Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12806/03
Secção:Contencioso Administrativo- 1.º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:10/14/2004
Relator:António Xavier Forte
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
ARTºS 3º E 4º , AL. F) , E 26º, 1 E 3 DO ED
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
Sumário:I) É dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público, no caso concreto em toda a comunidade educativa, confiança na acção da Administração pública, sendo que os procedimentos imputados e provados , quanto a um professor na relação com os seus alunos - prática de actos indecorosos -, infringem o desenvolvimento das relações de respeito mútuo , em especial entre docentes , alunos e encarregados de educação.
II) As penas de aposentação compulsiva serão aplicáveis em geral às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional .
III) Tal pena será aplicada em caso de falta de idoneidade moral para o exercício das funções , pela prática de tais actos .
IV) Um despacho punitivo que assenta em factos que se provaram, abundantemente , face à prova produzida no processo disciplinar , não padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O recorrente veio interpôr recurso contencioso de anulação do despacho , de 06-08-03 , do SEAE , que determinou a forma de Aposentação Compulsiva .

Invoca a violação do vício de forma , alegando que a instrutora dos processos estava sensibilizada para as questões supracitadas e deveria ter concluído que as testemunhas ouvidas não relatavam a verdade .

Era seu dever promover as respectivas acareações e outras diligências por forma a atingir a verdade material , assim como ouvir todas as testemunhas, devidamente , ajuramentadas .

Quanto ao invocado vício de violação de lei , alega que o princípio da verdade material não foi exaustivamente procurado , mas antes sob a capa de pressuposição errada prejudicou-se , ostensivamente , o recorrente

A prova não é consistente , no processo , porque assenta em pessoas sem probidade .

A decisão é desproporcional e injusta .

A indiciação não sendo suficiente para prova de ilícitos disciplinares imputados ao recorrente deve ser resolvida , antes , pelo princípio « in dubio pró arguído » .

O recorrente nunca teria sido acusado desta forma tão gravosa .

Nem punido nos termos da Aposentação Compulsiva .

A acto administrativo , baseando-se em erro de pressupostos de facto errados, omitindo diligências essenciais , padece dos vícios de violação de lei .

Na sua resposta , o SEAE entendeu que o recurso não merece provimento .

A fls. 55, o recorrente veio apresentar as suas alegações , com as respectivas conclusões de fls. 62 a 63 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

A fls. 65 e ss , a entidade requerida veio apresentar as suas contra-alegações, que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

No seu douto parecer , de fls. 71 a 73 , a Srª Procuradora-Geral-Adjunta entendeu que o recurso não merece provimento .

Com interesse para a decisão , considero provados e relevantes os seguíntes factos , constantes do Relatório , de fls. 220 e ss , do II vol. , do PI :

1)- No ano lectivo de 2000/2001 , o arguído foi professor do Quadro de Zona Pedagógica , colocado na Escola básica dos 2º e 3º Cilos Marquesa de Alorna , em Lisboa , tendo leccionado a disciplina de Matemática e sido Director da Turma E , do 9º ano .

2)- Na primeira reunião do Conselho de Turma do 9º E , realizada em 12-
-09-2000 , a professora do Núcleo de Apoio Educativo forneceu elementos sobre o aluno J..., sensibilizando o Conselho de Turma para as enormes carências afectivas e emocionais reveladas pelo aluno . Foi pedida ao Conselho de Turma uma especial atenção , tendo em vista o sucesso escolar e pessoal do J....

3)- Durante o primeiro período , nas aulas de Matemática , para além da explicação da matéria , o arguído , Professor M..., falava de assuntos relacionados com a criação de uma Associação de estudantes , passeios e uma viagem de finalistas a Veneza , convidando os alunos para jantares com outros alunos da escola , onde antes tinha leccionado .

4)- O Prof. M... , no 1º período , ofereceu ajuda ao aluno J...M..., dizendo-lhe que ele precisava de ser motivado e desinibido e ficou algumas vezes , dentro da sala de aula , com este aluno .

5)- Nas conversas com o aluno J....s , o arguído , professor M... , explicou-lhe que as saídas com o grupo de amigos do professor lhe poderiam ser benéficas e propôs ao aluno apresentar-lhe raparigas , porque achava importante a sua iniciação sexual , oferecendo-lhe todas as condições necessárias , como por exemplo , uma residência onde se poderia encontrar com essas raparigas .

6)- Também o aluno C..., em Outubro de 2000 , foi contactado pelo professor M... , para a criação de uma parceria destinada à aprticipação em festas organizadas pelo professor , algumas das quais se poderiam realizar na residência do professor , em Massamá .

7)- Os alunos C... e A ... recusaram as propostas do professor M... .

8)- No final da reunião do Conselho de Turma do 9º E , realizada em Dezembro de 2000, o Professor M... conversou com a Professora G..., do Núcleo de Apoio Educativo e revelou-se preocupado com a namorada que o João tinha , atribuíndo-lhe vários defeitos .

9)- No dia 11-01-2001 , na sala 22 , da Escola Básica dos 2º e 3º ciclos Marquesa de Alorna , em Lisboa , o professor M... deu ao aluno J....s um contrato ( cfr. fls. 56 e verso do I vol , do PI , no qual constam as rubricas – DIREITOS, DEVERES ,«Dez MANDAMENTOS», « CINCO REGRAS »), em que do elenco de direitos atribuíveis ao referido aluno constava a oferta , como prenda mensal , de um NOKIA 3310-TMN , o acesso a um novo círculo de amizades e vida social de qualidade , uma namorada com nível e classe ( a escolher , com calma ! ) , uma mesada de 10 contos e tratamento como amigo .

10)- Na altura , o professor comentou com o aluno J....s , ponto por ponto os termos do contrato , dizendo-lhe que pretendia arranjar um grupo de alunos , para reunir numa das suas residências , para prestar apoio escolar , dar-lhe um telemóvel e outras prendas , inserí-lo num novo círculo de amizades e uma vida social de qualidade e dar-lhe mensalmente 10.000$00 , pedindo sigilo sobre o assunto .

11)- Ainda , no dia 11 de Janeiro , à saída das aulas , o professor promoveu um encontro com o J....s , apresentando-lhe como candidata a namorada uma rapariga de nome A ... .

12)- O professor M... concedeu algum tempo ao aluno , para este pensar no contrato , mas no fim de semana , de 13 e 14 de Janeiro de 2001 , telefonou seis vezes ao J....s , tentando obter uma resposta , em relação à aceitação do contrato e convidando-o a sair , à noite , a uma discoteca .

13)- No dia 13-01 , o aluno J....s deu conhecimento à mãe do contrato , mas anteriormente a esta data a mãe do J....s tinha reunido com o professor , como Director de Turma , tendo-lhe este dito que pretendia arranjar uma namorada para o J....s e que também pretendia sair com ele à noite , podendo a ma~e , se quisesse , também ir .

14)- A mãe do J....s ficou preocupada com os termos do contrato e , no dia 16-01-2001 , deu conhecimento do facto , primeiro , á professora de apoio e , depois , à Presidente da Comissão Executiva Provisória da escola Básica dos 2º e 3º Cíclos Marquesa de Alorna , que a ouviu na presença da Vice-Presidente , Drª E... , da professora G... e do DR. R..., responsável pelo Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família .

15)- Depois de ouvir o aluno J....s , no dia 17-01 , a Presidente da Comissão Executiva Provisória da Escola Básica dos 2º e 3º ciclos Marquesa de Alorna , elaborou um auto de notícia .

16)- A referida Presidente instaurou , com base no auto de notícia , em 18-
-01-2001 , processo disciplinar ao professor M... .

17)- A referida Presidente propôs a suspensão preventiva do professor M... , tendo , na mesma data , o Sr. Director Regional de Educação de Lisboa , proferido o despacho de suspensão pelo período de 90 dias , datado de 19-02-2001 ( fls. 15 do PI ) .

18)- O relatório do exame médico às faculdades mentais do professor M... , suscitado pelo Instrutor ao Hospital Miguel Bombarda – cfr. fls. 117 a 125 , datado de 31-05-2002 , do I vol , do PI – considera , nas suas conclusões , que este « não sofre de doença psiquiátrica específica , tendo , porém , anomalia em termos de desenvolvimento da sua personalidade . O examinado , com boas capacidades cognitivas , tem um carácter imaturo , com falso self idealizado , sem verdadeira consciência dos limites do Eu , funcionando em registo dicotómico , com investimento afectivo superficial , e defesas na linha da sedução , racionalização e projecção . Tem pouco insight e pouco controle dos impulsos , embora possua boa consciência das regras e da moral , pelo que quando as quebrar tende a não assumir a respectiva responsabilidade , o que dificulta a boa integração na organização social » .

19)- Tendo o Instrutor , face ao relatório médico , perguntado se o arguído tem condições para estar em contacto permanente com jovens alunos , na faixa etária entre 10 e os 16 anos , foi especificado , pela mesma perita que realizou os exames mádicos e o relatório , Drª M..., que « o Dr. J... tem reunidas as condições psíquicas básicas para estar em contacto permanente com jovens alunos na faixa etária correspondente aos 2º e 3º ciclos do Ensini Básico , Conclui , referindo que « tendo o examinado juízo crítico e capacidades de autoregulação terá que ser responsabilizado pelas suas decisões e comportamentos , bem como pelas consequências destas » .

20)- No ano lectivo de 2001/2002 , o arguído foi colocado como professor do Quadro de Nomeação Definitiva do 1º Grupo , na Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos Pedro Nunes , em Alcácer do Sal .

21)- Revelou-se , desde o início do ano lectivo , um dinamizador do grupo de professores deslocados , em Alcácer do Sal , que começaram a juntar-se, em vários locais públicos , para conviver , tendo ocorrido alguns jantares com os professores M... , I..., C..., A ..., J..., E... e P.-.., entre outros .

22)- O professor M... mostrou-se , também , muito interessado em desenvolver projectos para os alunos , surgindo a ideia , no grupo de professores , entre os quais estavam a professora F... , A ... e o arguído , de criar um Clube da Moda , integrado nas actividades de enriquecimento curricular .

23 )- O professor M... tomou a iniciativa de ir às urnas recrutar os adeptos , entre os quais aos alunos R..., M... e D..., projectando-se a primeira grande actividade para a festa de Natal da Escola , com a realização de um desfile .

24)- Depois de iniciadas as actividades do Clube da Moda , aquele professor convidou várias vezes para jantar e ir a sua casa , o aluno M... , com o qual teve conversas sobre possíveis idas a Lisboa , a bares .

25)- Durante o jantar convívio de Natal , no dia 17-12-2001 , aquele professor M... forneceu aos alunos , M..., D... e R..., bebidas alcoólicas , entre as quais brandymel e vinho do Porto .

26)- Nessa mesma noite , o aluno R..., que ficou em casa do professor M... , em Alcácer do Sal , sofreu uma tentativa de assédio homossexual , quando o professor lhe tentou apalpar os braços e o peito e só se afastou depois de ter sido repudiado .

27)- No dia 18-12-2001 , num jantar realizado no restaurante«O Leonardo» com a presença de vários professores e do aluno D..., o professor M... pôs o pé entre as pernas da professora I..., junto às partes sexuais da mesma .

28)- Os alunos M..., D... e R... foram convidados para a passagem de ano com o arguído , M... , que os incentivou a atirarem-se à professora I... e os incentivou a enviar mensagens de telemóvel a esta docente , a tentar convencê-la a fazer sexo com eles .

29)- No dia 30 de Dezembro , o professor M... levou os alunos a jantar no restaurante Chinês , no qual consumiram 3 garrafas de vinho , indo de seguida ao bar « Cena de Copos » , onde beberam , em média , 7 shots cada .

30)- No dia 06 de Janeiro de 2002 , o arguído promoveu um encontro com o M... e o D..., junto à pastelaria Gabi , tendo chegado acompanhado da professora I..., no carro desta . Foram todos para casa do arguído , onde este, depois de dar bebidas aos alunos , despiu a professora . Depois apagou as luzes , os dois professores e os alunos fizeram sexo em grupo , incluíndo sexo oral e anal .

31)- Este acto foi divulgado através de mensagens enviadas por telemóvel, pelo arguído , para o aluno R... e para os professores P..., tendo , também , as mensagens sido lidas , pela professora C... e pelo professor J....

32)- No dia seguínte , a pedido do arguído , no « Cantinho do Castelo » , o aluno M... relatou aos professores A ..., P..., E... e C... , a cena de sexo que se tinha passado , na noite anterior , com a professora I....

33)- No dia 08 de Janeiro , num jantar realizado em local público , no restaurante « O Leonardo » , em Alcácer do Sal , com a presença de professores e alunos , a professora I... colocou os pés junto do sexo do docente M... , enquanto este incitava os alunos presentes , entre os quais o M..., a fazerem o mesmo . O aluno R..., de 17 anos , sentou-se no lugar do professor e a professora I... tocou-lhe e acariciou-lhe as pernas , tendo permitido que este aluno acariciasse , também , as suas pernas .

34)- Neste mesmo dia , depois do jantar , foi realizada uma « queimada » , na casa do arguído , tendo este levado para o quarto os alunos R... e M..., juntamente com a professora I..., que praticou sexo oral com o aluno R..., na presença do M... , sob indicações do arguído , enquanto o M... vigiava o acesso ao quarto .

35)- No dia seguínte , 4ª feira , o arguído convidou o M... a sair com a professora I..., tendo passado pela casa do D..., convidando-o para ter relações sexuais com a professora , mas este recusou . Seguiram no caso da professora I..., que na mata de Valverde , fez sexo oral ao arguído e depois ao aluno M..., enquanto o arguído apalpava o aluno no peito e nos orgãos genitais .

36)- O relato dos acontecimentos , do dia 06-01 , e as ocorrências públicas do dia 08 do mesmo mês levaram os professores A ...., C..., I..., J... e M... a participarem ao Presidente do Conselho Executivo , primeiro oralmente , depois por escrito , em 17-01-2002 , o que conduziu ao Proc. de averiguações nº ..... .

37)- Após o conhecimento da participação os alunos foram instruídos pelo arguído , para não contarem nada do que se tinha passado e negarem qualquer acto sexual com a professora I... .

38)- Os alunos passaram o fim de semana , de 19-01-2002 , com o arguído , em Lisboa , tendo ido à discoteca « F ...Lopes » , frequentada por gays , na qual o D... foi assediado por vários homens , por indicação do arguído, que tinha dito que este era homossexual .

39)- No dia 22-01-2002 , no jantar de aniversário da professora E...., o arguído já tinha conhecimento que tinha sido denunciado e proferiu várias ameaças aos professores que tinham efectuado a participação, designadamente aos professores J... e A ... , aos quais fez várias referências « que lhes partia os óculos » , utilizando uma linguagem ofensiva e imprópria , com referências do tipo : « Vão ver o que lhes vai acontecer ... não sabem com quem é que se meteram » , Não tenho problemas em dar um tiro nos cornos a qualquer cabrão » .

40)- O arguído revelou , desde estes acontecimentos , comportamentos desestabilizadores , tentando , ao relatar a sua versão dos factos , colocar os alunos contra os professores que dele participaram , e forjar provas , assumindo , ainda , atitudes provocatórias .

41)- Proferiu , perante os alunos , numa aula do 9º D , em relação à professora de Português , I...:
« Dava-lhe um murro na tromba que era o mais parecido com um orgasmo que aquela gorda podia ter » e referiu , em relação à mesma professora , na turma E do 9º ano « aquela gorda que vai para a cama com todos » .

42)- O aluno R... foi incentivado pelo arguído a enviar mensagens para a professora S..., insinuando que poderia ter uma relação com esta .

43)- Numa aula de Estudo Acompanhado , na Escola Básica dos 2º e 3º ciclos Pedro Nunes , em Alcácer do Sal , em meados de Janeiro de 2002 , o arguído escreveu e entrgou ao aluno R..., uma lista de mensagens carinhosas , para que este as enviasse à professora S....

44)- Nas férias de Carnaval , o arguído incentivou o R... a interessar-se pela A ..., que era a namorada do D..., o que levou a que estes dois alunos se zangassem e que o D.... se afastasse do grupo , apesar das insistentes chamadas e mensagens ameaçadoras do arguído .

45)- No fim do mês de Fevereiro de 2002 , a professora F ...Gomes apercebeu-se das atitudes de revolta do D.... , e ofereceu-lhe ajuda , tendo este acabado por confessar o que tinha acontecido . Posteriormente , os três alunos entenderam-se e decidiram contar toda a verdade ao Presidente do conselho Executivo da Escola , que pediu aos professores F ..., S..., e A ... que registassem o relato dos acontecimentos , tendo estes elaborado o doc. de fls. 45 a 51 , do PI .

46)- O comportamento do professor arguído , após ter sido conhecida a participação , foi caracterizado por grnde nervosismo e instabilidade , proferindo ameaças contra todos os que tinham subscrito a mesma e que , segundo ela , o estavam a difamar , e tentando contar a sua versão dos factos, o que gerou um clima de medo entre os professores , tendo conduzido a que o Presidente do Conselho Directivo da Escola Básica dos 2º e 3º ciclos Pedro Nunes solicitasse ao DREA , a sua suspensão preventiva , o que veio a acontecer por despacho de 12-04-2002 .

47)- os alunos R... e D.... foram acompanhados pela psicóloga da Escola Básica dos 2º e 3º ciclos Pedro Nunes , no sentido de os ajudar a integrar as experiências que tinham vivido, nos respectivos processos de desenvolvimento , o que foi conseguido em relação ao R..., mas não em relação ao D.... , que ficou traumatizado e revelou sempre muito medo das ameaças e do poder do arguído .

48)- O aluno D.... continuou a ser ameaçado , até ao Verão , pelo arguído , através de mensagens e de telefonemas , referindo que « contratava alguém para lhe dar um balázio na cabeça » e que « alguma coisa poderia acontecer aos seus familiares » , caso este fosse a Tribunal .

49)- Tais condutas do arguído revelam má compreensão dos deveres funcionais e uma deficiente assunção da dimensão cívica e formativa das suas funções, com as inerentes exigências éticas e deontológicas que lhe estão associadas , de acordo com o previsto no Capítulo II , 2 , al. g) , do DL nº 240/2001 , de 30-08 , e denigrem a sua imagem de professor/educador e atentam contra a sua própria dignidade e contra a dignidade e prestígio da função que exerce e infingem o dever profissional contemplado no artº 10º , 2 , al. c) , do ECEI e dos Professores dos Ensinos Básicos e SecunD.., aprovado pelo DL nº 138-A/90 , de 28-04 , na redacção do DL nº 1/98 , de 02-01 .

Os actos por si praticados subsumem-se à previsão dos artºs 3º,4 , al. f) e 25º, nº 1 , 26º , nºs 1 e 3 do ED.

Não concorre a favor do arguído nenhuma das circunstâncias atenuantes especiais previstas no artº 29º , do ED , nem nenhuma das circunstâncias dirimentes previstas no artº 32º , do mesmo Estatuto .

Concorre contra o arguído a circunstância agravante especial da infracção disciplinar , prevista no artº 33º , do ED , que é a acumulação de infracções.

A Inspectora Principal , a fls. 264 e 265 ,do PI , propôs que fosse aplicada ao arguído a pena de aposentação compulsiva , em resultado da conjugação dos nrs. 1 , 3 e 5 , do artº 26º , do ED .

50)- Informação .../IGE/2003, de fls. 31 a 34 dos autos , em que é proposta, pelo Jurista da Inspecção Geral de Educação ( IGE ) , a pena unitária de aposentação compulsiva .

51)- Despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa , de 06-08-003 , exarado sobre a referida Informação , que é do seguínte teor :

- « Concordo , pelo que aplico a pena unitária de aposentação compulsiva ao professor do 1º Grupo da EB 2,3 Damião de Góis ( Lisboa ) , M..., com os fundamentos constantes desta informação e dos processos disciplinares .../DRL/01 e .../DRL/02 .
- Proceda-se como se propõe em 4, deste Parecer .

03-08-06 .

Ass. : Ilegível » .

O DIREITO :

Os processos disciplinares nºs .../DRL/01 e .../DRL/02 foram instaurados contra o professor/arguído M..., da EB 2,3 Damião de Góis ( Lisboa ) , o primeiro em 18-01-01 , por despacho da Presidente do CEP , da EB 2,3 Marquesa de Alorna ( Lisboa ) e o segundo , em 26-03-02 , por despacho da Inspectora-Geral da Educação , este mandado apensar ao 1º , por despacho constante dos autos , a fls. 4 , do PD nº .../DREL/02 , de 26-03-02 .

O recorrente , na sua petição , invoca o vício de forma por omissão , no processo disciplinar , de diligências essenciais ( falta de audição de todas as testemunhas e acareação destas nas contradições ) e o vício de violação de lei , dado que o princípio da verdade material não foi exaustivamente procurado , mas antes sob uma capa de pressuposição errada prejudica-se , ostensivamente , o recorrente .

Ora , começaremos por fazer nossas as palavras do Digno Magistrado do MºPº , no seu douto parecer de fls. 71 a 73 , ao referir que o recorrente não invoca , concreta e inequivocamente , as razões de facto e de direito integrantes desses vícios .

Efectivamente , apenas refere serem falsos os factos que lhe são imputados no processo disciplinar e que foram « criados » para denegrir a sua imagem e o afastar das listas concorrentes às eleições do Conselho Directivo da Escola , não tendo as testemunhas ouvidas contado a verdade e não tendo as testemunhas de defesa por si apresentadas querido depor .

Alega, ainda, que as testemunhas foram instrumentalizadas e são jovens , sem qualquer sentido de responsabilidade .

Mais refere que a instrutora do processo deveria ter promovido a acareação e outras diligências para a descoberta da verdade , bem como deveria ter ajuramentado as testemunhas , pelo que , ao assim não ter procedido , inquinou o acto recorrido de vício de forma .

No que respeita ao invocado vício de violação de lei , o recorrente para além de repetir que os factos não deveriam ter sido dados como provados por insuficiente investigação , refere que a decisão é desproporcional e injusta devendo-se , em face de mera indiciação , fazer apelo ao princípio «in dubio pro arguído » .

Ao assim não proceder , padece o acto recorrido , no seu entender , de erro nos pressupostos de facto .

Ora , entendemos que a impugnação apresentada , sem qualquer apoio fáctico ou jurídico , não é susceptível de abalar os pressupostos de facto em que assentou a punição do recorrente e o acto recorrido .

A prova testemunhal e a prova documental carreada no processo disciplinar são superabundantes e convincentes para sustentar a veracidade dos factos por que vem acusado .

Basta atentar no depoimentos da Professora M..., Presidente da Comissão Executiva Provisória EB 2,3 , Marquesa de Alorna , de fls. 18 do PI , da professora E..., de fls. 20 , do aluno, nº 10 , do 9º ano , turma E , da referida Escola , H..., do aluno J...M..., aluno do 9º ano, turma E , de fls. 23 , a quem o arguído entregou o contrato escrito, referido no item 9) , da matéria fáctica provada , da encarregada de educação do J....s , de fls. 31, da professora M..., que do seu ponto de vista estamos perante um caso de «aliciamento de menores e eventualmente de pedofilia » .

O depoimento de fls. 34 , de J... -Técnico Superior do Instituto de Apoio à Criança – onde refere que tem conhecimento do contrato que leu , que , a ser verdadeiro é macabro tanto na perspectiva homossexual como heterossexual . Do seu ponto de vista , com este contrato , o professor pode ser acusado de aliciamento de menores e até pedofilia ; do aluno C..., do 9º ano turma E , de fls. 35 , em que refere que o arguído falou com ele acerca da criação de uma parceria que incluía alunos desta escola , , ele , o J....s e o D... e da Escola Luis António Verney , destinada à participação em festas organizadas pelo professor , algumas das quais se podiam realizar na residência do arguido , localizada em Massamá . Que , depois de participar num jantar , em Outubro de 2000 , com o professor e outros alunos e mais dois ou três adultos que não se recorda quem são , foram convidados pelo arguído , para irem ao Bairro Alto , mas o depoente não foi , assim como nenhum dos outros seus colegas .

A fls. 42 , o arguído refere que era sua intenção ajudar o J....s a ultrapassar os vários problemas que esse aluno tinha .

O Depoimento da professora Maria..., Presidente do CE da Escola EB 2.3 Luís António Verney , de fls. 85 , onde refere que , no ano lectivo , 99/2000, se foi apercebendo do excessivo empenhamento do professor/arguído no relacionamento com os alunos , porque provocava alguma desestabilização , chegando mesmo os alunos algumas vezes atrasados às aulas e mesmo a faltar , o que provocava reclamações por parte dos outros professores . Com as diferentes actividades desenvolvidas fora da Escola ( por exemplo para reuniões , passeios e até para jantares ) o professor estava mesmo a dar a uma ideia contrária aos objectivos de qualquer Escola .

No Exame Médico-Legal às Faculdades Mentais do arguído , o perito conclui que o arguído tem anomalia em termos de desenvolvimento da sua personalidade . Tem um carácter imaturo imaturo , com falso self idealizado, sem verdadeira consciência dos limites do Eu ... com investimento afectivo superficial , e defesas na linha da sedução , racionalização e projecção . Tem pouco contole dos impulsos ... .

É elucidativo o depoimento da professora I..., de fls. 28 a 30 , da professora M..., de fls. 57 , do aluno R..., de fls. 70 , em que refere que com o M... e o D.... foram levados pelo arguído a uma discoteca de gays e foi incentivado a enviar mensagens « porcas » para a professora I..., no sentido de virem a realizar , com esta , uma bacanal .

A testemunha M... , a fls. 73 , refere , designadamente , que foi passar a passagem de ano com o arguído , na casa deste , em Massamá , encontrando-se com a A ...e a A ..., que tinham conhecido num desfile do Natal . Foi dar uma volta , com o arguído , ao Centro Comercial Vasco da Gama e o arguído comprou-lhe um telemóvel , dizendo que outros professores tinham contribuído para a compra do mesmo . Mais tarde foram ao restaurante Chinês , onde beberam vinho e depois ainda foram beber uns shots . Já na casa do arguído , visionaram filmes pornográficos e beberam mais alcóol , conversando parte da noite . Ficou na sala com o arguído , no sofã-cama e aí o arguído começou a massajar-lhe o peito , perguntando-lhe se sabia bem . O arguído tocou-lhe nas partes sexuais , mas parou , quando lhe pediu , e dormiram .

Como bem refere o Digno Magistrado do MºPº , só um dos factos constantes da acusação seria suficiente pela sua gravidade , para justificar a pena expulsiva aplicada , uma vez que denota uma total falta de idoneidade moral, cívica e profissional do arguido/recorrente , para o exercício de funções docentes ou outras similares , ou até para qualquer outra função pública .

Não se vê , assim , qual a necessidade de produção de mais prova ou de qualquer outra diligência , para a descoberta da verdade , sendo irrelevante,
neste momento , a invocada instrumentalização das testemunhas ( todas ?) e a absurda alusão à tentativa de denegrir a sua imagem .

Os factos provados subsumem-se , cabal e manifestamente , na previsão do artº 3º, 4 , f) , do ED – o dever de correcção - , que consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos , quer os próprios colegas , quer ainda os superiores hierárquicos .

Interessa ao serviço público , ao seu perfeito funcionamento , à sua completa eficácia , que os agentes mantenham na vida privada uma conduta digna .

Mas que entender por conduta da vida privada ?

Trata-se da vida que decorre fora do exercício das funções , mas não da vida íntima do funcionário . Enquanto os factos não passam do segredo do lar , não revestem o carácter de uma publicidade indecorosa , o poder disciplinar nada tem com eles . Só quando , afectando a honra e o bom nome do funcionário , afectam o serviço , entram no domínio dos factos puníveis , como é o caso dos autos . ( Cfr. anotação ao artº 3º , do ED , L. Henriques , pág. 32 ).

Daí , que tais infracções inviabilizem a manutenção da relação funcional , dada a falta de idoneidade moral , do arguído , para o exercício das funções (artº 26º, 1 e 3 , do ED .

Acresce que uma deliberação punitiva que assenta em factos que se dão por provados , face à abundante e convincente prova produzida no processo disciplinar , não padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto .

DECISÃO :

Acordam os Juízes do TCA , em conformidade , em negar provimento ao recurso contencioso .

Custas pelo recorrente , fixando-se a taxa de justiça em € 250 e a procuradoria em € 125 .

Lisboa , 14-10-04 .

ass: António Xavier Forte
ass: Carlos Araújo
ass: Fonseca da Paz