Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04280/08
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:09/25/2008
Relator:Rogério Martins
Descritores:ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL
Sumário:I - A eventual divulgação da decisão anulatória do acto que impôs a publicação da resposta a um artigo de jornal considerado difamatório, não recria in natura a situação que existiria se não tivesse sido feita a publicação dessa resposta. Apenas traduz uma compensação ou criação de uma situação sucedânea que diminuiu ou repara os prejuízos produzidos pela publicação. Verifica-se, portanto, um facto consumado com a publicação da resposta, para efeitos do disposto na aliena b), n.º 1, do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
II – A publicação de uma resposta do contra-interessado a um artigo de opinião publicado por terceiro, ainda que essa resposta tenha conteúdo difamatório para o visado, não afecta a esfera de interesses que a sociedade proprietária do jornal pode legitimamente defender no processo principal.
III – Ainda que a ofensa à honra dessa terceira pessoa pudesse considerar-se um prejuízo para um dos “interesses em presença” no pedido deduzido empresa proprietária do jornal para suspensão do acto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social que determinou a publicação da resposta apresentada pelo contra-interessado, sempre seria de indeferir o pedido de suspensão por ser a solução de maior equilíbrio para os interesses em presença e correlativos prejuízos.
IV – É nulo o despacho judicial que, sobre um requerimento em que se articula matéria de facto que, a verificar-se, traduz uma prática incongruente e, por isso, inaceitável, por parte da Secretaria na emissão de guias para pagamento de multa processual, se pronuncia nos seguintes termos: “Indefiro o ora requerido por absoluta falta de fundamento legal.”
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: RJ04280/08
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Acordam em conferência os juízes do Tribunal Central Administrativo:

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social interpôs recurso jurisdicional, a fls. 145 e seguintes, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, de 02.06.2008, a fls. 117 e seguintes, que deferiu o pedido de suspensão da eficácia de acto administrativo deduzido pela Empresa Jornal da ..., L.da.

A Recorrido apresentou as suas contra-alegações a fls. 254 e seguintes, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

A fls. 238 a Entidade Reguladora para a Comunicação Social interpôs também recurso jurisdicional contra o despacho de 09.07.2008, a fls. 205, que indeferiu o pedido de emissão de guias para pagamento de multa ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 145º do Código de Processo Civil, e não ao abrigo do disposto no n.º 6 do mesmo preceito, com foram emitidas.

Não foram produzidas contra-alegações neste segundo recurso.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença e declarado nulo o despacho recorrido.

A Recorrente pronunciou-se sobre este parecer, reiterando no essencial a sua posição quanto à sentença recorrida.
*
Nada obsta ao conhecimento de mérito dos recursos jurisdicionais.
*

1º RECURSO (sentença de 02.06.2008, a fls. 117 e seguintes).

1.1. - São as seguintes as conclusões das alegações e que definem o objecto deste recurso:

A) A redacção do elenco dos Factos Relevantes Sumariamente Provados que agrupa a matéria de facto dada por provada pelo Tribunal deve ser o mais objectiva possível, não devendo comportar apreciações depreciativas nem quaisquer outros juízos de valor;
B) Mais do que uma questão terminológica, o que está ali em jogo é a capacidade de o Tribunal se manter distante da "roupagem" que as partes dão aos factos em análise;
C) Ao referir que "as ruínas Hinton pertenceram a familiares do C-/" o Tribunal a quo está a emitir um juízo de valor idêntico ao emitido pelo autor do discurso publicado pela Recorrida, e que esteve na origem das ofensas à honra e bom nome do contra-interessado;
D) O Tribunal a quo deveria ter optado por uma redacção que objectivamente não reflectisse uma tomada de posição na questão em litígio;
E) O Tribunal não pode deixar de analisar as questões que lhe são trazidas a juízo só porque os textos apresentados (inclusive legislativos) contêm "conceitos indeterminados";
F) Apesar dos "conceitos indeterminados" em presença, a verdade é que a Recorrente sempre tratou de fornecer os critérios adequados à interpretação dos mesmos, como de resto resulta da deliberação;
G) Razão pela qual nada justifica a recusa do Tribunal em apreciar o fumus boni/malus júris na sua formulação máxima;
H) A providência cautelar deverá ser recusada se o Juiz cautelar concluir que é evidente que o processo principal irá ser julgado improcedente;
I) Em conclusão, o que efectivamente se encontra verificado neste caso é fumus malus júris, pelo que cumpria ao Tribunal a quo dele conhecer e, consequentemente, indeferir a providência requerida, ao abrigo do disposto na al. A) do n° 1 do art. 120° do CPTA;
J) Por outro lado, a indagação do fumus boni iuris normal ou mínimo deve preceder a indagação do periculum in mora. É essa a lógica processual a observar, que o Tribunal a quo contrariou;
K) O Tribunal reconheceu a existência de referências indirectas ao contra-interessado susceptíveis de ofender a sua honra e bom nome, mas ainda assim deferiu a providência alegando a verificação de um fumus non malus júris de que resultaria a ilegitimidade do contra-interessado para exercer um direito de resposta;
L) Ou seja, o Tribunal não reconheceu a legitimidade do contra-interessado, como titular de um direito de resposta, nos termos do art. 24°, n° 1 da Lei de Imprensa, apesar de ter dado por provada a existência das ditas "referências indirectas";
M) A resposta não é susceptível de prefigurar um crime de difamação pois está abrangida por uma causa de exclusão da ilicitude, prevista no n° 2 do art. 180° do Código Penal;
N) A única conduta susceptível de enquadrar um crime de difamação foi a da publicação do discurso do Sr. Presidente da RAM, e não a do contra-interessado, que se limitou a usar da palavra unicamente para se defender das ofensas que lhe foram desferidas;
O) É ainda possível enquadrar a resposta do contra-interessado na causa de justificação prevista no n° 3 do art. 180° do Código Penal, com remissão para o art. 31°, n° 2, alíneas b), c) e d) do mesmo Código;
P) A defesa da honra e consideração do contra-interessado pelo exercício do direito de resposta cai, assim, na alçada desta causa de justificação, prevista no n° 3 do art. 180° do Código Penal;
Q) Por outro lado, sempre que os factos ilícitos sejam de carácter público e social, considera-se que a imputação prossegue interesses legítimos;
R) É o que acontece com a alegada ameaça de expulsão do contra-interessado do território da ..., feita pelo Sr. Presidente da RAM, num discurso proferido perante a população madeirense;
S) A apreciação, por parte do tribunal a quo, dos requisitos do periculum in mora e da ponderação dos interesses em jogo, exigida pelo art. 120°, n° 1, alínea b) e n° 2, do CPTA, cingiu-se, igualmente, a considerações abstractas e distantes da realidade trazida aos autos;
T) Ao inverter a ordem lógica de apreciação dos requisitos da providência cautelar (primeiro o fumus boni iuris, depois o periculum in mora, e por fim a ponderação dos interesses em jogo), o Tribunal a quo deu por provada uma situação de facto consumado, mesmo sem curar de saber se, previa e perfunctoriamente, assistia razão à Recorrida;
U) Por conseguinte, a prova do receio de uma situação de facto consumado não foi alicerçada em factos concretos mas em considerações gerais e empíricas;
V) O Tribunal a quo não discriminou, nem justificou, os factos e provas que contribuíram para a formação da sua convicção, violando assim o disposto no art. 659°, n°s 2 e 3 do CPC;
W) Nem se invoque que, neste caso concreto, a situação de facto consumado não necessita de prova, dizendo que, se a resposta for publicada, nada mais haverá a fazer ou a decidir porque, feita a publicação, nela se esgota o objecto da acção principal;
X) Na verdade - e a destrinça é fundamental - o que é publicado não é uma mera resposta, é uma determinação da entidade reguladora que obriga à publicação de um texto;
Y) E a credibilidade do órgão de comunicação social não será afectada visto que se limitou a cumprir uma obrigação legal, por imposição dessa entidade externa; se, a final, se vier a comprovar por decisão transitada em julgado que a entidade reguladora não interpretou correctamente a lei, ou mesmo a violou, o órgão de comunicação social poderá dar toda a ênfase que entender ao seu ganho de causa;
Z) As conclusões gerais e abstractas também não podem servir para fazer prova do requisito contido no n° 2 do art. 120° do CPTA;
AA) Para que o Tribunal possa sopesar os diferentes interesses em confronto é necessário que os requerentes aleguem e provem que os danos que podem resultar da recusa da providência são superiores aos que podem resultar da sua concessão;
BB) Sucede que, neste particular, o requerimento inicial da Recorrida foi flagrantemente omisso;
CC) Impossibilitado de ponderar os diferentes interesses em jogo, o Tribunal a quo não observou o disposto no art. 120°, n° 2 do CPTA que obriga à recusa da providência quando os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa;
DD) Ainda assim, o Tribunal concedeu a providência, não porque a Recorrida tenha feito a prova que lhe incumbia, mas sim porque entendeu que a Recorrente não provou que a recusa da providência não provocaria graves prejuízos aos interesses daquela;
EE) Por outro lado, o juízo de ponderação dos interesses não pode ser imune, nem indiferente, ao que fica apurado em sede de fumus boni/malus iuris;
FF) A concessão da providência cautelar decidida pela sentença recorrida traduz-se na denegação do próprio direito de resposta do contra-interessado, já que a publicação da resposta no final do processo principal não terá qualquer efeito útil, por não permitir contrapor a sua versão dos factos à versão veiculada anos antes pelo Jornal da ..., o que constitui violação dos art.s 37°, n° 4 e20°, n°5daC.R.P.;
GG) O direito de resposta é um mecanismo de defesa de um bem jurídico pessoal e imaterial - o bom nome e a reputação -constitucionalmente reconhecido como direito fundamental de todos os cidadãos e considerado como limite inerente à liberdade de imprensa;
HH) A decisão recorrida fere o direito constitucional ao bom nome e reputação dos cidadãos (art. 26°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa);
II) O direito de resposta é assegurado, em condições de igualdade e de eficácia, a todas as pessoas (art. 37°, n° 4 da CRP), sendo certo que a resposta tem de ser publicada em tempo útil, por forma a possibilitar o seu confronto com o texto que lhe deu origem;
JJ) O que significa que a sentença recorrida vem pôr em causa um outro princípio constitucional - o da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20°, n° 5 da C.R.P.;
KK) Atento o que ficou dito, não se verificando a invocação de factos que comprovem a existência de um "direito aparente" da Recorrida, nem de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, não podem considerar-se preenchidos os requisitos do art. 120°, n° 1, al. b) do CPTA pelo que a providência nunca poderia ser decretada.

1. 2. Matéria de facto.

A Recorrente tem razão neste aspecto.

Antes de mais importa fazer o reparo que “facto notório”, para efeitos do disposto no art.º 514º, n.º1, do Código de Processo Civil, é aquele que é do conhecimento da generalidade das pessoas e não de um grupo limitado ou circunscrito de pessoas (“no Funchal”), como resulta claramente do teor literal do preceito.

Só esse conhecimento generalizado permite a dispensa de alegação e prova.

Se não fosse um facto do conhecimento pessoal e o Contra-Interessado não residisse no Funchal, não lhe poderia ser “imposto” o facto alinhado sob o n.º 5 da matéria dada como provada, como “ facto notório”. Para a ora Recorrente não se trata sequer de um facto do conhecimento pessoal ou de que deva ter conhecimento. Mesmo para quem reside ou residiu no Funchal é arriscado afirmar que se trata de um facto notório. Notório poderá ser para quem foi ao local, o que não será o caso de todos os residentes naquela cidade.

E só esta noção de “facto notório” como facto do conhecimento da generalidade das pessoas permite o controlo, em sede de recurso, dessa apreciação de um facto.

No caso concreto, este Tribunal desconhece em absoluto se o prédio Hinton estava ou não em ruínas.

De todo o modo, pese embora a expressão “ruínas” tenha um sentido comum e objectivo, de restos de uma edificação ou edificação completamente degradada, e no caso concreto não tenha sido contestada essa realidade, pode no contexto do presente processo ser confundida com a expressão utilizada em sentido depreciativo e, portanto, subjectivo, no artigo de opinião publicado no JM a que se alude também nos fundamentos de facto da sentença.

Para evitar a colagem do sentido objectivo, pretendido certamente pelo M.mo Juiz a quo, com o sentido subjectivo, e uma vez que estamos em sede de matéria de facto, necessariamente objectiva, deverá colocar-se a expressão entre aspas precisamente para deixar claro que a referência é feita à realidade retratada no artigo de opinião e não como adesão à opinião subscrita no artigo.

Devemos assim considerar como provados os seguintes factos:

. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social deliberou em 20.2.2008, ao decidir um recurso interposto pelo ora Contra-Interessado, determinar que a Empresa Jornal da ..., ora Requerente, publique a "resposta" do ora Contra-Interessado a um artigo de opinião publicado no JM.

. A Requerente publicara, em 24 de Outubro de 2007, na secção "opinião", um artigo intitulado "Conto com todos!", da autoria de Alberto João Jardim, com indicação, no final do texto, de que se tratava de "discurso proferido na inauguração do complexo 'Dolce Vita”.

. No mesmo dia, o contra-interessado remeteu para a Requerente o seu texto de resposta àquele artigo, o qual foi recepcionado em 25 de Outubro de 2007.

. Por carta datada de 26 de Outubro de 2007, a ora Requerente recusou a publicação do direito de resposta.

. As “ruínas” Hinton pertenceram a familiares do Contra-Interessado.

. O ora Contra-Interessado deduziu 2 processos cautelares neste TAC, visando a suspensão da eficácia da licença municipal de construção do Edf. Funchal Centrum, onde se integra o Centro Comercial "Dol ce Vita", tendo o 1º processo sido julgado procedente, com posterior levantamento da providência por substituição da 1ª licença, e tendo o 2º processo sido julgado improcedente.

7. O Contra-Interessado faz parte de uma família conhecida na RAM como "Hinton" há décadas.

1.3. Enquadramento jurídico.

Ao contrário do que defende a Recorrente, o Tribunal a quo não se eximiu a apreciar se é evidente a procedência ou improcedência da acção principal.

A sentença recorrida refere – bem – que não é evidente a procedência da acção principal, para efeitos do disposto no art.º 120º, n.º 1, al. a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Menciona, depois, para corroborar esta afirmação, os conceitos indeterminados em jogo e a duvidosa compatibilidade entre o art.º 27º da Lei da Imprensa e o art.º 75º dos Estatutos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Algo evidente é algo que não oferece dúvida, incontestável, certo (ver dicionário no sítio http://www.priberam.pt/) .

O que é evidente não precisa de ser explicado, para um destinatário mediano, bem entendido. O que precisa de explicação já não é evidente.

Aqui falamos, claro está, de uma evidência não meramente lógica mas jurídica, a evidência de que a pretensão é procedente.

Mas para não se descolar os conceitos jurídicos do conceito comum, de forma a que os destinatários das decisões as possam compreender o melhor possível, só poderemos dar por preenchida esta previsão legal quando a procedência se imponha claramente, seja incontestável, certa para quem tem o mínimo de formação jurídica.

Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente (neste sentido ver os acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.1.2006, recurso 01295/05, e de 28-06-2007, recurso 02225/07, no sítio www.dgsi.pt ).

Pois apenas nestes casos se justifica a desnecessidade de demonstrar os requisitos exigidos por lei para o decretamento das providências cautelares, em concreto os que são exigidos nas restantes alíneas do mesmo n.1, e no n.2, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

São, portanto, raros os casos em que esta previsão se pode dar por preenchida.

Como se dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, p. 120:

“Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações”.

Fora das situações em que a solução jurídica se imponha sem necessidade de qualquer indagação ou explicação para além da simples indicação da evidência, é necessário demonstrar os requisitos para o deferimento da providência, mencionados nas aludidas alíneas b) e c).

No caso concreto não é evidente nem a procedência nem a improcedência da acção principal, sendo perfeitamente discutível - e a necessitar de indagação de facto e de direito não meramente sumária ou perfunctória - se se verificam ou não os pressupostos do direito de resposta e, caso afirmativo, se esta é legalmente admissível nos termos em que foi feita.

Não sendo manifesta a procedência (nem a improcedência) dos fundamentos invocados para atacar o acto suspendendo, vejamos qual o grau de probabilidade do êxito do processo principal.

Estamos aqui perante uma típica providência cautelar conservatória, de suspensão da eficácia de um acto, pelo que, em termos de previsibilidade do êxito da acção principal, basta ao requerente demonstrar que não é manifesta a falta de fundamento.

Depois da inexistência de manifesta falta de fundamento, em termos progressivamente desfavoráveis ao requerente, apenas encontramos a manifesta falta de fundamento. Dito de outro modo: entre a manifesta falta de fundamento e a inexistência de manifesta falta de fundamento da acção principal, não existe outro “patamar” legal de previsibilidade do resultado desse processo.

Mas se não for manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida ou a deduzir, a previsibilidade de inêxito do processo principal, cabe ainda no comando normativo da alínea b), do n.º 1 do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que permite deferir o pedido de suspensão. Só a manifesta improcedência da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal impõe o indeferimento do pedido de suspensão.

Em resumo, se for provável mas não for manifesto que o processo principal está condenado ao fracasso, ainda assim o requerente pode ver deferido o pedido de suspensão.

É claro também que afirmar não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão do processo principal constituiu um comprometimento menor daquilo que se decide no processo cautelar em relação ao que se decidirá a final no processo principal, do que decidir logo no processo cautelar que é manifesta a falta de fundamento.

Neste sentido se pronunciou o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, com o mesmo relator, de 25.10.2007, no recurso 02942/07.

Reportando-nos de novo ao caso concreto, e tendo em conta a complexidade dos fundamentos invocados, é absolutamente discutível qual a solução que deverá ser adoptada pelo Tribunal na acção principal. Tão discutível que não se vê razão para assumir um compromisso maior em relação ao provável resultado dessa acção do que a simples afirmação de que não é manifesta a falta de fundamento.

Vejamos agora se existe o periculum in mora.

A simples criação de uma situação de facto consumado, independentemente da produção de prejuízos de difícil reparação, permite suspender a execução de um acto administrativo, conforme claramente decorre da partícula “ou” utilizada na alínea B), do n.º 1, do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

No caso concreto é patente a criação de uma situação de facto consumado, como se decidiu.

O que está em causa é o exercício do direito de resposta, exercício este que se esgota num único acto, a publicação do texto de resposta. E depois de publicado o texto de resposta não há hipótese de reverter a situação no plano dos factos, ou seja, recriar a situação de facto anterior à publicação.

É indiferente para esta conclusão, imposta pela lógica, que o texto tenha sido publicado por iniciativa do jornal ou por imposição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Por outro lado, a eventual divulgação da decisão anulatória do acto que impôs a publicação da resposta, não recria in natura a situação que existiria se não tivesse sido feita a publicação. Apenas traduz uma compensação ou criação de uma situação sucedânea que diminuiu ou repara os prejuízos produzidos pela publicação.

Um aspecto, decisivo, é, no entanto, favorável à posição da Recorrente: a ordem de publicação é dirigida à Requerente, ora Recorrida, é uma obrigação que lhe é imposta, e daí a sua legitimidade processual no presente pedido de suspensão, mas o facto consumado que se cria com a execução do acto não é um facto que afecte a esfera de interesses da Requerente ou de interesses que esta possa legitimamente defender no processo principal. Nem sequer foi alegada a existência desse prejuízo.

Não se verifica deste modo, a existência de qualquer prejuízo para a Requerente, ora Recorrida, nem para os interesses que esta possa legitimamente defender na acção principal, com a imediata execução do acto em apreço e com a consequente publicação da resposta do Contra-Interessado.

Por outro lado, o protelamento do exercício do direito de resposta por vários anos – período de duração provável da acção principal com eventual recurso jurisdicional – esvazia este direito de conteúdo ou eficácia.

Só a resposta pronta permite obviar aos efeitos nefastos de uma notícia ou artigo de opinião. O decurso de um período de tempo prolongado, de vários anos, afasta inexoravelmente e não permite à resposta alcançar o seu alvo: a notícia ou o artigo de opinião que foi publicado.

A perda do efeito útil da resposta, a criação junto da opinião dos leitores de que a notícia ou o artigo de opinião não são exactos ou são mesmo difamatórios, é um prejuízo só por si que deve ser ponderado.

Isto sendo certo que se nos afigura evidente que a notícia em apreço visa a família Hinton a que o Contra-Interessado pertence, e, por inclusão, o próprio Contra-Interessado.

Assim, logo por aqui, se deveria concluir pela prevalência dos prejuízos que resultariam da suspensão da eficácia do acto em apreço, o acto que determinou a publicação da resposta, a impor o indeferimento da providência, uma vez que não há outros interesses a ponderar – n.º 2 do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Em todo o caso, ainda que se entendesse que o conteúdo ofensivo da resposta para o Presidente da RAM, Alberto João Jardim, era um prejuízo a ter em conta, ou seja, para os “interesses em presença”, ainda assim se deveria indeferir o pedido de suspensão da eficácia.

No essencial, tudo se resume ao seguinte: a alternativa entre o Contra-Interessado não poder reparar, com a resposta, o agravo que foi feito ao seu bom nome, e permitir, com esse reparo, que seja feita uma ofensa ao bom nome do Presidente da RAM.

Não comungamos do entendimento, salvo o devido respeito pela posição assumida pelo Ministério Público, de que a ofensa directa ao bom-nome do Presidente da RAM, contida na resposta, é mais grave, só pelo facto de ser directa, do que a ofensa ao bom-nome do Contra-Interessado, só por esta ser indirecta e velada.

Entendemos pelo contrário que as ofensas, ou seja, os prejuízos, se equiparam.

O exercício do direito de resposta acaba por repor algum equilíbrio numa situação de dissídio que, no estrito quadro da situação que nos ocupa, foi despoletada pelo Presidente da RAM.

Não se pode concluir por isso que os danos resultantes da recusa de suspensão são superiores aos que resultariam da concessão da providência.

De tudo o exposto, resulta dever ser indeferido o pedido de suspensão e, em consequência, revogada a sentença recorrida.

2º RECURSO (despacho de 09.07.2008, a fls. 205).

2.1 São as seguintes as conclusões das alegações e que definem o objecto deste recurso:

A) O despacho recorrido é conclusivo, sendo completamente omisso quanto à sua fundamentação;
B) À semelhança do que sucede com o dever de fundamentação das sentenças (art. 668°, n° 1, al. b) do C.P.C.), também os despachos judiciais devem ser devidamente fundamentados ou, pelo menos, indicar a disposição legal que os suporta, designadamente se o seu conteúdo se traduz no indeferimento de uma pretensão;
C) O termo do prazo para apresentar o requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações terminou no dia 20 de Junho de 2008;
D) A Recorrente praticou o acto no 1° dia útil subsequente, requerendo expressamente, no final das alegações, a passagem das guias de pagamento da multa prevista no art. 145°, n° 5 do C.P.C.;
E) A Recorrente diligenciou junto da secretaría o envio atempado da guia necessária ao pagamento da multa;
F) Dada a manifesta distância que separa o Continente da ilha da ... era absolutamente impraticável para a Recorrente deslocar-se ao TAF do Funchal para levantar as guias de pagamento da multa;
G) Nos contactos telefónicos efectuados tinha ficado sobejamente esclarecido que a Recorrente pretendia receber as guias por fax ou por outro meio igualmente expedito, pois era-lhe impossível levantar em mão as referidas guias;
H) As guias nunca chegaram a ser emitidas pois o TAF do Funchal nunca as enviou para a Recorrente e ninguém se apresentou para as levantar;
I) Como tal, nunca chegou a iniciar-se a contagem do prazo para pagamento da multa pois as guias nunca chegaram a ser enviadas para a Recorrente;
J) Assim, não está preenchido o requisito previsto na 1a parte do n° 6 do art. 145° do C.P.C. de que depende a notificação para pagamento da multa-sanção;
K) A falta de envio por fax das guias, tendo estas sido expressamente requeridas, constitui um acto irregular e prepotente da secretaria que não pode ser aceite;
L) As guias para pagamento da multa devida deviam ter sido enviadas para a Recorrente, tal com esta já havia solicitado, sendo ilícita a aplicação do art. 145°, n° 6 do C.P.C.

2.2. Factos com relevo:

. A ora Recorrente deduziu o requerimento de fls. 191-192, com o seguinte teor:

“ (…)
Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), entidade requerida no processo acima identificado, vem expor e requerer a V.Exa. o seguinte:
1. No dia 23 de Junho, 1o dia após o término do prazo, apresentou requerimento de interposição de recurso, acompanhado das respectivas alegações.
2. No final do texto das alegações (v. pág. 40), requereu expressamente que fossem passadas guias para pagamento da multa devida, ao abrigo do art. 145°, n° 5 do CPC.
3. Contudo, o envio efectuado por fax apenas foi conseguido até à página 7 (Doc. 1) por motivos alheios à entidade requerida, que tudo fez para remeter as suas alegações por essa via (Doc.s 2 a 8), acabando por ter de as enviar por correio registado nesse mesmo dia 23/06/2008 (Doc. 9).
4. No dia seguinte, 24/06/2008, a advogada signatária tentou contactar 3 vezes o tribunal por telefone, a fim de solicitar o envio das guias, o que não conseguiu, já que ninguém atendeu (Doc. 10).
5. Dia 25 de Junho, conseguiu finalmente falar com uma funcionária da secretaria para explicar o sucedido e solicitar o envio da guia requerida, mas foi informada que o original ainda não tinha chegado à secção (Doc. 11).
6. Dia 30 de Junho, não tendo recebido a guia por fax, conforme havia sido requerido nas suas alegações, voltou a contactar o tribunal (Doc. 12), tendo sido informada pela Sra. D. Rosa Lelo que tinha seguido por correio uma notificação com as guias emitidas ao abrigo do art. 145°, n° 6, o que realmente veio a acontecer.
7. A referida funcionária afirmou ainda que as guias deveriam ter sido levantadas na secretaria do Tribunal e, perante a objecção suscitada decorrente da manifesta impossibilidade decorrente da distância, limitou-se a dizer que tal diligência poderia ter sido efectuada por um Colega com escritório na ....
8. Não se compreende um tal argumento numa fase em que todos se empenham em "desburocratizar" e agilizar o funcionamento dos tribunais.
9. A entidade requerida tudo fez para efectuar em tempo o pagamento da multa a que estava obrigada, pelo que requer que as guias emitidas sejam anuladas e substituídas por outras no montante efectivamente devido.

. Em 09.07.2008 foi lavrado o despacho ora recorrido, a fls. 205:

“Indefiro o ora requerido por absoluta falta de fundamento legal.”

2.3. A nulidade do despacho recorrido.

Efectivamente o despacho recorrido padece da nulidade que lhe é apontada, decorrente da absoluta falta de fundamentação – art.º s 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), ambos do Código de Processo Civil.

O Recorrente articulou matéria de facto que, a verificar-se, traduz uma prática incongruente e, por isso, inaceitável, por parte da Secretaria que, por um lado, exige o levantamento nas instalações do Tribunal das guias emitidas ao abrigo do disposto no n.º 5, do art.º 145º, do Código de Processo Civil, e, por outro lado, envia pelo correio as guias para pagamento da multa prevista no n.º 6 do mesmo preceito.

Neste contexto não apresenta qualquer fundamento, de facto ou de direito, o despacho que não explica a irrelevância dos factos aduzidos nem procede à mínima análise dos preceitos em causa.

Irrelevância que não se verifica, em todo o caso, uma vez que os factos articulados, a verificarem-se, são de molde a inutilizar o acto de passagem de guias a coberto do disposto no n.º 6 do art.º 145º, do Código de Processo Civil.

Termos em que se impõe a declaração de nulidade dos despacho recorrido e o prosseguimento dos autos nesta parte, para apuramento dos factos articulado no requerimento de fls. 191-192, para posterior decisão sobre o mesmo.
*

Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam em julgar procedentes ambos os recursos e, em consequência:

A) Revogam a sentença recorrida e indeferem o pedido de suspensão da eficácia da deliberação aqui em apreço, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

B) Declaram a nulidade do despacho de fls. 205 e determinam o prosseguimento dos autos nessa parte para apuramento da matéria de facto aduzida no requerimento de fls. 191-192 e posterior decisão sobre o mesmo.

Pagará a Recorrida Empresa do Jornal da ... as custas do primeiro recurso, fixando-se a taxa de justiça em 18 U.C. (dezoito unidades de conta), reduzida a metade, e a procuradoria em 1/5.

Não é devida tributação pelo segundo recurso.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2008



(Rogério Martins)

(Magda Geraldes)

(Gonçalves Pereira)