Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02018/07
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/21/2008
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRS.
PRESSUPOSTOS PARA MÉTODOS INDIRECTOS.
ERRADA QUANTIFICAÇÃO.
FUNDAMENTAÇÃO.
JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:1.Verificam-se os pressupostos para o imposto ser apurado pela AT com o recurso a métodos indirectos, quando através da contabilidade não é possível alcançar tal desiderato, designadamente quanto aos proveitos;
2. Não se verifica a errada quantificação do apuramento do imposto por métodos indirectos, quando o critério utilizado pela AT se revela adequado e apto para esse fim e o contribuinte não logra provar, no caso, qualquer erro ou excesso nessa quantificação;
3. Não padece da falta de fundamentação formal a liquidação adicional de IRS com recurso a métodos indirectos, quando a fundamentação constante do relatório da inspecção tributária, permite ao contribuinte apreender, de forma clara, suficiente e congruente, a motivação por que tal liquidação teve lugar;
4. Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria, mas sobre a sua liquidação, não exige a lei que a AT proceda à audição prévia do contribuinte de forma autónoma e distinta da audição relativamente ao imposto donde provém.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:RECURSO JURISDICIONAL N.º 2.018/07.


Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. C…………, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) Vem o presente recurso interposto contra a Sentença de 26 de Fevereiro de 2007, proferida no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja sob o n.º …/….9BEBJA;
b) Na referida Sentença, a Senhora Dr.a Juíza a quo, considera que os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de Juros Compensatórios impugnados, não padecem de qualquer dos vícios apontados pelo ora Recorrente, assim julgando improcedente a referida impugnação judicial.
c) Todavia, e como se deixou devidamente comprovado, quer pelo depoimento prestado pela testemunha arrolada, quer pelos documentos carreados para os autos, era perfeitamente possível, a quantificação directa e exacta da matéria tributável, pelo que a decisão de tributação com recurso a métodos indiciários mostra-se ilegal, por violação do disposto nos artigos 85.º, 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária e, consequentemente devem ser anulados os subsequentes actos de liquidação - ora impugnados -, por, no caso concreto, não se verificar qualquer insuficiência ou anomalia que impeça o apuramento directo e exacto da matéria tributável.
d) No caso concreto, a Administração tributária alicerçou-se na alínea b) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, ou seja, considerou que a contabilidade do Recorrente não permitia a comprovação directa e exacta da matéria tributável - acto este, peremptoriamente infirmado pela testemunha inquirida que, de forma clara e isenta, declarou que a contabilidade estava organizada de acordo com a legislação aplicável.
e) Todavia, a Administração tributária apenas coloca em causa o facto de a contabilidade não discriminar os elementos relativos à venda de electrodomésticos nem os elementos relativos aos trabalhos de carpintaria e, bem assim, por alegadas deficiências do sistema de facturação.
f) No que respeita às obras em curso, não é correcta a conclusão da Administração tributária, na medida em que era, de facto, possível realizar o controlo sobre a percentagem de acabamento das mesmas através dos mapas de controlo dessas mesmas obras que foram, inclusivamente, exibidos à Administração tributária no âmbito do procedimento de inspecção, assim resultando violado, pela conduta da Administração tributária, o artigo 58.º da Lei Geral Tributária.
g) No que se refere à omissão de proveitos decorrentes da, suposta, alienação de electrodomésticos também não é verdade que exista qualquer insuficiência contabilística, como aliás, foi comprovado pela testemunha inquirida, na medida em que esses mesmos electrodomésticos foram integrados nos respectivos imóveis, cujo preço final é, naturalmente, influenciado pelo custo desses equipamentos.
h) Situação idêntica se verifica com referência aos trabalhos de carpintaria, que, como também sabe a Administração tributária, e a testemunha inquirida comprovou, estão incluídos na factura final emitida ao adquirente do bem imóvel. Com efeito, e como se deixou já referido, o Recorrente não exerce a actividade de construção de edifícios e a actividade de carpintaria sendo esta última complementar da primeira e, portanto, facturada em conjunto
i) Deste modo, inexiste qualquer omissão de proveitos relacionada com os trabalhos de carpintaria decaindo também este argumento invocado pela Administração tributária na tentativa da justificar a tributação com recurso a métodos indirectos.
j) No que respeita ao facto de o software de facturação alegadamente permitir a emissão de facturas com o mesmo número, com a mesma data e com valores diferentes ficou comprovada a inexistência de adulteração dos resultados por esta via.
k) Na verdade, importa salientar, quanto a esta questão, que a Administração tributária não encontrou junto dos clientes do Recorrente que foram investigados, qualquer factura em duplicado que pudesse pôr em causa a sua contabilidade.
l) Em face do exposto, espelhando de forma fiel e rigorosa a contabilidade do ora Recorrente a sua real situação tributária a Sentença recorrida deverá ser revogada por se mostrar atentatória dos artigos 85.º, 4.º, 55.º todos da Lei Geral Tributária.
m) Por outro lado, os concretos métodos utilizados na quantificação da matéria tributável mostram-se ilegais, e, bem assim, excessiva a quantificação da matéria tributável.
n) E, desde logo, porque os próprios rácios que aqui estão em causa, em que a Administração tributária se baseou, não são oficiais, nem às mesmas o legislador atribuiu qualquer relevância, pelo que, uma vez mais, estamos perante um mero juízo conclusivo insusceptível de, legalmente, sustentar a pretensão da Administração tributária.
o) De todo o modo, sempre se dirá que, sempre sem conceder, no limite, tais rácios deveriam ser apenas aplicados à parcela da contabilidade julgada insuficiente e não à contabilidade em bloco como sucedeu - ou seja se a Administração tributária considera existir subfacturação na venda de electrodomésticos e nos trabalhos de carpintaria deveria ter aplicado em cada uma das respectivas parcelas de contabilidade os rácios previstos para essas actividades - venda de electrodomésticos e trabalhos de carpintaria em conformidade com o disposto nos artigos 90.º e 85.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
p) No caso vertente a Administração tributária presumiu a matéria tributável do Recorrente através da aplicação de rácios de rentabilidade fiscal previstos para o ano de 2000, o qual não se mostra adequado à busca de um resultado tão próximo quanto possível do que resultaria da avaliação directa ao arrepio do disposto no artigo 85.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária e em violação do disposto nos artigos 4° - princípio da capacidade contributiva -, 55° - princípio da justiça -, e 58° - princípio do inquisitório -, todos da Lei Geral Tributária.
q) Com efeito, os proveitos decorrentes de tais vendas e serviços - electrodomésticos e carpintaria -, poderiam ter sido apurados através da mera imputação aos resultados declarados do valor de mercado dos mesmos, conforme prescreve o artigo 90.º, n.º 1, alínea h), da Lei Geral Tributária, ou através de uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte (cfr. artigo 90º, n.º 1, alínea i), da Lei Geral Tributária), situação em que a presunção de rendimentos ter-se-ia cingido à parcela da contabilidade que foi julgada insuficiente e, assim, permitira um resultado tributável mais próximo do real.
r) Em suma, o critério de determinação da matéria tributável utilizado pela Administração tributária não é o adequado ao caso concreto, dele resultando uma tributação exagerada e desconforme com os princípios e normas jurídicas aplicáveis - desde logo porque não foram considerados os avultados investimentos efectuados pelo Recorrente, reconhecidos pelo IAPMEI e pela própria Administração tributária -, o que não podendo ser desconsiderado deverá determinar a revogação da Sentença em apreço por erro de julgamento na medida em que dos autos resulta comprovado o excesso na quantificação da matéria tributável.
s) O acto de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado não se mostra suficientemente fundamentado, por não resultarem explicitados os motivos pelos quais o rácio de rentabilidade fiscal aplicado (relativo ao ano de 2000) é o critério que permite maior aproximação à matéria tributável real, nem se identificar a disposição legal em que sustenta o critério de determinação da matéria tributável utilizado, em desconformidade como disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária.
t) Porém, esta decisão de cariz arbitrário, não fundamenta, minimamente que fosse, o motivo conducente à consideração de um rácio. Por que não os rácios de 1988, ou outros? A administração tributária não esclarece o que implica a impostergável conclusão de que os actos de liquidação controvertidos não s encontram devidamente fundamentados e que o critério utilizado é manifestamente desadequado (Acórdão do Supremo Central Administrativo Sul (SIC) de 11 de Outubro de 2006, proferido no Processo 289/03).
u) A liquidação de juros compensatórios está inquinada de vício de violação de lei, por ofensa ao artigo 35.º da Lei Geral Tributária, uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos, de facto e de direito, legalmente exigidos, designadamente a culpa do Recorrente no alegado atraso na liquidação do imposto.
v) A liquidação de juros compensatórios está também inquinada de vício de forma, por falta de fundamentação, uma vez que não revela as razões de facto e de direito para a sua liquidação (cfr. artigos 77.º da Lei Geral Tributária, 124.º, n.º 1, alínea a), e 125.º do Código do Procedimento Administrativo), e por omissão de notificação para exercício do direito de audição em momento anterior ao da sua prática.
w) Os actos de liquidação de juros compensatórios não são actos legalmente predeterminados porque pressupõem atraso na liquidação de imposto; que esse atraso seja imputável objectivamente ao sujeito passivo; e que sobre esse atraso na liquidação seja feito um juízo de censura, ou seja que a conduta seja imputada, subjectivamente, a título de culpa a qual deverá ser invocada e comprovada pela Administração tributária (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Setembro de 1998, proferido no Processo n.º 22612; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2002, proferido no Processo n.º 1145/02, e, Acórdão do Supremo tribunal Administrativo de 4 de Fevereiro de 2004, proferido no Processo n.º 1733/03).
x) O órgão competente da Administração tributária deve sempre promover a audição do contribuinte visado sobre todos os aspectos relevantes, seja matéria de facto ou de direito, para a prolação da decisão final (cfr. artigos 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e 60.º da Lei Geral Tributária), sendo certo que no caso vertente o Recorrente poderia, nesta sede, demonstrar a inexistência de culpa no alegado atraso na liquidação do imposto e/ou pronunciar-se sobre o período de tempo pelo qual os juros foram calculados e/ou a(s) taxa(s) de juros aplicada(s).
y) A verificada omissão de notificação para exercício do direito de audição em momento anterior ao da prática dos actos de liquidação de juros compensatórios impugnados, consubstancia uma preterição de formalidade legal essencial no procedimento que lhe veio a dar origem o que, inevitavelmente, torna anulável os mesmos actos de liquidação.
z) Resultou assim, pela Sentença ora recorrida, violado o disposto nos artigos 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e 60.º da Lei Geral Tributária, devendo, pois, a mesma Sentença ser revogada e assim anulado o acto de liquidação de juros compensatórios em apreço.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência revogada, por erro de Julgamento, a Sentença de proferida em 26 de Fevereiro de 2007, no âmbito do processo de Impugnação Judicial que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja sob o n.º …../….9BEBJA, e assim, anulados o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de Juros Compensatórios controvertidos.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por no caso se verificarem os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, por não enfermar a liquidação do vício de falta de fundamentação e por a lei não exigir, de forma autónoma, o direito de audição do contribuinte, quanto à liquidação de juros compensatórios.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se ocorrem no caso os pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos; Se ocorre erro ou excesso de quantificação dessa matéria apurada por tais métodos; Se o acto de liquidação do imposto se mostra devidamente fundamentado; E se a liquidação dos juros compensatórios também padece da falta de fundamentação formal.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) De 2002-07-04 a 2003-05-01 foi realizada uma acção inspectiva à escrita do Impugnante, relativamente aos anos de 1999 a 2001, tendo os serviços de fiscalização tributária realizado um projecto de relatório de inspecção tributária, no qual, em síntese, se apurou, que "...tendo em atenção tudo o que foi referido no Relatório, nomeadamente, nos pontos C. -5 e C. -6, sou de opinião que a contabilidade não foi elaborada de forma a reflectir com exactidão os volumes de negócios realizados, nem os resultados efectivamente obtidos, pelo que se propõe para os exercícios de 1999, 2000 e 2001 o recurso a métodos indirectos.... (cfr. fls. 85 a 186 dos autos);
B) Ainda no que respeita ás matérias tratadas nos referidos pontos C. -5 e C. –6 do relatório da inspecção importa ter presente o depoimento da primeira testemunha (que testemunhou de forma clara, coerente e completa, demonstrando credibilidade pelo conhecimento das questões, por razões profissionais: T.O.C. n.º…..), relativamente à possibilidade - pelo menos numa situação concreta e identificada nos autos -, de "correcção" informática das facturas, bem como, ainda que em sentido diferente do do relatório, quanto ao modo como contabilizou os electrodomésticos e os trabalhos de carpintaria e a percentagem dos acabamentos nas obras em curso, que ela testemunha retirava dos mapas de controlo interno que o seu cliente, ora Impugnante lhe fornecia, sob a forma de apontamentos/rascunhos feitos pelo próprio (cfr. fls. 85 a 186 e cfr. fls. 272 a 277 dos autos);
C) Quanto ao modo como foram contabilizados os electrodomésticos, os trabalhos de carpintaria e a percentagem dos acabamentos nas obras em curso, cujos valores eram identificados pela primeira testemunha (T.O.C. n.º 43371), nos termos melhor identificados na alínea supra, importa também considerar o depoimento da segunda testemunha, cuja razão de ciência advém do facto de prestar serviços de contabilidade para o Impugnante (cfr. fls. 85 a 186 e cfr. fls. 272 a 277 dos autos);
D) Em 2003-07-14 o Impugnante exerceu o seu direito de audiência prévia sobre o projecto de relatório de conclusões da acção de fiscalização, assacando então, no essencial, os mesmos vícios que agora identifica às liquidações sindicadas (cfr. fls. 63 a 84);
E) Em 2003-11-26, o Impugnante foi notificado do procedimento de revisão que recaiu sobre o seu pedido de revisão da matéria colectável, porquanto, não tendo havido acordo entre os respectivos peritos, o Director de Finanças Adjunto confirmou nos termos propostos, nomeadamente o recurso à aplicação de métodos indirectos em sede de IRS e os consequentes efeitos para IVA, o Relatório da Inspecção Tributária realizado e procedendo ainda à revisão da quantificação da matéria tributável, apoiada pelos elementos demonstrativos e com os fundamentos melhor identificados a fls. 186 a 195 dos autos;
F) Em foram emitidas as liquidações (adicional de IRS referente ao exercício de 2001 e respectivos juros compensatórios) melhor identificadas de fls. 194 e 195 dos autos;
G) Em 2004-05-28, o Impugnante deduziu reclamação graciosa, tendo a mesma sido indeferida por despacho de 2005-01-14 (cfr. fls. 196 a 227 dos autos);
H) Em 2005-01-10 o Impugnante exerceu o seu direito de audiência prévia, relativamente ao projecto de decisão proferido no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, reiterando a existência dos vícios que assaca às liquidações agora sindicadas (cfr. fls. 228 a 245 dos autos);

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, dado que inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar já que as asserções da douta petição integra, no mais, antes conclusões de facto e/ou de direito.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que no caso se verificavam os pressupostos para o imposto ser apurado por métodos indirectos, que o ora recorrente não logrou infirmar os factos em que assentou o critério utilizado pela AT para apurar o imposto em falta, que a liquidação em causa, IRS relativo ao exercício de 2001, se mostra fundamentada de forma clara e suficiente do ponto de vista formal e que a falta de audição prévia antes da liquidação dos juros compensatórios, ainda que obrigatória se degrada em formalidade não essencial, por sempre tal acto ter de assumir aquele conteúdo, não tendo por isso qualquer efeito invalidante dessa liquidação.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, contra todas estas questões conhecidas na sentença recorrida se continua a insurgir, por faltarem no caso os pressupostos para a passagem aos métodos indirectos, bem podendo ter sido utilizadas correcções técnicas, mostrar-se errado o critério que presidiu à quantificação operada desde logo por ter aplicado o mesmo rácio a dois dos ramos de actividade desenvolvidos pelo recorrente, padecer o acto de liquidação do imposto de falta de fundamentação e de não ter sido exercido o direito de audição prévia antes da liquidação quanto aos juros compensatórios liquidados importando numa ilegalidade que conduz à sua anulação.


4.1.(1)Começando por conhecer do invocado fundamento de falta de pressupostos para o apuramento do imposto por métodos indirectos, sabido que aquele método é subsidiário em relação à avaliação directa, dir-se-á o seguinte.

Nos termos do disposto nos art.ºs 51.º e 52.º do CIRC, ex vi dos artºs 31.º e segs do CIRS, a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, hoje denominados de indirectos, com o recurso a estimativas ou presunções para a determinação da matéria colectável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita sempre que ocorra alguma das situações subsumíveis às várias alíneas da norma do citado art.º 51.º do CIRC e que determine a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, caso em que o director distrital de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, procederá a tal determinação e consequente liquidação do imposto devido, em que, para o efeito, se baseará, em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, sendo certo que a aludida constatação pode resultar de diversos factores enunciados naquele preceito legal, nomeadamente, de visita da fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame aos seus elementos de escrita e/ou da verificação das existências físicas do estabelecimento.

O que pressupõe que o contribuinte tenha violado alguns dos seus deveres legais de organização contabilística, como seja os contidos nas normas dos art.ºs 17.º n.º3 e 98.º n.º3 do CIRC, que dispõe que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, constituindo aquele o afloramento de um princípio geral e que dispõe que na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte:
Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;
As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos,
tendo em vista o registo das correspondentes reais operações, e cuja falta legitima a utilização dos métodos indirectos.

A utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AT, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que sirvam de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequentemente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.

Para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.

Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuìsticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.
Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.

Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários ou indirectos, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como dizem as normas dos art.ºs 82.º n.º4 e 84.º n.º1 do CIVA, 51.º n.º2 do CIRC e hoje também, dos art.ºs 85.º, 87.º e 88.º da LGT, regime que é aplicável a todos os contribuintes e não apenas aos pequenos retalhistas(2).
Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.
Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AT se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa.

Ou como bem se diz no recente acórdão deste Tribunal de 3.5.2006 (3),(...) o lançar mão de qualquer um deles em detrimento do outro não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, na estrita medida do necessário ao evitar da evasão fiscal por parte dos contribuintes faltosos, com o duplo objectivo, no mínimo, de evitar, por um lado o “emagrecimento” ilegítimo dos recursos do Estado e, por outro, de repartir equitativamente, como constitucionalmente imposto, a carga fiscal sendo que, ao que aqui e agora nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia presuntiva.

E no caso, ocorreram ou não tais pressupostos de aplicação dos métodos indirectos?

Pela matéria constante nos vários pontos do probatório designadamente das suas alíneas A) e B) e melhor se colhe do relatório elaborado pela inspecção tributária, cuja cópia consta de fls. de 123 e segs dos autos, dele se recolhe designadamente que ...o sujeito passivo não apresentou o inventário relativo às existências iniciais do exercício de 1999...que o sistema de inventário utilizado quanto às obras em curso não utilizava o critério de acabamento das obras...facturas emitidas com o mesmo número e valores diferentes...divergência nas Existências e variação de produção inventariadas e as declaradas nos Anexos I/Declarações Anuais de 1999, 2000 e 2001...margens de lucro bruta negativas...falta de registos contabilísticos nas vendas da carpintaria e nem quaisquer documentos que reflectissem as transacções ocorridas da carpintaria para o sector de construção civil e falta de separação na sua contabilidade entre os sectores de actividade exercidos de “construção civil” e “fabricação de cozinhas”, apurada pela inspecção tributária, constante do relatório do exame à escrita da impugnante e não contrariada por qualquer outra prova, e que no presente recurso o ora recorrente também não coloca em causa de forma válida, não invocando sequer, qualquer concreto ponto da matéria de facto que não tenha sido correctamente julgado – cfr. art.º 690.º-A do Código de Processo Civil - desta forma não se logrando demonstrar qualquer não exactidão dos índices apontadas no mesmo relatório, designadamente dos supra referidos, com os quais se concluiu pela impossibilidade de apurar e controlar clara e inequivocamente o lucro tributável, e em sede de IVA, de permitir apurar claramente o imposto, os quais constituem suficiente fundamentação para a passagem a tais métodos, desde logo pela impossibilidade de apurar as existências iniciais do exercício de 1999, facturas emitidas por computador como o mesmo número e valores diferentes e falta de registo na contabilidade das vendas do sector de carpintaria, não sendo desta forma possível apurar, sobretudo, as reais vendas ocorridas no período em causa, o que determinava que também, directamente, através dessa contabilidade não era possível apurar o imposto em falta, tendo de o ser com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou, como bem se pronuncia a M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida.

Face a tais anomalias, com as apontadas omissões e insuficiências encontradas na contabilidade do sujeito passivo, designadamente neste exercício de 2001, único aqui em causa nesta impugnação judicial, não restava outro caminho à AT senão lançar mão de tais presunções ou estimativas, para calcular e apurar o imposto em falta, aceitando alguns dos elementos da contabilidade do contribuinte, como os custos contabilizados, mas não aceitando outros como os proveitos, tendo procedido à respectiva alteração, nos termos explanados supra, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua real actividade nesse exercício.


A fundamentação supra, tem perfeito cabimento, quer ao nível do IRC, quer do IRS e também ao nível do IVA, nos termos do disposto nos art.ºs 82.º e segs do CIVA, normas que igualmente permitem o recurso a presunções ou estimativas, para apurar o imposto devido, e com base nas operações que o sujeito passivo, presumivelmente efectuou, desde que fundadamente, tenha sido pago um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.


Nestes termos, improcede a matéria das alíneas a) a l) das suas conclusões do recurso.


4.2. Na matéria das conclusões m) a s) das suas alegações de recurso, vem o recorrente insurgir-se contra a sentença recorrida, pretendendo que o critério utilizado pela AT para apuramento do imposto não é apto para encontrar um resultado tão próximo quanto possível do que resultaria da avaliação directa no que quedaria violada a norma do art.º 85.º n.º2 da LGT.

Nos termos do disposto no art.º 82.º do CIVA, a utilização de métodos indiciários ou indirectos para a determinação da matéria colectável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita com o recurso a presunções sempre que o Chefe da Repartição de Finanças constate a existência de inexactidões ou omissões nas declarações que conduzam a um imposto inferior ou a uma dedução superior aos que se mostrem devidos, sendo certo que a aludida constatação pode resultar de diversos factores enunciados naquele preceito legal, nomeadamente, de visita da Fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame aos seus elementos de escrita e/ou da verificação das existências físicas do estabelecimento e ao nível do IRC/IRS, tal actuação em ordem ao apuramento mais real do lucro tributável, assenta nas citadas normas dos art.ºs 51.º e 52.º do CIRC.

A utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AF, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que servem de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequentemente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.

Para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.
Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuìsticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.

Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.

No caso em apreço, o presente recurso jurisdicional assenta não só na "errónea quantificação da matéria colectável por métodos indiciários", mas também quanto à falta de pressupostos para a passagem a tais métodos, questão esta que foi objecto de conhecimento no ponto anterior e onde se concluiu pela sua improcedência.

Cabe referir que no direito adjectivo fiscal, art.º 40.º n.º1 do CPT e hoje nos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT, e no direito adjectivo civil, art.º 265.º n.º3 do CPC, ambos regidos pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.º 264.º n.ºs 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a...suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto...cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário. Cabe-lhe o ónus de prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPT, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, anotação 8. ao art.º 121.º, págs. 267 e 268.
E à Administração Tributária, o ónus de provar os pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indiciários, cabendo-lhe a ela enunciar o critério utilizado na respectiva quantificação, expondo os elementos convincentes em que fez assentar o volume da matéria colectável presumida, em dados objectivos, racionais e fundamentados, extraídos de parâmetros gerais e comuns à situação, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. Ou seja, encontra-se a AT vinculada, a utilizar critérios na determinação da quantificação da matéria tributável que sejam conhecidos e que segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar (4).

Por outro lado, não podemos deixar de trazer à colação o princípio em que se fundamenta a organização de uma sã contabilidade (art.º 44.º do Código Comercial), segundo o qual todos os factos patrimoniais evidenciados na contabilidade têm de se mostrar descritos e comprovados por meio de escritos comerciais. Ou seja, todo o lançamento contabilístico tem de ter por base um documento de suporte, que não só constitui o respectivo fundamento como, na sua falta, não permite que o facto seja admitido a registo.
Precisamente porque a escrituração comercial constitui um meio de prova em caso de litígio (art.º 44.º do Código Comercial) os registos não devem apresentar-se desfalcados de suporte documental. E também, por outro lado, não devem apresentar irregularidades (art.º 39.º § único do Código Comercial).

A repartição do ónus da prova em sede de impugnação judicial, após a entrada em vigor do CPT, ao vir introduzir um novo preceito - o do art.º 121.º e hoje do art.º 100.º do CPPT - que se nos afigura como exprimindo um princípio estruturante do processo contencioso tributário, como do processo administrativo tributário, que a «fundada dúvida sobre a existência do facto tributário» deve implicar que a administração fiscal se abstenha, quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do imposto.
No dizer de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão (5), é a consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que, na prática, era acatado no regime anterior à Reforma Fiscal.
O preceito em anotação, todavia, carece de aprofundado esforço interpretativo, a fim de se aferir do seu correcto alcance.
A «dúvida fundada» a que alude o referido art.º 121.º do CPP e hoje o art.º 100.º do CPPT, que implica a anulação do acto impugnado, não pode assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante (6).
Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação de facto tributário.
Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los.
Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível pelo fundamento daquela dúvida.

A produção de prova está associada à alegação. Quem tem de alegar os factos tem também em princípio, o ónus da produção da prova respectiva. No caso, pretendia a impugnante anular os actos de liquidação adicional de IVA por entender que os rácios oficiais aplicados carecerem de relevo, sendo incapazes de sustentar a pretensão da AT, devendo em todo o caso terem sido aplicados apenas à parcela da contabilidade julgada insuficiente e não a toda ela, e aplicada por cada um dos sectores de actividade que não em bloco, como foi, desta forma não se tendo apurado um resultado tão próximo da avaliação directa como era possível.

Entende-se contudo, carecer de razão o recorrente quanto a estas críticas assacadas ao método utilizado pela AT e acolhido como apto para o efeito pela sentença recorrida.

Na verdade, como se deixou acima fundamentado, foi tal rácio aplicado na totalidade da sua actividade e não por sectores de actividade diferenciados por, a contabilidade da mesma não apresentar qualquer separação entre as mesmas actividades (construção civil, carpintaria e venda de electrodomésticos), quer por centro de custos, ou mesmo por elementos extra-contabilísticos, não podendo por isso ter-se cindido a contabilidade para este efeito e por outro lado não se descortina como poderia tal rácio ser aplicado apenas na contabilidade julgada insuficiente como invoca o recorrente, quando o que está em causa é todo um período de tributação em que a contabilidade não constitui o meio apto para medir os reais custos e nem os reais proveitos, daí a aplicação de métodos indirectos para esse período de tributação o qual assim deverá ser na totalidade considerado, podendo ser aceites alguns dados da contabilidade e não outros, o que não altera a natureza da aplicação de tais métodos, como no caso, em que se alteraram apenas os proveitos através da Média do Rácio R04 – Rentabilidade Fiscal da Actividade/1999/2000/2001, a nível Nacional ...que de resto é o primeiro dos critérios expressamente previstos no art.º 90.º n.º1 a) da LGT, a título exemplificativo.

Insurge-se o recorrente contra este critério por não tomar em consideração a dimensão da empresa, a zona geográfica em que actua, os investimentos feitos... cfr. art.º 78.º da sua petição de impugnação...,quando o certo é que nenhuma prova o mesmo veio fazer no sentido de demonstrar de se encontrar em situação inferior à média nacional quanto a estas condições de exploração nas suas actividades económicas.

Cabia, com efeito, ao mesmo, para obter a almejada anulação das liquidações, ter provado tais factos, como parte integrante do seu direito à referida anulação, o que constituía a causa de pedir, ou sejam "os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido", como se dizia na norma do art.º 127.º n.º1 do CPT e hoje na do art.º 108.º n.º1 do CPPT, tendo em vista obter a pretendida anulação (7).
Cabia ao impugnante alegar tal matéria como o fez, mas também prová-la, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria, a do art.º 342.º do CC, que dispõe que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», princípio que hoje encontra expressa guarida na norma do art.º 74.º n.ºs 1 e 3 da LGT.

No que se conclui que o critério utilizado, à partida, se nos afigura razoável e equilibrado para o fim em vista, tendo mesmo sido eleito para figurar na sua primeira alínea – a alínea a) do art.º 90.º da LGT - como apto a servir de padrão de mensuração dos serviços que terão sido omitidos à sua contabilidade, tendo mesmo na sua generalidade sido extraídos da contabilidade do ora recorrente e extrapolado para este fim, o mesmo sendo de dizer, que pela AT foi seguido um critério que não se pode considerar desadequado, antes sendo apto para o fim em causa, a menos que a impugnante tivesse vindo a efectuar a prova da desadequação de tal critério e/ou que no caso a realidade era diversa, tendo ocorrido menores proveitos por os preços praticados na venda dos seus produtos e serviços serem inferiores aos praticados a nível nacional, e como tal, a liquidação padecia de excesso na quantificação.

Mas tal prova a não fez o ora recorrente, já que apenas veio juntar aos autos com a sua petição inicial de impugnação judicial, os documentos de fls 54 e segs, que nada provam a este respeito, não tendo também, por outro lado, vindo fazer qualquer prova testemunhal relevante quanto a esta matéria.

E não tendo feito tal prova e nem tendo mesmo chegado a colocar em dúvida séria, fundada, os pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para concluir pela existência daquele montante de proveitos, a causa tem de ser decidida contra o impugnante, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Também, A. José de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 292, nota 7., se pronunciam em igual sentido: "O impugnante tem, por conseguinte, o ónus da alegação dos factos integradores da ilegalidade do acto tributário a anular"...E na nota 10., pág. 293: Sem embargo do ónus da prova de tais factos que recai sobre o impugnante (art.º 342.º do Código Civil)"...

Quando se coloca o problema de apurar se existiu, ou não, determinado facto tributário, como no caso acontece, há que analisar em pormenor se a administração fiscal fez assentar os pressupostos da sua pretensão segundo juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, resultando a legitimação do uso, pela administração fiscal, dessa mera probabilidade da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais.
Não sendo possível, a maior parte das vezes, ter a certeza sobre a existência do facto tributário, daí não resulta que o contribuinte não seja tributado, pois, para que tal tributação não se verifique, necessário será que aquele alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação (8).
Por outro lado, só releva para a anulação da liquidação do imposto a dúvida legítima ou fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, ou seja, quando aquela dúvida não seja imputável ao impugnante (9), e no caso, a existir, será.

No caso, face aos elementos antes referidos, carreou a Administração Fiscal para os autos, dados certos e objectivos, que conduzem com um elevado grau de probabilidade, segundo juízos de causalidade usuais e normais no comércio, que os proveitos alcançados foram da importância aí apurada, a qual foi extrapolada também da documentação existente na contabilidade do ora recorrente, critério que, à partida se não vislumbra que esteja errado, afigurando-se-nos antes, como razoável, sendo um dos critérios possíveis, como antes se analisou e concluiu.

Por sua vez, cabia ao recorrente, ter alegado e provado factos certos e concludentes que pusessem em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou aquele juízo de probabilidade elevado feito pela Administração Fiscal para prova do erro ou excesso nessa quantificação por métodos indirectos. Ou que no caso, haviam ocorrido circunstâncias especiais que levaram a que em relação a tal exercício do ano de 2001, os proveitos alcançados eram de valor inferior ao estimado pela AF, mercê de uma qualquer particularidade. Situação que colocava o impugnante nas melhores condições para o esclarecer e provar, o que não fez.
Na sua petição inicial de impugnação, o recorrente, articula factos com a virtualidade de pôr em dúvida aqueles pressupostos em que assentou a liquidação, como acima se disse. Contudo, nenhuma prova testemunhal foi produzida a tal respeito, e a prova documental junta, acima analisada, encontra-se longe de colocar em dúvida séria, fundada, tais pressupostos, não sendo por isso também caso de aplicação do disposto nos art.ºs 74.º n.º3 e 100.º do CPPT, com a anulação dos actos de liquidação.

Acresce, que para o recorrente seria muito mais fácil fazer a prova da existência de menores proveitos nesses exercícios, do que para a Administração Fiscal fazer a prova de proveitos superiores, já que ninguém melhor do que o impugnante saberá a forma como decorreram as suas actividades nesse exercício de 2001, que por serem factos pessoais àquele, melhor do que ninguém poderia ter vindo trazer aos autos as provas concretas da formação dos preços praticados, como lhe cabia, ou seja, porque é que os seus proveitos eram inferiores aos apurados pela AT tendo por base a média nacional apurada no sistema informático da DGCI.


Improcede assim, também, a matéria das referidas conclusões do recurso.


4.3. Na matéria das conclusões s) e t) das suas alegações de recurso, vem o recorrente insurgir-se com a sentença recorrida na medida em que considerou fundamentado (formalmente) os actos de liquidação (de IRS no caso, ainda que o recorrente lhe chame de Imposto sobre o Valor Acrescentado), ao lhe ser remetido o relatório da inspecção em que se fundam as alterações que suportam as liquidações adicionais, entendendo que tal fundamentação deveria dar a perceber que o rácio de rentabilidade fiscal no caso aplicado era o melhor critério que permitia uma mais chegada aproximação à matéria tributável real, critério que a norma do art.º 77.º da LGT, impunha.

Como acima se fundamentou, não cabe à AT motivar por que o critério utilizado na quantificação da matéria tributável é o que mais se ajusta à aproximação à realidade que se pretende demonstrar, nem a norma do art.º 77.º da LGT impõe a fundamentação da utilização de um tal critério, mas apenas cabe à mesma fundamentar a utilização de um dos critérios adequados para o fim em vista, cabendo por sua vez ao contribuinte, infirmar o critério utilizado, quer por que tenha sido indevidamente aplicado, quer por o mesmo não seja apto para esse fim no concreto caso, eis a repartição do ónus da prova entre a AT e contribuinte no que a esta matéria diz respeito, como constitui jurisprudência corrente dos nossos tribunais superiores, quer deste TCA (10), quer do STA(11).

Como bem se fundamenta na sentença recorrida, existe a fundamentação do acto de liquidação do IVA, que é clara, suficiente e congruente, de acordo com as normas legais e constitucionais aplicáveis, encontrando-se no relatório do exame à escrita as razões por que se decidiu naquele sentido e não em qualquer outro, o que permite(iu) ao ora recorrente optar conscientemente entre a sua aceitação ou pela sua impugnação, como optou.

De tal relatório da inspecção tributária com os documentos de cobrança que igualmente lhe foram remetidos, como se vê de suas cópias pela mesma juntas de fls 123 e segs dos autos, parecem esgotar o procedimento de liquidação no caso, não se percebendo que outros elementos o mesmo pretenderia lhe fossem enviados e nem o mesmo os refere. Em todo o caso, como bem se diz na sentença recorrida, se entendia faltarem remeter-lhe quaisquer outros elementos, então o caminho a seguir seria o de, directamente, os solicitar à AT, ao abrigo do disposto no art.º 37.º do CPPT, ficando sanada qualquer eventual falta quando o contribuinte não utiliza este meio ao seu dispor, e sem qualquer possível efeito invalidante (12).


Improcede assim a matéria da conclusão supra.


4.4. Na matéria das conclusões u) a z) das suas alegações de recurso, vem o ora recorrente insurgir-se com a sentença recorrida por a mesma não ter anulado os juros compensatórios liquidados, quer por não haver culpa sua no retardamento da liquidação, quer por falta de fundamentação e quer ainda, por falta de audição prévia antes da sua liquidação.

Quanto à sua culpa no retardamento da liquidação, é manifesta a sua não razão, já que o imposto devido veio a ser liquidado pela AT, mas mais tarde, pelo facto de a sua contabilidade não se encontrar devidamente organizada, como lhe cabia, tendo o imposto que ele próprio devia ter auto-liquidado e entregue nos cofres do Estado, apenas mais tarde sido apurado, na sequência da inspecção tributária efectuada.

E sempre que o imposto, por facto imputável ao contribuinte, seja a sua liquidação retardada, acrescerá ao mesmo o juro correspondente, sem prejuízo da multa cominada ao infractor, nos termos do disposto nos art.ºs 83.º do CIRS e 35.º da LGT.

Os juros compensatórios aparecem como um agravamento ex lege (uma cláusula penal, uma supratassa) ao imposto, sendo incluídos na sua liquidação, só sendo devidos quando este também o for e na sua medida, revelando uma única prestação pecuniária, sendo arrecadados conjuntamente com o imposto, constituindo um todo, vencendo todo o montante juros de mora, tendo os mesmos prazos de cobrança, relaxando conjuntamente e tendo também o mesmo prazo de prescrição que o imposto (13).

Quanto à fundamentação dos juros compensatórios, repousa esta numa sua parte nos próprios fundamentos da liquidação do imposto donde deriva, e numa outra parte, em fundamentos próprios, e aqui constitui entendimento assente na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, designadamente deste TCA, não sendo assim uma questão nova.

Como se decidiu no acórdão deste Tribunal de 8.4.2003, recurso n.º 7101/02(14)e que traduz jurisprudência corrente, também a liquidação dos juros compensatórios, mesmo nos casos de actos produzidos em grande quantidade, a chamada produção de actos em massa, e em que o contribuinte tenha entregue a sua declaração de rendimentos fora do respectivo prazo legal, haverá um mínimo de fundamentação que é exigível, tendo em vista permitir ao contribuinte aquilatar da respectiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la, como seja o período sobre que os mesmos incidiram, sobre que montante e qual a respectiva taxa aplicada.

No caso, dos documentos de demonstração de liquidação de IRS, cujas cópias constam de fls 182/183 destes autos, consta tal fundamentação contemporânea dessa liquidação, nela se indicando, em cada uma delas, qual o montante do imposto sobre que incide, período de tempo a que se aplica, taxa aplicada e total de cada uma das liquidações, desta forma se tendo dado a conhecer ao contribuinte qual o período sobre que incidiram os juros, sobre que montante e qual a taxa aplicada, permitindo ao mesmo conhecer as razões dessa liquidação de molde a com ela conformar-se ou a impugná-la (substantivamente).

Tendo em conta os requisitos que as normas dos art.ºs 83.º do CIRS e 35.º da LGT, esta então já vigente, prevêm para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios, a sua liquidação passa sempre por no caso se verificarem ou não tais requisitos vinculados, o que a AF tem de indagar e externar, de molde a permitir ao contribuinte atingir aquele desiderato visado pela fundamentação, obrigatória, ainda que possa ser sucinta, nos termos do disposto no art.º 77.º da mesma LGT, pelo que não padece a mesma de tal falta de fundamentação.

Quanto ao invocado vício formal de falta de audição prévia antes da liquidação dos juros compensatórios, aqui divergindo da sentença recorrida, salvo o devido respeito, contrariamente ao nesta entendido, entendemos que não há lugar a tal audição prévia do contribuinte antes da liquidação dos juros compensatórios, por a norma do art.º 60.º da LGT o não impor, quando ao contribuinte já tenha sido facultado esse direito antes da liquidação do próprio imposto, como no caso aconteceu, em que o mesmo foi ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, por força do que dispõe a alínea e) do n.º1 deste mesmo artigo, em que os juros, derivaram, também, dos factos tributários apurados em sede de tal acção inspectiva.

É que, por força do disposto no art.º 13.º n.º2 da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, veio conceder carácter interpretativo à nova redacção introduzida no art.º 60.º, n.º3 da LGT, em que dispensava o direito de audição do contribuinte antes da liquidação (15), desde que o mesmo tivesse sido anteriormente ouvido em qualquer das anteriores fases do procedimento, como aconteceu no caso, sabido que a audição quanto à expressa liquidação de juros compensatórios não deve ter lugar por esta não ser autónoma da respectiva liquidação do imposto donde provém, já que estes integram a própria dívida do imposto com a qual são conjuntamente liquidados, como expressamente se contém na norma do art.º 35.º n.º8 da LGT, e já era anteriormente considerado pela doutrina e pela jurisprudência, como acima se deu conta, pelo que igualmente improcedem estas alíneas das conclusões do recurso.


Improcedem assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, ainda que em parte, com distinta fundamentação.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.
Custas pelo recorrente.

-Rasurei: “ 2018/07”
Lisboa, 20.10.2008.
EUGÉNIO SEQUEIRA
ASCENSÃO LOPES
JOSÉ CORREIA

(1) Seguiu-se aqui, de perto, a fundamentação do acórdão deste Tribunal de 14.11.2007, recurso n.º 2016/07, do mesmo ora recorrente, relativo a tributo apurado no mesmo relatório do exame à escrita, em que as questões a decidir são as mesmas e em que o Relator também foi o mesmo.
(2) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão de 12.5.1992, do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância.
(3) Recurso 3.687/00, de que o ora Relator ali foi Adjunto.
(4) Entendimento que traduz jurisprudência firmada, designadamente deste Tribunal, como se pode ver nos acórdãos n.ºs 6388/02 e 1042/03, de 18.6.2002 e 27.1.2004, respectivamente.
(5) In Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 275, notas 7. e 8.
(6) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 15.1.1997, recurso n.º 17 914.
(7) Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 4.4.1995, recurso n.º 62 872.
(8) Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 5.12.95, recurso n.º 63 479.
(9) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal de 21.12.1999, recurso n.º 2 417/99, de que o aqui Relator ali foi Adjunto.
(10)Cfr. entre muitos outros os acórdãos de 1.10.2002 e de 8.10.2002, recursos n.ºs 5044/2001 e 4970/2001, respectivamente.
(11) Cfr. neste sentido os acórdãos de 20.2.2002 e de 8.10.2003, recursos n.ºs 26.630 e 453/03-30, respectivamente.
(12) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 6.22.2002 e de 11.6.2002, recursos n.ºs 26.469 e 6630/2002, respectivamente.
(13) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 27.11.1996, recurso n.º 20.775.
(14) Tendo como Relator o do presente e que aqui seguimos de perto. No mesmo sentido, entre outros, o recurso n.º 3994/00, de 19.2.2002, igualmente com o mesmo Relator.
(15) Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 12.12.226 e de 16.5.2007, recursos n.ºs 917/06 e 186/07, respectivamente.