Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02690/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/27/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:-IMPUGNAÇÃO DE IRS. AJUDAS DE CUSTO
Sumário:I – As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma prestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributados em sede de IRS.

II – As ajudas de custo atribuídas ao trabalhador têm natureza remuneratória somente na parte que exceda o limite legal anualmente fixado para os servidores do Estado, atento ao disposto no artigo 2º, nº 3 alínea e) do CIRS.

III – Recai sobre a administração tributária, como pressuposto da norma de tributação, o ónus da prova de tal excesso bem como de que as verbas auferidas pelo trabalhador a título de ajudas de custo não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesa por ele suportadas em resultado da deslocação de sua residência habitual.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.- RELATÓRIO

1.1.- J………………….., com os sinais identificadores dos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão da Mmª. Juíza do TAF de Sintra, que julgou improcedente a presente impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 2002, concluindo assim as suas alegações:
“1ª - Vem o presente Recurso interposto da douta sentença que, julgando improcedente a impugnação deduzida pelo Impugnante, aqui Recorrente, mantém o acto tributário impugnado.
2ª - A douta sentença recorrida, na esteira do que tem entendido, de forma pacífica, a Jurisprudência, também perfilha o entendimento de que é à Administração Tributária que compete demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, que ocorreram situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS.
3ª - No fundo, do que se trata é de que cabe à AT dar satisfação ao ónus que lhe incumbe de "apontar elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que os abonos recebidos (pelo Impugnante, aqui recorrente) não tinham qualquer fim compensatório." (Cfr. Ac. n° 0063/01, do TCANORTE, de 06-04-2006, in wmv.dgsi.pt, Acs. do STA, de 06.03.2008 e de 06.03.2008, e Sentenças do TAF de Braga, de 22.05.2007, do TAF de Penafiel, de 07-02-2007, e do TAF de Mirandela, de 29-12-2006 e de 26-03-2007que se juntam - Does. l, 2, 3, 4, 5 e 6).
4ª - Simplesmente, ao contrário do que se pretende na douta sentença recorrida, a Administração Tributária (AT) não logrou provar os factos constitutivos do acto tributário, sendo certo que era sobre ela que recaía o ónus da prova!
5ª - E não se olvide que o acto tributário impugnado -liquidação adicional de IRS ao Impugnante - assentou única e exclusivamente na consideração pelo Fisco de que as quantias em causa constituíram remuneração e não ajudas de custo.
6ª - Aliás, a Administração Tributária, na sua contestação, não indica quaisquer factos ou razões materiais pelos quais entendeu que as quantias pagas ao Impugnante constituem rendimento do trabalho e não (como as considerou a entidade patronal) ajudas de custo.
7ª - Limita-se a fazer juízos de valor e conclusões de direito, sem, no entanto, expor os factos materiais em que alicerça a sua actuação, os fundamentos de facto que lhe serviram de suporte para concluir que os abonos efectuados ao Impugnante têm carácter remuneratório e não são ajudas de custo.
8ª - Há, aqui, carência de alegação da AT no sentido de que não articular factos que permitam extrair a conclusão de que os abonos feitos ao Impugnante não eram ajudas de custo mas sim verdadeiros rendimentos de trabalho.
9ª - E sobre a AT que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do acto tributário sub judice, isto é, da liquidação adicional de IRS ao Impugnante (cfr., Art° 74° da LGT).
10ª - Não sendo despiciendo invocar aqui que as declarações feitas pelos contribuintes, no caso a declaração de IRS apresentada pelo Impugnante, beneficiam da presunção de verdade e de boa fé (cfr. Art° 75° da LGT)!
11ª - Ademais, foi a AT quem veio dizer que as quantias pagas ao Impugnante não constituem rendimentos que visem compensar as despesas efectuadas por este. E daí a correcção oficiosa (liquidação adicional) da declaração de IRS do Impugnante.
12ª - Em rigor, a sentença recorrida não só não respeita as regras do ónus da prova como, inequivocamente, opera a subversão de tais regras.
13ª - Na verdade, não pode julgar-se improcedente a impugnação com fundamento em que "não logrou o Impugnante, conforme lhe competia identificar as despesas reembolsáveis através das ajudas de custo."
14ª - A Administração Tributária (AT) é que tinha o ónus de fazer prova, juntando se quisesse documentos comprovativos, de que as verbas pagas ao Impugnante pela sua entidade patronal se não destinaram a custear as despesas em que este incorreu por virtude da sua deslocação temporária para Angola, mas que eram realmente um complemento da remuneração salarial.
15ª - É que, como se disse, a correcção oficiosa do IRS por parte da AT teve justamente como exclusivo pressuposto o facto de a AT desconsiderar como ajudas de custo as verbas pagas ao Impugnante pela sua entidade empregadora e considerá-las antes como uma parte da remuneração.
16ª - Ora, impunha-se, assim, à AT que fizesse a comprovação de tal realidade, carreando para os autos os necessários meios de prova, e não se quedasse por meras suposições, conjecturas, juízos de valor e conclusões, absolutamente desapoiadas de factos concretos que as suportem!
17ª - Do ponto de vista da Lei, o reembolso das despesas aos trabalhadores pode fazer-se de uma das seguintes duas modalidades: ou se opta i) pela apresentação de documentos e as ajudas de custo são pagas de acordo com os respectivos valores, maiores ou menores, ou se opta ii) por atribuir uma verba diária fixa (para almoço, jantar e alojamento) e o trabalhador não tem de apresentar quaisquer documentos.
18ª - Durante os 6 meses, o Impugnante esteve "sempre" deslocado, todos os dias, todas as semanas e todos os meses, e deslocado do Continente Europeu para o Continente Africano, a milhares e milhares de quilómetros de distância.
19ª - O facto de as quantias em causa serem iguais em Novembro e Dezembro de 2002 não lhes retira o carácter de ajudas de custo.
20ª - Tal como se entendeu na douta sentença proferida pelo TAF de Penafiel em 07-02-2007, (cfr. cit. doc. 3) "essa quantia só passou a ser-lhe atribuída a partir do momento em que o impugnante se deslocou ocasionalmente para Angola ao serviço da sua entidade patronal,
21ª - A permanência e regularidade da atribuição de ajudas de custo vigoram apenas enquanto durar a deslocação, pois que, regressado a Portugal, o impugnante deixa de perceber as ajudas de custo, tal como se infere do Adicional ao contrato quando estabelece uma ajuda de custo "para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação" (cláusula 7ª, n° 2).
22ª - O que ganha uma muito maior acuidade se atentarmos em que a deslocação é feita não só para um outro e longínquo Continente, como no caso específico para África, onde a economia ainda assenta em larga medida no "mercado negro", seja para adquirir alimentação e outros produtos de primeira necessidade, sendo que, como é do conhecimento geral, os custos desses bens essenciais fora desse "mercado negro" são muito mais elevados que o normal!
23ª- As ajudas de custo em causa não tiveram como escopo nem foram processadas como um complemento da remuneração mensal, nem constituem rendimentos que aumentem a capacidade contributiva dos trabalhadores.
24ª - A entidade patronal do impugnante, e as empresas portuguesas de maior dimensão do sector, sempre assim procedeu, tendo sido alvo, ao longo dos últimos anos, de diversas acções de fiscalização e/ou inspecção e nunca os serviços da DGCI puseram em causa tal procedimento.
25ª - O que não pode deixar de significar que sempre tiveram como bom e correcto esse procedimento!
26ª - Pôr agora em causa esse mesmo procedimento, depois de dezenas de anos de prática constante e reiterada, consubstanciaria uma violação do princípio da tutela da confiança dos administrados na actuação da Administração Pública.
27ª - Sempre a obrigação agora preconizada de enquadrar as ajudas de custo como rendimento do trabalho dependente também constituiria violação do princípio da boa-fé, na vertente do venire contra factum proprium!
28ª - AT efectuou a liquidação adicional tendo como suporte ou enquadramento legal o DL 106/98, de 24-04, que fixa o regime jurídico do abono de ajudas de custo c transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público.
29ª - Como se disse em sede de Impugnação, e se mantém, o Impugnante, aqui Recorrente, não é funcionário público e, por consequência, não está subordinado às disposições do Dec.-Lei n° 106/98, de 24-04, sendo aplicável à situação em apreço apenas o DL 192/95, de 26/07, uma vez que se trata de trabalhador deslocado em país estrangeiro.
30ª - Logo pelo preâmbulo daquele primeiro diploma legal se evidencia que a intenção do legislador foi a de introduzir um conjunto de alterações pontuais ao precedente DL n° 519-M/79, de 28/12 (então com quase 20 anos), "í/e molde a adequá-lo à nova realidade económica e
31ª - Ora, o referido DL 519-M/79 estabelecia o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional,
32ª - Por conseguinte, esse diploma legal não se aplica ao abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública quando deslocado em serviço público no_ estrangeiro.
33ª - De resto, o Art° 15° desse Decreto-Lei corrobora inequivocamente este entendimento ao dispor que "0 abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro é regulado por diploma próprio." (Sic., com sublinhado nosso).
34ª - Assim, e sendo certo que posteriormente à entrada em vigor daquele DL não foi ainda publicado diploma próprio, será aplicável tão-somente o DL 192/95, como acima se referiu (cfr. cit. Sentença do TAF de Braga, de 22.05.2007, e Sentenças do TAF de Mirandela, de 29.12.2006 e de 26.03.2007, em questão absolutamente igual à dos presentes autos, cits. Docs.3, 5 e 6).
35ª - Do aresto citado em primeiro lugar, do TAF de Braga, permitimo-nos até transcrever as seguintes passagens:
"Pois bem, o próprio Decreto-Lei n° 106/98, exclui da sua regulamentação as ajudas de custo atribuídas em deslocação ao estrangeiro e no estrangeiro, conforme expressamente refere o seu artigo 15º”;
"Desta forma aplicar uma norma que ao caso não pode ser aplicada por não reger sobre ajudas de custo ao estrangeiro é facto deveras original, gravoso e ilegal”;
"Assim, o DL 106/98 é inaplicável à situação em apreço, pelo que qualquer acto praticado e fundamentado nos pressupostos deste diploma enferma do vício de violação de lei,...".
36ª - Mesmo que se pretendesse que ao caso subjudice se aplicam as "Disposições gerais" do DL 106/98, isto é, o 1° e o 2° Artigos, o que se não admite nem aceita, a situação em análise preenche os pressupostos de incidência dessas normas, pois que se trata de trabalhador deslocado do seu domicílio necessário (Art° 1°, n° 1).
37ª - De facto, e como acima se disse e aqui se dá por reproduzido, o Impugnante, em 01.05.1981, foi admitido como trabalhador e estava ao serviço da S………….. para exercer a sua actividade profissional em território nacional.
38ª - Ulteriormente, a entidade patronal do impugnante celebrou com este um Adicional ao contrato de trabalho prevendo a sua deslocação para País estrangeiro, por um período de seis meses, embora renovável.
39ª - Apesar do acordo para a deslocação, a obrigação originária foi para prestar trabalho em Portugal, obrigação que permanece válida, sendo aliás, obrigação principal!
40ª - Por conseguinte, e para efeitos dos art°s 1° e 2° do DL 106/98, o domicílio necessário do impugnante sempre seria Portugal, por ser esse o local onde aceitou o lugar ou cargo.
41ª - O facto de, ulteriormente, ter aceite ser deslocado para país estrangeiro para aí temporariamente prestar o concurso do seu trabalho não retira a Portugal o carácter de domicílio necessário.
42ª - A questão da não aplicabilidade ao caso subjudice das disposições gerais do DL 106/98, de 24-04 é invocado a coberto do n° l do Art° 684°-A do CPC (Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido), ou seja, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
43ª - De onde decorre que o acto tributário é anulável ainda por erro nos pressupostos de facto!
TERMOS EM QUE, deve ser dado provimento ao presente Recurso, anulando-se a douta sentença recorrida, e substituindo-a por outra que julgue a impugnação procedente, com as legais consequências.
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”
Não houve contra -alegações.
O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. - FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - DOS FACTOS:

Na sentença recorrida e em face dos elementos juntos aos autos, considerou-se assente, com interesse para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
A) - Por contrato de trabalho celerado em 1 de Agosto de 1995, o impugnante foi admitido ao serviço da sociedade comercial "S………….., Lda". ( Doc. n° 2 junto à p. i.)
B) - Em 2 de Novembro de 2002, foi outorgado entre o impugnante e sociedade comercial "'S…………….., Lda " um aditamento ao contrato referido na al.A) do probatório. ( Doc. n.° 3 junto à p. i.)
C) -No convénio referido na al.B) do probatório foi aposta a seguinte cláusula:
«Pelo presente acordo o segundo outorgante obriga-se a deslocar-se para a República de Angola, onde prestará ao primeiro contraente, ou a quem este indicar, o concurso do seu trabalho nas oras que ali estão em curso, com a profissão e categoria que lhe compete.
Cláusula 7a – Remuneração
1. Durante o período de deslocação na República de Angola, o segundo contraente, para além do vencimento base, de € 2525, terá direito a um subsídio de deslocação, equivalente a 25% sobre o vencimento base, no montante de € 631,25, quantias essas que serão pagas, em Portugal, mediante crédito em conta bancária.
2.Para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação, o segundo contraente terá direito ainda a uma ajuda de custo €3600, paga em Portugal.». (Doc. n° 3 junto à p.i.)
D) -O impugnante auferiu a título de acréscimo ao rendimento do trabalho dependente durante os meses de Novembro e Dezembro do ano de 2002 a quantia mensal de €3.600,06. (Doc. a fls. 40 do processo administrativo tributário em apenso).
E) -Na sequência das Ordens de Serviço n°s 0……………. e 0……………. foi elaborado o Relatório Final de fls. 30 do processo administrativo tributário em apenso, do qual se destaca:
« Sujeito Passivo: J……………………
(..)
1.Na sequência de Inspecção efectuada pela Direcção de Serviços da Inspecção Tributária à empresa GRUPO S…………….. SGPS, S.A. com sede na R. da ………………, …., em ………..-……., constatou-se que o Sujeito Passivo Supra mencionado recebeu os montantes de 7.200,16€ e 43.200,96 €, referentes a Ajudas de Custo, durante os anos de 2002 e 2003, respectivamente, que de acordo com a alínea d) do n.°3 do art. 2° do CIRS, e pelos factos descritos nos relatórios da Inspecção Tributária ( ano de 2002 - anexo l de 9 páginas e ano de 2003 - anexo 2 de 9 páginas) são tributáveis em sede de IRS como rendimentos da Categoria A.
2. O Sujeito Passivo foi notificado pelo n/Oficio n. ° 54.874 em 17/07/2006 para proceder á substituição da declaração de rendimentos (anexo 3 de 2 páginas), com vista a inclusão desse montante na sua declaração de IRS, não o tendo feito até à presente data.
3. Face ao exposto, e na falta de cumprimento do solicitado na notificação, vai proceder-se a correcção do rendimento sujeito a IRS - Categoria A- nos termos do n°4 do artigo 65º do CIRS, do seguinte modo:
Ano de 2002
1 .Rendimentos Declarado -Categoria A 46.648,00 €
2. Ajudas de Custo não declaradas -Cat. A 7.200, 16€
3. Total Rendimento Bruto da Categoria A( 1+2) 53.848,166

Ano de 2003
1 .Rendimentos Delarado - Categoria A 54.600,006
2. Ajudas de Custo não declaradas-Cat.A 43.200,96€
3. Total Rendimento Bruto da Categoria A(l+2) 97.800,966
F) -O Impugnante efectuou o pagamento da quantia de € 2.801,66 conforme nota de compensação exarada no doc.. n.° l junto à p.i.

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FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, consonante ao que acima ficou exposto.
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2.2. - DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
A questão controvertida nestes autos, é a de saber se, com o enquadramento fiscal das quantias abonadas ao impugnante ao longo do ano de 2002 pela sua entidade patronal, " S……………., Lda" no montante total de €7.200,16 para efeitos de IRS, à luz do estatuído no CIRS, nomeadamente, no seu art° 2° como rendimento de trabalho dependente (categoria A), são remunerações provenientes de trabalho dependente ou ajudas de custo.
Na sentença considerou-se que tais quantias têm carácter remuneratório e o recorrente insurge-se contra essa qualificação evocando jurisprudência do STA que abona a tese de que, em situações em tudo idênticas à do recorrente, o pagamento de tais quantias pela entidade patronal do contribuinte revestem natureza compensatória.
Aderimos, sem reservas, à jurisprudência do Tribunal Supremo, transcrevendo a atinente fundamentação do Acórdão de 06-03-2008, do Recurso nº 01043/07:
“ (…)
Estabelece o artigo 2.º do CIRS uma ampla regra de incidência, de acordo com a qual o imposto incide sobre qualquer tipo de rendimento de trabalho, com exclusão das ajudas de custo que não excedam os limites legais.
Não se questionando que os valores em causa recebidos pelo impugnante tenham excedido os limites legais, a controvérsia cinge-se, assim, quanto a uma eventual descaracterização desses valores como ajudas de custo.
Ora, de acordo com o artigo 87. do DL n.º 49.408, de 24-11-69 (Regime jurídico do contrato individual de trabalho)-“ Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as despesas normais tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador”.
Como assim, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributadas em sede de IRS.
A este propósito se afirmou no acórdão do Pleno da secção de 8-11-06, no recurso n.º 1082/04- “Na estrutura do IRS visa-se apenas tributar o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos possam ser presumidos.
Por isso, o artigo 2.º do CIRS que define os rendimentos de trabalho, tem de ser interpretado a essa luz, abrangendo apenas hipótese em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador das despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função”.
Como também se deixou expresso em sumário tirado do acórdão de 05-04-00, no recurso n.º 24.568- “Todas as atribuições patrimoniais feitas a trabalhadores por conta de outrem que tenham carácter compensatório e não remuneratório, não estão abrangidas no âmbito de incidência do IRS”.
Analisando agora a situação “sub judicio” que decorre da matéria de facto assente na sentença à luz do que acima se disse, será necessariamente de concluir que os valores atribuídos a título de ajudas de custo ao impugnante, ora recorrido, revestem natureza compensatória e não remuneratória.
Com efeito, nomeadamente, no 2. da matéria de facto fixou-se o seguinte:”em 2-06-02, o impugnante celebrou com aquela empresa um adicional ao contrato de trabalho, o qual previa a sua deslocação para Angola, pelo período de seis meses, prorrogáveis pelo mesmo período de tempo, para que nesse país prestasse a sua actividade nas obras a cargo da “…”.
No n.º 4 “-Com a deslocação do impugnante para Angola, a entidade patronal passou a atribuir-lhe semestralmente uma quantia de € 2.310.00, para fazer face ao acréscimo de despesas tidas pelo impugnante naquele país”.
E no n.º 5 o seguinte:” A “ ..” não disponibilizou alojamento nem alimentação ao impugnante durante o período em que esteve deslocado em Angola, sendo da responsabilidade deste encontrar alojamento e efectuar a respectiva alimentação.
Perante este enquadramento factual, no qual ressalta a limitação temporal da concessão das ajudas de custo (período seis meses, prorrogável, na situação de deslocado em Angola) e a razão objectiva das mesmas (fazer face ao acréscimo de despesas decorrentes da não disponibilização de alojamento e alimentação pela empregadora), é manifesto o carácter compensatório e não remuneratório dessas atribuições pecuniárias.
Assinale-se que sobre a AT recaía o ónus da prova, o que não foi logrado, de que as verbas auferidas pelo impugnante a título de ajudas de custo não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesas por ele suportadas em resultado de deslocação da sua residência habitual.
Sendo assim, em face da matéria de facto assente na sentença de nada vale o esforço argumentativo desenvolvido pela recorrente no sentido de demonstrar o carácter remuneratório das ajudas de custo em causa, objectivo esse que só em sede da matéria de facto seria possível atingir.”
Aderindo a tal fundamentação, resta-nos conceder provimento ao recurso.
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III -DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida, julga-se a impugnação procedente e anula-se a liquidação impugnada.
Custas pela recorrida.
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Lisboa, 27/01/2009
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)