Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05036/00
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:09/28/2006
Relator:Rogério Martins
Descritores:MILITAR
ACTO DE PROCESSAMENTO DE VENCIMENTO
SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO
Sumário:I - Não tem direito à bonificação a que alude o art.º 1º do Decreto-Lei n.º 345/73, de 7.7, conjugado com o n.º 3, do art.º 21º do Decreto-Lei n.º 49.107, de 7.7.1969, o militar que antes de completada uma nova comissão que iniciara por imposição de serviço, passou à situação de comissão por oferecimento.
II - Dada a autonomia de cada acto de processamento de vencimentos, não tem carácter revogatório de acto constitutivo de direitos, o despacho mediante o qual a Administração se limita a fazer cessar para o futuro o processamento de certo suplemento remuneratório que vinha sendo pago há vários anos ao interessado, sem qualquer decisão a reconhecer, para o futuro, o direito a tal abono.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes do Tribunal Central Administrativo:

José ...., Major-General na reserva, melhor id. fls. 2, interpôs o presente RECURSO CONTENCIOSO do despacho de 29.5.2000, do General Chefe do Estado Maior do Exército que lhe indeferiu parcialmente um requerimento relativo ao processamento do seu vencimento.

Invocou para tanto que o acto impugnado padece do vício de violação de lei, por desrespeito ao disposto no art.º 21º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 49.107, de 7.7, por se basear num despacho do Ministro da Defesa Nacional que é nulo face ao disposto no art.º 18º da L.O.S.T.A. e no art.º 141º do C.P.A., e, finalmente, por se basear no disposto no § 1º do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 42.937, norma que foi revogada por aquele Decreto-Lei n.º 49.107.

A Autoridade Recorrida respondeu, pugnando pela validade do acto impugnado.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, face a reiterada Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Foram colhidos os vistos legais.

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Cumpre decidir.
*

Tendo em conta a posição das partes e os documentos juntos aos autos e ao processo instrutor podemos dar por assentes os seguintes factos com relevo:

. O ora Recorrente, militar do Exército, cumpriu quatro comissões de serviço no ex-UItramar em Angola, de 21 de Abril de 1961 a 19 de Abril de 1963; em Angola, de 4 de Agosto de 1964 a 2 de Setembro de 1967; em Angola, de 3 de Março de 1969 a 28 de Agosto de 1973; em Macau, de 2 de Abril de 1976 a 8 de Agosto de 1980 (ver processo instrutor).

. As duas primeiras comissões foram efectuadas por imposição de serviço.

. A terceira comissão foi iniciada por imposição mas passou, na sequência de requerimento que apresentou em 9 de Julho de 1970 (invocando o artigo 10º das Normas Reguladoras da Aplicação do Decreto-Lei n.º 49.107, de 1 de Julho de 1969), a comissão por oferecimento (ver processo instrutor).

. Em requerimento de 24 de Junho de 1972, solicitou que, estando em "comissão por oferecimento desde 03MAR69, a qual termina em 02MAR73, que a mesma lhe seja prorrogada por mais um ano, nos termos do n.º 3 do art.º 4º das Normas para a Nomeação e Cumprimento de Comissões Militares no Ultramar, que regulam o Dec. -Lei n. ° 49.107, de 07JUL69" (ver processo instrutor).

. A quarta comissão, em Macau, foi iniciada por escolha, mas em 13 de Outubro de 1977 o ora Recorrente requereu a sua passagem a comissão por oferecimento, invocando o artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 345/77, de 20 de Agosto (ver processo instrutor)

. Em 15 de Novembro de 1977, o General AGE exarou nesse requerimento o seguinte despacho: "Deferido”.

. Desde 7 de Julho de 1969, data da publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 49.107, ao ora Recorrente passou a ser abonado um acréscimo de 10% sobre o seu vencimento base, que, com o início da 4ª comissão de serviço, passou a ser de 20%, acréscimo esse que se manteve até ao mês de Outubro de 1999.

. Ao efectuar o cálculo da respectiva pensão de reserva, a Repartição de Pessoal Fora da Efectividade, da Chefia de Abonos e Tesouraria, considerou que não assistia ao ora Recorrente o direito a qualquer acréscimo, pelo que procedeu ao respectivo abate e informou-o, pelo ofício n.º 11.441, de 2441-99, que "...a partir de 01NOV99: foi eliminado o abono concernente a 20% de percentagem por comissões no ex-Ultramar. Por esse facto, o valor ilíquido da pensão de reserva passou a ser processado no montante de Esc: 682.250$00” (ver processo instrutor).

. Inconformado com esta decisão, o ora Recorrente apresentou, com a data de 14 de Dezembro de 1999, o seguinte requerimento ao General Chefe do Estado-Maior do Exército (ver processo instrutor):
“ (...)
1. Pelo ofício n° 011441, de 24 Nov 99, da Chefia de Abonos e Tesouraria do Comando de Logística, recebido em 30 Nov 99, foi-me comunicado: " ... cumpre-me informar V. Exa. de que, a partir de 01 Nov 99, foi eliminado o abono concernente a 20% de percentagem por comissões no ex-Ultramar". Seguia-se a definição do valor ilíquido da pensão de reserva.
Como, cerca de 20 Ago 99, recebera carta pessoal do então Coronel Tirocinado de Administração Militar, A. M Mila Filipe, Chefe da Chefia de Abonos e Tesouraria, tenho conhecimento das interpretações dadas aos despachos de 28 Jul 71, do MDN e de 16 Mai75, do Gen Adj do CEMGFA, ambos interpretativos do n° 3 do art.° 21°, do Decreto-Lei 49107, de 07 Jul 69 e do Decreto-Lei n° 345/77 de 09 Ago, relativo à prestação de serviço nas Forças de Segurança de Macau, as quais interpretações conduziram à eliminação do referido abono.
2. As circunstâncias que fundamentaram, oportunamente, a atribuição daqueles abonos eram as seguintes:
a. Relativamente à 3a comissão, em Angola
(1) Foi iniciada em 03 Mar 69.
(2) Sendo o Dec-Lei n° 49106 de 07 Jul 69, e a sua marcha para Angola, em situação de rendição individual, crê que iniciada cerca de 22 ou 23 de Fevereiro de 1969;
• não auferiu inicialmente o abono de qualquer percentagem;
• não auferiu transporte para a sua família na ida para Angola;
• não beneficiou de subsídio de renda de casa nem do abono de 10% até publicação do Dec-Lei, como, aliás é lógico.
(3) A cerca de seis meses do termo normal da comissão, ou seja, em Set 70, prestando serviço no Centro de Instrução de Comandos, na função de Oficial de Operações e Informações, exercida quer no Centro, em Luanda, quer em Postos de Comando nas regiões do Norte, nomeadamente Zala, Quizalala e Santa-Cruz, e do Leste, consideradas as condições existentes e a idade dos filhos: 3, 2 e 2 anos, decidiu requerer a passagem à comissão por oferecimento.
(4) Tendo-lhe sido deferido o requerimento foi, como consequência, nomeado para prestar serviço no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola, em funções do âmbito da Logística.
Comunicou, então, ao Comandante do CIC (Ten-Coronel Jasmins de Freitas) a sua preferência por continuar nas funções que desempenhava no Centro de Instrução de Comandos, simultaneamente Unidade de Instrução e Unidade Operacional. Por diligências do seu Comandante, foi mantido no CIC.
Posteriormente, ainda no posto de Capitão, mas então nas funções de 2o Comandante Interino do CIC, comandou 2 Agrupamentos de Companhias de Comandos, com apoio de um Destacamento da FAP, de Forças de Quadrícula e de Forças Especiais (GE, Fiéis e Flechas/DGS), um no Norte, em Mai 72, o outro no Leste de Angola, em Ago/Set 72, o que significa que as condições em que a sua comissão de serviço se exercia não sofreram alteração, em nada se diferenciando da comissão por imposição que iniciara.
(5) O n° 3 do Art° 21° do Dec-Lei 49107, de 7 de Julho de 1969 diz, apenas: "O pessoal que nesta data já tenha efectuado pelo menos duas comissões, das quais uma por imposição de serviço ou por escolha, terá direito em cada nova comissão por imposição ou por escolha a mais 10 por cento do vencimento base que lhe competir.
(6) Dadas as condições de vida dos militares em geral, nomeadamente dos que viviam do seu vencimento, sem bens de raiz, nem outras habilitações ou circunstâncias que lhes permitissem auferir vencimentos extra ou outros tipos de apoios à família, em actividades extra-militares, como era o seu caso, é evidente que, se em Setembro de 1970 pudesse ter vislumbrado que a passagem à comissão por oferecimento viria a implicar, mais tarde, a perda do abono de 10% sobre o vencimento, não o teria feito, na medida em que isso se traduziria por uma desvantajosa perda de proventos para toda a vida.
(7) Estipula o Despacho do MDN, de 28 Jul71:
"Nos termos do DL 49107 o aumento de 10% sobre vencimentos só é devido aos militares em comissão por imposição ou por escolha, cessando quando passam à comissão por oferecimento. As importâncias que, individualmente, e por motivo daquele abono, tenham sido liquidadas a militares que passaram à comissão por oferecimento não serão repostas a titulo excepcional."
(8) O requerente, tendo transitado para comissão de oferecimento e continuado na Região Militar de Angola até 28 Ago 73, nunca sofreu a eliminação do abono de 10% que passara a ser-lhe abonado nos termos do n" 3 do Dec.-Lei 49107, nem nessa comissão, nem até Outubro de 1999. Entre 03 Mar 71 e 31 Out 99 decorreram, portanto, 28 anos e 8 meses.
(9) O acto administrativo constituído pelo Despacho do MDN, de 28 Jul 71, e que se pretende, ao fim de 28 anos e 8 meses, fazer incidir sobre o cálculo da sua pensão de Reserva, restringe, de facto, a aplicação de uma lei, o que é ilegal e inconstitucional.
Ao fazê-lo incidir sobre uma situação legalmente estabelecida cerca de 9 ou 10 meses antes da sua publicação, está-se, por outro lado, a atribuir-lhe efeitos retroactivos, o que é contrário aos princípios do Direito. (10) Há ainda a considerar que os efeitos do despacho referido e caracterizado em (9) criariam, ou criam, se aplicados e mantidos, uma nítida situação de desigualdade.
Senão vejamos:
- Um militar que, após 1 de Janeiro de 1961, tivesse realizado duas comissões, das quais uma única por escolha ou imposição, auferiria na 3a comissão por imposição ou escolha, iniciada após a publicação do Dec-Lei 49107 ou, no mínimo, concluída após a sua entrada em vigor, um abono de 10% sobre o vencimento base, abono que manteria desde que não transitasse para comissão por oferecimento.
Verificando-se que em 1969 a grande maioria dos militares dos QP do Exército se encontrava, no mínimo, no decurso ou prestes a iniciar a 3a comissão, é muito provável que alguns estivessem nas circunstâncias descritas, beneficiando, por outro lado, a partir da data do despacho, do conhecimento das novas condições que o mesmo estabelecia.
- Um militar que já tivesse duas comissões por imposição e transitasse, na 3a, e anteriormente à data do despacho, para oferecimento, parece, agora, incorrer o risco de deixar de perceber o abono.
A injustiça que criaria a aplicação do despacho em causa é, pois, flagrante. A referida aplicação violaria o princípio da igualdade, porque a indivíduos em identidade de circunstâncias atribuiria regalias ou condições diferentes, b. Relativamente à 4a Comissão, em Macau
(1) Não dispondo de elementos de consulta, no Funchal, onde me encontro, não se torna possível fazer referência concreta à data da nomeação. Mas ela efectuou-se nos termos do Decreto-Lei 49107, por escolha, tendo sido o seu início, salvo erro, em 10 Abr 76. Auferindo, à data de nomeação, a percentagem de 10% sobre o vencimento do posto, por esta 4a comissão passou a ser-lhe abonada a percentagem de 20%.
(2) Em Setembro ou Outubro de 1977, tendo por base o estabelecido no art° 5o do Decreto-Lei n° 345/77, de 20 de Agosto, que passou a regular a prestação de serviço por militares nas Forças de Segurança de Macau (caso presente) e noutros organismos, o qual artigo estipula:
"Qualquer militar em comissão normal nomeado por escolha ou imposição de serviço poderá requerer a passagem dessa comissão à comissão por oferecimento, sujeitando-se, naturalmente, ao período de duração desta última, sem a perda de quaisquer benefícios concedidos àquelas comissões"; consideradas as condições de vida de que podia dispor, a idade e situação escolar dos filhos, e os benefícios que eram concedidos, decidiu passar à comissão por oferecimento.
(3) Os termos do art° 5o são tão claros que conduzem a que considere totalmente deslocada e discricionária a interpretação que lhe terá sido dada no sentido de eliminar, a partir de 31 de Outubro de 1999, o abono dos 10% que vinha auferindo por esta comissão de serviço.
(4) Considerando que a situação de nomeação para comissão por escolha terá cessado em 09 Abr 78, data em que transitou para comissão por oferecimento, verifica-se que percebeu durante 21 anos e 7 meses os referidos 10% abonados pela sua nomeação para a 4a comissão de serviço, decorrida no Território de Macau.
3. De todo o exposto, parece de relevar e apresentar à alta consideração de V. Ex3 o seguinte:
a. O Despacho de 28 Jul 71, do MDN é:
(1) Ilegal e inconstitucional por ter como objectivo alterar o teor de um Decreto-Lei.
(2) Procura condicionar o conteúdo do Decreto-Lei a que respeita, criando limitações aos efeitos remuneratórios decorrentes, omissas no DL 49107, parecendo legitimo intuir que o legislador terá privilegiado a prevalência dos direitos adquiridos na altura de uma qualquer eventual passagem a comissão de outra natureza, sobre quaisquer outros critérios.
(3) Cria situações de flagrante injustiça para os casos descritos em 2. a. (10), que muito provavelmente ocorrerão se houver uma linear interpretação do despacho em causa.
As citadas ilegalidade e inconstitucionalidade que o despacho enforma, acresceria a violação do princípio da igualdade. A sua aplicação, no seu caso específico, acrescerá a atribuição de um carácter de retroactividade, como referido em 2. a. (9), a qual viola os princípios do Direito.
(4) Outro aspecto a considerar, para além dos argumentos expostos em (1), (2) e (3) é o facto de o abono se verificar há 28 anos e 8 meses, o que configura um acto constitutivo de direitos, pois que criou, estabilizou e/ou declarou uma situação jurídica activa. Mesmo que erro tivesse havido, o que se considera improvável por tudo o que foi aduzido, ainda assim estaria sanado à base da lei, tal como se infere dos artigos 135° e 141° do Código do Procedimento Administrativo que, por remissão para o art° 28° do DL 267/85, de 16 de Julho, atribui aos actos administrativos, inválidos e anuláveis, a sua consolidação no prazo de um ano, atendendo ao disposto na alínea c) do art° 28°, n° 1, acima referido.
Mesmo que se admitisse que a contagem do prazo de um ano se efectuaria a partir da entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo, 01 Jan 92, solução juridicamente aberrante e a mais desfavorável para o requerente, ainda assim o acto seria, em qualquer circunstância, intocável a partir de 01 Jan 93.
b. O art° 5o do Dec-Lei 345/77, de 20 de Agosto é suficientemente claro e explícito.
Foi com base no seu teor que o requerente decidiu passar à situação de comissão por oferecimento e que os 10% mais sobre o vencimento-base que passara a auferir, ao ser inicialmente nomeado, por escolha, nos termos do Dec-Lei 49107, de 07 de Julho de 1969, foram, na altura e até à data, mantidos.
O referido abono foi, portanto, processado durante um período de 21 anos e 7 meses o que torna pertinente que, sobre o mesmo, igualmente enuncie as considerações apresentadas em 3. a. (4).
c. É evidente que ao decidir deixar o serviço efectivo a partir de 03 Jul 98, o requerente entrou em conta com o vencimento que auferia, incluído o abono de 20% que há muito o integrava. A sua eliminação iria alterar, além de tudo, à posteriori, com significativa redução, a pensão que contava receber ao fim de 40 anos e 9 meses de serviço efectivo.
4. Nestes termos e tendo em consideração tudo o que fica exposto, vem o signatário, com respeito e confiante no alto critério de V. Ex", requerer no sentido de que lhe seja reposto o suplemento de 20% a que se julga com direito, desde Novembro de 1999, mês em que o mesmo foi retirado pela Chefia de Abonos e Tesouraria do Exército.
(...) ”


. Em 27.1.2000, o Chefe de Abonos e Tesouraria emitiu o parecer de que " deve ser indeferido o presente requerimento, por contrariar o disposto pelo n.º 3 do artigo 21. ° do Decreto-Lei n. ° 49.107, de 7 de Julho, tendo por base o elenco de comissões fornecido pela DAMP." (ver processo instrutor).

. Com a data de 14.4.2000, o Assessor Jurídico do Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército emitiu o parecer n.º 9/2000, do qual se extrai o seguinte:
“ (...)
Com a publicação do Decreto-Lei n.° 49.107, de 7 de Julho de 1969, que reorganizou a estrutura das Forças Armadas nas então províncias ultramarinas, e nos termos do n.° 3 do seu artigo 21°, "o pessoal que nesta data já tenha efectuado pelo menos duas comissões, das quais uma por imposição de serviço ou por escolha, terá direito em cada nova comissão por imposição ou por escolha a mais 10 por cento do vencimento base que lhe competir".
A interpretação e aplicação desta norma não oferecem, a meu ver, dificuldades de maior, desdobrando-se em três elementos ou requisitos cumulativos :
- aplica-se ao pessoal que na data da publicação desse diploma legal - 7 de Julho de 1969 - tivesse já efectuado pelo menos duas comissões de serviço (desde que satisfeito esse mínimo era irrelevante que tivessem sido mais comissões)1;
- pelo menos uma dessas comissões deveria ter sido por imposição de serviço ou por escolha;
- o interessado teria de efectuar, após aquela data, uma nova comissão por imposição ou por escolha - só podendo ser considerada a que estivesse em curso e/ou terminasse após a data referida, como se esclareceu no n.° 7 do despacho de 19 de Agosto de 1969 do Ministro da Defesa Nacional, no despacho de 2 de Fevereiro de 1970 da mesma entidade e na Circular n.° 71/73 da ex-RA/DAS 2
Verificados que fossem estes três requisitos, a lei atribuía ao militar o direito à bonificação de 10 por cento sobre o seu vencimento base por cada nova comissão que viesse a efectuar a partir da data da publicação daquele diploma.
Sendo este o regime legal aplicável, vejamos então o que se passou na situação vertente.
Como se viu já, o requerente terminou a sua segunda comissão por imposição em 2 de Setembro de 1967, ficando em condições, pois, para, a partir de 7 de Julho de 1969 vir a beneficiar do abono de 10% por cada nova comissão por imposição ou por escolha que viesse a efectuar.
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1 Nos termos do Decreto-Lei n.° 616/70, de 12 de Dezembro, para efeitos do abono de 10% sobre o vencimento consideram-se apenas as comissões que tenham tido completa realização depois de I de Janeiro de 1961.
2 Embora no Despacho de 17 de Setembro de 1969 do Ministro da Defesa Nacional se tivesse entendido que o abono era devido apenas as comissões iniciadas em 7 de Julho de 1969.
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A dúvida põe-se, todavia, em relação à 3ª comissão por imposição, que se iniciou em 3 de Março de 1969 e terminou em 28 de Agosto de 1973, mas que, a pedido expresso do requerente, passou a comissão voluntária.
Com base nela os serviços contaram e passaram a liquidar o abono de mais 10% do vencimento-base ao requerente, desde 7 de Julho de 1969 até Outubro de 1999, altura em que lhe foi retirado, com fundamento, designadamente, no despacho do Ministro da Defesa Nacional de 28 de Julho de 1971, que, interpretando o Decreto-Lei n.° 49.107, fazia cessar aquele aumento quando a comissão por imposição passasse a comissão por oferecimento.
Dispunha-se nesse despacho:
“Nos termos do Decreto-Lei n.° 49.107, o aumento de 10% sobre vencimentos só é devido aos militares em comissão por imposição ou por escolha, cessando quando passam à comissão por oferecimento. As importâncias que, indevidamente, e por motivo daquele abono, tenham sido liquidadas a militares que passaram à comissão por oferecimento, não serão repostas a título excepcional ".
Assim, os militares que se encontrassem no cumprimento de uma comissão por imposição ou escolha e fossem autorizados a passar a comissão por oferecimento, perdiam na data do respectivo despacho o direito à percentagem de aumento a que o início da comissão, enquanto por imposição ou escolha, havia dado lugar, mantendo apenas a percentagem de aumento eventualmente adquirida em comissões anteriores.
Sustenta o recorrente que o referido despacho é ilegal e inconstitucional, por ter como objectivo alterar ou condicionar o teor de um decreto-lei, e que contraria os princípios de Direito ao atribuir efeitos retroactivos à lei.
Mas não tem razão.
É verdade que tal acto não poderia regulamentar o disposto no Decreto n.° 49.107, e, muito menos, derrogar qualquer das suas disposições.
O certo, porém, é que o mesmo, consubstanciando tão só uma mera orientação dirigida aos serviços pertencentes àquele ministério, se limitou a perfilhar a disciplina consagrada no artigo 17.° do Decreto n.° 42.937, de 22 de Abril de 1960, (40 ainda vigente naquela data, e no qual se dispunha:
“Os oficiais nomeados por imposição, escolha ou designação podem passar à comissão por oferecimento, em qualquer altura da sua comissão, quando lhes seja concedido pelo Ministro do Exército. § 1." Aos oficiais nestas condições é para todos os efeitos a nomeação contada como de oferecimento.
§ 2..."
Esta norma não foi, na verdade, revogada, ou sequer alterada, pelo Decreto n.° 49.107, como o Supremo Tribunal Administrativo teve já oportunidade de evidenciar nos acórdãos de 20.10.92, in rec. 30.581, 24.9.91, no rec. 29.348, de 28.11.91, no rec. 29.646, e de 24-6-93, no recurso n.° 31.563. Deliberou-se, neste último:
"... o Dec.42.937 não foi revogado pelo DL 49107 visto este não incluir qualquer disposição a revogá-lo expressamente, além de que o primeiro veio actualizar as disposições que regulam as comissões de serviço no ultramar e o 2° trata da reorganização das estruturas de comando das forças armadas, ditada pela experiência adquirida em 8 anos de operações militares no ultramar. Trata-se por isso de diplomas legais com um âmbito de aplicação distinto. Deste modo, a situação dos oficiais nomeados por imposição, como o REC, e que passam ao
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3 O Decreto n.° 49.107, de 7 de Julho de 1969, apenas remeteu para despacho do Ministro da Defesa Nacional a fixação dos cargos em que podia ser aplicada a nomeação por escolha (cf. art.° 20.°, n.° 4).
4 Actualizou as disposições que regulavam as comissões de serviço dos militares no Ultramar.
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regime de comissão por oferecimento, encontra-se expressamente regulado no art.º 17º do Dec. 42.937, e em nada se mostra prejudicado pelo n.º 3 do art.º 21° do DL 49107."
Terá de se concluir, pois, que em 9 de Julho de 1970, quando a 3ª comissão de serviço do requerente passou à modalidade de oferecimento, este perdeu o direito à bonificação de 10% que lhe vinha sendo abonada desde 7 de Julho de 1969, uma vez que por força do citado artigo 17º todo o período desde o seu desembarque em Angola, passou a ser considerado como comissão por oferecimento, a qual, nos termos do n.º 3 do artigo 21º do DL 49.107, não dava direito àquela bonificação.
Aliás, foi o próprio requerente que, no requerimento que apresentou em 24 de Junho de 1972 para prorrogação da comissão, reconheceu ter esta a natureza de oferecimento desde 3 de Março de 1969, data do seu início.
Não tinha o requerente direito, pois, pela 3ª comissão de serviço que prestou, à bonificação de 10%, e, tendo-lhe esta sido abonada enquanto esteve na situação de activo, colheu benefício de um erro dos serviços processadores dos seus vencimentos.
IV
Vejamos, agora, a bonificação atinente à 4.a comissão de serviço.
Como se viu já, esta comissão foi iniciada por escolha e, com base nela, os serviços contaram e começaram a liquidar o abono de mais 10% do vencimento base do requerente, tendo tal abono sido mantido até à sua passagem à situação de reserva.
Em requerimento de 13 de Outubro de 1977, este solicitou a sua passagem a comissão por oferecimento, ao abrigo do disposto no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 345/77, de 20 de Agosto (d. Nota n. ° 9944, de 27.9.99, da RPMP/DAMP, e Nota n.° 28737, de 1811.77, da Rep. O/. /DSP)., tendo o General AGE, por despacho de 15 de Novembro de 1977, deferido essa pretensão.
O Decreto-Lei n.º 345/77 veio regular os termos em que os militares deveriam ser nomeados, em comissão normal, para preenchimento dos quadros orgânicos das Forças de Segurança do território de Macau, e definir a sua situação quanto ao quadro a que pertenciam, bem como o prazo de duração das respectivas comissões e suporte dos respectivos encargos.
Dispunha o invocado artigo 5º:
"Qualquer militar em comissão normal nomeado por escolha ou imposição de serviço poderá requerer a passagem dessa comissão à comissão por oferecimento, sujeitando-se, naturalmente, ao período de duração desta última, sem a perda de quaisquer benefícios concedidos àquelas comissões."
E, por força do seu artigo 14º , as disposições do Decreto-Lei n.° 49.107, de 7 de Julho de 1969, deixaram de ser aplicáveis às comissões normais de serviço cumpridas naquele território.
Ora, tendo o recorrente adquirido o direito à bonificação de 10% com o início da comissão e dada a salvaguarda expressa na parte final do sobredito artigo 5º, dúvidas não restam de que, com a passagem da comissão a oferecimento, no uso da faculdade conferida pelo mesmo normativo, aquele direito manteve-se.
V
Importa, por fim, dar resposta à questão de saber se, detectada que foi a ilegalidade do abono relativo à 3ª comissão de serviço em Angola, quando da fixação da pensão de reserva, e tendo o erro perdurado durante mais de 28 anos, poderia esse abono ter cessado, ou, dito de outro modo, se esse erro conferiu ao requerente direitos adquiridos, como o mesmo expressamente invoca.
Desde já se refira que tem sido meu entendimento - expresso, designadamente, no parecer n.° 28/98 - que uma tal situação é constitutiva de direitos, pelo que a sua alteração não seria possível passados tantos anos, dado o disposto no 141.° do Código do Procedimento Administrativo, que apenas permite a revogação de actos constitutivos de direitos dentro do prazo fixado por lei para o recurso contencioso.
Tal entendimento assentava no pressuposto de que o processamento do abono em causa era o resultado de um acto prévio definidor da situação do interessado neste particular aspecto do seu estatuto remuneratório, pelo que, sobrevindo um acto posterior que defina a situação em sentido contrário, no quadro do mesmo condicionalismo de facto e de direito, o mesmo se configura como revogatório, ainda que limitando os seus efeitos para o futuro.
Neste sentido foram, aliás, proferidas algumas decisões judiciais, podendo citar-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Novembro de 1991, no rec. n.° 20.904, e a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa no recurso n.° 1545/93 6.
5 Considerou-se neste aresto que a atribuição da bonificação percentual prevista no art.° 21.°, n.° 3, do Dec.Lei n.° 49.107 ao Cor. Alberto Mourão da Costa Ferreira, entre 1969 e 1983, traduziu um acto constitutivo de direitos, em conformidade com o artigo 18.° da L.O.S.T.A. (então em vigor).
6 Recurso interposto pelo Coronel José Maria de Melo Parente do despacho de 27 de Fevereiro de 1992 do General Director do Departamento de Finanças que lhe indeferiu o requerimento em que solicitava que fosse mantida a bonificação em apreço.
Contudo, tal entendimento jurisprudencial não foi pacífico, e outras decisões perfilharam entendimento contrário acerca da mesma matéria. Citem-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Março de 1991, no recurso n.° 27.043; de 30 de Abril de 1991, no recurso n.° 29.143; e de 26 de Março de 1992, no recurso n.°29.327.
Todos os referenciados arestos reconheceram em cada um dos actos de processamento de vencimentos - e outros abonos - verdadeiros actos administrativos, que se vão sucessivamente firmando na ordem jurídica se não forem objecto de oportuna impugnação ou revogação. É também pacífico para todos eles que esses actos são constitutivos de direitos para os seus destinatários, só podendo ser revogados no prazo estabelecido pelo artigo 18.°, n.° 2, da LOSTA (e, hoje, pelo artigo 141.° do Cód. Procedimento Administrativo).
A divergência de soluções reside, porém, na determinação do âmbito ou extensão da definição operada pelos actos de processamento anteriores: enquanto para os primeiros, como se disse já, o processamento do abono resultou de um acto prévio que definiu a situação jurídica do interessado para o futuro, para os segundos, cada acto de processamento de vencimentos define - mas define apenas - a situação do interessado relativamente ao período temporal a que respeita. Para estes, pois, o prolongado pagamento do acréscimo percentual em causa é o resultado de cada um daqueles actos de processamento, embora com repetição continuada num largo período, pelo que a sua percepção só em cada acto encontra suporte.
Face à existência de oposição de julgados, e na sequência de um recurso interposto pelo Coronel José Maria de Melo Parente, veio a ser proferido o acórdão de 27 de Maio de 1999 do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, que firmou o seguinte entendimento :
"... cada acto de processamento respeita a um período determinado. Define a situação jurídica do funcionário ou agente relativamente a cada uma das espécies de abonos nele considerados e ao período - por via de regra, a periodicidade é mensal -por ele abrangido. Não pode retirar-se de um desses actos qualquer inferência de regulação, negativa ou positiva, seja para abonos de outra espécie, seja para o mesmo abono relativamente a outros períodos.
E, por outro lado, a sucessão repetida e prolongada no tempo de actos de processamento de um certo suplemento remuneratório não se converte, sem mais; num acto administrativo para efeitos de obter a tutela pelo regime de revogação dos actos constitutivos de direitos."
Pelo que, considerando não ter havido revogação de qualquer acto administrativo anterior que tivesse definido para o futuro a situação jurídica do recorrente, firmou o entendimento de que o acto administrativo que faz cessar para o futuro o abono do acréscimo percentual previsto no artigo 21.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 49.107, não constitui acto revogatório de um qualquer acto constitutivo de direitos.
Assim, e embora o referido aresto apenas produza efeitos no caso concreto de que conheceu, julgo que o entendimento nele consagrado, dada a instância judicial de onde provém e porque proferido em sede de oposição de julgados, deverá ser seguida pela Administração, designadamente no caso presente.
VI
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
a) Estando o Major-General JOSÉ .... a cumprir a 3ª comissão de serviço por imposição à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 49.107, de 7 de Julho de 1969, era-lhe devido, desde essa data, o abono de 10% sobre o seu vencimento base previsto no n.° 3 do artigo 21.° desse diploma legal;
b) Como a referida comissão passou posteriormente, a seu pedido, à modalidade de oferecimento, todo o período da mesma passou a ter essa natureza, por força do disposto no § 1.° do artigo 17.° do Decreto n.° 42.937, de 22 de Abril de 1960, cessando, em consequência, o direito à sobredita bonificação;
c) Tendo, apesar disso, o referido abono continuado a ser processado até ao mês de Outubro de 1999, o acto que então o fez cessar, apenas para o futuro, não padece de ilegalidade, por não constituir um acto revogatório de um qualquer acto constitutivo de direitos, como foi entendimento perfilhado pelo Pleno da 1." Secção do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 27 de Maio de 1999;
d) Com o início da 4ª comissão de serviço, cuja nomeação foi por escolha, o requerente adquiriu o direito à bonificação de 10% sobre o seu vencimento base, direito esse que se manteve quando da passagem da comissão a oferecimento, por estar expressamente salvaguardado na parte final do artigo 5ª do Decreto-Lei n.° 345/77, de 20 de Agosto;
Com estes fundamentos, propõe-se que o requerimento apresentado pelo Major - General JOSÉ .... seja parcialmente deferido, devendo ser-lhe abonado o acréscimo de 10% sobre a remuneração base, respeitante à quarta comissão de serviço, desde a data em que tal abono lhe foi retirado.
(...) ‘

. Em 29.5.2000 o Chefe de Estado-Maior do Exército exarou sobre este parecer despacho ora impugnado (documento 1 da petição de recurso):
“Concordo”.
*

Enquadramento jurídico:

São as seguintes as conclusões apresentadas pelo Recorrente nas suas alegações e que definem o objecto do recurso:

O Despacho do CEME ao manter a retirada do abono de 10% sobre o vencimento do Recorrente é ilegal:
- por violar a norma do artigo 21° n.° 3 do Decreto-lei n.° 49.107 de 7 de Julho de 1969;
- por se basear no Despacho do Ministro da Defesa Nacional de 28 de Julho de 1971, despacho esse que é nulo e ilegal face ao disposto no artigo 18° da LOSTA e ao artigo 141° do CPA;
- por se basear no disposto no § 1° artigo 17° do Decreto 42.937, norma essa que foi revogada por aquele Decreto-lei n.° 49.107, pelo menos no sentido que acima se referiu.

Antes de mais cabe referir que o Recorrente foi o primeiro – tanto quanto resulta do processo instrutor – a mencionar expressamente, no seu requerimento de 14 de Dezembro de 1999, o Despacho do Ministro da Defesa Nacional de 28.7.1971 que lhe terá sido referido em carta pessoal do então Coronel Tirocinado de Administração Militar, A. M. Mila Filipe, Chefe da Chefia de Abonos e Tesouraria (ver recurso hierárquico no processo instrutor, pag 3). E mencionou o despacho transcrevendo-o integralmente o que significa que teve dele pleno conhecimento, por escrito.

De todo o modo, mostra-se absolutamente inócuo para o desenlace do presente pleito, o teor deste despacho da bem como o facto de a Autoridade Recorrida o não ter conseguido documentar, a não ser por via indirecta.

Isto porque o despacho se limita a declarar, desde já se adianta, o que resulta da lei, tal como defendido no parecer que serviu de fundamento ao acto ora impugnado.

O art.º 3º do Decreto-Lei n.º 42.937, de 22.4.1960, que visou actualizar as disposições reguladoras das comissões de serviço dos militares no então Ultramar, faz a seguinte distinção essencial entre comissões: a) por escolha ou designação, b) por oferecimento e c) por imposição de serviço.

Esta distinção manteve-se, no essencial, no art.º 20º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49.107, de 7.7.1969, substituindo-se apenas a expressão “por escolha ou designação” pela expressão “por escolha”.

No que diz respeito à situação dos militares que, no decurso de uma comissão por escolha ou por imposição, passaram, a requerimento, a comissão por oferecimento – como foi o caso do ora Recorrente -, dispõe o art.º 17º, § 1º, do Decreto-Lei n.º 42.937, o seguinte:
“Aos oficiais nestas condições é para todos os efeitos a nomeação contada como de oferecimento.”

Defende o Recorrente que este último preceito se encontra revogado pelo Decreto-Lei n.º 49.107.

Mas sem razão, como, aliás, se sustentou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.6.1993, recurso n.º 31.563, citado no parecer em que se apoiou o acto impugnado.

A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior” – art.º 7º, n.º 2, do Código Civil.

Ora no caso não foi feita declaração expressa no sentido de revogar o citado preceito do Decreto-Lei n.º 42.937. Também não existe qualquer incompatibilidade lógica ou prática entre o preceito em causa e qualquer norma do Decreto-Lei n.º 49.107. Finalmente a matéria regulada pelo diploma mais recente é distinta da matéria regulada no mais antigo: este visou, como se disse, actualizar as disposições reguladoras das comissões de serviço dos militares no então Ultramar; aquele trata da reorganização das estruturas do comando das Forças Armadas, ditada pela experiência adquirida em oito anos de operações militares no ultramar (ver respectivos preâmbulos).

Ao entender que a terceira comissão cumprida em Angola, de 3 de Março de 1969 a 28 de Agosto de 1973, se deve considerar como comissão por oferecimento, dado o requerimento apresentado pelo ora Recorrente em 24.6.1972, a Autoridade Recorrida, limitou-se a aplicar o disposto no § 1º do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 42.937. E aplicou bem, uma vez que este preceito não foi revogado.

No caso concreto, aliás, ao mesmo resultado se chegava, como chegou, pela simples aplicação do Decreto-Lei n.º 49.107.

Dispõe o art.º 21º, n.º 3, deste diploma:
“O pessoal que nesta data tenha já efectuado pelo menos duas comissões, das quais uma por imposição de serviço ou por escolha, terá direito em cada nova comissão por imposição ou por escolha a mais 10 por cento do vencimento base que lhe competir”.

O legislador afastou, claramente, este acréscimo em relação aos militares que se encontrassem em comissão por oferecimento.

O que significa que só no decurso da comissão por imposição ou por escolha o militar tinha direito ao referido acréscimo de 10% por cada nova comissão.

Por outro lado, as comissões por escolha ou imposição, têm, normalmente, a duração de dois anos. As comissões por oferecimento têm a duração de 4 anos prorrogáveis até 6 – art.º 20º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 49.107.

E dispõe o art.º 1º do Decreto-Lei n.º 345/73, de 7.7, que:
“Os aumentos do vencimento base a que têm direito os militares dos quadros permanentes, nos termos do n.º 3 do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 49 107, de 7 de Julho de 1969, quando em comissão militar no ultramar, serão mantidos, depois de completadas as respectivas comissões, como parte integrante dos seus vencimentos, para todos os efeitos e em todas as situações, inclusivamente para o cálculo das pensões de reserva e reforma respectivas”.

Resulta daqui que o prolongamento do benefício em causa, após o cumprimento do serviço em comissão só surge se esta tiver sido completada, ou seja, se tiverem sido cumpridos os dois anos de duração de uma comissão por imposição ou por escolha.

O que faz sentido, caso contrário seria fácil contornar a lei e obter um benefício que o legislador claramente apenas quis conceder no caso de comissão por imposição: bastava cumprir um mínimo de tempo em comissão por imposição e depois requerer a mudança para comissão por oferecimento para assim manter o benefício que tinha sido concedido em virtude da imposição feita ao militar.

E não se diga que o quadro da situação militar se alterou justificando que, no domínio do Decreto-Lei n.º 49 107, se concedesse o mesmo benefício no caso de se alterar a comissão por imposição para uma comissão por oferecimento.

Na verdade ao restringir tal benefício apenas no caso de comissão por escolha ou imposição o legislador deixou claro que quis compensar não o risco acrescido (os militares em comissão por oferecimento também estavam sujeitos ao mesmo risco) mas a instabilidade imposta pelas necessidades de serviço.

Objectivo este que acabou por deixar expressamente consignado, entre outros, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 345/73, de 7.7.

Ora precisamente a comissão por oferecimento tinha a vantagem de garantir alguma estabilidade (entre 4 a 6 anos) no mesmo local. Vantagem essa que o Recorrente reconhece ao referir na petição do presente recurso (art.º 30º), tal como fizera no recurso hierárquico, “a dificuldade que resulta para um pessoa com família constituída estar a ser colocada profissionalmente em locais muito distanciados de dois em dois anos.”

Só este interesse pessoal permite compreender, aliás, que o militar, no decurso de uma comissão por imposição ou escolha, requeira a mudança para comissão por oferecimento.

É, portanto, justo, face a esta conveniência pessoal do militar, que não comungue do benefício atribuído aos militares que cumpriram, na íntegra, uma comissão por imposição ou por escolha.

O Despacho do Ministro da Defesa Nacional de 28 de Julho de 1971, longe de inovar ou contrariar qualquer norma legal, limitou-se, portanto, a declarar o que resulta da melhor interpretação da lei:
“Nos termos do Decreto-Lei n.º 49.107, o aumento de 10% sobre vencimentos só é devido aos militares em comissão por imposição ou por escolha, cessando quando passam à comissão por oferecimento.”

Veja-se, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.10.1992, no recurso n.º 30.581.

Em suma, mesmo tal acto tivesse sido comprovado nos autos, em nada se alteraria a solução a dar ao caso, desfavorável ao Recorrente, face aos termos da lei, em concreto, face à disciplina resultante dos Decretos-Lei n.º 42.937 e 49.107.

Também não se vislumbra sequer a possibilidade de este despacho ter produzido qualquer revogação de actos constitutivos de direitos, contra o que dispõe o art.º 18º da L.O.S.T.A e o art.º 141º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Para ter o efeito revogatório pretendido pelo Recorrente, era necessário que este despacho tivesse por objecto um anterior acto concreto. Ora o despacho em causa é um acto normativo e, portanto, com uma previsão geral e abstracta. Sempre necessitaria, para se repercutir num caso concreto, de um acto administrativo que, a coberto da sua previsão, se projectasse na esfera jurídica de um destinatário concreto, como sucedeu com o acto ora recorrido.

Mas, e passamos agora à questão final, nem sequer o acto recorrido, dirigido à situação individual e concreta do ora Recorrente, teve efeitos revogatórios de um qualquer acto constitutivo de direitos.

Os sucessivos actos de processamento de vencimento apenas definem a situação concreta do funcionário ou agente relativamente à espécie de abonos considerada e ao período temporal a que respeita (ver neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.5.1999, recurso n.º 33.969).

Na verdade nada permite concluir que em cada acto de processamento (geralmente mensal) está sequer implícita a vontade e a correspondente declaração da Administração no sentido de definir de igual modo para todos os subsequentes actos de processamento a situação jurídica do visado.

Só na hipótese de uma determinada questão que se prenda não com um único processamento de vencimento mas com todos os futuros processamentos ter sido suscitada e decidida em sentido favorável ao destinatário se pode falar em acto constitutivo de direitos, com o sentido e alcance que o ora Recorrente pretende.

No caso concreto o acto ora impugnado é constitutivo de direitos no que diz respeito ao reconhecimento do direito do Recorrente a receber o acréscimo de 10% no seu vencimento em virtude da 4ª comissão que cumpriu no território de Macau, por força do disposto no art.º 345/77, de 20.8.

Mas nenhum outro acto anterior se pronunciou, com este sentido e alcance, relativamente à outra questão, a de saber se o Recorrente teria direito a receber mais 10% em virtude da 3ª comissão, cumprida em Angola.

Diga-se, para finalizar, que o Decreto-Lei n.º 345/77, de 20.8, se aplica em exclusivo ao serviço prestado por militares, em comissão normal, para preenchimento dos quadros orgânicos das Forças de Segurança do Território de Macau (ver respectivo preâmbulo).

E não se justifica a sua aplicação analógica ou interpretação extensiva relativamente às comissões de serviço prestado por militares no antigo Ultramar, em particular em Angola.

Com efeito, para estas comissões, regulando o direito a manter o acréscimo em causa após o termo da comissão, existe um diploma específico, o citado Decreto-Lei n.º 345/73, de 7.7, onde, ao contrário do que sucede no Decreto-Lei n.º 345/77, de 20.8 (art.º 5º), não se equipara, para efeitos de atribuição do abono em causa, a comissão por oferecimento à comissão por imposição ou escolha.

Face ao que ficou dito, improcede totalmente o recurso.

*
Pelo exposto acordam os Juízes deste Tribunal em julgar o presente recurso improcedente, mantendo o acto recorrido.
Pagará o Recorrente as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 150 € (cento e cinquenta euros) e a procuradoria em ¼.
*
Lisboa, 28.9.2006
(Rogério Martins)
(Coelho da Cunha)
(Cristina Santos)