado através documentos oficiais que fazem fé pública que o terreno da requerente se encontrava em área urbana, a presunção que daqueles documentos emana não poderia ser posta em causa pela mera alegação por parte da autoridade requerida de que, afinal assim não é. Pois, de acordo com as regras gerais de direito, tais actos são plenamente válidos até que sejam objecto de anulação ou declaração de inexistência ou nulidade, o que não foi o caso, ou até que o seu valor jurídico seja posto em causa em sede judicial, o que também não aconteceu.
29. Refere ainda a sentença recorrida que, o ICN alegou que a aprovação da alteração dos perímetros teria que ter sido objecto de aprovação pelo Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais e que o não foi.
30. Ora, desde logo e de acordo com as regras processuais aplicáveis cabia à autoridade requerida a prova de tal facto, o que não logrou fazer nos presentes autos.
31. O recorrido alegou na sua contestação no artigo 28° da sua contestação que "no entanto se tivesse sido alterada a área urbana fixada nº Ordenamento Prévio do Parque Natural (Decreto-Lei nº 622/76, de 28 de Julho e Portaria n°26-F/80, de 9 de Janeiro), por força do plano de urbanização proposto pela Câmara Municipal de Sesimbra, essa alteração teria requerido a aprovação por despacho do Senhor Secretário de Estado do Ambiente (...)", o que segundo alegado pelo recorrido no artigo 30° da mesma contestação, não aconteceu.,
32. Acontece, que, já pendência da presente providência, e na sequência de consulta do processo e de pedido de passagem de certidão apresentado junto do Parque Natural da Arrábida pela ora recorrente, em 4.10.2006, esta conseguiu obter a prova de que tal aprovação pelo Sr. Secretário de Estado efectivamente existiu.
33. Com efeito, do processo CO/3-A existente no Parque Natural da Arrábida (fls. 78 a 90) constam os seguintes documentos que ora se juntam:
h. Ofício n° 4090 da Câmara Municipal de Sesimbra dirigido ao Director do Parque Natural da Arrábida, datado de 18.07.1986, no qual se solicita "seja reposto o anterior perímetro urbano, em vigor até Junho de 1984, na parte que abrange o terreno em causa (fls 78)
i. Ofício 03725, de 12.08.1986 do Serviço Natural de Parque, Reservas e Conservação da Natureza, dirigido ao Director do Parque Natural da Arrábida, no qual se afirma que "(...)2. No caso de ter sido aprovado em geral apenas pelos órgãos municipais e não obstante ter um prazo de vigência de 5 anos, os mesmos órgãos municipais podem excepcionalmente alterá-lo, utilizando forma legal idêntica à anterior. 3. Se assim for, poderão os órgãos do Parque reapreciar as alterações e eventualmente promover a sua alteração no que respeita ao Parque Natural da Arrábida" (tts%3);
j. Ofício n° 883, de 9.12.1986 do Parque Natural da Arrábida dirigido ao Sr. Presidente do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, nos termos do qual: "Junto envio a V. Exa" a proposta de alterações dos perímetros urbanos de Palmela, Cabanas (Palmela) e Pedreiras (Sesimbra). Foi feito o estudo destas alterações, conjuntamente com técnicos deste Parque Natural e pelos técnicos da Câmara Municipal de Palmela e Sesimbra. Como há alterações ao Ordenamento Prévio do Parque Natural da Arrábida, aprovado em 17 de Agosto de 1979 por sua Excelência o Secretário de Estado do Urbanismo e Ambiente, solicitamos se digne apresentar a proposta a Sua Excelência do Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais, para despacho. Junta-se acta do Conselho Geral do Parque Natural da Arrábida com a sua deliberação " (fls. 86);
k. Informação do Parque Natural da Arrábida n° 119/86 que submete à consideração superior a alteração aos perímetros urbanos de Palmela, Cabanas (Palmela) e Pedreiras (Sesimbra) (fls 87);
l. Ofício do Parque Natural da Arrábida, de 9.12.1986, dirigido ao Sr. Presidente do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, no qual se encontram apostos os seguintes despachos manuscritos:
i. "Concordo (assinatura) 23/12/86
ii. "Comunique-se o despacho SEARN ao PNA e arquive-se. 86.12.23 (assinatura)".(as. 88)
m. Ofício n° 5023, do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, dirigido ao Senhor Director do Parque Natural da Arrábida, juntando cópia do ofício referido em e) supra e no qual se encontra aposto despacho manuscrito do então Director do Parque "comunicar às respectivas câmaras o despacho (assinatura) 86-12-30" (fls. 89);
n. Ofício do Parque Natural da Arrábida dirigido ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, nos termos do qual "em resposta ao ofício no 4090 de 18 de Julho de 1986, comunico a V. Exa. que por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais de 23 de Dezembro de 1986, foi aprovada a alteração ao perímetro urbano de Pedreiras - Sesimbra ".
34. Os referidos documentos são cópias de documentos constantes do processo CO/3-A que se encontra arquivado no Parque Natural da Arrábida, sendo certo que os mesmos têm vindo a ser totalmente omitidos pelo Parque Natural da Arrábida em todas as informações prestadas à recorrente e ao próprio Ministério bem como pelo ICN nas peças processuais apresentadas nos processos jurisdicionais que se encontram a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. A sua omissão pelas entidades administrativas é incompreensível e a ora recorrente apenas a consegue interpretar como uma manifestação da má-fé com que o Parque Natural da Arrábida tem vindo a actuar em todo este processo.
35. Pelo que, é manifesto e indiscutível que, ao contrário do sustentado na aliás douta sentença recorrida a fls. 11, ainda que fosse exigida a aprovação do Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais tal aprovação foi efectivamente concedida por despacho de 23.12.1986.
36. Sendo igualmente manifesto que, ao omitir tal aprovação, quer junto da recorrente, quer nos presentes autos, o recorrido actuou deliberadamente com o intuito de prejudicar a posição processual da ora recorrente e violando, por isso, as mais elementares regras de boa-fé.
37. Acresce que, à data da prolação do acto de embargo, o órgão competente para a prática do acto não havia recolhido sequer os elementos mínimos para se poder afirmar que estão sumariamente verificados e demonstrados, os pressupostos legais que, in casu, permitiriam embargar a obra.
38. É que, perante a existência de uma licença municipal, o órgão decisor teria inevitavelmente que ter recolhido elementos de facto e de direito que lhe permitissem concluir pela nulidade do acto constitutivo de direito que é a licença de loteamento.
39. Ora, resulta claramente do processo instrutor e, desde logo do documento que junta com o n° l, que a comissão directiva do Parque Natural da Arrábida não recolheu quaisquer elementos em tal sentido. Pois, apenas oficiou a Câmara Municipal de Sesimbra para proceder a esclarecimentos sobre a licença após a decisão de embargo. Sendo certo que, conforme resulta, quer do ofício enviado à Câmara Municipal de Sesimbra, quer do parecer jurídico proferido em 31 de Maio de 2006, do processo constam documentos que permitem concluir que a área loteada se encontrava em perímetro urbano, como é o caso do documento de fls. 84. do processo instrutor do embargo que consubstancia a deliberação do Parque Natural da Arrábida que aprovou a inclusão da área a lotear em perímetro urbano.
40. O Parque Natural da Arrábida, não apenas ignorou totalmente tal documento, como propositadamente, não procedeu à entrega de cópia certificada de tal documento à requerente. Acresce ainda que, a Comissão Directiva do Parque Natural da Arrábida ignorou totalmente o já citado parecer jurídico, de 31 de Maio, no qual expressamente se refere que, para a determinação do embargo, e tendo em conta a referida autorização do Parque Natural da Arrábida a fls. 84 do processo instrutor, "é preciso esclarecer, previamente, à ponderação da (in)validade do acto autorizativo algumas questões", a saber, as questões que, no mesmo parecer, se refere devem ser esclarecidas pela Câmara Municipal de Sesimbra.
41. Ora, tal parecer, encontra-se em total conformidade com o artigo 87° do Código do Procedimento Administrativo, segundo o qual "o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito ".
42. No caso concreto, e ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, a decisão de embargo foi tomada sem previa averiguação dos factos necessários para que se possam considerar verificados os indícios de invalidade, e mais concretamente os indícios de nulidade, da licença de loteamento. Pois só com fundamento em tal nulidade poderia ter sido determinado o embargo.
43. Sendo certo que, em parte alguma da decisão suspendenda se invoca a nulidade da licença de loteamento.
44. Andou, assim, mal a sentença recorrida ao entender que não pode afirmar-se que o PNA haja tornado a decisão de embargo sem que estivesse provido de quaisquer elementos que permitissem imputar a ilegalidade ao acto de loteamento. É que o que está em causa não é saber se do acto propriamente dito constam os fundamentos de facto e de direito. O que está em causa é saber se a administração actuou de acordo com os deveres que lhe são impostos na prática de actos administrativos, em concreto, o dever de proceder a todas as diligências instrutórias necessárias para que não seja tomada uma decisão totalmente arbitrária e leviana, previsto no artigo 87° do CPA.
45. Acresce, finalmente, que, ao contrário do sustentado na sentença sob recurso é manifesto que o acto de embargo violou irremediavelmente o direito de audiência prévia dos interessados previsto no artigo 100° do Código do Procedimento Administrativo, pois à ora Recorrente não foi dada oportunidade de se pronunciar ou procede à junção de documentos e outros elementos de prova, antes de ser proferida a decisão final claramente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
46. Tal disposição legal - figura geral do procedimento administrativo decisório de 1° grau - representa o cumprimento da directiva constitucional constante do artigo 267°, n° 5 da Constituição.
47. No caso presente não se invocou qualquer urgência, sendo certo que, nos termos do artigo 103° do Código do Procedimento Administrativo, a dispensa de audiência nas situações de urgência implica uma decisão expressa em tal sentido, a qual não foi proferida
48. O PNA não invocou no acto suspendendo qualquer urgência, conforme exige a jurisprudência do STA supra citada. Por outro lado, ainda que uma decisão sobre a urgência não fosse legalmente exigida, o Tribunal afirma, sem quaisquer elementos de facto e sem qualquer prova, ainda que indiciaria, nesse sentido, que tudo indica que a situação no caso concreto. Porque? Com que fundamento de facto? Ou, qual a regra de direito que diz que um acto de embargo é necessariamente e por natureza urgente?
49. Pelo que, ao entender que nos termos do artigo 103°, n° l al. a) não há lugar a tal audiência quando, como a situação de facto parece indicar, a decisão seja urgente, premente, o tribunal a quo violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 120°, n° l a) do CPTA, 100° e 103° do CPA e 267°, n° 5 da Constituição.
50. Em suma, salvo o devido respeito, o tribunal a quo não fez correcta interpretação e aplicação do disposto na alínea a) do n° l do artigo 120° do CPTA porquanto dos elementos de facto indiciariamente provados nos autos, bem como dos documentos fornecidos no passado dia 10.11.2006 pelo PNA, bem como das regras de direito aplicáveis que o acto de embargo suspendendo padece de vício de incompetência absoluta, vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão e por violação do direito de audiência prévia consagrado no artigo 100° do CPA.
51. Ainda que se assim não se entenda - o que em mera hipótese e por dever de patrocínio se pondera - sempre se dirá que o Tribunal a quo não fez correcta interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do n° l do artigo 120° do CPTA.
52. Pois, a situação de facto consumado reconduz-se à impossibilidade de proceder à restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. Esta fórmula substituiu a fórmula tradicional do 'prejuízo de difícil reparação' que era utilizada no artigo 76°, n°l, alínea a) da LPT A,
53. Em suma, o critério não pode ser o da susceptibilidade ou insusceptibilidade de avaliação pecuniária dos danos mas sim o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar
54. Ora, o tribunal a quo limitou-se a aplicar o antigo critério e não o segundo critério referido.
55. Ainda que a sentença admita que, no que concerne à perda de clientela e à afectação da imagem e bom nome da requerente, se verifica o requisito vertido na alínea b) do n° l do artigo 120° do CPTA, não pode deixar de impugnar-se o juízo feito a propósito dos demais prejuízos alegados pela ora recorrente.
56. É que, desde logo, e no que respeita aos lucros cessantes estes são uma consequência imediata daquela e constituem, por isso, facto público e notório, pelo que a ora recorrente nada mais teria que alegar quanto à verificação de tais lucros cessantes. A recorrente é uma empresa constituída exclusivamente para efeitos de execução desta operação de loteamento, pelo que a afectação da sua imagem no mercado, a consequente perda de clientela e os reflexos no seu negócio admitidos pela sentença recorrida, determinam necessariamente os lucros cessantes alegados pela ora recorrente.
57. "A perda de clientela origina lucros cessantes indetermináveis com rigor "(cfr. Sérvulo Correia in "Noções de Direito Administrativo", pág. 523 e Ac. do STA de 18/11/86 Rec. n° 24377), pelo que tem necessariamente que concluir-se que quanto aos lucros cessantes se verifica igualmente o periculum in mora exigido pela alínea b) do n° l do artigo 120°daLPTA.
58. Sendo certo que, conforme alegado pela recorrente, e ao contrário do sustentado pela sentença recorrida, os danos que o acto de embargo está já a provocar na esfera jurídica da recorrente e que se agravarão durante a pendência da acção principal, determinarão, ao contrário do sustentado na sentença sob recurso, uma situação de insolvência que não é susceptível de ser objecto de reintegração específica no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. Ou seja, mesmo admitindo que tal dano é susceptível de ser indemnizado através de compensação pecuniária, o certo é que de acordo com o novo critério adoptado pelo artigo 120° do CPTA - e esquecido pelo Tribunal a quo - tal dano é susceptível de impossibilitar o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
59. Assim, ao entender que os lucros cessantes e a situação de insolvência que resultará da execução do acto de embargo não determinam uma situação de receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, a aliás douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação o disposto na alínea b) do n° l do artigo 120° do CPTA.
60. A sentença recorrida violou ainda, por errada interpretação e aplicação o disposto no n° 2 do artigo 120° do CPTA.
61. Pois, a sua inserção no novo CPTA significa, desde logo, "(...) afastar a ideia de que a execução de quaisquer actos praticados em certos domínios é, por definição de interesse público". Ou seja, seja qual for o domínio de matérias a que o acto diga respeito, não deve partir-se da ideia de que a sua imediata suspensão é lesiva do interesse público, devendo admitir-se, a atribuição, no caso concreto, de providência cautelar relativamente a decisões que, em abstracto, seria de presumir que, pela natureza dos interesses que visam proteger, careceriam de urgente execução.
62. Nesse sentido se pronunciou já este TCA ao entender que deverá ser concedida a suspensão do acto que decretou o encerramento de estabelecimento industrial, que ocasionará irreparáveis prejuízos aos seus proprietários, quando não se mostram provados danos ambientais com a manutenção da actividade nele exercida.
63. O acto de licenciamento de qualquer operação urbanística não é susceptível de, por si só, provocar qualquer dano no ambiente, nem de ofender a conservação da natureza e a preservação dos valores naturais, culturais ou estéticos, desde logo porque um acto de licenciamento de uma operação urbanística não significa, por si só, que tal operação venha a ser aprovada.
64. A alegação da violação do direito ao ambiente e ao ordenamento do território, para efeitos de aplicação do n° 2 do artigo 120° do CPA, não se basta com alegações teóricas sobre o conteúdo do mesmo e com transcrições de afirmações preambulares de diplomas legais, sendo necessário que se faça prova de factos concretos que permitam concluir que aquela operação urbanística em concreto, ou melhor, a continuação da execução da concreta operação urbanística em concreto, ofende efectiva e gravemente os valores que se pretende salvaguardar naquela área e que tais danos são superiores aos que o particular pretende salvaguardar com a providência.
65. Tal significa que a autoridade requerida tem que demonstrar, desde logo, que, pela sua natureza, dimensão, tipo de trabalhos a efectuar, área em que se localiza, etc., aquela concreta operação urbanística irá provocar danos no ambiente e conservação da natureza caso continue a ser executada em virtude da concessão da providência cautelar. E por outro lado, atenta a lesão dos interesses particulares e a necessidade de uma ponderação equitativa do interesse público e do interesse particular, terá que demonstrar que tal lesão será grave, não bastando qualquer lesão do interesse público.
66. Entendimento contrário, como o que foi sufragado pela sentença recorrida, levaria a que a suspensão de eficácia de qualquer ordem de embargo - fundamentada nas disposições legais e no interesse público -, poria sempre gravemente em causa os interesses ambientais que o acto de embargo visou acautelar . E, se assim fosse - o que se em absoluto se impugna - colocar-se-ia sempre em causa, por mera decisão unilateral da autoridade requerida, a possibilidade de suspender actos administrativos desta natureza e, consequentemente, a tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 268°, n° 4 da Constituição (CRP).
67. Ora, no caso concreto, a autoridade requerida não só não alegou quaisquer factos que possam permitir concluir ou sequer emitir qualquer juízo sobre se, no caso concreto, os trabalhos que estavam a ser executados pela recorrente ao abrigo do acto de licenciamento reputado ilegal põem, em concreto, em causa o interesse público, em especial os valores paisagísticos, ecológicos e culturais a que se refere o artigo 14°, n° 2 da Portaria n° 26-F/80, de 9 de Janeiro, e, muito menos, que o põem em causa de forma grave.
68. Do exposto decorre que, a interpretação e aplicação do disposto no n° 2 do artigo 120° do CPTA não se basta com juízos conclusivos em abstracto sobre a tutela de bens ambientais, como fez o tribunal a quo.
69. Não basta afirmar como fez o Tribunal a quo que "(...) a tutela do meio ambiente, concretamente dos valores paisagísticos, ecológicos e culturais a que se refere o artigo 14°, n° 2 da Portaria n° 26-F/80, de 9 de Janeiro (invocados no acto de embargo), prevalece sobre os danos de natureza patrimonial e não patrimonial invocados pela Requerente", (cfr. fls. 17 da sentença). Pois, é irrelevante o interesse ou interesses que, em abstracto, o acto de embargo visa acautelar, devendo o tribunal fazer um juízo sobre a susceptibilidade que, no caso concreto, e em face da alegação e prova produzida, a eventual suspensão de eficácia do acto de embargo, tem de produzir danos sobre o ambiente.
70. Assim, como não basta afirmar, como se fez na sentença sob recurso que "Em matéria de direito do ambiente vigora o princípio da prevenção e a lesão dos bens que o Requerido se apresenta a defender assume frequentemente natureza irreversível. A obra está a ser realizada na área de jurisdição do NPA, a qual, pelas suas características naturais, o legislador entendeu preservar", (cfr. fls. 17 da sentença). Pois, com tal entendimento o tribunal limitou-se a aplicar a ideia, afastada pelo CPTA, de que a execução de quaisquer actos praticados em certos domínios como os do urbanismo e ambiente é, por definição, de interesse público
71. Pelo que, andou mal o Tribunal a quo ao entender que, não obstante os danos alegados pela ora recorrente possam ser graves e irreparáveis, a providência cautelar não pode ser concedida em face dos interesses ambientais que o acto de embargo visa acautelar. Violando, assim, por errada interpretação e aplicação, o disposto no n° 2 do artigo 120° do CPTA e, consequentemente o artigo 268°, n° 4 da Constituição.

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O Recorrido Instituto da Conservação da natureza contra-alegou, sustentando a bondade do decidido.


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Com dispensa de vistos substituídos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Senhores Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – cfr. artº 707º nº 2 e 3 CPC ex vi artºs. 36º nº 2 e 140º CPTA.
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Através de Ofício n° 282, datado de 13/06/1986, o Parque Natural da Arrábida informou Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva que o prédio inscrito na matriz cadastral n° 67, Secção F3, da freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, se situa dentro da área de jurisdição daquele Parque e que, à data, devia ser considerado prédio rústico - cfr. doc. de fls. 17 e 18 do P.A.;
2. Lê-se na acta n° 32 do Conselho Geral do Parque Natural da Arrábida, realizada em 21/11/1986, que teve por objecto a "apreciação de propostas de alteração de perímetros urbanos por iniciativa da Câmara Municipal de Sesimbra e da Câmara Municipal de Palmela":
"(...) - Aprovação, a título excepcional da proposta da Câmara Municipal de Sesimbra de modo a repor como urbano o terreno da requerente Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva alertando para a necessidade de, utilizando os meios legais ao seu dispor, a Câmara Municipal de Sesimbra tomar as respectivas precauções de modo a que esta situação não seja generalizada.
- Quando vier o respectivo pedido de viabilidade de loteamento ao Parque Natural da Arrábida, este fará acompanhar a sua resposta do parecer emitido pelo Museu Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal ou do Serviço Regional de Arqueologia Zona Sul do Instituto Português do Património Cultural (...)" - cfr. doc. de fls. 72 a 76 dos autos, que se dá por inteiramente reproduzido;
3. A acta indicada na alínea anterior foi enviada para a Câmara Municipal de Sesimbra através de Ofício datado de 22/12/1986 - doc. de fls. 71 dos autos;
4. Através dos Ofícios n° 1829 e n° 1830, datados de 26/03/1987 e em resposta a pedido de viabilidade de loteamento, o Município de Sesimbra informou Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva, que:
"(...) l- A parte do terreno representada a tracejado azul na planta anexa encontra-se em zona urbana.
2- Não se vê inconveniente no loteamento da parte do terreno acima referida condicionado a: 2.1 Lotes destinados a moradias unifamiliares isoladas e ou em banda (....)
3- Esta viabilidade não dispensa outros condicionalismos eventualmente exigidos pelo Parque Natural da Arrábida, quando da apresentação do projecto de loteamento " - cfr. docs. de fls. 63 a 66 dos autos, que se dão por reproduzidos;
5. A Câmara Municipal de Sesimbra solicitou ao PNA parecer sobre o requerimento de loteamento entretanto apresentado - cfr. doc. de fls. 82 do P.A.;
6. Através de Ofício datado de 24/05/1988, que o PNA dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, informa-se que
"(...) l- O loteamento localiza-se em área urbana.
2- Concorda-se na generalidade com o projecto de loteamento; no entanto face às características da área a lotear, deverá ser pedido um Estudo de arquitectura nomeadamente das zonas de implantação em banda e geminadas, para que a área possa ter uma unidade de conjunto;
3- Assim considera-se de autorizar o deferimento da pretensão, de acordo com o art° 14° nº l da Portaria 26F/80 de 9 de Janeiro, condicionado à apresentação dos elementos atrás expostos, bem como de acordo com a acta nº 32 de 21 de Novembro 1986 do Conselho Geral deste Parque Natural, deverá ser o Museu de Arqueologia e Etnografia, em Setúbal igualmente consultado (...)" - cfr. doc. de fls. 84 do P. A., que se dá por reproduzido;
7. Através de Ofício de 13/03/1989, o Município de Sesimbra informou Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva, que, por deliberação de 02/03/1989, o pedido de licenciamento do loteamento havia sido aprovado, tendo-se condicionado o mesmo, entre o mais, à cedência, para o domínio privado municipal, de vários lotes de terreno - cfr. doc. de fls. 85 e 86 dos autos;
8. Através de acórdão de 24/01/2001, o STA confirmou o acórdão do Tribunal Tributário de 2a Instância que revogou a deliberação camarária de 02/03/1989 que havia exigido, como condição do loteamento, a cedência de certo número de lotes para o domínio privado municipal - cfr. doc. de fls. 89 a 96 dos autos.
9. Através de Ofício datado de 01/04/2005, a Câmara Municipal de Sesimbra enviou a Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva o cálculo das taxas a pagar no âmbito do processo de loteamento n° 8/88 - cfr. doc. de fls. 109 e 110 dos autos;
10. Através de Ofício datado de 04/08/2005, o Município de Sesimbra informou a Arrábida Parque, S.A., que, em reunião de 03/08/2005 havia aprovado o projecto das obras de urbanização - cfr. doc. de fls. 111 dos autos;
11. Em 24/11/2005, foi emitido, em nome da requerente, o Alvará de loteamento n° 11/2005 - cfr. doc. de fls. 117 e 118 dos autos;
12. Na Informação n° 158/2006, datada de 31/05/2006, dirigida à Presidente da Comissão Directiva do Parque Natural da Arrábida, lê-se que:
"(...) Analisado o processo instrutor Ao/9-26-86, em que é requerente Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva, designadamente, a autorização do PNA a fls.84, é preciso esclarecer, previamente, à ponderação da (in)validade do acto autorizativo algumas questões.
Salvo melhor opinião a Câmara Municipal de Sesimbra deverá ser oficiada sobre as seguintes questões:
1. Desde o ofício a fls.84 enviado à Autarquia a requerente entregou o "Estudo Prévio de Arquitectura " pedido pelo PNA?
2. O alvará de loteamento nº 11/2005 de 24 de Novembro em nome de Arrábida Parque foi emitido em sede de processo judicial?
3. Na informação técnica camarária a fis.81, que foi aprovada pela Comissão Directiva em 05/06/2006, é dito: "A parte do terreno que se pretende lotear situa-se em Zona urbana segundo os perímetros urbanos do Parque Natural da Arrábida", qual o seu fundamento legal? (...)" - Cfr. doc. de fls. 57 a 59 dos autos;
13. Através de "despacho" datado de 05/06/2006, a Comissão Directiva do Parque Natural da Arrábida deliberou:
"Considerando a detecção, pelos Serviços de Fiscalização do PNA, no dia 15 de Maio de 2006, em Pocinho e Otão das Pedreiras, da demolição uma construção existente e movimentações de terras, destinadas à instalação de um loteamento com 58 fogos e respectivas infraestruturas.
Considerando que a empresa Arrábida Parque - Empresa Urbanizadora, SA é titular do alvará de loteamento nº 1/2005, de 16 de Dezembro, e todavia, o loteamento em questão situa-se em área rural, contrariando o disposto no art.14°, nº 2 da Portaria nº 26-F/80 de 9/01, onde apenas se permite a construção de edifícios destinados ao apoio das explorações agrícolas, florestais e ou de recreio, com um índice de utilização fundiário de 0,004/ha, com um máximo de 200m2 reservados para as habitações patronais.
Considerando, ainda, que o POPNA (Resolução do Conselho de Ministros nº 141/2005 de 23/08) não admite loteamentos nas áreas de protecção complementar (arts.18º a 22° do POPNA).
O loteamento titulado pelo alvará nº 11/2005 viola o regulamento do plano preliminar do Parque Natural da Arrábida (art. 14°, nº 2 da Portaria n° 26-F/80 de 9/01), entretanto revogado pelo POPNA.
E viola o POPNA, plano especial de ordenamento do território, com a consequente nulidade prevista no art. 68°, al. a) do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro e artº 2°, nº 2, al. c) do DL nº 380/99, de 22/09 e art. 103° do Decreto-Lei n° 380/99 de 22/09.
Assim, determina-se o embargo de todas as obras de demolição ou trabalhos de movimentação de terras que estejam a ser realizados em Pocinho e Otão das Pedreiras, no concelho de Sesimbra (art. 7°, nº 3, alínea f) do decreto regulamentar nº 23/98 de 14/10) e Despacho n° 24999/2004 (2a série), publicado no Diário da República - II Série, de 3/12/2004.
Determina-se ainda, que se proceda à notificação da presente ordem de embargo ao responsável pela direcção técnica da obra e ao titular do alvará de licença, no prazo máximo de oito dias (art. 102°, n° 2 do Decreto-Lei n° 555/99, de 16/12 e art. 69° do CPA). (...)" cfr. doc. de fls. 55 e 56 dos autos;
14. O acto de embargo foi comunicado à requerente em 12/06/2006, encontrando-se a obra no estado que documentam as fotografias aí tiradas nessa data - docs. de fls. 51 a 54 dos autos. 15. Lê-se na resolução fundamentada junta com a Oposição:
"Considerando que:
a) Nos termos do disposto no artigo 7° nº 3, alínea f) do Decreto Regulamentar n° 23/98, de 14 de Outubro, que estabelece a reclassificação do Parque Natural da Arrábida, o embargo de obras em desrespeito das regras do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida constitui um poder-dever da sua Comissão Directiva;
b) A propriedade aqui em causa nos autos se situa dentro dos limites do Parque Natural da Arrábida, em área de Paisagem Protegida, rural (Cfr. artigo 14° nº 2 da Portaria n° 26-F/80, de 09 de Janeiro), onde apenas se permite a construção de edifícios destinados ao apoio das explorações agrícolas, florestais e/ou de recreio, com um índice de utilização fundiário de 0,004/ha, com um máximo de 200 m2 reservados para as habitações patronais;
c) A criação do Parque Natural da Arrábida traduziu o reconhecimento da existência, nesta área da região metropolitana de Lisboa-Setúbal, de valores naturais, culturais e paisagísticos de incontestável valor que urgia defender;
d) Na área de paisagem protegida, nas áreas rurais, que é o caso, a possibilidade de edificação para cada propriedade reporta-se à viabilidade em termos de economia de exploração e à compatibilidade com os valores paisagísticos, ecológicos e culturais (Cfr. Artigo 14° n° 2 alínea a) da Portaria n° 26-F/80, de 09 de Janeiro);
e) O acto de licenciamento camarário que deferiu a operação urbanística de edificação violou o disposto no Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (Resolução do Conselho de Ministros nº 141/2005, de 23 Agosto), plano esse especial de ordenamento do território, conforme o disposto no artigo 2° n° 2 alínea c) do Decreto-Lei n° 380/99, de 22 de Setembro, designadamente, os arts. 18° a 22° daquele diploma e as regras relativas à construção previstas na parte aplicável da Portaria n° 26-F/80, de 09 de Janeiro (Artigo 20° do Decreto Regulamentar no 23/98, de 14 de Outubro) e, em consequência, padece do vício da nulidade (Cfr. artigo 68° alíneas a) e c) do Regime Jurídico da Urbanização Edificação, Dec.-Lei D.o 555/99, de 12 de Dezembro, alterado pelo Dec.-Lei nº 0177/2001, de 4 de Junho, e artigo 103° do Decreto-Lei n° 380/99, de 22 de Setembro);
f) Na propriedade em causa existem valores naturais relevantes (Cfr. Decreto Lei n° 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n° 49/2005, de 24 de Fevereiro - Rede Natura), para além de outros de grande sensibilidade que ficam afectados com a construção de habitações, piscinas e infraestruturas, colocando em risco o equilíbrio dos sistemas ecológicos e biofísicos em presença naquela área, colidindo com os objectivos de manutenção e valorização das características naturais excepcionais do local;
g) Estamos perante um embargo de um loteamento com a envergadura de 58 fogos e respectivas infraestruturas;
h) "A salvaguarda do património vegetal representado por formações notáveis de matas e matagais mediterrâneos e da fauna da região, a protecção dos valores paisagísticos e do património geológico, arquitectónico e arqueológico, para além do património cultural, e a dinamização da vida rural tradicional constituem objectivos de interesse público que justificam a manutenção das medidas de protecção que estiveram na origem deste Parque Natural' (Cfr. epígrafe do Decreto-Lei no 23/98, de 14 de Outubro);
i) "A conservação da natureza, a protecção dos espaços naturais e das paisagens, a preservação das espécies da fauna e da flora e dos seus habitais naturais, a manutenção dos equilíbrios ecológicos e a protecção dos recursos naturais contra todas as formas de degradação constituem objectivos de interesse público, a prosseguir mediante a implementação e regulamentação de um sistema nacional de áreas protegidas. " (Cfr. artigo 1° n° l do Decreto-Lei n° 19/93, de 23 de Janeiro, que estabelece normas relativas à Rede Nacional de Áreas Protegidas);
j) Tais interesses e valores públicos são de impossível reparação e insusceptíveis de avaliação económica. Afectando-nos a todos nós, cidadãos;
l) E, por último, considerando que estão aqui em causa direitos fundamentais ao ambiente e ao ordenamento do território previstos no artigo 66° n° 2 alíneas b) e c) da Constituição da República Portuguesa, tarefa essa que incumbe, aliás, ao Estado, nos termos do artigo 9° alínea e) também da Constituição da República Portuguesa, reconhece-se que o diferimento da execução é manifesta e gravemente prejudicial para o interesse público, podendo, pela continuação da obra, originar séria e irreversível lesão desse mesmo interesse. Feita a ponderação dos direitos jurídicos tutelados há nítida prevalência do interesse público aqui protegido face ao interesse do particular o qual, como até já se referiu em considerandos, é manifesta e notoriamente ilegal. (...)"- cfr. doc. de fls.215 a 217 dos autos.


DO DIREITO


Vem assacada a sentença de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de:

1. pressupostos materiais do artº 120º nº 1 a) CPTA …….…………………. itens 1 a 50 das conclusões;
2. subsunção e estatuição do art. 120° nº 1 b) CPTA (fundado receio de constituição de situação de facto consumado ou produção de prejuízos de difícil reparação) ……………. itens 51 a 59 das conclusões;
3. subsunção e estatuição do artº 120º nº 2 CPTA (requisito negativo – critério de ponderação de interesses) ………………………………………………………….…… itens 60 a 71 das conclusões.


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O discurso jurídico fundamentador em sede de sentença recorrida é o que, de seguida, se transcreve (evidenciados a negrito, nossos):

“(..)
O Direito
Dispõe o art° 120°, no seu n° l, al. a), que:"Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente";
Trata essa alínea das situações em que é evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Refere Mário Aroso de Almeida, in "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", Almedina, 2003, págs. 260, que, "se o Tribunal considerar preenchida a previsão do artigo 120°, n°l, alínea a), ele concede a providência sem mais indagações. Não intervém o disposto no n° 2 e nem sequer há que atender ao critério do periculum in mora, a que fazem apelo as alíneas b) e c) do nº l”.
No r.i., a requerente começa por dizer que a Comissão Directiva do PNA não tem competência para proceder ao embargo da obra por tal competência pertencer ao Ministro do Ambiente, nos termos do previsto no art° 105° do regime jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo DL n° 380/99, de 22 de Setembro.
Não é evidente que a acção principal de impugnação do acto de embargo venha a proceder com fundamento em tal vício.
É que, no âmbito do regime de reclassificação do Parque Natural da Arrábida (PNA), aprovado pelo Dec. Reg. n° 23/98, de 14 de Outubro, confere-se competência à Comissão Directiva do PNA para ordenar o embargo de obras realizadas em violação do disposto nesse diploma e em legislação complementar - cfr. o respectivo art° 7°, n° 3, al. f).
Não há disposição expressa a revogar tal norma e também não se pode ter por evidente que haja sido revogada tacitamente com a entrada em vigor do regime jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo DL n° 380/99, de 22 de Setembro.

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Alega ainda a Requerente que o acto de embargo sofre de erro nos pressupostos de direito e de facto, quer por a obra se encontrar em área que integra o perímetro urbano, quer por a legalidade do licenciamento do loteamento ter de ser aferida em face da legislação em vigor à data do licenciamento (deliberação camarária tomada em reunião de 02/03/1989).
Provou-se, embora a título indiciado, que, apesar do PNA ter informado a anterior proprietária do terreno, em 13/06/1986, que o prédio onde se realizam as obras se situa dentro da área de jurisdição daquele Parque e que se tratava de um prédio rústico, também ficou demonstrado que, em 21/11/1986, foi realizada uma reunião do Conselho Geral do PNA em que foi deliberada a aprovação duma proposta apresentada pela Câmara Municipal de Sesimbra "... de modo a repor como urbano o terreno da requerente Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva alertando para a necessidade de, utilizando os meios legais ao seu dispor, a Câmara Municipal de Sesimbra tomar as respectivas precauções de modo a que esta situação não seja generalizada. (...)".
Provou-se também que, em resposta ao pedido de viabilidade de loteamento apresentado na Câmara Municipal de Sesimbra, foi dito por esta que não se via inconveniente em realizar o loteamento na parte urbana do terreno.
E já após a apresentação do pedido de licença de loteamento, a Câmara Municipal solicitou o parecer do PNA, que respondeu que o terreno se situa em área urbana e que era autorizar o loteamento, embora condicionado à apresentação de vários elementos, entre os quais figura......o parecer do Museu de Arqueologia.
Na fundamentação do acto de embargo, o PNA vem dizer que a obra está a ser realizada "... em área rural, contrariando o disposto no art.14°, nº 2 da Portaria nº 26-F/80 de 9/01, florestais e ou de recreio, com um índice de utilização fundiário de 0,004/ha, com um máximo de 200m2 reservados para as habitações patronais.(...)".
E refere que "... o POPNA (Resolução do Conselho de Ministros nº 141/2005 de 23/08) não admite loteamentos nas áreas de protecção complementar (arts.18° a 22° do POPNA). ".
A questão de saber se a obra embargada se encontra a ser realizada em terreno que se situa no perímetro urbano ou em área rural, é determinante para aferir do erro que é imputado ao acto de embargo e não é pelo facto do Conselho Geral do PNA ter deliberado aprovar, em 21/11/1986, a proposta apresentada pela Câmara Municipal de Sesimbra "... de modo a repor como urbano o terreno da requerente Maria Leopoldina Godinho de Faria e Silva...", que se deve ter por evidente que tal prédio se insere no perímetro urbano e, por conseguinte, que a obra não se encontra sujeita aos limites impostos pelo n° 2 do art° 14°, da Portaria n° 26-F/80, de 9 de Janeiro.
É que se pode discutir a validade e a eficácia da supra referida deliberação do Conselho Geral do PNA, como o veio fazer o Requerido na Oposição, pois alega que a alteração da área urbana tinha de ser aprovada por despacho do Secretário de Estado do Ambiente, invocando, para tanto, o disposto no art° 9°, n° 2 do Decreto n° 4/78, de 11 de Janeiro, que estabelecia que os planos de ordenamento dos parques estavam submetidos a tal aprovação.
Diz também que o plano de urbanização tinha de ter sido aprovado por Portaria (regime aprovado pelo DL n° 560/71, de 17 de Dezembro).
Para além disso, o Requerido veio alegar, em sede de Oposição, que nem o PDM, nem o POPNA em vigor classificam a área em causa como urbana.
Tudo, pois, a melhor conhecer no âmbito da acção principal.
Alega a Requerente que o acto de licenciamento do loteamento foi emitido em execução do acórdão do STA, datado de 24/01/2001, que manteve, em sede de recurso, a decisão que revogou parcialmente a deliberação de licenciamento tomada pela Câmara em 02/03/1989.
E certo que, através daquele acórdão, o STA confirmou a decisão da segunda instância que havia anulado a deliberação de licenciamento do loteamento, na parte em que se exigia que o loteador cedesse à Câmara, em substituição do pagamento das taxas de licenciamento, determinado número de lotes.
No entanto, o STA não se pronunciou sobre a legalidade de outros vícios que possam ser imputados ao procedimento de licenciamento.
E se é certo que a legalidade do licenciamento tem de ser aferida pelas normas vigentes à data da sua emissão, não é verdade que no acto de embargo essa legalidade apenas tenha sido aferida face ao Alvará n° 11/2005, que titula a licença de loteamento, pois refere-se no acto suspendendo que o ":...loteamento titulado pelo alvará nº 11/2005 viola o regulamento do plano preliminar do Parque Natural da Arrábida (artº.l4°, nº 2 da Portaria nº 26-F/80 de 9/01) ...", Portaria esta em vigor em 02/03/1989, data da deliberação camarária que aprovou o licenciamento do loteamento.
E mais se referiu que o loteamento titulado pelo Alvará n° 11/2005, viola o POPNA, plano especial de ordenamento do território, que entretanto revogou aquela Portaria.
Não é, por isso, evidente, antes pelo contrário, que na fundamentação de direito do acto de embargo não se haja considerado a legislação em vigor em Março de 1989.

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Por outro lado, a questão de saber se, no âmbito do procedimento do licenciamento, era ou não de efectuar a consulta do PNA, está pendente da determinação da natureza urbana ou rural do prédio em que se encontram as obras embargadas, questão esta a decidir no âmbito da acção principal.

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Diz também a Requerente que, ainda que por mera hipótese, se viesse a determinar que o acto de licenciamento sofre de vícios, os mesmos nunca poderiam servir de fundamento ao acto de embargo, atendendo a que apenas levariam à anulação do acto de licenciamento e o tempo já decorrido desde Março de 1989 não consentir agora a sua arguição.
Também através deste argumento não se pode dar por evidente a procedência da acção principal. E que, como aponta o Requerido, no art° 9°, n° 2 do Decreto-Lei n° 622/76, de 28 de Junho, que criou o Parque Natural da Arrábida, sanciona-se com a nulidade as licenças municipais ou outras concedidas em violação desse regime.
E caso se venha a determinar que o desvalor a atribuir aos eventuais vícios do acto de embargo é a nulidade, é sabido que os mesmos podem ser conhecidos e aquela pode ser declarada a todo o tempo - art° 134°, n° 2 do CPA.
Refere também a Requerente que, no procedimento, não existem os necessários elementos que permitam imputar qualquer ilegalidade ao acto de licenciamento.
E, em abono de tal tese, aponta o facto do PNA ter solicitado à Câmara Municipal de Sesimbra o "Estudo Prévio de Arquitectura", e ainda se o alvará de loteamento n° 11/2005 de 24 de Novembro, em nome de Arrábida Parque, foi emitido em sede de processo judicial e qual o fundamento legal para se ter afirmado em determinada informação técnica camarária, que "a parte do terreno que se pretende lotear situa-se em Zona urbana segundo os perímetros urbanos do Parque Natural da Arrábida".
Também não nos parece que seja evidente a procedência da acção principal com tal fundamento, pois, no acto de embargo, referem-se os fundamentos de facto e de direito que foram considerados na tomada da decisão.
Diz-se aí que a obra embargada (um loteamento com 58 fogos e respectivas infra-estruturas) se situa em área rural e que, por via disso, se encontram violados o "regulamento do plano preliminar do Parque Natural da Arrábida - n° 2 do art° 14° da Portaria n° 26-F/80, de 9 de Janeiro -, que apenas consentia construção dentro de determinados limites.
Invoca-se também o disposto nos artigos 18° a 22° do POPNA, alegando-se que este, naquela área, não admite loteamentos.
Considerando tais fundamentos e ainda a que a obra detectada pelos serviços de fiscalização do PNA se encontra na área de jurisdição deste Parque, não se pode dar por evidente que o PNA haja tomado a decisão de embargo sem que estivesse provido de quaisquer elementos que permitissem imputar a ilegalidade ao acto de licenciamento.

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Alega também a Requerente que, atendendo às informações dadas anteriormente pelo PNA, o acto de embargo consubstancia uma situação de abuso de direito.
Não nos parece que assim seja.
O PNA está vinculado à lei e não são os pareceres por ele anteriormente emitidos que têm a virtualidade de impedir que se invoquem e sejam conhecidas eventuais nulidades do procedimento.

*
Diz ainda a Requerente que o acto de embargo foi praticado sem que lhe fosse facultado o exercício do direito de audiência prévia.
A obra embargada encontra-se a ser construída em área pertencente à jurisdição do PNA e, na tese do Requerido, em área protegida, onde a construção se encontra condicionada em ordem à protecção de valores paisagísticos, ecológicos e culturais - n° 2 do art° 14° da Portaria n° 26-F/80, de 9 de Janeiro.
Uma vez que a obra, aquando do embargo, já se encontrava a ser construída, o que significa que, na tese do Requerido, se encontrava em curso a lesão a bens ambientais, não podemos concluir que seja evidente que a acção principal venha a proceder por falta de audiência prévia da Requerente, pois, nos termos do art° 103°, n° l, al. a), do CPA, não há lugar a tal audiência quando, como a situação de facto, no caso, parece indiciar, a decisão seja urgente, premente.
Face ao exposto, entendemos que não se pode dar por preenchida a previsão do art° 120°, n° l, al. a) do CPTA.
*
No entanto, também não é manifesta a falta de fundamento da pretensão anulatória do acto de embargo a deduzir no âmbito da acção principal, com o que damos por preenchido o requisito relativo ao fumus boni iuris exigido na al. b), n° l, do art° 120° do CPTA, que regula o regime das providências nas situações em que o requerente pretende manter o efeito útil de um direito de que já é titular.
A referida norma condiciona ainda a adopção da providência à verificação de uma situação de periculum in mora, que existe quando "(..) os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.
Cfr. Mário Aroso de Almeida, in "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", Almedina, 3a ed., a pág. 299, que refere ainda que, “(..) a providência também deve ser, entretanto concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de "prejuízos de difícil reparação" no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente (..)”.
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Alega a Requerente que do acto de embargo advirão prejuízos que serão causa da sua insolvência por a obra embargada ser a única que tem em execução e por daí emergir perda de clientela e sair afectada a sua imagem.
Diz também que tendo parado a obra no dia do embargo, o seu estado oferece perigo de segurança para quem por lá passe.
Refere ainda que as chuvas de Inverno provocarão escorrência de lamas, com o consequente dano ambiental e que os danos ambientais já se encontram consumados com as obras realizadas.
Nada indica que a obra embargada não possa prosseguir no momento em que a acção principal venha a ser decidida.
Aceita-se, no entanto, que da paragem da obra advirão prejuízos materiais para a requerente, quer pela eventual imobilização de meios afectos à realização da obra, quer pela eventual revisão de preços por parte do empreiteiro e da alteração do custo dos materiais, quer ainda da alegada insolvência da Requerente, por ela ter sido constituída unicamente com a finalidade de executar as obras de urbanização e de vender os lotes de terreno para construção.
No entanto, tais danos não são de difícil reparação, uma vez que são indemnizáveis integralmente, bastando a análise da contabilidade da Requerente e demais documentação relacionada com a aquisição dos bens e serviços envolvidos.
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Diz ainda a Requerente que a situação de embargo originará previsivelmente lucros cessantes de montante indeterminável e perda de clientela.
No entanto, apesar de não ter consubstanciado com factos tais conclusões, pois nada refere sobre a eventual fonte dos lucros cessantes, nem sobre a identidade dos clientes que irá perder, ainda que, por hipótese, tais danos se pudessem dar por indiciariamente provados, não poderiam os mesmos prevalecer sobre os danos emergentes para o meio ambiente decorrentes da construção do loteamento.
Afirma ainda a Requerente que, por força dos trabalhos gerais de movimentação de terras da execução parcial das redes de drenagem de águas residuais, das redes de esgotos domésticos e pluviais, o terreno apresenta-se sem qualquer resistência à erosão dos ventos e das chuvas, sendo previsíveis fortes escorrências superficiais de lamas, com prejuízo para o meio ambiente.

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Diz também que o local da obra, tal como está actualmente, apresenta sérios riscos de segurança relativos a quedas nas valas abertas, a caixas não concluídas, à instabilidade dos muros confinantes com a área de trabalho, e risco de ocorrência de acidentes provocados com as armaduras metálicas expostas.
Para se acudir à eventual ocorrência de danos emergente da falta de segurança da obra, não é necessária a suspensão do acto de embargo.
Basta que se instalem os meios preventivos da possibilidade de ocorrência do acidente, como a vedação da obra ou outros meios de natureza técnica que o caso concreto imponha.
Quanto à escorrência de lamas, decorrente do estado em que a obra se encontra em resultado da intervenção efectuada, verifica-se que, na tese da Requerente, a alternativa para evitar esse fenómeno seria a continuação da obra.
No entanto, isso consumaria integralmente a lesão aos bens de natureza ambiental que se pretendem salvaguardar com o acto de embargo, mal maior que o Requerido quis evitar.
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Diz também a Requerente que, por força da movimentação de terras os prejuízos ambientais já estão consumados e que não serão as projectadas pavimentação ou a execução das redes de drenagem de águas pluviais ou das redes de esgotos que determinarão danos irreversíveis para os interesses que se pretendem tutelar com a ordem de embargo.
Não seguimos tal entendimento.
A continuação da obra traduzir-se-ia na continuação da intervenção no meio e consumar-se-ia, então sim, a lesão dos bens que o Requerente quer salvaguardar através do acto de embargo.

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Refere ainda a Requerente que o acto de embargo irá "determinar uma enorme dificuldade na angariação de clientela para a aquisição dos lotes de terreno resultantes da operação de loteamento", por sair afectada a sua imagem no mercado e por o imobiliário ser extremamente sensível com problemas ambientais e urbanísticos, afirmando ainda que, para a venda dos lotes de terreno em empreendimentos como o presente, é essencial a confiança no cumprimento da legalidade urbanística, por se poderem colocar questões susceptíveis de se reflectir na validade do negócio de venda dos lotes.
Aceita-se que o embargo poderá afectar a imagem comercial da Requerente sendo que os danos daí emergentes podem não vir a ser integralmente reparados com uma eventual indemnização, com o que se dá por preenchido o requisito do periculum in mora.
No entanto e procedendo à ponderação dos interesses contrapostos, entendemos que a providência solicitada não pode ser decretada por daí emergirem maiores danos para os interesses defendidos pelo Requerido do que aqueles que se acautelariam com o seu decretamento.
A tutela do meio ambiente, concretamente dos valores paisagísticos, ecológicos e culturais a que se refere o artº 14º, nº 2, da Portaria n° 26-F/80, de 9 de Janeiro (invocados no acto de embargo), prevalece sobre os danos de natureza patrimonial e não patrimonial invocados pela Requerente.
Em matérias de direito do ambiente vigora o princípio da prevenção, e a lesão dos bens que o Requerido se apresenta a defender assume frequentemente natureza irreversível.
A obra está a ser realizada na área de jurisdição do PNA, a qual, pelas suas características naturais, o legislador entendeu preservar.
Assim, nos termos do n° 2 do art° 120° do CPTA, não pode ser decretada a suspensão do acto de embargo em causa.
(..)

Decisão
Pelo exposto, decide-se declarar improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto de embargo do loteamento com 58 fogos e respectivas infra-estruturas que a requerente se encontra a construir no lugar do Pocinho - Otão das Pedreiras, freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, determinado através da deliberação da Comissão Directiva do Parque Natural da Arrábida, datada de 5 de Junho de 2006. (..)”.


***

Diga-se, desde já, que a sentença sob recurso é para confirmar, pelas razões que seguem.


1. artº 120º nº 1 a) CPTA – fumus boni iuris incontroverso, patente e irrefragável;


A alínea a) do nº 1 do artº 120º CPTA tem como campo de aplicação as situações excepcionais que pelas suas características prescindem da verificação dos requisitos gerais estatuídos em sede de regime geral, de modo que “(..) o seu sentido e alcance é, pois, o de estabelecer um regime especial de atribuição das providências, mediante o qual é afastada, para as situações nele contempladas, a aplicação do regime geral , consagrado nas alíneas b) e c) do nº 1 e nº 2.
As situações excepcionais contempladas no nº 1 alínea a) são aquelas em que se afigura evidente ao Tribunal que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal irá ser julgada procedente. (..)” (1)
A cognição cautelar assenta num juízo de probabilidades quanto à existência do direito acautelado, isto é, assenta numa aparência de bom direito, ou fumus boni iuris, fundamento jurídico da provisoriedade de direito da decisão cautelar perante a decisão da causa principal, “(..) a provisoriedade resulta como consequência normal do tipo de cognição que o juiz do processo acessório faz sobre o mérito do quid que é objecto do segundo processo: cognição assente na aparência, já que apenas se exige como grau de prova a fundamentação [mera justificação como meio de prova] (..) é sempre provisória de direito perante o juiz da causa principal, já que os seus efeitos de direito são sempre modificáveis e extintos pelo juiz da causa principal (..) no processo em que é emitida, “a cognição cautelar assenta num cálculo de probabilidades quanto à existência do direito acautelado” (..)” (2)
A qualidade de cognição exigida pelo artº 120º nº 1 a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão “evidente procedência da pretensão formulada” mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar.

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No caso dos autos o que é evidente é falta de evidência, em juízo perfunctório, de qual o sentido da decisão da causa principal, dada a complexidade inerente ao processo de indagação dos vícios assacados ao acto de embargo e consequente aparência do bom direito invocado pelo Requerente ora Recorrente.
Complexidade de que dá testemunho a explanação doutrinária junta em Parecer pelo Recorrente, a fls. 496 a 534 dos presentes autos, o que, salvo o devido respeito pelo entendimento distinto, a nosso ver justifica a impropriedade de aplicação do juízo de “evidência de procedência da pretensão formulada” em sede cautelar, dada a natureza, finalidade e estrutura deste meio adjectivo, a não ser que fosse caso de aplicação do disposto no artº 121º CPTA, se o processo contivesse todos os elementos necessários à decisão definitiva em sede de causa principal, o que, na circunstância, não se verifica.
Donde se conclui que não tem sustentação a concessão da providência requerida ao abrigo da citada alínea a) do nº 1 do artº 120º CPTA, pelo que improcede a questão suscitada nos itens 1 a 50 das conclusões de recurso.


2. artº 120º nº 1 b) CPTA - questão de recurso – conceito;


No âmbito das providências conservatórias, de acordo com o disposto na alínea b), do nº 1 do citado artº 120º e dado que o interesse do requerente é no sentido da mera conservação do status quo, no tocante à aparência do bom direito ou fumus boni iuris, a intensidade exigida basta-se com que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão no processo principal ou a existência de causa obstativa do conhecimento de mérito - uma espécie de fumus negativo ou fumus non malus .
Improcedência manifesta há-de ser aquela que, à face da simples leitura dos articulados e do compulsar da prova trazida aos autos, se impõe como necessária, seja porque falta um pressuposto processual insanável, seja porque se interpõe uma qualquer outra questão obstativa do conhecimento do mérito, seja, enfim, porque o pedido formulado esteja incontroversa e patentemente destinado a improceder.
Este fumus non malus cumula-se com outro requisito – comum à tipologia das providências antecipatórias e conservatórias – qual seja, o da exigência de periculum in mora por receio de produção danos dificilmente reparáveis ou constituição de uma situação de facto consumado, sendo esta última inovatória face ao previsto no regime decorrente do artº 76º a) LPTA, recusando-se, assim, o entendimento seguido no regime anterior de que a “(..) tutela cautelar só se justificaria quando houvesse o risco da produção de danos, que pelo seu carácter variável, aleatório ou difuso, não fossem passíveis de avaliação pecuniária. Pelo contrário deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade de restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. (..)” (3)

*
A questão discriminada nos itens 51 a 59 não tem apoio à luz do discurso jurídico fundamentador da sentença sob recurso, na medida em que nela se dá como verificado o requisito exigido pelo artº 120º nº 1 b) CPTA: “damos por preenchido o requisito relativo ao fumus boni iuris exigido na al. b) do nº 1, do artº 120º do CPTA”.
Para efeitos do conceito de questão de recurso e do ponto de vista do interesse positivo da parte Requerente e ora Recorrente, o que importa é saber se a sentença, em função da apreciação perfunctória da prova carreada para os autos, ao não adoptar a providência cautelar requerida o fez por considerar não preenchida a exigência legal desta alínea b), independentemente das considerações de direito em que o Tribunal a quo se tenha fundado.
No tocante à delimitação do conhecimento do Tribunal ad quem pedida pelo Recorrente, o conceito adjectivo de questão, “(..) deve ser tomado aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (..)” (4).
Para este efeito, questões de mérito “(..) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (..) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.
Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.
E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva. (..)” (5)
Cumpre ainda diferenciar questões de considerações, pois “(..) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. (..)” (6).
Vem a doutrina citada a propósito do conteúdo das conclusões sob os ítens 51 a 59, pois desta decorre bem como do teor das alegações correspondentes que, em certa medida e atento o interesse jurídico da Recorrente, se forçam os limites de fronteira no que tange a umas e outras, donde se conclui pela falta de fundamento a matéria trazida a recurso nos mencionados ítens 51 a 59.


3. artº 120º nº 2 CPTA - requisito negativo – critério de ponderação de interesses;


A recusa da providência em função da análise do critério da ponderação de interesses de acordo com o disposto no nº 2 do artº 120º CPTA, v.g. do interesse público que ao caso convenha, traduz a adopção pelo novo regime adjectivo da necessidade “(..) de verificação de um requisito negativo: a atribuição da providência não pode causar danos desproporcionados, com o que se dá expressão, neste contexto, ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, ou da proibição do excesso. (..) o nº 2 vem acrescentar uma cláusula de salvaguarda neste domínio, permitindo que, no interesse dos demais envolvidos, a providência ainda seja recusada quando, pese embora o preenchimento, em favor do requerente, dos requisitos previstos na alínea b) ou na alínea c) do nº 1, seja de entender que a concessão da providência provocaria danos (ao interesse público e de eventuais terceiros) desproporcionados em relação àqueles que se pretenderia evitar que fossem causados (à esfera jurídica do requerente).
O nº 2 introduz, assim, um critério de ponderação de interesses, por força do qual a decisão sobre a atribuição da tutela cautelar fica dependente da formulação de um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos. (..)” (7)
Este princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da proibição do excesso, entre outros, enforma a actuação da Administração cfr. artº 266º CRP e tem, ainda, expressão no artº 5º nº 2 CPA como limite das decisões administrativas que afectem direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
No que importa ao domínio cautelar, a ponderação entre os interesses públicos e privados colidentes resolve-se, teoricamente, pela comparação do peso relativo dos interesses em presença, comparação a fazer à luz do circunstancialismo fáctico do caso concreto, cumprindo assegurar que, entre dois prejuízos, a decisão cautelar seja aquela que objectivamente provoque prejuízos em menor grau.
Evidentemente que este juízo é tanto mais complexo quando haja que comparar o interesse privado expresso em prejuízos quantificáveis – como são os prejuízos económicos da sociedade comercial Recorrente cujo objecto é a actividade da construção civil –, com o interesse público de natureza não patrimonial - como seja a tutela do meio ambiente expressa no Plano Nacional da Arrábida.

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Impõe-se, pois, determinar o critério de referência na ponderação dos interesses colidentes.


4. direito do ambiente – artº 17º CRP;


A íntima convivência e coabitação entre o direito do urbanismo e o direito do ambiente com título de consagração constitucional, cfr. artºs. 9º e), 65º nº 2 a), nº 4 e 66º nº 2 c) e) CRP, não preclude que se trate de duas disciplinas jurídicas autónomas “(..) embora os princípios ambientais influenciem intensamente o direito do urbanismo, tanto na fase da elaboração e aprovação dos planos territoriais, como na do licenciamento da realização de projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente (..), em que assume relevo o princípio da prevenção, expresso, por exemplo no instituto da avaliação de impacte ambiental, “(..) um dos princípios fundamentais do direito do ambiente na medida em que se baseia na prevenção de denúncia dos riscos de natureza ambiental das grandes obras, procurando, desse modo, combater não apenas o dano ambiental, mas sobretudo a própria ameaça. (..)” (8)
Esta consagração constitucional que articula urbanismo, com planeamento, ordenamento do território, ambiente e qualidade de vida, entendido, portanto, como verdadeiro complexo de normas e institutos respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, traduz-se na concepção do urbanismo “(..) como uma função pública e não como uma simples actividade privada (..) as decisões básicas sobre o urbanismo deixaram de pertencer aos proprietários do solo, para serem cometidas à Administração, a quem cabem funções de planeamento, gestão e controlo das actividades com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo (..) significa que no domínio do urbanismo, é inadequada uma concepção do Estado como desempenhando uma função meramente reguladora ou actuando de acordo com o paradigma do Estado regulador, limitando-se a definir regras públicas sobre uma actividade que competiria a entidades privadas. (..)” (9)
A compreensão constitucional do ambiente “(..) como um valor em si, na medida em que também o é para a manutenção da existência e alargamento da felicidade dos seres humanos (teleologia antropocêntrica) (..) justifica a consagração do direito ao ambiente como um direito constitucional fundamental (..) desde logo, como um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros (pois se trata de um direito imediatamente operativo nas relações entre particulares), de acções ambientalmente nocivas.
E nesta dimensão negativa, o direito ao ambiente impõe proibições ou deveres de abstenção, pelo que é seguramente um dos “direitos fundamentais de natureza análoga” aos “direitos liberdades e garantias” a que se refere o artº 17º [da CRP] sendo-lhe, portanto aplicável o respectivo regime constitucional específico dos “direitos, liberdades e garantias”. Do que se trata é de conservar o ambiente de que cada um frui, impedindo os atentados de terceiros. (..)
A defesa do ambiente pode justificar restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos. Assim, por exemplo, a liberdade de iniciativa económica (artº 61º) tem no direito ao ambiente um factor de numerosas restrições (localização de estabelecimentos, proibição ou limitação de efluentes e de gases, requisitos quanto à composição de produtos, limitações ao uso da terra, etc.). O direito de propriedade está sujeito a medidas planeadoras de protecção do ambiente (planos de ordenamento territorial, desenvolvimento de reservas e parques, classificação e protecção de paisagens e sítios).
Neste contexto, a liberdade de construção, que muitas vezes se considera inerente ao direito de propriedade (embora tal deva ser controvertido) é hoje configurada como “liberdade de construção potencial” porque ela apenas se pode desenvolver no âmbito ou no quadro de normas jurídicas, nas quais se incluem as normas de protecção do ambiente. (..)” (10)
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Neste contexto constitucional, o princípio da prevenção no sentido de que é melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriori expresso no artº 66º nº 2 CRP implica para o Estado a obrigação de, cfr. nº 2 alínea c) - “Criar e desenvolver reservas e parques naturais”, remete para o regime da rede nacional de áreas protegidas, cfr. artº 2º DL 19/93 de 23.01, com destaque para os parques nacionais, cfr. artº 3 c) e 7º nº 2, cuja classificação “tem por efeito possibilitar a adopção de medidas que permitam a manutenção e valorização das características das paisagens naturais e seminaturais e a diversidade ecológica”.
A consagração constitucional de direitos fundamentais a favor das pessoas colectivas, nos termos do artº 12º nº 2 CRP, não tem que ser trazida à colação do caso dos autos na medida em que a capacidade de gozo de direitos se restringe aos direitos “compatíveis com a sua natureza”, o que remete para a própria natureza de cada um dos direitos fundamentais “sendo incompatíveis aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas”, o que naturalmente sucede com o direito ao ambiente, ressalvado o caso das associações ambientais.
Pelo que vem de ser dito está encontrado o critério de referência à ponderação dos interesses públicos e privados colidentes no caso concreto e consequente aplicação do artº 120º nº 2 CPTA.
A articulação, com assento constitucional, entre direito do urbanismo e direito do ambiente acrescida do facto de ao direito do ambiente lhe ser aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias por ser um direito de natureza análoga, cfr. artº 17º CRP, confere preferência ao interesse público defendido pelo Recorrido, conforme decidido em sede de sentença.
Donde, improcede a questão suscitada nos itens 60 a 71 das conclusões de recurso.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC (dez) reduzida a metade – artº 73º-E nº 1 f) CCJ.


Lisboa, 28.JUN.2007.


(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Elsa Pimentel)

(1) Mário Aroso de Almeida, Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina/2005, pág. 602.
(2) Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo, Almedina/2002, págs. 93/94 e 97/98.
(3) Autores e Obra em nota (1), pág. 608.
(4) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, pág.142.
(5) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 53/54.
(6) Autor e Obra citados na nota (2), pág. 143.
(7) Mário Aroso de Almeida, Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina/2005, págs. 610 e 611.
(8) Fernando Alves Correia, Manual do direito do urbanismo, Almedina/2004, págs. 90 a 94.
(9) Fernando Alves Correia, Obra citada, pág. 121.
(10) Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª ed./2007, págs. 845 e 846.