Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 208/18.2BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 11/12/2020 |
Relator: | DORA LUCAS NETO |
Descritores: | CADUCIDADE DIREITO DE AÇÃO; INTEMPESTIVIDADE PRÁTICA DE ATO - ART. 89.°, N.° 1, ALÍNEA K), CPTA; AÇÃO DE CONDENAÇÃO – PRAZOS - ART. 69.º CPTA. |
Sumário: | i) Verificando-se que os atos de indeferimento que poderiam justificar a presente ação – os atos primários – são, quando muito, anuláveis, atendendo i) aos concretos vícios invocados nos autos, ii) à natureza do procedimento em que foram praticados e iii) ao seu manifesto não enquadramento no disposto no art. 161.º do CPA. ii) E que, os atos efetivamente impugnados – os atos secundários – não são impugnáveis, em virtude da sua natureza meramente confirmativa. iii) Imperioso se torna concluir pela aplicação do disposto no art. 69.º, n.º 2, do CPTA, de onde decorre a manifesta intempestividade da presente ação, na medida em que o A., ora RECORRENTE, deu entrada com a ação em juízo, quando já tinha decorrido o prazo de três meses contados desde a notificação dos atos primários, devidamente descontado o período de suspensão do mesmo, por força da interposição de recurso hierárquico facultativo, nos termos do art. 59.º, n.º 4, do CPTA. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório J......., veio intentar ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, peticionando a sua condenação à prática dos atos de deferimento dos pedidos de manifesto referentes a quatro armas de fogo da sua coleção pessoal.
Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 28.05.2019, foram julgadas procedentes – cfr. fls. 378 e ss., ref. SITAF: i) a exceção de inimpugnabilidade dos quatro despachos do Diretor Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 26.10.2017, que indeferiram o recurso hierárquico interposto pelo Autor dos despachos do Diretor do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de indeferimento dos pedidos de manifestos de quatro armas de fogo; e ii) a exceção de intempestividade da prática do ato processual.
O A. J......., ora RECORRENTE, não se conformando com a decisão proferida, interpôs o presente recurso jurisdicional, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões – cfr. fls. 429 e ss., ref. SITAF: «(…) I. O ora Recorrente não se conforma com a douta decisão a quo pugnando pela impugnabilidade da acção e, subsequentemente, pela nulidade dos actos praticados pelo Réu. II. O acto subjudice nunca poderá ser qualificado como meramente “confirmativo do (...)” acto então reclamado, sob pena de violação do princípio do acesso ao direito e da garantia de impugnação de actos administrativos/tributários lesivos (v. Arts. 20.°, 212.° e 26874 da CRP), tanto mais que a lei ordinária prevê expressamente a respectiva impugnação judicial. III. Acresce que, o acto sub judice - indeferimento de impugnação de acto administrativo - integra acto consequente do acto reclamado, pois a sua “prática e conteúdo depende da existência (do) acto anterior (...) que lhe serviu de causa, base ou pressuposto”. IV. Dado que o despacho do Director Nacional Adjunto, de 26/10/2017, constitui um acto consequente, é manifesto que não pode deixar de ser declarado nulo ou anulado, nos termos previstos no art. 161/2/d) do CPA. V. A douta sentença, ao julgar improcedente a acção intentada pelo A., lesou direitos e interesses legítimos do A., pelo que, face ao disposto no art. 268/4 da CRP, é manifesta a sua impugnabilidade (cfr. art. 20° e 212° da CRP), sendo claramente nula. VI. Relativamente à alegada extemporaneidade da presente acção, é manifesto que a mesma não se verifica. VII. O acto impugnado é o despacho de 26.10.2017 e não o despacho de 14.08.2017pelo que, a contagem do prazo para impugnar o mesmo iniciou-se na data em que o mesmo foi notificado ao A. - 02/11/2017. VIII. Sendo acto impugnado um acto definitivo e impugnável; um acto consequente e, ainda, um acto que lesou (e lesa) direitos e interesses legítimos do A. - tudo nos termos, sumariamente, supra expostos - é manifesto que a sua impugnação judicial foi apresentada nos termos e prazos legalmente estabelecidos. IX. E assim manifesto que não se verificam as excepções da impugnabilidade e extemporaneidade aludidas na douta sentença. X. Acresce, ainda, na pretensão deduzida pelo Autor são invocados factos e argumentos que apontam no sentido de que os actos praticados são nulos, e como tal, sujeitos a um prazo de impugnação de 2 anos, o que desde logo se confirma pela nulidade por omissão de pronúncia oportunamente arguida. XI. Salvo o merecido respeito, não pode o Tribunal a quo indeferir com fundamento em intempestividade sem apreciar do mérito da acção. XII. Ao arrepio das condições de fundo da acção, necessárias à procedência da mesma, cuja verificação depende o dever do juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida, prejudicaria uma decisão idónea a uma decisão útil da causa. XIII. O Tribunal a quo deveria conhecer do mérito da causa, por apelo ao princípio pro actione consagrado no art.° 7.° do CPTA, consabidamente, denominado como “prevalência da decisão de mérito” em desfavor da decisão de forma. XIV. Nos termos do artigo 615.° n.° I d) do CPC, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. XV. Com efeito, o Autor invocou vários vícios - geradores de nulidade - imputados aos actos de indeferimento dos pedidos de manifesto de armas de fogo, consubstanciando desvalor jurídico dos actos in casu de procedência do vício. XVI. Pela douta sentença, não foram minimamente concretizados os fundamentos invocados, maxime em que medida é possível indeferir o manifesto das armas. XVII. Em bom rigor, não só são nulos os vícios apontados pelo ora Recorrente, como é nula a douta sentença ao consubstanciar uma clara e expressa violação do direito de propriedade privada, por omissão de pronúncia, bem como a violação do artigo 100.° do CPA e do princípio da participação dos administrados na formação da decisão administrativa, constitucionalmente consagrado no art.°267.°n.°5 da CRP. XVIII. Os aludidos preceitos, salvo o merecido respeito, não se enquadram no regime de anulabilidade, consubstanciando, a contrario, verdadeiras nulidades. XIX. Deve a douta decisão a quo ser revogada e substituída por outra que declare, procedente, a presente acção. (…)». O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.
Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP, notificado para o efeito, não se pronunciou.
I. 2. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida é nula, em virtude de não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar – cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC - e se a mesma incorreu em erro de julgamento ao ter decidido pela verificação das seguintes exceções: i) de inimpugnabilidade dos quatro despachos do Diretor Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 26.10.2017, que indeferiram o recurso hierárquico interposto pelo Autor dos despachos do Diretor do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de indeferimento dos pedidos de manifestos de quatro armas de fogo; e ii) de intempestividade da prática do ato processual.
II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto provada constante da sentença recorrida é a que aqui se transcreve ipsis verbis:
II.2. DE DIREITO i) Da suscitada nulidade da sentença recorrida. Alega o Recorrente que a sentença recorrida não podia decidir a causa com fundamento em intempestividade sem previamente apreciar do mérito da ação, mais concretamente, a procedência dos sucessivos fundamentos de invalidade assacados aos atos impugnados. Sustenta ainda que diversos vícios invocados são cominados com o desvalor da nulidade e, portanto, o prazo de caducidade do direito de ação não seria o que está subjacente à decisão de procedência da exceção de intempestividade do ato processual. Na medida em que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a procedência desses vícios, conclui o Recorrente que deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, mas sem razão. Vejamos porquê. Importa chamar aqui à colação a doutrina que dimana da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta questão(1), e que se pode sumariar nos seguintes termos: «(…) (Acórdão do Pleno da Secção do CA de 13/10/2004, 0424/02): «I – O conhecimento da extemporaneidade do recurso contencioso tem precedência sobre a apreciação “de meritis”; II – Se o recorrente assevera que os vícios por si arguidos acarretam a nulidade do acto, deve a extemporaneidade do recurso averiguar-se através da formulação de um juízo hipotético, sob forma condicional, em que se determine qual é, na eventualidade de os vícios existirem, a forma de invalidade que lhes corresponde; VI – Assente que a hipotética existência dos vícios invocados pelas recorrentes, encarados segundo as únicas perspectivas em que eles são minimamente possíveis, só poderá acarretar a anulação do acto contenciosamente recorrido, e assente que o recurso contencioso foi interposto mais de dois anos depois de as recorrentes terem sido notificadas do acto, há que rejeitar o recurso contencioso, por extemporaneidade na sua interposição». No mesmo sentido, o Acórdão de 14/12/2005 (0807/05): «III – assente que a hipotética existência dos vícios invocados, encarados segundo a única perspectiva possível e adequada (e não na perspectiva erradamente delineada pelo recorrente, e que o tribunal não tem que atender), só poderão acarretar a anulação do acto contenciosamente recorrido, é inequívoco, face à inobservância do prazo legal de interposição do recurso, que este é intempestivo e deve ser rejeitado». E no Acórdão do Pleno da Secção do CA de 16/12/2004 (0620/04): «II – Para aferir da tempestividade do recurso, o tribunal deve atender à situação de facto tal como vem descrita na petição de recurso, mas não está vinculado à qualificação jurídica que o recorrente faz dos vícios invocados, nem da sanção que lhe corresponde» - no mesmo sentido, os Acórdãos de 20/3/1997 (035961) e de 14/1/1998 (037002). (…)».
Acresce que, a sentença recorrida individualizou os vícios imputados aos atos impugnados com o propósito de, separadamente, qualificar juridicamente o desvalor de nulidade ou anulabilidade com que seriam cominados tais atos, na hipótese de procedência de cada um dos aludidos vícios. O Recorrente pode discordar da qualificação jurídica efetuada pelo tribunal a quo em relação a qualquer um dos referidos vícios e pode, a final, concluir que o tribunal a quo incorreu em erro na qualificação jurídica de cada um desses vícios e na consequente integração da normativa que fez, no art. 69.°, n.° 2, do CPTA, mas essa não é uma questão de omissão de pronúncia ou sequer, de falta de fundamentação da sentença, antes será uma questão de errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, não gerador de nulidade, mas de um eventual erro de julgamento. Termos em que, e sem necessidade de mais considerações, imperioso se torna concluir que o tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615.°, n.° 1, alínea d), do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA, pelo que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe foi assacada pelo Recorrente.
Analisaremos de seguida, e conjugadamente, os dois erros de julgamento imputados à sentença recorrida, pois que o seu conhecimento está umbilicalmente ligado, a saber: ii) Da verificação da exceção de inimpugnabilidade dos quatro despachos do Diretor Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 26.10.2017, que indeferiram o recurso hierárquico interposto pelo Autor dos despachos do Diretor do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de indeferimento dos pedidos de manifestos de quatro armas de fogo; e iii) Da verificação da exceção de intempestividade da prática do ato processual.
Sobre a primeira questão importa ter presente a doutrina que dimana de um recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo(2), no qual se sumariou, o seguinte: «(…) A impugnabilidade do acto é um pressuposto processual específico do processo impugnatório de actos administrativos e não da condenação à prática de acto devido.» Doutrina de onde entendemos decorrer apenas isto: a de que a impugnabilidade do ato, como pressuposto processual, não tem autonomia em sede de ação de condenação à prática de ato devido, sem prejuízo de a mesma dever ser conhecida como requisito necessário para a tempestividade da ação. Vejamos em que termos, tendo presente o que se expos supra e atentando no discurso fundamentador da sentença, que ora se transcreve, por relevante, e se acolhe: «(…) A tempestividade da acção proposta é tratada no contencioso administrativo como tempestividade da prática do acto processual, já que, a apresentação da petição inicial é, em si mesma, um acto processual1). Assim sendo, assume a forma de pressuposto processual, cuja falta origina a excepção dilatória prevista na alínea k) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA. A verificação desse pressuposto afere-se pela natureza da relação jurídica tal como configurada pelo autor na petição inicial, face ao binómio pedido e causa de pedir. E, no presente caso, o que está em causa é um pedido de condenação da Entidade demandada à prática dos actos de deferimento dos seus pedidos de manifesto de quatro armas de fogo, pertencentes à sua colecção pessoal e na sua posse. Em consequência, está também em causa a declaração de nulidade ou a anulação dos despachos do Director do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações de Segurança da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, de indeferimento dos pedidos de manifesto dessas quatro armas de fogo, que foram notificados ao Autor em 14 de Agosto de 2017, e bem assim das decisões do Director Nacional Adjunto da referida Unidade Orgânica, de indeferimento do recurso hierárquico interposto dos referidos despachos, de que foi notificado em 2 de Novembro de 2017. Apreciando. Estando em causa a reacção contenciosa a quatro actos de conteúdo exclusivamente negativo, mais concretamente de indeferimento das pretensões de manifesto de quatro armas de fogo apresentadas pelo Autor originalmente junto da Entidade demandada, o objecto do processo são estas pretensões do Autor e não os actos de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória (cfr. artigo 66.°, n.° 2, do CPTA, em coerência com o regime resultante do artigo 51.°, n.° 4, do mesmo Código). Ou seja, a presente acção administrativa não tem por objecto a impugnação de actos administrativos (de conteúdo negativo), mas antes a condenação da Entidade demandada à prática dos actos de conteúdo positivo, que o Autor entende serem devidos. Por isso mesmo, o regime aplicável à presente acção administrativa em matéria de prazo é o que resulta do artigo 69.° do CPTA. Esse preceito estatui uma dualidade de regimes nos casos em que é um acto de indeferimento que abre ao autor a via contenciosa. Estabelecem os n.os 2 e 3 do artigo 69.° do CPTA: «2 - Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, o prazo de propositura da acção é de três meses, sendo aplicável o disposto no n.° 3 do artigo 58.° e nos artigos 59.° e 60.°. 3 - Quando, nos casos previstos no número anterior, esteja em causa um ato nulo, o pedido de condenação à prática do ato devido pode ser deduzido no prazo de dois anos, contado da data da notificação do ato de indeferimento, do ato de recusa de apreciação do requerimento ou do ato de conteúdo positivo que o interessado pretende ver substituído por outro, sem prejuízo, neste último caso, da possibilidade, em alternativa, da impugnação do ato de conteúdo positivo sem dependência de prazo». Como resulta do disposto no artigo 67.°, n.° 1, do CPTA, constitui pressuposto da acção de condenação à prática de acto devido que, tendo sido apresentado um requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, (i) se verifique uma situação de inércia/silêncio da Administração (alínea a) do n.° 1), (ii) esta se tenha recusado a apreciar o requerimento (segunda parte da alínea b) do n.° 1) ou (iii) tenha praticado um acto administrativo, seja de indeferimento, seja de deferimento apenas parcial da pretensão do administrado (cfr. primeira parte da alínea b) do n.° 1 e alínea c) do n.° 1). Por réplica de fls. 97 a 99 do processo físico, o Autor informou os autos que os actos a que imputa os vícios articulados na petição inicial e que lhe abrem a via contenciosa são as decisões de indeferimento do recurso hierárquico dos despachos de indeferimento dos seus pedidos de manifesto, comunicadas ao Autor por ofícios de 26 de Outubro de 2017, recebidos em 2 de Novembro seguinte (cfr. parágrafos L) a P) do probatório). O que significa, na prática, que, no seu entendimento, é da notificação destes actos que deveriam ser contados os prazos de que depende a tempestividade da acção proposta. Tais afirmações, enquadradas no regime do artigo 67.°, n.° 1, do CPTA, significam, assim, que o Autor pressupõe que as decisões de indeferimento dos seus recursos hierárquicos, notificados por ofícios de 26 de Outubro de 2017, constituem actos administrativos, mais concretamente actos administrativos de indeferimento, em termos que permitiriam integrar a previsão normativa da primeira parte da alínea b) do n.° 1 do artigo 67.° do CPTA. O conceito de acto administrativo resulta actualmente do artigo 148.° do Código de Procedimento Administrativo, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de Janeiro, aplicável aos procedimentos administrativos de manifesto de armas iniciados pelo Autor nos termos da norma do artigo 8.°, n.° 1, do referido Decreto-lei n.° 4/2015 (doravante, "CPA"). Nos termos daquele preceito, «consideram-se actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta». Portanto, a primeira característica de um acto qualificável como administrativo é o seu perfil de acto decisório, ou seja, de estatuição autoritária, determinação prescritiva ou resolução sobre uma certa situação jurídico-administrativa concreta, que define inovatoriamente o direito para esse caso concreto e é capaz de produzir, por si só, o efeito jurídico nela definido. Assim, é o artigo 148.° do CPA que afasta do conceito de acto administrativo e, consequentemente, do pressuposto processual previsto na primeira parte da alínea b) do n.° 1 do artigo 67.° do CPTA quaisquer declarações jurídicas da Administração que não contenham verdadeiro conteúdo decisório. Excluídos do universo da qualificação como acto administrativo estão, por isso, todos os actos cuja falta de perfil decisório resulte da circunstância de terem sido precedidos de outros actos jurídicos que tenham já definido a situação jurídica do particular, em termos que não são alterados inovatoriamente pelo acto cuja impugnabilidade se discute. É o que ocorre com os usualmente designados "actos meramente confirmativos", que se limitam a repetir o conteúdo de uma estatuição anterior, sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo. E que são inimpugnáveis justamente por não serem verdadeiros actos administrativos, já que se limitam a manter a definição jurídica constante de um acto anterior, quando muito dando-lhe execução, não apresentando qualquer efeito jurídico inovatório. É exactamente isso que resulta do disposto no artigo 53.°, n.os 1 e 2, do CPTA, nos termos do qual são inimpugnáveis os actos confirmativos, com a ressalva de o autor não ter o ónus de impugnar o acto confirmado, por não ter sido dele notificado ou o mesmo não ser ainda eficaz. Não obstante a ausência de remissão para o regime constante destas disposições legais e apesar da necessidade de introduzir adaptações, esta solução normativa tem necessariamente aplicação, por analogia e manifesta identidade de situações, na integração dos pressupostos da acção de condenação à prática de acto devido previstos no artigo 67.°, n.° 1, do CPTA e designadamente na respectiva alínea b). Aplicando o que se deixa dito ao caso dos autos, verifica-se que os ofícios do Director Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 26 de Outubro de 2017 limitam-se a determinar o não provimento do recurso hierárquico intentado pelo Autor em relação a cada uma das quatro armas em causa nos autos com o seguinte teor: «consubstanciado [o não provimento] nos mesmos fundamentos de facto e de direito que constam na decisão final, devidamente notificado ao Recorrente, através do ofício n.° 8330/SLE/2017, datado de 14.08.2017, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, mantendo-se, assim, inalterada a posição inicial tomada acerca da pretensão formulada pelo Recorrente, porquanto da análise do recurso hierárquico intentado, por escrito, constatou-se que o mesmo nada de novo trouxe ao processo e que, mormente, motivasse a alteração da posição de indeferimento inicialmente tomada, designada e oficiosamente, que afastasse a convicção de que indubitavelmente, o n.° 2 do artigo 39.° da Lei n.° 42/2006, de 25 de Agosto, se tratar de norma transitória já caducada, o que, consequentemente, conduz ao indeferimento da pretensão formulada» (cfr. parágrafos L) a O) do probatório). Ou seja, as decisões do recurso hierárquico intentado pelo Autor mantêm nos exactos termos as decisões de indeferimento que lhe haviam sido notificadas por ofício de 14 de Agosto de 2017, recebido em 17 de Agosto seguinte (cfr. parágrafos F) a J) do probatório). Aliás, com o mesmo fundamento que já resultava desses despachos de indeferimento dos pedidos de legalização das quatro armas de fogo, praticados pelo Director do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública: a conclusão de que a norma do artigo 39.°, n.° 2, da Lei n.° 42/2006, de 25 de Agosto, em que o Autor assenta o seu direito a ver as referidas armas legalizadas, é uma norma transitória, actualmente caduca e, por isso, insusceptível de aplicação (cfr. parágrafos F) a I) do probatório). Conclusão que resulta do parecer do Gabinete de Assuntos Jurídicos da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, homologado pelo Director Nacional da Unidade Orgânica de Operações e Segurança em 27 de Outubro de 2016, para o qual aquelas decisões de indeferimento remetem (cfr. parágrafo E) do probatório). Dito de outro modo: os despachos Director Nacional Adjunto notificados à Autora por ofícios de 26 de Outubro de 2017, de indeferimento do recurso hierárquico, são actos meramente confirmativos dos despachos de indeferimento dos seus pedidos de manifesto de quatro armas, praticados pelo Director do Departamento de Armas e Explosivos, e notificados por ofício de 14 de Agosto de 2017. E, por isso, são insusceptíveis de integrar a previsão normativa da alínea b) do n.° 1 do artigo 67.° do CPTA. O que vale por dizer, por um lado, que não são estes actos que têm a virtualidade de abrir ao Autor a via contenciosa da presente acção à condenação judicial à prática de actos devidos e, por outro, que as notificações destas decisões do recurso hierárquico não podem operar como termo inicial do prazo de propositura da presente acção. Está provado nos autos que os despachos de indeferimento dos pedidos de manifesto de armas apresentados pelo Autor junto da Entidade demandada lhe foram notificados por ofício de 14 de Agosto de 2017, recebido em 17 de Agosto seguinte (cfr. parágrafo J) do probatório). Não restam, por isso dúvidas, de que no presente caso se verificam os pressupostos previstos nos preceitos do artigo 53.°, n.os 1 e 2, do CPTA, em termos que determinam a inimpugnabilidade dos despachos do Director Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 26 de Outubro de 2017. Aliás, a conclusão agora extraída está em absoluta coerência com o regime de suspensão do prazo de propositura da acção judicial de condenação à prática de acto devido, que as disposições dos artigos 59.°, n.° 4, e 69.°, n.° 2, do CPTA atribuem à apresentação de uma impugnação administrativa de um acto administrativo de indeferimento de uma pretensão deduzida perante a Administração. Bem como com a solução legal que resulta do segmento final dessa norma do artigo 59.°, n.° 4, do CPTA, nos termos da qual, a suspensão do prazo de propositura de uma tal acção retoma a sua contagem com a notificação da decisão sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal. Assumir, como faz o Autor, como data de início do prazo de propositura da presente acção a data de notificação dos despachos do Director Nacional Adjunto, de indeferimento do recurso hierárquico, de 26 de Outubro de 2017 - ignorando a data de notificação dos originários despachos de indeferimento, praticados pelo Director do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública e notificados em 17 de Agosto de 2017 e a subsequente interposição de impugnação administrativa facultativa desses actos administrativos, cuja decisão tem cariz meramente confirmativo - implica uma manifesta subversão do regime vertido nos citados artigos 59.°, n.° 4, e 69.°, n.° 2, do CPTA, que deles faria letra norma e abriria a porta a uma renovação do prazo de reacção contenciosa a actos administrativos de puro indeferimento, não consentida pelo quadro normativo aplicável quando interpretado de forma global e sistematicamente integrada. Pelas razões expostas, os actos administrativos de indeferimento que, efectivamente, abrem a via contenciosa ao Autor são os despachos do Director do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública notificados ao Autor, que lhe foram notificados em 17 de Agosto de 2017 (cfr. parágrafo J) do elenco da matéria de facto provada). Assim sendo, o prazo de propositura da acção administrativa de condenação à prática do acto devido inicia-se no dia 18 de Agosto de 2017, nos termos do artigo 59.°, n.° 2, do CPTA, aplicável por remissão do artigo 69.°, n.° 2, do mesmo diploma. Esse prazo suspendeu-se, porém, em 25 de Setembro de 2017, quando o Autor intentou recurso hierárquico facultativo dos despachos de indeferimento dos seus quatro pedidos de manifesto de armas de fogo (cfr. parágrafo K) do probatório). Considerando que: a) O prazo de decisão do recurso hierárquico é de 30 dias úteis a contar da data da remessa ao órgão competente para dele conhecer (cfr. artigos 198.°, n.° 1, e 87.°, alínea c), do CPA); b) No presente caso, esse prazo iniciou-se em 27 de Setembro de 2017 (dia seguinte à apresentação do recurso - cfr. parágrafo K) do probatório e artigo 87.°, alíneas a) e b), do CPA) e findou em 9 de Novembro de 2017. c) Entretanto, em 26 de Outubro de 2017, sobrevieram as decisões expressas de indeferimento do recurso hierárquico instaurado pelo Autor, que lhe foram notificadas em 2 de Novembro de 2017 (cfr. parágrafos L) a P) do probatório); Cumpre concluir que o prazo de propositura da acção administrativa (i) iniciou-se em 18 de Agosto de 2017, (ii) decorreu durante 38 (trinta e oito) dias, (iii) esteve suspenso entre 25 de Setembro e 2 de Novembro de 2017 e (iv) retomou o seu curso no dia 3 de Novembro (cfr. artigo 59.°, n.° 4, do CPTA). O que significa que, quando retomou a sua contagem em 3 de Novembro de 2017, faltavam 52 (cinquenta e dois) dias para findar o prazo de três meses (convertidos em 90 dias), de que a leitura conjugada dos preceitos do artigo 69.°, n.° 2, e do artigo 59.°, n.° 4, do CPTA faz depender, no presente caso, a tempestividade do pedido judicial de condenação à prática de acto devido na sequência da prática de acto de indeferimento que seja meramente anulável. O que significa que esse prazo de três meses findou em 24 de Dezembro de 2017, transferindo-se para o primeiro dia após as férias judiciais, i.e., 4 de Janeiro de 2018, por força das normas do artigo 279.°, alínea e), do Código Civil (aplicável por remissão do artigo 59.°, n.° 2, do CPTA) e do artigo 28.° da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto. Face ao exposto cumpre extrair duas conclusões. Por um lado, é evidente que, quando em 31 de Janeiro de 2018 (cfr. parágrafo Q) do probatório), o Autor remeteu a juízo a petição inicial da presente acção, já tinha decorrido o referido prazo de três meses de que depende a tempestividade do pedido judicial de condenação à prática de acto devido na sequência da prática de acto de indeferimento que seja meramente anulável. Por outro lado, que, nessa mesma data, não tinha ainda decorrido o prazo de dois anos desde o dia 18 de Agosto de 2017, de que a conjugação da norma do artigo 69.°, n.° 3, do CPTA faz depender a tempestividade do pedido judicial de condenação à prática de acto devido na sequência da prática de acto de indeferimento que seja nulo. Assim sendo, o juízo sobre a tempestividade da presente acção, mais concretamente do pedido de condenação à prática de acto devido depende de uma outra análise: a de saber se a causa de pedir da presente acção pode, de facto, dar lugar à aplicação in casu do regime do artigo 69.°, n.° 3, do CPTA. Dito de outro modo, a presente acção administrativa só é tempestiva se os vícios imputados aos actos de indeferimento dos pedidos de manifesto de armas de fogo forem geradores de nulidade, por ser esse o desvalor jurídico do acto em caso de procedência do vício. Ora, a causa de pedir da presente acção assenta (i) violação do princípio tempus regit actum, (ii) na imputação de erro de interpretação e aplicação do regime contido no artigo 39.°, n.° 2, da Lei n.° 42/2006, de 25 de Agosto, (iii) na falta de fundamentação dos despachos de indeferimento dos pedidos de manifesto das quatro armas de fogo em causa nos autos, (iv) na absoluta desconsideração da pronúncia apresentada pelo Autor em sede de audiência prévia, equivalente à violação desse direito de audiência, e (v) na violação dos princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos adquiridos e interesses legalmente protegidos do Autor. Começando pelos primeiros vícios imputados aos actos impugnados - a violação do princípio tempus regit actum e a imputação de erro de interpretação e aplicação do regime contido no artigo 39º, n.° 2, da Lei n.° 42/2006, de 25 de Agosto -, verifica-se que estamos perante vícios de violação de lei. Ainda que o Autor invoque a não aplicação de norma vigente ao tempo em que foi iniciado o procedimento administrativo e a verificação dos pressupostos de aplicação de determinada norma que, só por erro de interpretação, a Entidade demandada considera inaplicável, na prática, o que releva para efeitos de (in)validade dos actos é a ilegalidade assim cometida, i.e., o vício de violação da norma que se pressupôs aplicável ou inaplicável (erro sobre os pressupostos de direito). Por isso mesmo, uma das modalidades do vício de violação de lei é a inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objecto do acto administrativo. Ora, a invalidade dos actos administrativos é, em regra, cominada com a anulabilidade, como resulta das regras dos artigos 161.°, n.° 1, e 163.°, n.° 1, do CPA. Os actos praticados em desconformidade com o ordenamento jurídico, por ofensa de princípios ou de normas jurídicas constitucionais, internacionais, comunitárias, legais ou regulamentares, são anuláveis, salvo se existir norma específica que preveja outra sanção. Por seu turno, a nulidade de um acto depende da expressa cominação legal dessa forma de invalidade (cfr. segmento final do n.° 1 do artigo 161.° do CPA), ou da sua integração numa das previsões normativas do n.° 2 do artigo 161.° do CPA. Portanto, salvo nos casos de expresso enquadramento legal no desvalor da nulidade, todo o vício de violação de lei é cominado com a mera anulabilidade [cfr. artigo 163.°, n.° 1, do CPA]. Outro tanto se diga quanto ao último vício imputado aos actos impugnados, de violação dos princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos adquiridos e interesses legalmente protegidos do Autor: embora estejam em causa princípios gerais da actividade administrativa que têm assento constitucional no artigo 266.° da Constituição, estamos perante a alegação de meros vícios de violação de lei. Porém, inexiste disposição legal específica que comine com a nulidade os vícios de violação destas normas-princípio. Por isso mesmo, ainda que procedessem, esses vícios de violação do princípio tempus regit actum [(i)], de interpretação e aplicação do regime contido no artigo 42/2006, de 25 de Agosto [(ii)] e de violação daquelas normas-princípio da actividade administrativa [(v)] mais não seriam do que causas de anulabilidade dos despachos de indeferimento dos seus pedidos de manifesto de armas de fogo, já que não se integram em qualquer uma das hipóteses elencadas no n.° 2 do artigo 161.° do CPA, nem existe outra norma específica que reconduza tais vícios à sanção da nulidade. O Autor invoca também o vício de falta de fundamentação dos actos impugnados. Mas, antecipando a conclusão que adiante se extrai, também a verificação desse vício, a proceder, seria insusceptível de, no presente caso, desferir o acto com o desvalor da nulidade. Inexistindo disposição legal específica que comine com a nulidade os vícios de violação das normas dos artigos 152.° e 153.° do CPA, ou do artigo 268.°, n.° 3, da Constituição, o entendimento contrário só poderia ser extraído da integração dos actos impugnados no preceito da alínea d) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA, i.e., entender-se que os actos em causa ferem o conteúdo essencial de um direito fundamental. Sucede que a expressão «direitos fundamentais» que resulta dessa norma abrange apenas os direitos, liberdades e garantias e os direitos de natureza análoga, excluindo, portanto, os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham essa natureza. Por outro lado, embora o dever de fundamentação seja uma imposição constitucional, a norma do segmento final do n.° 3 do artigo 268.° da Constituição não dispensa a conformação ou, pelo menos, a mediatização concretizadora do legislador relativamente ao alcance ou extensão da obrigatoriedade da fundamentação. Além disso, da Constituição não resulta que, em correlação com o dever de fundamentação, se contraponha, no outro pólo, uma posição autónoma do interessado que tenha por conteúdo concreto o direito em si mesmo à fundamentação, ou seja, um direito não funcionalizado à tutela de outros direitos (fundamentais ou não). Ou seja, da consagração do dever de fundamentação não resulta a existência de um direito subjectivo à fundamentação, que tutele um bem jurídico-constitucional específico e autónomo, cuja protecção encontre a sua razão de ser determinante no princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui o fundamento último dos direitos fundamentais ou de natureza análoga. Razões pelas quais, como é orientação jurisprudencial maioritária do Tribunal Constitucional e jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo - aqui acolhida, em atenção à regra constante n.° 3 do artigo 8.° do Código Civil - conclui-se que, em geral, não existe propriamente um direito fundamental à fundamentação, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, sem prejuízo de este dever de fundamentação poder vir a ser permeado com as exigências dos direitos fundamentais naqueles casos em que a fundamentação seja condição indispensável da realização ou garantia dos direitos fundamentais propriamente ditos. Tal direito só fica permeado com as exigências dos direitos fundamentais nos casos pontuais em que a fundamentação do acto se assuma como um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva desse direito, liberdade ou garantia. Ou seja, a característica da fundamentalidade do direito à fundamentação não é absoluta, não existe em todos os casos. Ao invés, depende do carácter jusfundamental do direito substantivo que é preterido pelo acto alegadamente não fundamentado. Na medida em que o acto administrativo não fundamentado afecte um direito fundamental, há nulidade nos termos do artigo 161.°, n.° 2, alínea d), do CPA. Uma vez que o direito que o Autor pretende fazer valer por via do deferimento dos seus pedidos de manifesto de armas de fogo não constitui, por si mesmos, direito fundamental nos termos e para os efeitos daquela disposição legal, não resta senão concluir que o direito à fundamentação desses actos de indeferimento dos pedidos de manifesto de armas de fogo não assume igualmente essa tónica de jusfundamentalidade que justificaria a aplicação in casu do desvalor da nulidade nos termos da mesma disposição legal. Por último, o Autor imputa aos actos impugnados o vício de violação do direito de audiência prévia, por, no seu entendimento, terem sido absolutamente desconsiderada alegação por ele produzida na pronúncia em audiência prévia dos projectos de decisão que lhe foram notificados por ofícios de 20 de Junho de 2017. Embora o Autor não o refira, está em causa a alegada violação do artigo 100.° do CPA e do princípio da participação dos administrados na formação da decisão administrativa, previsto no artigo 267.°, n.° 5, da Constituição. Uma vez mais, inexistindo disposição legal específica que comine com a nulidade os vícios de violação destas normas, a cominação da violação da sua violação com o desvalor da nulidade só poderia ser extraído da integração dos acto impugnados no preceito da alínea d) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA, i.e., entender- se que os actos em causa ferem o conteúdo essencial de um direito fundamental. Ora, em bom rigor, a norma do artigo 267.°, n.° 5, da Constituição não prevê um direito procedimental à audiência prévia, limitando-se a remeter para a lei ordinária a concretização desse princípio de participação. E tanto é o que basta para que a maioria da doutrina e a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo afastem a qualificação deste como um «direito fundamental» ou, pelo menos, como um direito análogo a direitos, liberdades e garantias. O que se refere não impede que, em certos casos, não seja de reconhecer ao direito de audiência prévia uma tal natureza especial que demande que a sua violação seja sancionada com a nulidade própria da afectação do núcleo essencial de um direito fundamental. Será o caso do direito de audiência e de defesa nos procedimentos contra-ordenacionais e em quaisquer processos sancionatórios ou disciplinares (cfr. artigos 32.°, n.° 10, e 269.°, n.° 3, da Constituição). Mas nestes casos, a configuração deste como um direito subjectivo fundamental não se funda directamente no artigo 267.°, n.° 5, da Constituição, mas em outros preceitos constitucionais que o relacionam directamente com a tutela de um bem jurídico- constitucional específico e autónomo, cuja protecção é postulado do dignidade da pessoa humana. Fora desses casos e como é orientação jurisprudencial maioritária do Tribunal Constitucional e jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo - aqui acolhida, em atenção à regra constante n.° 3 do artigo 8.° do Código Civil - não é possível afirmar que o direito de audiência prévia seja um direito fundamental ou, pelo menos, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, cuja violaçao do respectivo núcleo essencial possa ser sancionado com a nulidade nos termos do disposto no artigo 161.°, n.° 2, alínea d), do CPA. Face ao exposto e uma vez que os actos administrativos que abrem a via contenciosa ao Autor não têm natureza contra-ordenacional, disciplinar ou, em geral, perfil sancionatório, cabe concluir que, ainda que procedesse o vício de violação do direito de audiência prévia assacado pelo Autor aos actos impugnados, os referidos actos seriam, quando muito, anuláveis. * Concluindo-se que o actos de indeferimento que justificam a presente acção administrativa de condenação à prática de acto devido são, quando muito, anuláv[eis], em consequência, é o regime previsto no n.° 2 do artigo 69.° do CPTA que dita a (in)tempestividade da presente acção. É certo que, como se concluiu atrás, quando, em 31 de Janeiro de 2018 (cfr. parágrafo Q) do probatório), o Autor remeteu a juízo a petição inicial da presente acção, já tinha decorrido o referido prazo de três meses contados desde a notificação (em 17 de Agosto de 2017) dos actos administrativos de indeferimento, devidamente computada a suspensão do referido prazo por força da interposição de recurso hierárquico facultativo. Pelo que não resta senão concluir pela intempestividade do acto processual de propositura da acção, nos termos dos artigos 69.°, n.° 2, e 59.°, n.° 4, do CPTA. O que constitui uma excepção dilatória (cfr. artigo 89.°, n.° 1, alínea k), do CPTA) e conduz à absolvição da Entidade demandada da instância (cfr. artigo 89.°, n.os 1 e 2, do CPTA). (…)».
A decisão recorrida é para manter, por proceder a uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito. Vejamos porquê. Os atos de indeferimento dos recursos hierárquicos em apreço, mantêm nos seus exatos termos as anteriores decisões administrativas impugnadas administrativamente, não lhes introduzindo qualquer modificação, bastando-se com a mera confirmação do já decidido pelo órgão subalterno, o que os torna meramente confirmativos dos atos primários, por não lhes introduzir ou acrescentar nada de novo. Acresce que, da natureza facultativa do recurso hierárquico interposto, que não vem questionada nos autos, decorre que os atos primários eram já impugnáveis contenciosamente, tendo o A., ora Recorrente, optado por utilizar uma impugnação administrativa facultativa, em virtude do que, e atento o cambiante confirmativo dos atos secundário em apreço, os atos finais e lesivos, porque definidores da situação no caso concreto, não deixaram de ser os atos primários. No caso em apreço, considerando a natureza confirmativa dos concretos atos secundários praticados, apenas se os atos primários não fossem suscetíveis de imediata impugnação contenciosa, deles cabendo recurso hierárquico necessário ou obrigatório, ou se os vícios àqueles imputados – que não foram impugnados – fossem suscetíveis de gerar a nulidade dos atos impugnados – que não são -, é que poderia ser outro o desfecho quanto ao fundamento do recurso e da causa, também quanto à tempestividade da prática do ato processual de propositura da ação. Assim, concluindo-se que os atos de indeferimento que poderiam justificar a presente ação – os atos primários – são, quando muito, anuláveis, atendendo i) aos concretos vícios invocados nos autos, ii) à natureza do procedimento em que foram praticados - (ii.1) violação do princípio tempus regit actum; (ii.2) erro de interpretação e aplicação do regime contido no artigo 39.°, n.° 2, da Lei n.° 42/2006, de 25.08.; (ii.3) falta de fundamentação dos despachos de indeferimento dos pedidos de manifesto das quatro armas de fogo em causa nos autos; (ii.4) absoluta desconsideração da pronúncia apresentada pelo Autor em sede de audiência prévia, equivalente à violação desse direito de audiência; e (ii.5) violação dos princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos adquiridos e interesses legalmente protegidos do Autor - e iii) ao seu manifesto não enquadramento no disposto no art. 161.º do CPA. E que os atos efetivamente impugnados – os atos secundários – não são impugnáveis, em virtude da sua natureza meramente confirmativa. Imperioso se torna concluir pela aplicação do disposto no art. 69.º, n.º 2, do CPTA, de onde decorre a manifesta intempestividade da presente ação, na medida em que apenas a 31.01.2018 - cfr. alínea Q) da matéria de facto –, o A., ora Recorrente, deu entrada com a ação em juízo, quando já tinha decorrido o prazo de três meses contados desde a notificação dos atos primários – cfr. alínea J) da matéria de facto - em 17.08.2017 -, devidamente descontado o período de suspensão do mesmo, por força da interposição de recurso hierárquico facultativo, nos termos do art. 59.º, n.º 4, do CPTA. Em face do que, se considera ser manifesta a procedência da exceção de intempestividade da prática do ato processual, tal como decidido pelo tribunal a quo, cuja fundamentação se acolhe, e se impõe seja negado provimento ao recurso.
III. Decisão Nestes termos e face a todo o exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 12.11.2020. ____________________________ Dora Lucas Neto * A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira. ----------------------------------------------------------------------------------- (1) Cfr. recente acórdão do STA, proferido no P. 01846/17.6BEPRT, de 09.01.2020, disponível em www.dgsi |