Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03721/08
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:02/12/2009
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:CONTRATO DE GESTÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR
AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS – ARTº 38º DL 185/02, 28.09
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA COMPETENTE – ARTº 4º Nº 1 E) ETAF
Sumário:1. Na sequência do concurso público nº 8/94 (Portaria 704/94 de 29/7) a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo adjudicou a gestão do estabelecimento Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca à sociedade Hospital Amadora/Sintra, Sociedade Gestora SA mediante contrato de gestão celebrado em 10.10.95.

2. O contrato de gestão integra o universo dos contratos administrativos de colaboração - Base XXXVI, Lei 48/90 de 24.08 (Lei de Bases da Saúde), artºs 28º a 31º, DL 11/93 de 15.01 (Estatuto do Serviço Nacional de Saúde), artºs. 8º a 33º DL 185/02, 28.02 (parcerias público-privadas no sistema público de saúde).

3. Nos termos do artº 38º do DL 185/02 de 28.09 a aquisição de bens e contratação de serviços necessários à implementação das parecerias em saúde regem-se pelas normas do direito privado, com obrigatoriedade de observância do procedimento pré-contratual de escolha do co-contratante por imposição das Directivas Comunitárias.

4. O facto de a lei submeter o respectivo processo de formação a normas de direito público determina a submissão do próprio contrato, pese embora de natureza privada, à jurisdição administrativa - artº 4º nº 1 e) do ETAF.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:G ..., SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou incompetente em razão da matéria a jurisdição administrativa para conhecer do pedido de intimação por si deduzido, dela vem recorrer concluindo como segue:

1. Está provado que o contrato de gestão para o Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca foi celebrado em 10 de Outubro de 1995 entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a recorrida Hospital Amadora/Sintra - Sociedade Gestora, SA.
2. Está provado que a recorrida Hospital Amadora/Sintra - Sociedade Gestora, SA foi constituída para gerir o Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca.
3. Está provado que a recorrida Hospital Amadora/Sintra - Sociedade Gestora, SA tem como objecto social exclusivo o contrato de gestão integral do Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca.
4. Estamos assim na presença de uma pessoa colectiva que, embora possua personalidade jurídica de direito privado, prossegue um importantíssimo interesse público, a prestação contínua de cuidados de saúde à população.
5. E prossegue esse interesse público de forma exclusiva, tendo sido criada propositadamente para a sua prossecução.
6. Não pode, pois, a recorrida deixar de ser considerada uma organização pública, por força do seu processo de instituição e do interesse público que prossegue.
7. Assim, o Decreto-Lei nº 185/2002, de 20 de Agosto, embora estabeleça que a contratação de serviços se rege pelas normas do direito privado, excepciona expressamente o que as Directivas Comunitárias estabelecem (cfr. artº 38°)
8. A Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, considera que é organismo de direito público qualquer organismo que seja:
a) criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com carácter não industrial ou comercial;
b) dotado de personalidade jurídica; e
c) cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, ou cuja gestão esteja sujeita a controlo por parte destes últimos, ou em cujos órgãos de administração, direcção ou fiscalização mais de metade dos membros sejam designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público (cfr. artº 1° nº 9).
9. A recorrida Hospital Amadora/Sintra - Sociedade Gestora, SA foi constituída para satisfazer necessidades de interesse geral e a sua gestão está sujeita a controlo do Estado nos termos do contrato de gestão com este celebrado.
10. E um organismo de direito público, para efeitos da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004,
11. Pelo que o contrato celebrado entre a Recorrida e a Recorrente está submetido ao direito público.
12. O contrato de gestão celebrado entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a Recorrida Hospital Amadora/Sintra - Sociedade Gestora, SA tem a natureza de contrato administrativo (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da PGR nº P001372001 in www.dgsi.pt ).
13. O DL 185/2006 refere no seu preâmbulo que "o contrato de gestão reveste a natureza de verdadeiro contrato de concessão de serviço público"
14. A natureza de contrato administrativo do contrato de gestão "contamina" os contratos celebrados pela Recorrida, à "sombra" daquele, para assegurar a gestão do Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca, nomeadamente o contrato que celebrou com a Recorrente.
15. A relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrida tem, pois, por objecto a prestação de um serviço que constituiu a razão da criação e da existência da Recorrida enquanto entidade gestora do Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca.
16. Esta relação contratual está ideologicamente orientada à realização de um interesse público, sendo, por conseguinte, uma relação jurídica administrativa.
17. Assim, a jurisdição administrativa e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra são materialmente competentes para conhecer da presente intimação.
18. Ao entender em sentido contrário, violou a douta sentença recorrida a disposição do art.° 38° do DL 185/2002, de 20 de Agosto, a Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, o artº 1° nº l e 4° nº l al. f) do ETAF e os artºs 2° nº 3, 62° nº 3 e 63° nº l do CPA,
19. Devendo, por conseguinte, ser revogada, assim se fazendo JUSTIÇA.


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A Recorrida Hospital Amadora/Sintra, Sociedade Gestora SA, não contra-alegou.


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Com dispensa de vistos substituídos pela entrega de cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – cfr. artºs. 707º nº 2 CPC, ex vi 140º e 147º nº 2 CPTA.


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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1. A Hospital Amadora/Sintra - Sociedade Gestora, SA foi constituída para gerir o Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca;
2. O contrato de gestão para o Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca foi celebrado em 10 de Outubro de 1995 entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a Requerida Hospital Amadora/Sintra Sociedade Gestora, SA - acordo;
3. A requerida tem como objecto social exclusivo o contrato de gestão integral do HPFF - acordo;
4. Com data de 23 de Outubro de 2006, foi celebrado entre a Requerente e a Requerida o contrato de prestação de serviços tendo por objecto "A prestação de serviços de alimentação pela GERTAL a doentes e colaboradores, no refeitório da unidade hospitalar Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca (HFF) sito no piso um; a preparação das refeições dos doentes que se encontrem internados no HFF" - cfr. nºs 1 e 2 da cláusula primeira da cópia do Contrato junto como doc. 1 à Resposta da Requerida;
5. Aí se estabelece também que "a prestação de serviços objecto do presente contrato será regulada pelas presentes disposições contratuais, pelos termos e condições previstos no caderno de encargos do concurso para o fornecimento dos serviços de alimentação às Sociedades do Grupo José de Mello, lançado pela M Dados em 25 de Maio de 2005 e pela proposta apresentada pela Gertal em 30 de Junho de 2005 e respectivos aditamentos, os quais constituem o Anexo l e o Anexo II do presente contrato e dele fazem parte integrante" – nº 3 da CLÁUSUALA PRIMEIRA - e que "Para todas as questões emergentes do presente contrato será competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa" - cfr. CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA - cópia do Contrato junto como doc. 1 à Resposta da Requerida;
6. No dia 22 de Outubro de 2007, através de correio electrónico, a Requerida solicitou à Requerente que o valor das penalizações que lhe foram aplicadas até 17 de Outubro de 2007 fosse creditado na factura do mês de Outubro - cfr. doc. 1 ao requerimento inicial;
7. A Requerente, através da carta datada de 14 de Novembro de 2007, com a Ref-67/ADM/2007, solicitou à Requerida que enviasse toda a fundamentação de facto e de direito que justifica as penalizações aplicadas à Gertal até 17 de Outubro de 2007 para se poder pronunciar sobre as mesmas - cfr. doc. 2 junto ao requerimento inicial;
8. Por ofício datado de 22.11.2007 a Requerida prestou os seguintes esclarecimentos:
“(..)
1- Tal como referido na nossa comunicação com a Ref: DL/TR/181/07 de 19 do corrente, que esta Sociedade Gestora considera que o cumprimento do estabelecido no Caderno de Encargos que serviu de base à prestação de serviços da vossa empresa ao HFF, nem sempre se verificou, pelo que a consequência, no âmbito do mesmo, será a aplicação do regime de penalizações, nos termos e com os efeitos previstos;
2- As mencionadas penalizações resultam das inúmeras reclamações que temos recebido sobre a crescente falta de condições dos serviços prestados, não só na qualidade dos mesmos, mas na qualidade e quantidade dos alimentos que são servidos.
3- Em anexo juntamos documento (Documento 1) exemplificativo e descrito das situações identificadas que no âmbito do mencionado Caderno de Encargos, servem de base à aplicação de penalizações.
4- Juntamos, igualmente, em anexo a relação das chamadas telefónicas realizadas nas linhas telefónicas à guarda da Gertal (Documento 2).(..)” - cfr. doc. 3 junto ao requerimento inicial;
9. Em 13.12.2007 a Requerente dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração da Requerida, um requerimento cuja cópia se encontra nos autos como documento n° 5, e que se dá aqui por integralmente por reproduzido, em que pede “(..) a passagem de certidão:
a) De todo o processo administrativo subjacente à aplicação das penalizações no valor de 56.754,43€;
b) Das Decisões que aplicam as penalizações;
c) De toda a fundamentação de facto e de direito em que se alicerçaram as decisões de aplicação das penalizações (..)”;
10. Ao que a Requerida respondeu, em 10.01.2008, com o seguinte teor:
“(..) Acusamos a recepção da vossa comunicação datada de 13 de Dezembro de 2008(?),a qual nos causou alguma estranheza, uma vez que na mesma, V. Exas. invocam Código de Procedimento Administrativo (Decreto-Lei nº 442/91, de 15/11) e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (Lei nº 15/2002, de 2/02) para a passagem de uma determinada certidão.
Tal como V. Exas. por certo saberão, a referida legislação não é aplicável ao Contrato de Prestação de Serviços de Alimentação para o Refeitório do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, celebrado entre a Hospital Amadora Sociedade Gestora, SA e a G ..., SA celebrado em 23 de Outubro de 2006 e com efeitos a 15 de Outubro de 2005 e termo a 31 de Dezembro de 2007 (..)” - cfr. doc. 6 junto ao requerimento inicial;


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DO DIREITO

A aqui Recorrida Hospital Amadora/Sintra, Sociedade Gestora SA aplicou à ora Recorrente G ..., SA a penalização de 56.754,43 € no âmbito do contrato de prestação de serviços de alimentação a doentes e pessoal do Hospital Amadora/Sintra, que gere - denominado de Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca no título constitutivo, o DL 382/91 de 9.10 - contrato celebrado em 23.10.06 “(..) com efeitos a 15.10.2005 e termo a 31.12.2007 (..)” - matéria levada ao probatório nos pontos 4 e 10.
Penalizações fundadas em “(..) que o cumprimento do estabelecido no Caderno de Encargos que serviu de base à prestação de serviços da vossa empresa ao HFF, nem sempre se verificou, pelo que a consequência, no âmbito do mesmo, será a aplicação do regime de penalizações, nos termos e com os efeitos previstos (..)” - matéria levada ao probatório no ponto 8.
Na sequência, a Recorrente solicitou à Recorrida a passagem de certidão do processo administrativo subjacente à aplicação das referidas penalizações em 56.754,43 €, especificando que pretende certidão das decisões e respectiva fundamentação de facto e de direito - matéria levada ao probatório no ponto 9.

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O Tribunal de 1ª Instância julgou a causa subtraída à jurisdição administrativa - questão única submetida a recurso - com o fundamento que, por síntese, se transcreve:
“(..) a relação jurídica invocada pela requerente carece da indispensável condição administrativa, não se subsumindo em nenhuma das alíneas do artº 4º nº 1, ainda que exemplificativo, nem se considera de natureza susceptível de se enquadrar no âmbito das relações previstas no artº 1º, ambos os preceitos reportados ao ETAF.
Consequentemente, a requerida, enquanto entidade privada e praticando actos no âmbito de relações contratuais privadas não pode ser intimada a emitir a certidão requerida através do meio processual previsto no artº 104º do CPTA. (..)”.

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Não acompanhamos a sustentação jurídica e sentido decisório apresentados, pelas razões que seguem.

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A gestão do Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca foi assumida pela sociedade Recorrida, Hospital Amadora/Sintra, Sociedade Gestora SA por contrato de gestão celebrado em 10.10.95 com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo - matéria levada ao probatório no ponto 2. - na sequência de adjudicação em sede do concurso público nº 8/94 procedimentalmente regido pelo programa de concurso e caderno de encargos tipificados no Anexo da Portaria nº 704/94 de 29.07 “(..) para celebração de contratos de gestão de instituições, partes funcionalmente autónomas e serviços do Serviço Nacional de Saúde.”.
Deste modo em 1995 deu-se início à empresarialização da gestão hospitalar pública, que teria larga concretização em 9, 10 e 11.DEZ.2002 com a criação de 31 sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, desiderato concretizado no modelo do contrato de gestão previsto na Base XXXVI da Lei 48/90 de 24.08 (Lei de Bases da Saúde) e nos artºs 28º nºs. 1 e 2 e 29º nºs 3 e 4 do DL 11/93 de 15.01 (Estatuto do Serviço Nacional de Saúde).
Como nota de actualização, refere-se que o artº 39º do DL 185/02 de 28.09 - diploma que deu corpo ao novo modelo societário das parcerias público-privadas no sistema público de saúde -, revogou os artºs. 28º a 31º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, passando o dito contrato de gestão a regular-se, com maior detalhe, pelos artºs. 8º a 33º do citado DL 185/02, contrato entretanto extinto em 31.12.2008 por caducidade decorrente de denúncia para o termo do respectivo prazo, sendo o estabelecimento do Hospital Amadora/Sintra, “(..) transformado numa entidade pública empresarial, regida pelo disposto nos DL’s. nºs 558/99 de 17.12 e 233/05 de 29.12 e designada Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca E.P.E.(..)”, vd.. artº 1º nº 1, DL 203/08 de 10.10 donde, novamente “(..) será entregue à gestão pública a 1de Janeiro de 2009 (..), conforme preâmbulo do citado DL 203/08.

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Afora esta actualização, com importância para saber da solução a dar à requerida intimação de passagem de certidão de “(..) todo o processo administrativo subjacente à aplicação das penalizações no valor de 56.754,43€ (..)”, isto é, de documentos relacionados com o contrato de prestação de serviços celebrado em 23.10.06, temos que pelo contrato de 10.10.1995 a Administração Pública entregou à iniciativa privada a gestão do estabelecimento público Hospital Amadora/Sintra, até então sob o regime de gestão pública tal como todos os estabelecimentos hospitalares integrados no Serviço Nacional de Saúde, vd. artº 1º do DL 19/88 de 21.01 (Lei da Gestão Hospitalar).
Dito de outro modo, o Hospital Amadora/Sintra, criado pelo DL 382/91 de 09.10 sob a forma de pessoa colectiva dotada de autonomia administrativa e financeira, deixou de deter a natureza de instituto público-estabelecimento público e por meio do contrato de gestão de 10.10.95 passou a hospital SA formato societário em que se manteve até 31.12.08, pelo qual a entidade privada,
“(..) assume o dever de prestar serviços (“prestações de saúde”) a terceiros (179) [(179) Estabelecendo a lei que as relações com terceiros se regem pelo direito privado (cfr. artigo 31º)]; trata-se, portanto, de um contrato com uma estrutura muito semelhante à do contrato de concessão de serviços públicos (com um componente ad intra, nas relações entre a Administração e a entidade gestora, e outro ad extra, nas relações entre a entidade gestora e os utentes) (..)
o objecto dos contratos em causa não é a gestão de um serviço público (pelo menos em sentido funcional).; de resto, a Administração não “dispõe” do serviço hospitalar (..) mas apenas da gestão ou administração da instituição ou serviço de saúde que é, aliás, o objecto do contrato.
O gestor do serviço de saúde não explora nem gere uma “actividade administrativa”; ele administra ou gere um estabelecimento público. (..)”, de modo que, nesta formulação doutrinária o modelo dos contratos de gestão integra o universo dos contratos administrativos de colaboração. (1)

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No mesmo sentido se expressa o Parecer da PGR de 25.10.2001, com respaldo na Doutrina citada, ali se afirmando que,
“(..) Na caracterização legal do contrato de gestão há-de notar-se ter existido um especial cuidado normativo em não deixar que ele pudesse vir a ser encarado como o típico contrato de concessão de serviço público, em que o predominante é a cessão da actividade administrativa que a Administração Pública deve desenvolver, enquanto serviço público, a qual é colocada sob gestão de outros que não o seu titular público.
(..) o conjunto dos normativos que se ocupam deste negócio jurídico (novo ?) são constantes na afirmação do objecto do contrato como sendo de gestão de uma instituição ou serviço de saúde, ou seja, um hospital, centro de saúde ou serviço funcionalmente autónomo. (..)
A lei não se sentiu (e não podia) em condições de tratar a saúde, neste quadro do SNS [Serviço Nacional de Saúde], como uma mera actividade económica, pois se assim tivesse sido não teria sentido dificuldades em adoptar o nome jurídico concessão. Não o adopta e tão evidente parecer ter sido essa distinção para os próprios outorgantes do contrato, que também em nenhum ponto do clausulado é a sociedade gestora designada de concessionária ou a ARS de concedente. (..)
Encontramo-nos perante contratos administrativos nominados e típicos, em função do regime jurídico estabelecido. Nominados por terem uma designação dada por lei. Típicos, por terem um regime jurídico que os identifica. (..)” (2)

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Qualificado o contrato de gestão no universo dos contratos administrativos, cabe saber da natureza do contrato de prestação de serviços de alimentação a doentes e pessoal do Hospital Amadora/Sintra celebrado em 23.10.2006, cabe atender às consequências decorrentes do DL 185/02 de 20.08 no tocante às relações da sociedade gestora com terceiros no domínio da contratação, dada a revogação do artº 31º da Lei 11/93.
Neste domínio dispõe o artº 38º do DL 185/02 que “A aquisição de bens e contratação de serviços, necessários à implementação das parecerias em saúde regem-se pelas normas do direito privado, sem prejuízo da aplicação das directivas comunitárias e do acordo sobre mercados públicos, celebrados no âmbito da Organização Mundial do Comércio.”
Claramente é estatuída a obrigatoriedade de observância do procedimento pré-contratual de escolha do co-contratante por imposição das Directivas Comunitárias, a Directiva 93/36/CEE de 14.06.93 com as alterações decorrentes da Directiva 97/52/CE de 13.10.97.
E aqui abrem-se duas alternativas possíveis: (i) ou se sustenta que o artº 38º do DL 185/02 remete para a aplicabilidade do regime da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens e serviços, constante do DL 197/99 de 08.06, (ii) ou, por força do efeito directo reconhecido às directivas comunitárias estas serão de observância vinculada por parte de todos os entes públicos ou privados subsumíveis nos requisitos nelas estabelecidos quanto aos procedimentos pré-contratuais, caso se entenda que o DL 197/99 não procedeu com rigor à transposição do âmbito subjectivo da Directiva no tocante ao conceito funcional de “organismo de direito público criado para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial”, v.g. artº 1º b) da Directiva 93/36/CEE, por reporte à definição das entidades adjudicantes e extensão do âmbito de aplicação pessoal constante dos artºs. 2º b) e 3º nº 1 a) e b) do DL 197/99. (3)
Seja qual o caminho, qualquer deles de razoável complexidade de conjugação normativa, no seu termo encontramos a clareza do legislador no artº 4º nº 1 alínea e) do ETAF; segundo o qual o contencioso neste domínio contratual mostra-se sujeito à jurisdição administrativa, sendo que “(..) A norma do nº 3 do artº 100º do CPTA, interpretada em conjugação com a do artº 4º nº 1 alínea e) do novo ETAF – que remete para a jurisdição administrativa todas as questões relativas à validade dos actos pré-contratuais inseridos num procedimento de direito público – reforça o entendimento de que se mantém a competência contenciosa dos tribunais administrativos em relação a actos pré-contratuais praticados por pessoas colectivas privadas, quando tais entidades se encontrem subordinadas à disciplina concorrencial de direito público (..)”(4)
De modo que, “(..) O que é relevante, nessa matéria, para determinar o âmbito “contratual” da jurisdição administrativa, continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu – ou devia ou podia ter antecedido – a sua celebração, e não a própria natureza do contrato (..) E independentemente também de se tratar (de actos pré-contratuais ou) de contratos de uma pessoa colectiva de direito público ou de um sujeito privado que esteja submetido, por lei específica, a deveres pré-contratuais de natureza administrativa – como sucede, por exemplo, nomeadamente por força da transposição de normas comunitárias (embora o mesmo possa acontecer em virtude da sua aplicação directa) (..)” (5)
No sentido crítico da solução legal de submeter os contratos entre privados à jurisdição administrativa, na medida em que “(..) mesmo que um contrato entre privados se não qualifique como administrativo, o facto de a lei submeter o respectivo processo de formação a normas de direito público determina, nos termos do artº 4º/1,e) [ETAF] a submissão do próprio contrato à jurisdição administrativa. Para a crítica – a que nos associamos - dessa solução legal, cfr. Sérvulo Correia, Direito do Contencioso, cit., pág. 716 (..)” (6)

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Por tudo quanto vem dito se conclui pela competência da jurisdição administrativa no tocante à s questões derivadas do contrato de prestação de serviços celebrado entre Recorrente e Recorrida em 23.10.06, conforme ponto 4 do probatório.
Importa, pois, conhecer do peticionado em via substituição, na exacta medida da insustentabilidade da sentença proferida em 1ª Instância.

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Ao caso dos autos compete o regime substantivo do direito à informação constante do artº 62º nº 3 CPA na medida em que a ora Recorrente pretende aceder a certidão da documentação requerida em 13.02.2007, matéria levada ao probatório no ponto 9., relacionada com as penalizações aplicadas no domínio da execução do mencionado contrato de prestação de serviços derivadas de incumprimentos contratuais invocados pela ora Recorrida em ofício datado de 22.11.2007 dirigido à ora Recorrente, matéria levada ao probatório no ponto 8.
Daqui se retira que relacionado com estas penalizações não há nenhum documento que possa ser subsumido no conceito de documentos classificados ou que revelem segredos comerciais, industriais, autorais ou científicos, tal como estatuído no nº 1 do cit. artº 62º CPA e também que a ora Recorrente não se considera satisfeita no que tange ao seu direito à informação com a documentação que acompanhou a mencionado ofício de 22.11.2007.
Ponto é que haja mais documentação para além da que consta do probatório destes autos, como é evidente, mas qualquer litígio sobre esta matéria naturalmente que extravasa o objecto que as partes fixaram para o presente processo.
Por último, cumpre sublinhar que a passagem de certidão a que se refere o artº 62º nº 3 CPA tem por objecto de referência a reprodução de documentos do processo e não o processo em si, o que significa que, no tocante ao ofício datado de 13.11.2007 levado ao probatório no ponto 9., a ora Recorrente G ..., SA tem o direito a que, no prazo legal de 10 dias úteis consignado no artº 108º nº 1 CPTA lhe seja passada certidão dos documentos que se encontram na posse da ora Recorrida Hospital Amadora/Sintra, Sociedade Gestora SA e cujo conteúdo declaratório se relacione com
(i) a aplicação das penalizações no valor de 56.754,43€
(ii) e fundamentação de facto e de direito em que se alicerçaram as decisões de aplicação das penalizações.

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De modo que, na procedência do recurso e em via de substituição, cabe condenar a ora Recorrida à satisfação do a si peticionado pela ora Recorrente mediante o ofício datado de 13.11.2007, dentro dos termos supra referidos.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

A - julgar procedente o recurso e revogar a sentença proferida;

B - em via de substituição, condenar a ora Recorrida Hospital Amadora/Sintra, Sociedade Gestora SA a, no prazo de 10 dias úteis, passar e entregar à ora Recorrente G ..., SA certidão dos documentos que se encontram na sua posse e por esta a si peticionados no ofício datado de 13.11.2007 e cujo conteúdo declaratório se relacione com
(i) a aplicação das penalizações no valor de 56.754,43€
(ii) e fundamentação de facto e de direito em que se alicerçaram as decisões de aplicação das penalizações.


Sem tributação, por isenção objectiva - cfr. artº 73º-C, nº 2 b) CCJ.


Lisboa, 12.FEV.2009,

(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Coelho da Cunha)

(1) Pedro Gonçalves, A concessão de serviços públicos, Almedina/1999, págs.161/162; Entidades privadas com poderes públicos, Almedina/2005, págs. 894
(2) Parecer do CC da PGR, nº 1993, homologado em 23.11.2001, em que foi Relator o Juiz Conselheiro do STA Alberto Augusto Oliveira, in www.dgsi.pt
(3) No domínio dos “hospitais (públicos) SA”, Coutinho de Abreu, Sociedade anónima, a sedutora hospitais, SA, Portugal, SA – Instituto de Direito da Empresas e do Trabalho, Miscelâneas, nº 1, Almedina, págs.15/23.
(4) Carlos Cadilha, Legitimidade processual, CJA nº 34 pág. 23 nota 46.
(5) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF – Anotados, Vol. I, Almedina, 2004, págs.50 e 51.
(6) Pedro Gonçalves, Entidades privadas com poderes públicos, Almedina/2005, pág. 1069, nota 411.