Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02543/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/27/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
ACCIONAMENTO DO PRINCÍPIO PRO – ACTIONE PLASMADO NOS ARTºS 20º E 268º Nº 4 DA CRP E 124º DO CPPT.
SUBSÍDIOS CONCEDIDOS PELA PARQUE EXPO-98.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO.
Sumário:
I) -O princípio pro actione (também chamado anti-formalista) encontra clara manifestação no art. 124º do CPPT ( o qual segue de muito perto o artº 57º da LPTA) e aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado.
II) -A finalidade de tal normativo é a de conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
III) -Aplicando tal princípio ao recurso, deve conhecer-se das questões de mérito, preterindo o conhecimento dos vícios formais da sentença quando estes não contendam com a procedência daquelas o que não significa, porém, que a instauração do recurso seja de todo alheia à observância de um número mais ou menos apertado de regras instrumentais adequadas a esse fim.
IV) -A questão dos meios probatórios é uma questão processual, prévia e instrumental em relação à decisão final. Consequentemente, saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca no âmbito da validade substancial da sentença, ou seja, o facto de na sentença não ter sido ou não ter sido considerada dada factualidade referida pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento.
V) -A fundamentação formal, se cumpra na dupla dimensão de, por um lado, esclarecer adequadamente o seu destinatário, enquanto sujeito normalmente capaz e diligente, «...pela apresentação dos pressupostos possíveis ou dos motivos coerentes e credíveis...» aptos a suportarem o acto final, possibilitando-lhe, conscientemente, conformar-se com o ele ou, ao invés, atacá-lo e de, por outro, conferir à entidade decidente um maior grau de ponderação na sua prática.
VI) - Apoiando-se o despacho em causa em Relatório de Inspecção tributária e respectivos anexos e resultando da análise dos elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, que a fundamentação neles contida é clara e congruente e permite à recorrente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, manifestamente que existe fundamentação formal não ocorrendo a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, 77º da LGT e 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2 , al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo.
VII) A Parque -E.... .. S.A. uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que nos termos do art° 1.2. do Dec-Lei 88/93 de 23/03, se rege pela lei comercial, pelo referido diploma e pelos seus estatutos e nem na lei comercial, nem no diploma em causa, nem nos seus estatutos anexos ao referido Dec-Lei, consta que a referida sociedade possa conceder subsídios ou subvenções para efeitos do art° 22 do CIRC. Sendo uma sociedade comercial, destinada pela sua natureza a obter lucros, não pode fazer donativos de qualquer espécie.
VIII) Os subsídios ou subvenções a que se refere o art° 22 do CIRC, referem-se a subsídios a conceder pelo Estado ou por algum dos seus organismos, ou por instituições comunitárias ou programas comunitários de desenvolvimento. Não se referem a negócios entre empresas comerciais, nem donativos entre empresas, nem apoios de uma empresa a outra.
IX) -Assim, a forma idealizada pela Parque E.... .. S.A. de subsidiar a impugnante, não pode ser enquadrada em caso nenhum no referido art° 22 e, ainda que se entenda que estamos em presença de um subsídio enquadrável no art° 22 do CIRC, para que lhe sejam aplicáveis estas regras, esse subsídio não pode ser um subsídio de exploração.
X) -Independentemente de haverem sido estabelecidas contrapartidas que ficariam a cargo do adquirente das parcelas, no contrato promessa e posteriormente no contrato de compra e venda celebrado entre a Parque E.... .. e a SDI, certo é que, o montante que a impugnante obteve com a cessão da sua posição contratual e pela qual deixou de ter de assumir as obrigações estabelecidas no contrato definitivo, por as haver transmitido, foi destinado ao investimento a realizar na concessão pelo que seria enquadrável na previsão do art. 22° do CIRC, e, assim, não deveria ter sido acrescido na sua totalidade ao lucro no exercício do seu recebimento, caso o subsídio fosse aceitável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:28
Recurso nº 2543/08
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:

1. –M……….. –S………………………., S.A., com os sinais identificadores dos autos, veio recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação que deduziu contra a liquidação de IRC do exercício de 1996, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
“A) Pelo presente Recurso, a Recorrente sindica a decisão do tribunal a quo que julgou improcedente a Impugnação Judicial de acto tributário de liquidação oficiosa de IRC, no montante de €1.262.811,31, respeitante ao exercício de 1996;
B) Através da decisão recorrida, o tribunal a quo corrobora a correcção efectuada pela Administração Fiscal ao lucro tributável da Recorrente e que teve por fundamento a rejeição da contabilização de um montante de 450.000.000$00 como proveito do exercício diferido, integrando o mesmo na sua totalidade no lucro tributável do exercício de 1996,
C) Tal procedimento havia sido adoptado pela Recorrente, por considerar que o proveito em causa resultava do recebimento de um "subsídio em espécie não destinado a exploração", e, por conseguinte, enquadrável na norma prevista no art° 22° do CIRC.
D) Pese embora o tribunal a quo ter considerado provada toda a matéria de natureza objectiva alegada na Petição Inicial acerca do negócio jurídico celebrado entre a Recorrente e a Parque E…… …, S.A. (e que conduziu ao recebimento por aquela do montante de 450.000.000$00),
E) A Recorrente considera que o tribunal a quo, na selecção dos factos relevantes para a decisão da causa e que deu como provados, omitiu a matéria respeitante à interpretação da vontade das partes na celebração do contrato promessa de duas parcelas de terreno pelo preço global de 2$00- insuficiência, por omissão, que consubstancia a violação da norma do n° 1 do art° 511° do C.P. Civil e que determina a revogação da sentença.
F) Embora seja controvertida a natureza do julgamento da interpretação da vontade negocial das partes, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que esta questão se reconduz ainda à apreciação da matéria de facto,
G) Pelo que, caso seja adoptado este entendimento, a matéria de facto seleccionada pelo tribunal a quo será insuficiente para a reapreciação da causa, segundo a solução jurídica avançada pela Recorrente.
H) Contudo, suprindo o incorrecto julgamento pelo tribunal a quo, não poderá o tribunal ad quem deixar de entender que o negócio jurídico nos termos do qual
-a Parque E…. …, S.A. promete vender à Recorrente, pelo preço de 2$00, as parcelas de terreno 3.03 e 3.04 – que valoriza em 500.000.000$00; e
-a Parque E….. …, S.A. imediatamente autoriza à Recorrente, de forma expressa, que esta ceda onerosamente a respectiva posição contratual à sociedade S.D.I., S.A.
É o reflexo da seguinte vontade das partes: permitir à Recorrente, através da cessão onerosa da sua posição contratual no contrato promessa, cobertura financeira para o investimento a realizar no desenvolvimento imobiliário na Zona do Porto de Recreio e da Obra Marítima; assegurar o equilíbrio financeiro do contrato de concessão de uso privativo de parcelas do domínio público (construção e exploração do Porto de Recreio - Marina); atribuir à Recorrente a prestação (então designada "subsídio") a que a Parque E.... .., S.A. se havia vinculado, no âmbito do Concurso Público identificado no ponto 5 e seguintes dos Factos Provados, com a aceitação da proposta do agrupamento adjudicatário e a sua declaração quanto à cobertura financeira do investimento; conceder a Parque E.... .., S.A. uma contrapartida pela prestação, pela Recorrente, da garantia de realização das obras na Zona do Porto de Recreio e da Obra Marítima, comparticipar a Parque E.... .., S.A. no investimento a realizar pela Recorrente na obra marítima objecto do contrato de concessão.
I) Este entendimento é sustentado pelos seguintes factos, comprovados pela análise dos elementos documentais junto aos autos:
- Na proposta apresentada a concurso (e aceite, após negociação, pela Parque E.... .., S.A.), o agrupamento adjudicatário - que viria a constituir a sociedade ora Recorrente - desde logo declarou a necessidade de receber um subsídio da entidade adjudicante por forma a assegurar a cobertura financeira do investimento a realizar;
- A própria Parque E.... .., S.A., na declaração promessa emitida em 20-03-1996, qualifica o preço por que se propõe alienar as parcelas de terreno à Recorrente como "simbólico";
- Quer da referida declaração -promessa, quer do contrato promessa celebrado em 17-06-1996, quer ainda do contrato de cessão de posição contratual celebrado na mesma data, resulta que a Parque E.... .., S.A. apenas prometeu vender dois lotes de terreno pelo preço global de 2$00, como contrapartida do desenvolvimento imobiliário e da Obra Marítima.
-Do contrato promessa celebrado em 17-06-1996,resulta expressamente que tal negócio jurídico era celebrado "em contrapartida do desenvolvimento imobiliário integrado na Zona do Porto de Recreio e da Obra Marítima e respectivos serviços de apoio, mediante a constituição a favor da PROMITENTE VENDEDORA de uma garantia bancária "on first demand" no valor de Esc. 500.000.000$00 (quinhentos milhões de escudos) [valor de mercado das parcelas de terreno prometidas vender] prestada pela PROMITENTE COMPRADORA na presente data (...) para a garantia da realização do referido investimento em obra marítima e respectivos serviços de apoio". (Cfr. fls. 238 e ss. dos autos);
-Por acordo entre o agrupamento adjudicatário e a Parque E.... .., S.A., a Recorrente tem por objecto social exclusivo a promoção da construção do Porto de Recreio, exploração e manutenção do estabelecimento da concessão - não podendo, pois, e com conhecimento da Parque E.... .., S.A., desenvolver pessoalmente qualquer projecto imobiliário nas parcelas de terreno prometidas vender.
- Na data da celebração do contrato promessa, a Parque E.... .., S.A. conhecia a intenção da Recorrente de ceder a sua posição contratual naquele negócio jurídico à sociedade S.D.I., S.A. pelo montante de 500.000.000$00 (valor equivalente ao da garantia bancária exigida para assegurar o investimento na obra marítima);
- A Parque E.... .., S.A. não apenas autorizou a cessão de posição acima referida, como interveio de forma directa neste contrato outorgando-o juntamente com a Recorrente e a S.D.I, S.A..
J) Embora não tenha seleccionado esta questão para a matéria de facto relevante, o tribunal a quo aceita até tacitamente esta interpretação da vontade negociai das partes, ao referir que a promessa de venda e autorização de cessão da posição constituíram "a forma idealizada pela Parque E.... .., S.A, de subsidiar a impugnante".
Na verdade,
K) A interpretação dos negócios jurídicos não se esgota na simples busca do sentido de cada uma das declarações negociais, artificialmente isoladas do seu contexto negociai global.
L) Impõe-se, deste modo, afastar qualquer interpretação da promessa de venda dos terrenos que se abstraia dos direitos e obrigações a que as partes se vincularam nos termos do Acordo Intercalar e do Contrato de Concessão,
M) Não podendo proceder, assim, o entendimento da Fazenda Pública, segundo o qual Recorrente e a Parque E.... .., S.A. teriam celebrado dois contratos distintos e sem ligação entre si (concessão de uso privativo do Porto de Recreio e contrato promessa de compra e venda),
N) Para concluir que a prometida transmissão a título materialmente gratuito das duas parcelas de terreno teria constituído uma efectiva liberalidade por parte da entidade pública, sem que a Recorrente tivesse a obrigação de afectar o valor recebido (após conversão do subsídio em espécie em subsídio monetário) ao investimento no objecto da concessão.
O) O tendencial equilíbrio das prestações das partes, expressão da justiça comutativa, é um elemento a considerar na interpretação negociai, pelo que, na busca da justiça contratual possível do contrato em apreço, é forçoso concluir pela vontade da Parque E.... .., S.A. em comparticipar, mediante uma atribuição em espécie, o investimento a realizar pela Recorrente na obra marítima objecto do contrato de concessão.
P) Em consequência deste entendimento, a efectivação da cessão onerosa da posição contratual, pela Recorrente à S.D.L, S.A., traduziu somente a transformação de um subsídio em espécie num subsidio monetário,
Q) Razão pela qual a Recorrente contabilizou o montante recebido como contrapartida da cessão na conta "274910" do POC, nos termos do art° 22° do CIRC.
Contudo,
R) Considerou o tribunal a quo que, sendo a Parque E.... .., S.A. uma sociedade anónima de capitais públicos, regida pela lei comercial e pelos seus estatutos, e destinando-se, pela sua natureza, a obter lucros, não poderia fazer donativos de qualquer espécie, nem, por conseguinte, conceder subsídios para efeitos do art° 22° do CIRC,
S) Decisão criticável na medida em que se mostra contrária às normas dos art° 18° e 22° do CIRC, bem como do art° 11° da LGT.
Vejamos,
T) Entende a Recorrente que a natureza societária da Parque E.... .., S.A. não será relevante para a qualificação como subsídio do montante de 450.000.000$00.
U) Embora integrando o sector empresarial do Estado, a Parque E.... .., S.A. não desenvolve uma mera actividade económica de prestação de serviços públicos e de interesse geral, prosseguindo ainda atribuições materialmente administrativas e dispondo, para tanto, de poderes e prerrogativas extraordinárias de autoridade, classicamente conferidos apenas aos órgãos da Administração agressiva.
V) É, por isso, redutor equiparar a Parque E.... .., S.A. a uma mera "empresa comercial", como ocorre na decisão recorrida/ que, com base nesta premissa, conclui pela impossibilidade de subsumir à norma do art° 22° do CIRC os "negócios entre empresas".
Mais,
W) Aceitando o sistema jurídico que, por Decreto Lei, sejam criadas, sob a forma de empresas públicas, entidades cuja actividade é, por natureza e ab initio, deficitária, as entidades do Sector Empresarial do Estado não terão, necessariamente, escopo lucrativo na prossecução de todas as actividades que integram o seu objecto social.
X) As normas da legislação civil (art° 160° do C,Civil e art° 6° do C. S.Comerciais), que impõem constrangimentos à autonomia negociai das sociedades comerciais em razão do seu espírito lucrativo, não poderão ser aplicadas, sem mais, às sociedades de capitais exclusivamente públicos, como a Parque E.... .., S.A. -como fez, incorrectamente, o tribunal a quo,
Acresce,
Y) A promessa de venda dos terrenos e a imediata autorização para a cedência de posição (direitos que a Recorrente qualificou como um subsídio em espécie) não constituíram uma liberalidade atribuída pela Parque E.... .., S.A., tendo às mesmas correspondido uma efectiva contrapartida - a garantia, por parte da Recorrente, da execução da Obra Marítima.
Z) Ao subsidiar a realização do investimento na Obra Marítima objecto do contrato de concessão, a Parque E.... .., S.A. comparticipou elementos patrimoniais que, no final do período de concessão, retornariam para a sua esfera jurídica (o que sempre acontece, por força legal, nos contratos de concessão de uso privativo do domínio público).
AÃ) Não se demonstrou, pois, que o negócio jurídico pudesse prejudicar a obtenção de lucro por parte da Parque E.... .., S.A., pelo que, nunca a situação seria subsumível às previsões legais do art° 160° do C.Civil e art° 6° do C.S.Comerciais.
Ainda que tal se pudesse entender (o que não se aceita),
BB) Correspondendo a obtenção do proveito pela Recorrente a uma operação real (o que não é controverso), o eventual desrespeito daquelas disposições legais pela Parque E.... .., S.A. nunca influenciaria o modo da respectiva tributação, já que, nos termos do art° 10° da L.G.T., esta é valorativamente neutra.
CC) Por forma a aferir da correcta contabilização do proveito pela Recorrente, impunha-se ao tribunal a quo que procedesse à interpretação da norma prevista no art° 22° do CIRC (aplicada pelo decisor contabilístico e objecto de crítica pela Administração Fiscal), e, em particular do conceito de subsídio ou subvenção.
DD) O tribunal a quo andou bem, quando considerou que, caso a atribuição da Parque E.... .., S.A. à Recorrente fosse considerada um subsídio, seria enquadrável no art° 22° do CIRC (por não ser destinada a encargos de exploração).
Porém,
EE) No entendimento da Recorrente o tribunal a quo errou em momento anterior do processo interpretativo (isto é, na avaliação do próprio conceito de subsídio), ao considerando como elemento determinante daquele conceito a natureza jurídica da entidade realiza a atribuição patrimonial.
Ora,
FF) De acordo com o art° 11° da L.G.T., devem ser observadas as regras gerais de aplicação das leis na determinação do sentido da lei fiscal, sendo os termos próprios de outros ramos do direito interpretados no sentido que aí têm.
GG) Não se encontrando legalmente definido na legislação contabilística e fiscal o conceito de subsídio, deve, assim, ser tido em atenção o sentido que o mesmo assume nos ramos do direito onde tem sido densificado - a saber, no direito económico e penal económico.
HH) Em nenhum destes ramos de direito, assume relevância para o conceito de subsídio, o facto de a entidade que o concede pertencer è administração indirecta privada do Estado, ou à administração pública clássica.
U) Tendo a atribuição patrimonial em apreço sido efectuada à custa de fundos públicos, destinada a fins desenvolvimentistas de interesse público e inexistindo uma prestação sinalagmática e obrigação de reembolso por parte do particular, encontram-se reunidos os pressupostos para a sua qualificação como subsídio.
Por outro lado,
JJ) O princípio da especialização dos exercícios constitui a regra na contabilização de proveitos e custos (Cfr. art° 18° do CIRC).
KK) Segundo este princípio, os proveitos e custos devem ser reconhecidos nos exercícios em que ocorrem, independentemente do seu pagamento ou recebimento; não resulta deste princípio que os custos e os proveitos devam ser integralmente tributados e reconhecidos no lucro tributável de um só exercício, quando os mesmos respeitem a activos que só devem ser reconhecidos ao longo da sua vida útil, ou seja, diferidos por vários exercícios - Cfr. n° 5 do art° 18°, art° 19°, art° 22° e 28° do CIRC ,
Ora,
LL) Tendo a atribuição da Parque E.... .., S.A. sido destinada a comparticipar um investimento específico, a que correspondem custos que se prolongam no tempo, o elemento teleológico da norma prevista no art° 22° impunha que aquela fosse abrangida no seu âmbito de aplicação.
Na verdade,
MM) Sendo o processo de amortização o reconhecimento como custo fiscal do valor de aquisição/construção dos activos, pelos exercícios em que a sua vida útil se prolonga (já que o sujeito passivo não pode contabilizar num só exercício como custo fiscal o custo total dos equipamentos a construir/adquirir),
NN) Permitiu o legislador que o sujeito passivo compensasse este custo com os valores que recebeu e não despendeu num único exercício (mas sim à medida que foi construindo o equipamento comparticipado),
OO) E que, por isso, só integrasse tais valores no lucro tributável quando lhe fosse permitida a integração do custo a ele associado.
PP) Este entendimento é, aliás, conforme ao parecer técnico M….. emitido pela Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas em Junho de 2003, a propósito de situação análoga, onde se refere que "Não consideramos correcto o integral reconhecimento do proveito no exercício no qual este é debitado, pois o valor a reconhecer refere-se a comparticipação num custo que se reflecte por mais do que um exercício."
De resto,
QQ) Apenas com a qualificação da atribuição patrimonial em causa como um subsídio, para efeitos do art° 22° do CIRC, se asseguraria uma visão coerente e unitária do sistema fiscal, impedindo uma situação em que a imputação de proveitos respeitantes a um equipamento seja concentrada num só exercício e os respectivos custos sejam distribuídos por vários.
Por fim,
RR) Na interpretação das normas fiscais, determina ainda o n° 3 do art° 11° da LGT que "persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários", sendo o princípio da prevalência da substância sobre a forma considerado um seu cânone interpretativo.
SS) A interpretação das normas fiscais, exige, assim, a consideração dos efeitos económicos do negócio jurídico,
TT) Cumprindo ao intérprete assegurar, para garantia da justiça do sistema fiscal, que as escolhas e oportunidades que caracterizam a actividade económica, quando possuem o mesmo conteúdo significativo - determinado pela natureza dos efeitos obtidos e pela avaliação patrimonial da situação jurídica obtida não têm tratamento fiscal diferenciado, ainda que revistam roupagem formal diferente.
UU) No caso, e ainda os elementos literal e teológico da norma prevista no art° 22° do CIRC pudessem deixar dúvidas ao intérprete (o que não se admite), é notório que a atribuição patrimonial efectuada pela Parque E.... .., S.A. não difere, materialmente, de qualquer outra atribuição de fundos públicos para investimento em equipamento.
W) A interpretação que o tribunal a quo faz do art° 22° do CIRC, excluindo do seu âmbito de aplicação uma atribuição patrimonial que, ao menos substancialmente, se tem de considerar equivalente a um subsídio, mostra-se, pois, atentatória do princípio da capacidade contributiva, que consagra o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério.
Na verdade,
WW) Não existe explicação razoável para que uma atribuição patrimonial conferida por uma entidade administrativa pública possa ser qualificada como proveito diferido (ao abrigo do art° 22° do CIRC), e integrado no lucro tributável da sociedade ao longo do período de amortização do equipamento subsidiado, e que uma atribuição equivalente atribuída por uma entidade administrativa privada (como a Parque E.... .., S.A.), conferida nos mesmos termos e para os mesmos fins, deva ser imputada integralmente como proveito de um só exercício.
XX) Tendo o legislador considerado que só lograria respeitar a capacidade contributiva das sociedades se permitisse o diferimento da tributação dos proveitos resultantes subsídios para investimento, é, assim, inadmissível uma interpretação do art° 22 do CIRC que restrinja esta opção legislativa aos proveitos provenientes de entidades com determinada natureza jurídica.
YY) Atento o exposto, é inconstitucional a norma prevista no art° 22° do CIRC, aplicada no caso em apreço, na interpretação segundo a qual não são qualificados como subsídios (nem contabilizados de forma diferida os respectivos proveitos) as atribuições patrimoniais concedidas por uma sociedade anónima de capitais públicos a um particular, sem obrigação de reembolso por parte deste, e para afectação a um investimento em equipamento, apenas por força da natureza jurídica da entidade concedente (por violação dos artos 13°, 103° e 104o da C.R.P.).
Em conclusão.
ZZ) Aceitando que a natureza jurídica da Parque E.... .., S.A. não pode condicionar a qualificação da atribuição patrimonial conferida à Recorrente, e que o conceito de subsídio deve ser interpretado nos termos expostos, não pode merecer qualquer crítica o tratamento contabilístico e fiscal conferido pela Recorrente ao montante de 450.000.000$00.
AAA) Devendo o proveito em causa ser qualificado como um subsídio para investimento (por ter sido afectado à aquisição de bens imobilizados para a actividade da Recorrente), e não tendo sido alienado o equipamento comparticipado, encontrava-se preenchido o pressuposto de aplicação da norma do art° 22° do CIRC,
BBB) Razão pela qual, tal proveito tinha de ser incluído no lucro tributável da Recorrente, faseadamente, na proporção da amortização dos elementos subsidiados, calculada sobre o seu custo de aquisição ou produção procedimento adoptado pela Recorrente.
CCC) Pelo exposto, é manifesta a errónea quantificação, pela Administração Fiscal, da matéria tributável relevante para a determinação do imposto devido e a consequente invalidada do acto tributário praticado (Cfr. alínea a) do art° 99° do C.P.P.T.) -pelo que se impõe agora a revogação da sentença proferida em primeira instância.
Por último,
DDD) No Relatório de Inspecção Tributária que fundamenta o acto tributário, a Administração Fiscal não estabelece um nexo causal entre os pressupostos de facto verificados e as normas contabilísticas e fiscais enunciadas.
EEE) Não tendo a Administração Fiscal enunciado, de forma clara, suficiente e congruente os fundamentos de facto e de direito que determinaram a prática do acto com o conteúdo que assumiu, não pôde a Recorrente opor-se, em consciência, ao concreto fundamento da decisão junto do tribunal a quo tendo antes manifestado a sua discordância pela exclusão de todos os fundamentos possíveis do acto.
FFF) Não tendo sido respeitada a obrigação prevista no art° 77° da LGT, e sendo esta uma causa de invalidade do acto (cfr. alínea c) do art° 99° do C.P.P.T.) deverá, também com este fundamento, ser revogado o decidido pelo tribunal a quo - que julgou improcedente este argumento da Recorrente.
Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o presente Recurso proceder, por provado e fundado, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e anulado, a final, o acto tributário sub judice.
Não foram apresentadas contra -alegações.
A EPGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. São os seguintes os factos dados como provados em 1a Instância:
1. A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção ao IRC do exercício de 1996 por parte dos serviços de Inspecção Tributária da 1a Direcção de Finanças de Lisboa, que deu origem à liquidação n°2………….. de 2001/06/07. -Doc. Fls. 50 e 39 a49 dos autos.
2. A fundamentação da liquidação n° 2……………. consta do relatório da inspecção e respectivos anexos. - Doc. Fls. 39 a 49 dos autos.
3. A Administração Tributária considerou que a impugnante expo contabilizou incorrectamente na conta "274910 - subsídio em espécie expo" o montante de 450.000.000$00, por entender que o referido montante não reunia as condições definidas no POC bem como no art. 22° do CIRC, nomeadamente não fazer parte dos activos e não manter uma permanência constante. - Doc. Fls. 47 e 48 dos autos.
4. A Administração Tributária entendeu que a impugnante transmitiu de forma onerosa, pelo valor de 450.000.000$00 todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato promessa de compra e venda que havia celebrado com a Parque E…. .., SA, para a S.D.I. - Sociedade de D………………….., Lda., transmissão que a Administração Tributária considerou ser de acrescer ao resultado do exercício. - Doc. Fls. 46 a 49 dos autos.
5. A Parque E….. SA elaborou, com data de Junho de 1996, um programa de concurso para a Concessão do Porto de Recreio da Zona de Intervenção da Parque E.... .., SA. -Doc. Fls. 51 e ss.
6. Consta do referido programa, no seu ponto n° 1.1, o seguinte:
"7.7. O concurso tem como objecto a concessão (1) da concepção/projecto, construção, financiamento, exploração e manutenção do porto de recreio localizado na parte molhada da zona de intervenção do Parque E.... .., S.A. e (2) eventual exploração de parte da área molhada da actual Doca dos Olivais, nas condições definidas neste processo de concurso." Doc. Fls. 55 dos autos.
7. O Conselho de Administração da Parque E.... .., SA, deliberou em 20/03/1996 adjudicar ao agrupamento liderado pela O……… -- O………, SA a Concessão do Porto de Recreio da Zona de Intervenção da parque E.... .., SA, bem como alienar os lotes de terreno 303 e 304 adjacentes ao Porto de Recreio, conforme declaração promessa de celebração de contrato promessa de compra e venda. - Doc. Fls. 79 dos autos.
8. O agrupamento adjudicatário, para efeitos do concurso, apresentou uma declaração relativa ao modo de cobertura financeira do investimento onde consta no n.° 2) que uma das fontes seria:
"2) Subsídio concedido pela Parque E.... .., SA a fundo perdido, no montante de PTE 1.000.000.000 (mil milhões de escudos), de acordo com o constante descrito nos pressupostos, sem juros e com um período de reembolso de 40 anos, mediante o pagamento de uma renda anual fixa;" - Doc. Fls. 102 e ss e 64 dos autos.
9. Entre a Parque E……. …. e o agrupamento adjudicatário foi celebrado em 20/03/1996 um acordo intercalar onde consta no n.° 3 da cláusula 16° o seguinte:
"O investimento global será totalmente assegurado pela CONCESSIONÁRIA nos termos da proposta adjudicada, não podendo em caso algum e sob nenhum pretexto, ser exigida à CONCEDENTE qualquer subvenção ou comparticipação no investimento a realizar" -Doc. Fls. 142.
10. A Parque E.... .., SA emitiu uma declaração-promessa em que se obrigava após a celebração do contrato de concessão a:
"7. Celebrar com a sociedade concessionária ou sociedade a constituir contrato-pr ornes sã de compra e venda das parcelas de terreno n. °s 303 e 304, pelo preço simbólico de Esc: 1$00 (um escudo) em contrapartida do desenvolvimento imobiliário integrado na Zona do Porto de Recreio e da Obra Marítima e respectivos serviços de apoio, melhor discriminada no Anexo L"-Doc. Fls. 158 e 159.
11. O agrupamento adjudicatário constituiu, para efeitos de celebração do contrato de concessão, uma sociedade comercial, a ora impugnante, com objecto social exclusivo de promoção da construção do porto de recreio, a exploração e manutenção do estabelecimento da concessão. - Doc. Fls. 73 e 80 e ss dos autos.
12. Em 17 de Junho de 1996 no Terceiro Cartório Notarial de Lisboa foi assinado o contrato de concessão entre a Parque E.... .., SA e a impugnante, do qual consta que faz parte do mesmo contrato o Acordo intercalar celebrado entre o CONCEDENTE e o AGRUPAMENTO ADJUDICATÁRIO em 20 de Março de 1996 -Doc. Fls. 161 e ss, especialmente 167.
13. Em 17 de Junho de 1996, foi ainda celebrado um contrato entre a Parque E.... .., SA e a impugnante. -Doc. Fls. 238 a 254.
14. Neste contrato a Parque E.... .., SA promete vender à impugnante e esta promete comprar-lhe pelo preço de 1$00 os lotes 303 e 304, em contrapartida da garantia do desenvolvimento imobiliário integrado na Zona do Porto de Recreio e da Obra Marítima e respectivos serviços de apoio, mediante a constituição a favor da Parque E.... .. SA de uma garantia bancária prestada pela impugnante "on first demand" no valor de 500.000.000$00. - Doc. Fls. 242 e 243.
15. Na Cláusula Nona deste contrato lê-se no n.° l: "7. Nos termos do arts 424° e segs. Do Código Civil, a PROMITENTE VENDEDORA consente que a PROMITENTE COMPRADORA transmita a sua posição contratual, i.e., todos os direitos e obrigações para si decorrentes do presente contrato, a favor da sociedade S. D. I. -Sociedade de desenvolvimento Imobiliário, Limitada''
16. A impugnante celebrou, ainda em 17 de Junho de 1996, um contrato com a S.D.I. –S…………………, Limitada, cedendo a esta a sua posição contratual de promitente compradora pelo preço de esc. 450.000.000$00, que declarou haver já recebido. -Doc. Fls. 256 a 268.
17.A Parque E.... .., SA figura neste contrato como terceira contraente, na qualidade de proprietária das parcelas, e prestando a sua concordância à cessão da posição contratual a favor da S.D.I. –S………………………, Limitada (segunda contraente). - Doc. Fls. 260.
18. A Parque E.... .., SA celebrou um contrato pelo qual vendeu à S.D.I. –S………………., Limitada, e esta comprou pelo preço de 1$00, as parcelas 303 e 304. - Doc. Fls. 270 e ss.
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A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, em especial os mencionados.
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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
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3. -Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, a questão a apreciar no presente recurso é a de saber se ocorre erro na apreciação e/ou insuficiência da matéria de facto, se há falta de fundamentação do acto impugnado e saber se a sentença incorreu em erro ao não considerar verificado o vício substancial de violação de lei, por alegado erro nos pressupostos de facto e de direito.
Assim:
Quanto ao vício formal da sentença, considera a Recorrente que o tribunal a quo, na selecção dos factos relevantes para a decisão da causa e que deu como provados, omitiu a matéria respeitante à interpretação da vontade das partes na celebração do contrato promessa de duas parcelas de terreno pelo preço global de 2$00-insuficiência, por omissão, que consubstancia a violação da norma do n° 1 do art° 511° do C.P. Civil e que determina a revogação da sentença.
Desse modo, controvertendo-se a interpretação da vontade negocial das partes, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que esta questão se reconduz ainda à apreciação da matéria de facto, pelo que, caso seja adoptado este entendimento, a matéria de facto seleccionada pelo tribunal a quo será insuficiente para a reapreciação da causa, segundo a solução jurídica avançada pela Recorrente.
Quid juris?
Quanto ao assinalado vício, começaremos por dizer que a sentença é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais ( artº 3º do ETAF). Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: -por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 125º do CPPT.
A matéria alegada no recurso, substanciada nas sobreditas conclusões, delimitadoras do objecto do recurso, integra a primeira situação em que se imputa à sentença o errado julgamento da matéria de facto por ter sido desconsiderada factualidade que entende ser relevante segundo a solução jurídica que a recorrente reputa correcta.
Todavia, vigora o principio pro actione consagrado no art° 288° n° 3 CPC, também denominado como "prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, à luz do qual se permite a prolação de decisão de mérito mesmo que, por subsistir uma excepção dilatória, coubesse antes declarar a absolvição da instância ao abrigo dos art° s. 105° n° l, 288° n° l a), 493° n° 2 e 494° n° l a), CPC.
E, o princípio pro actione, é aplicável ex vi art° 2° al. e) do CPPT até porque inexiste norma especial que inviabilize a sua transposição para a situação concreta, tendo hoje acolhimento expresso nos art°s. 7° e 12° n° 3 do CPTA- cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Contencioso Administrativo) de 06/01/2005, Recurso nº 12301/03, em cuja fundamentação nos louvamos no discurso imediatamente a seguir.
Como ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 2a edição, 1997, págs.477/478:
“(...) se estiverem simultaneamente pendentes uma apelação relativa à decisão de mérito desfavorável ao autor e um agravo relativo à decisão sobre os pressupostos processuais interposto pelo réu, o art° 710° n° l (aplicável à revista ex vi do art° 726°), determina que este agravo só deva ser apreciado se a decisão sobre o mérito for confirmada (..)
(..) [se] o réu agravou do despacho saneador que reconheceu a legitimidade das partes (..) e o autor apelou da decisão de improcedência da causa (..) segundo o art° 710° n° l, o Tribunal ad quem só se ocupa do problema da legitimidade processual se a absolvição do pedido não for confirmada, o que mostra que a confirmação de uma decisão de mérito favorável ao réu recorrido pretere (ou permite deixar em aberto) a análise daquele pressuposto processual.
Se o Tribunal tiver conhecido do mérito da causa e se só tiver sido interposto recurso dessa decisão, há que averiguar em que condições o Tribunal ad quem se pode pronunciar sobre esse mérito (confirmando ou revogando a decisão recorrida) se faltar um pressuposto processual geral.
O critério continua a ser, dado o abandono da apreciação prévia dos pressupostos processuais estabelecido no art° 288° nº 3, 2a parte, o de averiguar se a decisão sobre o mérito é favorável à parte que seria beneficiada com o preenchimento do pressuposto que (eventualmente) falta. A aplicação deste critério conduz aos seguintes resultados:
- se o autor tiver recorrido de uma decisão de improcedência, o Tribunal pode confirmar essa decisão, ainda que entenda que falta um pressuposto processual favorável ao réu, mas não pode revogá-la e substituí-la por uma decisão condenatória sem verificar o preenchimento dos pressupostos favoráveis ao demandado;
- se o réu tiver interposto recurso de uma decisão de procedência, o Tribunal ad quem pode revogá-la, mesmo que falte um pressuposto favorável ao réu, mas não pode confirmá-la sem o preenchimento dos pressupostos favoráveis ao autor (...)".
Ora, o princípio pro actione (também chamado anti-formalista) encontra igualmente clara manifestação no art. 124º do CPPT e aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado.
Como salientam A. J. Sousa e Silva Paixão, CPPT Comentado e Anotado, 1ª ed., pág. 303, a finalidade de tal normativo é a de conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Aplicando tal princípio ao presente recurso, tendemos a considerar que se deve conhecer das questões de mérito, preterindo o conhecimento dos vícios formais da sentença quando estes não contendam com a procedência daquelas o que não significa, porém, que a instauração do recurso seja de todo alheia à observância de um número mais ou menos apertado de regras instrumentais adequadas a esse fim.(1)
Foi o nº 5 do art. 268 da Constituição da República Portuguesa, introduzido pela Lei Constitucional nº 1/89 (após a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/97 de 20/9, é o nº 4 desse preceito), que veio reforçar o princípio "pro actione" ou da accionabilidade, com a institucionalização da viabilidade de acções jurisdicionais administrativas a título principal, que não apenas para mero suprimento ou colmatação das lacunas ou insuficiências da protecção proporcionada pelo recurso contencioso de anulação.
É claro que, como se salienta no Ac. do STA de 31/03/98, Recurso nº 038367 (Contencioso Administrativo), tal inovação abrangente ínsita no preceito não teve porém o propósito de subverter a "normalidade" legal antes visando alcançar uma adequação ou racionalização dos meios de tutela processual aos fins a atingir, em consonância com o art. 2, nº 2 do CPC por forma a estabelecer um elo de correspondência entre o direito a defender e o meio processual a utilizar para o efeito.
Neste ponto, há a considerar que o "pro actione" postula, além do mais, uma interpretação da situação em análise, por forma a privilegiar, sempre que tal seja processualmente possível, o conhecimento da questão de fundo, assim se assegurando a tutela jurisdicional efectiva, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo.
Dito de outro modo: - o que releva é que ao Recorrente se possa reconhecer um interesse actual na anulação da sentença por vícios de forma ou de estruturação em virtude de, a partir do conhecimento de tal vício, se poder alcançar uma decisão de fundo favorável.
Para esse efeito, é mister fazer-se uma apreciação casuística das situações para se aquilatar da racionalidade e da funcionalidade da cognição das arguidas nulidades da sentença. Em princípio, e segundo um critério de normalidade, perante a existência de uma decisão que prejudica o interesse do recorrente, a interposição do recurso que seja julgado improcedente de fundo, com a consequente execução de sentença, assegurará uma eficaz tutela jurisdicional dos direitos ou interesses afectados e, por isso, surgirá como totalmente injustificado o conhecimento das nulidades. Só assim não será se do conhecimento das nulidades resulte a "insuficiência" ou a "ineficácia" do uso do "meio normal", cabendo ao interessado/recorrente o ónus objectivo da prova do seu interesse processual, designadamente que a solução encontrada não prejudica o conhecimento de questões omitidas, não é consequência de outras questões de que não podia conhecer, que faltam os fundamentos de facto ou de direito em que a mesma se funda, que a fundamentação adoptada impunha decisão diversa, enfim, uma das situações tipificadas na lei (artº 125º do CPPT e 668º do CPC) como geradoras de nulidade da sentença.
O art. 124º do CPPT possui um sentido útil que resulta da respectiva interpretação conforme a Constituição: o conhecimento dos vícios formais da sentença só deverá ser exercitado nos casos em que a solução normal e típica não se apresente como garantindo uma efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa; isto segundo uma ideia de complementaridade ou alternatividade instrumental, que não por uma ideia de subalternização ou de secundarização dos vícios formais em relação aos substanciais.
Estando no caso sub-specie em causa questões que têm a ver com direitos que a Recorrente pretende ver reconhecidos através da impugnação que deduziu contra um acto de liquidação do que consideram ser um “imposto”, concreta e substancialmente, o direito de obter a anulação de tal acto, não podendo ser cabalmente satisfeitos pela anulação da decisão em causa, tal implica que a decisão de fundo deixará a situação no estado em que se encontrava antes da sua prolação, levando a execução da sentença cuja anulação se pretende, ainda que declarada pelas causas invocadas, à manutenção dessa situação, não se justifica o meio processual utilizado.
Nessa perspectiva havendo, pois, que confirmar a sentença não obstante os vícios formais que lhe são assacados, verifica-se a existência de situação que obsta, à luz do princípio da prevalência da substância sobre a forma ou pro -actione ao conhecimento das nulidades arguidas.
Em suma: por mor do princípio pro actione consagrado, prevalentemente, no art° 124º do CPPT e 2º, nº 2 do CPC, também denominado como “prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, permite-se a prolação de decisão de mérito mesmo que, por subsistir uma causa de nulidade, coubesse antes declarar a anulação da sentença e conhecer de mérito em substituição ao abrigo do art° 715º do CPC, se a decisão do mérito vier a ser a mesma que a acolhida na sentença recorrida.
Na verdade, tanto na hipótese em que o objecto do recurso é uma nulidade da sentença, o Tribunal ad quem não deve ocupar-se desse vício se a decisão sobre o mérito não puder ser favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento.
Tal não constitui um excesso de exigência quanto ao exacto conteúdo dos direitos que as partes podem exercer pressupondo que estas deverão estar ao corrente, e conhecer com minúcia, todos os meios legais que lhe são facultados.
E tal exigência não é excessiva porquanto se harmoniza com o princípio pro actione ou do direito à justiça plasmado no art. 20º da Constituição.
E entre a ofensa a um tal direito e o inconveniente de facultar-se às partes, em mais do que um momento, o exercício do direito que lhe compete, não pode duvidar-se que a opção acertada é o do respeito daquele direito fundamental.
Em tal desiderato não deverão aquelas nulidades ser conhecidas, de modo a permitir ao tribunal «ad quem» dirimir definitivamente a questão, em homenagem ao princípio «pro actione» ou «pro-recurso», consubstanciado no velho brocardo latino «favorabilia amplianda, odiosa restringenda», de que constitui evidente erupção todos os citados normativos.
Em face do que vem dito tem precedência o conhecimento das demais questões suscitadas pela Recorrente, tanto mais que os vícios em análise se conectam com o apuramento de factos que não foram dados como provados na decisão recorrida, o que envolve actividade no domínio da fixação/discussão da matéria de facto(2), à qual não se procederá também à luz do nomeado princípio porquanto, em nosso entender, o probatório da sentença substancia a materialidade que releva para a decisão.
O que vale por dizer que não ocorre erro na apreciação da matéria de facto assacado à sentença pois, com a alegada insuficiência probatória/erro sobre a matéria de facto, a recorrente pretende, em última análise, corrigir os defeitos de ordem processual segundo a tese dela; mas, atenta a necessidade de sobreposição do imperativo de obtenção da justiça material aos entraves de índole formalista, não deve proceder-se a reanálise do probatório por aplicação dos princípios pro actione e do favorecimento do processo.
Tal entendimento reflecte o princípio pro actione plasmado nos citados normativos e também no CPC que recomenda uma interpretação mais favorável em vista do acesso ao Direito e uma tutela efectiva das posições subjectivas dos particulares. Este princípio e os acrescidos poderes de suprimento e conformação processuais que o juiz detém actualmente, reforçam o entendimento favorável ao não conhecimento de questões de índole formal ou a reapreciação do julgamento sobre a matéria de facto quando dela não resulte a alteração da decisão de fundo.
Todavia, atenta a ordem do julgamento das questões a resolver estabelecida no artº 660º do CPC, aplicável ao recurso por força das disposições combinadas dos artºs. 713º nº 2 e 749º, ambos daquele Código, haveria que começar por conhecer da nulidade da sentença recorrida, e, depois, do erro na apreciação da matéria de facto que ela reputa insuficiente para a decisão por nela não se assentar certa matéria factual que consideram provada e relevante para a decisão.
Porque a questão dos meios probatórios é uma questão processual, prévia e instrumental em relação à decisão final, haveria que apreciar, a seguir àquelas nulidades a insuficiência da matéria de facto dada como provada por carecer de ser rectificada e ampliada (dita conclusão 3ª).
Por fim, haverá que enfrentar os vícios substanciais assacados à sentença recorrida (demais conclusões).
Ora, a rectificação pretendida pela Recorrente e os factos que pretende que sejam levados ao probatório, carecem de relevância para a decisão.
Donde que, por desnecessidade para a decisão, não se justifica a pretendida alteração do probatório, pois a qualificação do tributo não pode pôr-se em causa pelos fundamentos aduzidos na sentença, a que acrescerão as razões que apontaremos infra ao conhecer da questão de fundo.
Na verdade, incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 660º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
E não assiste qualquer razão à recorrente porquanto no probatório da sentença se vê que o Mº Juiz «a quo» julgou com base nos autos e a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ, Ano XVIII, T. IV), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese.
É que a anulação do acto tributário só se justificava caso os factos alegados se mostrassem devidamente provados e constituíssem ilegalidades, mas tal não se verifica dado que a prova produzida pela impugnante não revela força suficiente para destruir o referido nas informações prestadas.
Como se vê, essa indagação não foi feita pelo MºJuiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova com base nas normas que regulam nesta jurisdição o direito probatório material.
Competia à impugnante provar os factos constitutivos da ilegalidade invocada como fundamento da pretendida anulação- (Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. II, pág. 180) e, na fase contenciosa do processo tributário, tal norma dirige-se ao juiz que não poderá deixar de a aplicar até prova em contrário do contribuinte, e não autoriza a derrogar o princípio segundo o qual nas acções de anulação é ao autor que incumbe demonstrar os factos de que resulta o seu direito à anulação (vd. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, CTF n.º s 157-158, págs. 71 a 76).
Donde que no processo de impugnação judicial, o ónus da prova recaia sobre o impugnante, a quem cabe o encargo de provar a não existência dos pressupostos que justifiquem o acto tributário impugnado. Não provando ele, na respectiva impugnação judicial, nenhum dos factos que alegou em fundamentação do seu direito, o acto manterá a sua legalidade e consequentemente deverá ser confirmado na ordem jurídica.
Porque assim, na impugnação judicial, como na presente, em que a não contestação ou especificada impugnação não comporta confissão dos factos alegados pois estamos no campo dos direitos indisponíveis quanto à Administração o ónus da prova cabia à impugnante, devendo a mesma improceder quando tal prova não é feita.
Ora, o Sr. Juiz «a quo» não fez tábua rasa do valor probatório das informações oficiais prestadas nos autos e respectivos elementos documentais de suporte e cujo conteúdo deixou especificado e que é um meio de prova admitido, devendo entender-se, quanto à respectiva força probatória, que se aquelas comprovarem a «existência e quantificação do facto tributário», deveria a dúvida sobre o seu conteúdo resultante doutras diligências de prova, aduzidas pelo impugnante ou realizadas oficiosamente pelo juiz, reverter contra a contribuinte e que se respeitarem a outros factos, caberá ao impugnante, a quem os mesmos não aproveitam, o ónus da contraprova destinada a torná-los duvidosos, permitindo ao juiz a sua livre apreciação.
O princípio da aquisição processual diz-nos que o material necessário à decisão e aduzido ao processo por uma das partes - sejam alegações, sejam motivos de prova pode ser tomado em conta mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu.
Reputa-se adquirido para o processo; pertence à comunidade dos sujeitos processuais. (Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, III-209. No mesmo sentido veja-se, do mesmo autor Do Conceito de Prova em Processo Civil. l 66).
Todos os elementos probatórios carreados para os autos, constituem elementos de prova de extrema relevância e utilidade para uma conscienciosa decisão.
É que o princípio da livre apreciação entrecruza-se necessariamente com o da imediação e o da aquisição processual por força do qual os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo, sendo atendíveis mesmo que sejam desfavoráveis à parte contrária.
E o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade: No direito adjectivo civil, art.° 265° n°3 do CPC, ambos regidos pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art° 264° n° s 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a... suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto... cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
«Prima facie», a força probatória dos documentos, a sua genuidade ou falsidade, o ónus da prova, são conceitos de direito probatório material e, como tal, regulados no Ccivil do qual resulta que a falsidade dos documentos está conexionada com a prova do contrário da verdade demonstrada pela prova legal plena (cfr. artºs. 347º, 370º, nº 2, 371º, nº 1, 372º, nºs. 1 e 2, 375º, nºs. 1 e 2 e 376º, nº 1). É para essa situação que existe o meio adjectivo do incidente de falsidade regulado nos artºs. 360º e segs. do CPC.
Por outro lado, resulta do exposto que a aplicação do princípio da “livre apreciação” só será admissível se não for arbitrária, i. é, se tiver uma justificação razoável.
Ora, o ónus de alegação é consequência do regime de ónus de prova a cargo da impugnante o qual é determinado pelo regime substantivo que enforma a relação jurídica controvertida, nos termos gerais do artº 342º nº l C. Civil.
Segundo ele, a parte que deve exercer a actividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à acção, de acordo com o princípio do dispositivo e sob pena de correr o risco de ver inferida a pretensão que deduziu em juízo (artº 516º CPC) é a parte que exerce o direito de acção.
As provas têm por função a demonstração da “realidade” dos factos (artº 341º C. Civil), pelo que não é juridicamente admissível postergar as normas de direito probatório e os critérios legais de eficácia probatória dos meios de prova, salvo em caso de disposição legal expressa nesse sentido, na medida em que o princípio da livre apreciação cede em face do princípio da prova legal, ou seja, cede perante provas com valoração legalmente tabelada, v.g. presunções legais, documentos e confissão.
A nosso ver, tal não pode acontecer no caso vertente, operando com o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador.
Essa é a prova livre, que se contrapõe à prova legal ou tarifada e a prova necessária e cujo alcance prático é o de que a lei não deve fixar as conclusões que o juiz tirará dos diversos meios de prova pois a relevância probatória destes será aquela que tiverem naturalmente no espírito do julgador.
Por força de tal princípio, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como, porventura, da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência da vida e do conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a verdade formal (cfr. M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2ª. Ed., 356; A . Varela, Man. Proc. Civil, 2ª ed., 471 e Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, III-206).
Como já se disse, o princípio da livre apreciação entrecruza-se necessariamente com o da imediação e o da aquisição processual por força do qual os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo, sendo atendíveis mesmo que sejam desfavoráveis à parte contrária.
Seguindo essa perspectiva, dúvidas não sobram de que a imediação postula que o julgador se assegure da verdade ou falsidade de uma alegação diminuindo o mais possível o número de transmissões de conhecimentos que se fazem com o fim de o juiz se convencer dela e justifica-se pelo óbvio motivo de que cada uma daquelas transmissões pode representar, muito naturalmente, uma fonte possível de falseamento do facto transmitido. É por isso que a imediação traz implicado que, as provas pessoais, resultantes da actuação das pessoas – testemunhas, peritos, as próprias partes, por via de depoimento e confissão, por oposição às provas reais exaradas em coisas, mormente os documentos- devem ser produzidas oralmente perante o juiz, vale dizer, que pela necessária adopção do princípio da oralidade se torna exigível que a produção da prova decorra em sessão de actos praticados oralmente, ou seja, em audiência contraditória, quando o possam ser.
O princípio da imediação do qual é inseparável o da livre apreciação aqui em causa, cumpre-se na perfeição se o juiz que procede à produção da prova nos sobreditos termos for o mesmo a decidir sobre o valor probatório dos elementos adquiridos nos autos, não fosse a imediação o contacto directo do tribunal com os elementos do processo por forma a assegurar ao julgador, de modo mais perfeito, o juízo sobre a veracidade ou falsidade duma alegação (cfr. Anselmo de Castro, Dir. Proc. Civ. Decl., 1ª ed., 3º-175).
Ora, tudo isto foi respeitado na sentença recorrida em que se ponderaram todos os elementos de prova pelo que é intangível o valor doutrinal da sentença porque nela se fixaram os factos essenciais e que relevam para a decisão da causa.
Improcede, pois, a conclusão sob análise.
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Da falta de fundamentação do acto impugnado:
Nas conclusões DDD) a FFF) sustenta a recorrente que no Relatório de Inspecção Tributária que fundamenta o acto tributário, a Administração Fiscal não estabelece um nexo causal entre os pressupostos de facto verificados e as normas contabilísticas e fiscais enunciadas e, assim, não tendo a Administração Fiscal enunciado, de forma clara, suficiente e congruente os fundamentos de facto e de direito que determinaram a prática do acto com o conteúdo que assumiu, não pôde a Recorrente opor-se, em consciência, ao concreto fundamento da decisão junto do tribunal a quo tendo antes manifestado a sua discordância pela exclusão de todos os fundamentos possíveis do acto.
A sentença recorrida julgou que a liquidação se encontra fundamentada no relatório da inspecção e anexos, tendo essa fundamentação permitido, ao impugnante, a compreensão das razões de facto e de direito que levaram a Administração Tributária a proceder às correcções em causa. O mesmo não é dizer que tenha de concordar com aquelas razões para que o acto se considere fundamentado.
Ora, diz o Mº Juiz recorrido, o percurso valorativo e cognoscitivo da Administração Tributária foi dado a conhecer ao impugnante, o que ficou manifesto na petição inicial através da qual este reage, pormenorizadamente, contra o acto tributário, sendo que, é essa reacção, essencialmente, que se visa acautelar com a exigência de fundamentação.
Quid juris?
O artigo 77° da LGT, estabelece a exigência de que a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório da fiscalização tributária.
Explicita, por sua vez o n° 2 do mesmo preceito legal que a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
A fundamentação ali prevista é a formal, e cumpre-se na dupla dimensão de, por um lado, esclarecer adequadamente o seu destinatário, enquanto sujeito normalmente capaz e diligente, «...pela apresentação dos pressupostos possíveis ou dos motivos coerentes e credíveis...» aptos a suportarem o acto final, possibilitando-lhe, conscientemente, conformar-se com o ele ou, ao invés, atacá-lo e de, por outro, conferir à entidade decidente um maior grau de ponderação na sua prática.
Em perfeita concordância com o Mº Juiz, entende-se que do relatório da inspecção (RIT), respectivos pareceres e decisão, que compõem as fls. 41/49 do apenso processo administrativo tributário emergem, claramente, as razões de facto e de direito, expressamente sintetizadas a fls.47/48, que determinaram a prolação do acto sindicado e que foram dadas a conhecer ao impugnante.
Na verdade, a mera leitura do articulado produzido pela impugnante facilmente inculca que esta apreendeu as razões que determinaram a AT a decidir nos moldes em que decidiu, o que lhe permitiu o efectivo exercício da tutela dos seus direitos e não se antolha que haja sido prejudicada na defesa dos seus direitos e interesses, por eventual irregularidade na fundamentação do acto tributário.
Apoiando-se o acto em causa em no Relatório e Anexos e resultando da análise dos elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, que a fundamentação neles contida é clara e congruente e permite à recorrente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, manifestamente que existe fundamentação formal não ocorrendo a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, 77º da LGT e 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2, al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo.
Destarte, improcedem as conclusões em apreço.
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Do vício substancial de violação de lei, por alegado erro nos pressupostos de facto e de direito.
Neste particular, o cerne da questão está em determinar se resulta demonstrado que os lotes de terreno em questão consubstanciaram a forma de comparticipação/financiamento da Parque Expo, SA para a execução da obra marítima.
Nos termos do art. 20° n° 1 h) do CIRC, consideram-se proveitos os subsídios ou subvenções de exploração.
Para o Mº Juiz «a quo», secundado pelo MP, a inclusão no lucro tributável dos subsídios e subvenções não destinados à exploração obedece às regras previstas no n° 22° do CIRC, o qual estabelece na sua al. b) do n° 1 (para os subsídios que não digam respeito a elementos do activo imobilizado reintegráveis ou amortizáveis, a que se refere a ai. a) deste n° 1), que:
"Se os subsídios ou subvenções não respeitam a elementos do activo imobilizado referidos na alínea anterior, devem ser incluídos no lucro tributável, em fracções iguais, durante os exercícios em que os elementos a que respeitam são inalienáveis nos termos da lei ou do contrato ao abrigo dos quais os mesmos foram concedidos, ou nos restantes casos, durante 10 anos, sendo o primeiro o do recebimento do subsídio ou subvenção"
Com este enquadramento lega, o Mº Juiz veio a salientar que a questão a decidir no caso em apreço depende antes de mais da qualificação a dar ao montante de 450.000.000$00, o efectivamente recebido pela impugnante pela cessão da sua posição contratual no contrato promessa de compra e venda celebrado com a Parque E.... .., SA.
Para o julgador, este montante, não deverá ser acrescido ao lucro tributável da impugnante do exercício de 1996, caso, por um lado, deva ser qualificado de subsídio e, por outro lado, devendo ser considerado um subsídio, não se trate de um subsídio de exploração.
Analisando a questão, afirma o Mº Juiz que a tese da impugnante, de que se trataria de um subsídio em espécie, transformado em subsídio monetário, não colide com a substância da operação através da qual foi obtido o montante de 450.000.000$00. Com efeito, sem que os contornos da operação fossem alterados no seu essencial, poderia a Parque E.... .., SA, ter procedido à venda das parcelas do terreno e posteriormente entregue o valor à impugnante.
O problema é que a Parque -E.... .. S.A., é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que nos termos do art° 1.2. do Dec-Lei 88/93 de 23/03, rege-se pela lei comercial, pelo referido diploma e pelos seus estatutos. Ora, nem na lei comercial, nem no diploma em causa, nem nos seus estatutos anexos ao referido Dec-Lei, consta que a referida sociedade possa conceder subsídios ou subvenções para efeitos do art° 22 do CIRC. Sendo uma sociedade comercial, destinada pela sua natureza a obter lucros, não pode fazer donativos de qualquer espécie.
Os subsídios ou subvenções a que se refere o art° 22 do CIRC, referem-se a subsídios a conceder pelo Estado ou por algum dos seus organismos, ou por instituições comunitárias ou programas comunitários de desenvolvimento. Não se referem a negócios entre empresas comerciais, nem donativos entre empresas, nem apoios de uma empresa a outra.
Logo, a forma por idealizada pela Parque E.... .. S.A. de subsidiar a impugnante, não pode ser enquadrada em caso nenhum no referido art° 22.
Se se entender o contrário, ainda que se entenda que estamos em presença de um subsídio enquadrável no art° 22 do CIRC, para que lhe sejam aplicáveis estas regras, esse subsídio não pode ser um subsídio de exploração.
Independentemente de haverem sido estabelecidas contrapartidas que ficariam a cargo do adquirente das parcelas, no contrato promessa e posteriormente no contrato de compra e venda celebrado entre a Parque E.... .. e a SDI, certo é que, o montante que a impugnante obteve com a cessão da sua posição contratual (pela qual deixou de ter de assumir as obrigações estabelecidas no contrato definitivo, por as haver transmitido), foi, segundo ela, destinado ao investimento a realizar na concessão (o que de acordo com o facto 14 da factualidade provada, é verdade). Seria, deste modo, enquadrável na previsão do art. 22° do CIRC, e, assim, não deveria ter sido acrescido na sua totalidade ao lucro no exercício do seu recebimento, caso o subsídio fosse aceitável.
Diga-se que concordamos inteiramente com a fundamentação jurídica da sentença.
Analisando a prova documental, também concluímos que não resulta demonstrado que os lotes de terreno em questão consubstanciaram a forma de comparticipação/financiamento da Parque Expo, SA para a execução da obra marítima já que, como enfatizam o Mº Juiz e o MP, a execução da obra marítima faz parte do objecto de contrato de concessão que abrange construção, financiamento, financiamento, exploração e manutenção de um Porto de Recreio localizado na Zona de intervenção da Parque E…..
Ora, a cobertura financeira do contrato de concessão consta do documento junto com a PI sob o n° 8.
E é manifesto que o contrato promessa de compra e venda dos questionados lotes tem como contrapartida o desenvolvimento imobiliário integrado da zona do Porto de Recreio e da Obra Marítima, a fim de assegurar uma envolvente dignificante do recinto de realização da E…...
A essa luz, o objecto de concessão e respectivo financiamento não se confundem com o desenvolvimento das zonas envolventes que a alienação dos terrenos visa potenciar.
Conseguintemente, tendo sido alienado o elemento comparticipado (obras a realizar ou os imóveis a construir) o montante em causa, contabilizado pela impugnante como subsidio em espécie, não pode ser considerado como tal, dado que não faz parte dos activos nem mantém uma permanência consistente.
Destarte, é inaplicável o disposto no artigo 22°/a) do CIRC, devendo antes ser tratado como um proveito, concorrendo para a formação do lucro tributável do exercício de 1996, ano em que foi recebido, nos termos do estatuído no artigo 21° do CIRC).
Tais subsídios ou subvenções têm de figurar na determinação da matéria colectável do exercício como um seu ganho ou proveito (art.º 20.º n.º1 h) do CIRC), pelo que não ocorre erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Adite-se que, no agir da AT, não se mostram violados os princípios da verdade declarativa e do ónus da prova (artigos 74° e 75° da LGT), já que foi por aquela demonstrada a existência de erro na contabilidade da impugnante, que sustenta a correcção aritmética efectuada.
Na verdade e como salienta o Mº Juiz, a Administração Tributária considerou que o montante de 450.000.000$00 foi inscrito pela impugnante incorrectamente na conta "274910 - subsídio em espécie expo", tendo, assim, dado aos factos uma interpretação jurídica diferente daquela que foi dada pela impugnante , não há pois em rigor um desrespeito pelos princípios cuja violação foi invocada pela impugnante.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.
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4. - Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se em 7 UCs a taxa de justiça.
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Lisboa, 27/01/2009
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)

(1) Nesse sentido, vide o Ac. do STA- Contencioso Administrativo, de 18/03/2004, no Recurso nº 01930/03.
(2) É essa a doutrina consagrada no Ac. do STA – 2ª secção- de 02/02/05, tirado no Recurso nº 1220/04.