Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01171/98
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/08/1999
Relator:António Coelho da Cunha
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: 1. Relatório.

O Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim veio interpor recurso da sentença do T.A.C. do Porto, de 27.5.97, que concedendo provimento ao recurso interposto por A..., anulou o despacho que considerou “falta” ao serviço a prestação do recorrente no dia 18.12.95.-

Formula, para tanto, as conclusões seguintes:

1ª. - O requerimento que o funcionário aqui recorrido dirigiu ao Presidente da Câmara, em 26 de Janeiro do corrente ano, não pode ser qualificado como recurso hierárquico;-

2ª. - Tal petição não constitui mais do que um pedido de esclarecimento acerca da fundamentação de facto e de direito do despacho pelo qual lhe foi aplicada a falta;-

3ª. - Por outro lado, o conteúdo do ofício de 30 de Abril, pelo qual lhe foi transmitido o “acto anulalado”, não constitui (nem notifica) qualquer acto administrativo, apenas se limitando a esclarecer os fundamentos daquele despacho;-

4ª. - Por isso, inexistindo o acto que o recorrente impugna, deveria o presente recurso ter sido rejeitado pela sua ilegal interposição;-

5ª. - De acordo com o disposto no nº. 1 do artº. 17º. do Dec-Lei nº. 497/88 de 30.12, considera-se falta a ausência do funcionário ou agente durante a totalidade ou parte do horário de trabalho a que está obrigado, bem como a não comparência em local a que o mesmo deva deslocar-se por motivo de serviço;-

6ª. - Por isso, verificados os “hiatos” de desempenho de funções que ressaltam dos registos informáticos, é de considerar falta a prestação de trabalho do recorrente na data em causa - principalmente quando é certo que as suas funções se desenvolvem, quase exclusivamente, no exterior;-

7ª. - Deste modo, não se mostrando incumprido o teor da norma legal em causa, é de concluir pela legalidade do despacho, que deve ser mantido na ordem jurídica;-

8ª. - Ao conceder provimento ao recurso, a douta sentença recorrida violou também o nº. 1 do artº. 17º. do Dec-Lei nº. 497/88, de 30 de Dezembro (na redacção introduzida pelo Dec-Lei nº. 178/95 de 26 de Julho).

O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

A Digna Magistrada do Mº.Pº. junto deste T.C.A. pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.-

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.-

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2. Matéria de Facto.

A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:

a) Com data de 10.1.96, o Director do DAF da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, comunicou ao recorrente que lhe considerou injustificada a falta no dia 18.12.95, «tendo em atenção o controlo de assiduidade» - fls. 5;-

b) O recorrente dirigiu, então, em 26.1.96, ao Sr. Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim o requerimento, com fotocópia junta a fls. 9 e que aqui dou por integralmente reproduzido, donde consta, além do mais «(...) como a referida falta injustificada não parece colher qualquer fundamentação dos textos legais, requer a V. Exª. se digne ordenar que o funcionário que procedeu à marcação da referida falta, se digne fornecer-me, expressamente, o texto legal em que se baseou (...). A ser mantida tal falta informo V. Exª. que irei recorrer, não só ao I.G.A.T., como judicialmente».

c) Com data de 30.4.96, o Sr. Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim comunicou ao recorrente: «Em resposta à v/carta de 26 de Janeiro do ano em curso, cumpre-me informar que a sua prestação de trabalho no dia 18.12.95 foi considerada falta, de acordo com o disposto no artº. 17º. do Dec-Lei nº. 497/89 de 30 de Dezembro (na redacção introduzida pelo Dec-Lei 178/95 de 26.7) uma vez que, em face do controle de assiduidade, se verificou que o funcionário, nessa data, não efectuou qualquer serviço entre as 8,35h e as 9,27h, entre as 15,26 e as 16,11h e entre as 16,13 e as 16,57h» (fls. 10) - é este o acto recorrido.-

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3. Direito Aplicável.-

Começaremos por analisar a questão prévia suscitada pelo recorrente.-

Este entende que o requerimento dirigido ao Presidente da Câmara em 26.1.96 não pode ser qualificado como recurso hierárquico, antes constituindo um mero pedido de esclarecimento acerca da fundamentação de facto e de direito do despacho do Director do Departamento de Administração e Finanças, de 10.1.96, pelo qual lhe foi aplicada a falta.

Por outro lado, diz ainda o recorrente, o conteúdo do aludido ofício de 30.4.96 não constitui (nem notifica) qualquer acto administrativo, inexistindo, portanto, o acto impugnado (sublinhado nosso).

Parece-nos evidente que o ora recorrente não tem razão.

Na verdade, o funcionário ora recorrido interpôs recurso do despacho “do qual foi notificado por carta datada de 30.4.96”, a qual, recordemos, é do seguinte teor: «Em resposta à v/carta de 26 de Janeiro do ano em curso, cumpre-me informar que a sua prestação de trabalho no dia 18 de Dezembro de 1995 foi considerada falta, de acordo com o disposto no artº. 17º. do Decreto-Lei nº. 497/88, de 30 de Dezembro (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº. 178/95, de 26 de Julho), uma vez que, em face do controle de assiduidade, se verificou que o funcionário, nessa data, não efectuou qualquer serviço entre as 08.35h e as 09.27h, entre as 15.26h e as 16.11h e entre as 16.13h e as 16.57h” (sublinhado nosso).

Em face de tais dizeres, constata-se que o conteúdo do despacho do Sr. Director do DAF, que considerou o dia 18.12.95 como faltas injustificadas não é o constante da carta acima transcrita, de 30.4.96, e do processo instrutor não consta qualquer despacho exarado pelo Sr. Director do DAF com o conteúdo do notificado ao recorrido.-

Ou seja: o conteúdo da carta do Sr. Presidente da Câmara não é uma informação do conteúdo do despacho do Director do DAF, possuindo a mesma um conteúdo próprio, que se concretiza na notificação de um despacho autónomo que, inequivocamente constitui a definição da situação jurídica do ora recorrido em resposta ao requerimento por ele apresentado.-

O facto de tal requerimento padecer de insuficiências formais, em termos de qualificação como recurso hierárquico explícito, não impede de verificar que o mesmo traduz uma pretensão dirigida ao Sr. Presidente da Câmara, visto que o mesmo considera ilegal a injustificação da falta referente ao dia 18.12.95, e pede que a questão seja repensada, a seu favor.-

Ora a carta de 30.4.96, sendo como disse a resposta ao requerimento do recorrente, traduz a posição definitiva da entidade competente acerca do assunto em causa, visto que o Presidente da Câmara, nos termos do artº. 53º. nº. 2 al. a) do Dec-Lei nº. 100/84, na redacção dada pela Lei 18/91 de 12.6, detém competência própria e exclusiva na Gestão do Pessoal.

Concluindo, pois, a aludida carta corporiza a notificação de um acto definitivo e executório, de conteúdo inequivocamente lesivo para efeitos do disposto no nº. 4 do artº. 268º. da C.R.P., obviamente recorrível.-

Improcede, pois, a questão prévia suscitada.
Vejamos, agora, a questão de fundo.

O recorrente alega que a sentença recorrida violou o nº. 1 do artº. 17º. do Decreto-Lei nº. 497/88, de 30 de Dezembro (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº. 178/95 de 26 de Julho), visto que, em face do controle de assiduidade dos leitores cobradores da autarquia, que é feito através dos registos informáticos das leituras efectuadas ao longo de um dia de trabalho, se constatou que no dia 18.12.95, o ora recorrido e funcionário António Lemos não efectuou qualquer serviço durante alguns hiatos temporais, constituído “falta” a respectiva prestação de trabalho.

Trata-se de uma interessante questão.

A sentença recorrida considerou não se verificar uma factualidade que permita à Administração aplicar o artº. 17º. nº. 1 do Dec-Lei nº. 497/88 de 30 de Dezembro, e para isso atentou na especial natureza do serviço prestado e no peso relativo das alegadas ausências.

Resulta dos autos que o ora recorrido A... é funcionário da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, com a categoria de leitor cobrador, e que no dia 18 de Dezembro de 1995 efectuou os registos constantes de fls. 6 e 7. De tais registos constam os “hiatos” temporais que serviram de base ao despacho recorrido para sustentar a verificação de uma falta injustificada naquele dia, a saber:

- das 08.35h às 09.27h;-
- das 15.26h às 16.11h;-
- das 16.13h às 16.57h.

A questão que, então, se coloca é a de saber se tais “hiatos” se podem considerar como faltas para o efeito do artº. 17º. do Dec-Lei nº. 497/88.-

Segundo esta norma, “considera-se falta a ausência do funcionário ou agente durante a totalidade ou parte do horário a que está obrigado, bem como a não comparência em local a que deva deslocar-se por motivo de serviço”.-

Ora, como se depreende dos autos, o controlo de assiduidade dos leitores-cobradores do quadro de pessoal da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim é feito através dos registos informáticos das leituras que efectuam ao longo do dia de trabalho, e foi em face de tal controlo que os serviços respectivos concluíram pela existência de uma falta injustificada no dia 18 de Dezembro de 1995.

Trata-se, no entanto, de uma forma de controlo deficiente, baseada nos ritmos de paragem (“hiatos”), ou seja, na ausência de registos durante um determinado período de tempo, que é mais propriamente, uma forma de controle de produtividade do que de assiduidade.

Como disse o recorrido nas suas alegações, tal forma de controlo viola até o princípio da igualdade, uma vez que nenhuma outra categoria de funcionários camarários possui um controle baseado no ritmo de trabalho e paragem, o que aliás seria infernal.

Por exemplo, e como disse o recorrido “a escriturária-dactilógrafa deveria ter um registo na máquina de escrever / computador, de forma a aferir “os tempos” em que parava de escrever ... e se parasse ... era-lhe marcada falta injustificada !

Para além de desumano, tal tipo de controlo conduziria decerto a um paradoxal decréscimo de produtividade.-

Como se escreveu no Acórdão do S.T.A. de 25.2.98, proferido em situação idêntica, “embora reconhecendo a dificuldade de controlo, quando o funcionário actua fota de um recinto longe da vigilância da respectiva hierarquia, não pode, sem mais, concluir-se pela falta ao trabalho, pelo facto de, num determinado período horário, o funcionário não apresentar registos de leituras. Há as deslocações, há os períodos aceitáveis de ausência, inerentes à natureza, há outro tipo de acções inerentes ao próprio trabalho, que não podem considerar-se faltas. De outra forma, seria exigível o registo, quase segundo a segundo, do trabalho prestado (cfr. Boletim do Ministério da Justiça, 474, 267, Ac. S.T.A. de 25.2.98, Proc. 42 714).

Em suma, o facto de o funcionário fazer no horário de trabalho, mais ou menos registos ou leituras é uma questão que releva da sua produtividade, e não da sua ausência ao trabalho.-

É, pois, de concluir que a fundamentação de facto do acto recorrido não permite sustentar a falta marcada ao recorrido no dia 18.12.95, sendo certo que tal fundamentação não se pode presumir no tocante ao tipo de pressupostos em causa, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura.-

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4. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 8.7.99

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Carlos Evêncio de Almada Araújo
Carlos Manuel Maia Rodrigues