Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1137/13.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE
PROPRIEDADE PRIVADA.
LICENÇA.
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA.
Sumário:1. É de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no art. 3.º do Código da Publicidade, a mensagem que, independentemente do seu conteúdo informativo, é apresentada por uma empresa comercial relativamente à sua actividade, que exerce em concorrência e visa, ainda que indirectamente, fazer com que os consumidores dos bens e serviços por ela oferecidos a prefiram, em detrimento das suas concorrentes.

2. Essa publicidade, porque estava sujeita a licenciamento da câmara municipal da área do respectivo concelho (cf. art. 1.º da Lei n.º 97/88, de 17/08, na sua redacção inicial), estava sujeita a taxa a cobrar pela mesma (cf. o regulamento municipal de taxas e licenças, art. 4.º, n.º 2, da LGT e art. 3.º do RGTAL).

3. Ainda que esse licenciamento tenha vindo a deixar de ser exigido em 02 de Maio de 2013 (data em que entrou em vigor, na parte que releva, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01/04, como resulta da Portaria n.º 284/2012, de 20/09), por via dessa alteração não deixa de ser devida na totalidade a taxa respeitante ao ano de 2013, pois a taxa constitui a contrapartida pela emissão (ou renovação) da licença, que se operou no início do ano.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DE CASCAIS recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B…, S.A. contra o acto de liquidação de taxa municipal de publicidade relativa ao ano de 2013.

Conclui as doutas alegações assim:
«
1. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 28.01.2016, que veio julgar procedente a impugnação intentada por B…, S.A., anulando, em consequência, o ato de liquidação proveniente da liquidação de taxas de publicidade referentes ao ano de 2013, relativas ao processo n.o 3928.

2. Para concluir pela procedência da impugnação a sentença recorrida baseou-se na falta de fundamentação económica e financeira no regulamento de taxas pelos valores cobrados pela afixação de mensagens publicitárias face ao novo enquadramento jurídico do licenciamento dos suportes publicitários, considerando, por isso, nulo nessa parte, o regulamento de taxas do município conforme o previsto no n.0 2 do artigo 8º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, doravante RGTAL.


3. O erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva pode resultar de erro de interpretação e de aplicação do direito.

4. O vício que a lei considera violação de lei substantiva advém de uma interpretação e enquadramento jurídicos incorretos que acabam por afetar o conteúdo da decisão, dando origem a erro de julgamento.

5. Entende a Recorrente que no caso sub judice o erro de julgamento resulta da aplicação do regime previsto no Decreto-lei n.º 48/2001, de 1 de abril, que apenas operou efeitos, em data posterior à ocorrência dos factos tributários objetos dos presentes autos de impugnação.

6. A douta sentença proferida merece censura, requerendo-se, desde já, a V. Exas. a respetiva revogação e substituição por outra, que mantenha os atos de liquidação em apreço, no período o compreendido entre 1de janeiro e 1de maio de 2013.

7. Da sentença recorrida resultou provado que as taxas liquidadas nos presentes autos respeitam a renovação da licença de afixação de publicidade com fins económicos em espaço privado.

8. Na douta sentença recorrida pode ler-se ainda que "a partir de 02.05.2013 passou a vigorar em pleno a dispensa de licenciamento para a manutenção daqueles espaços publicitários e inclusive da necessária simples comunicação prévia quanto à afixação e inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial em domínio privado, ainda que visíveis (ou não) a partir do espaço público, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n. º 3, do art. 1° da Lei n. º 97/88, alterado em resultado do disposto no art. 31° do referido Decreto-Lei, pelo que, a partir daquela data impõe-se que os municípios que pretendam cobrar tais taxas procedam à respectiva fundamentação económica e financeira relativa ao valor da taxa, o qual se terá de aferir por outros critérios que não os referenciados ao licenciamento de tais suportes publicitários, face ao novo enquadramento jurídico da afixacão de mensagens publicitárias. Assim, não constando dos autos aquela fundamentação das taxas devidas por aquela actividade, nem vindo alegada a sua existência, será de considerar como nulo o regulamento nessa parte, conforme alínea c) do n. 0 2 do art. 8º do RTL. (sublinhado nosso)

9. O Decreto-Lei n.0 48/2011, de 1 de abril, doravante LIZ, em particular os artigos 31° e 32°, introduziu importantes alterações legislativas ao regime de afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial.

10. Estabeleceram-se isenções de pagamento de taxas relativas a mensagens publicitárias que sendo visíveis do espaço público se limitam a publicitar sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou que esteja relacionada com os bens ou serviços aí comercializados;

11. Os efeitos jurídicos derivados do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril não produziram efeitos imediatos com a sua publicação.

12. O artigo 42º deste Decreto-Lei estabeleceu que alguns dos seus efeitos jurídicos se processariam de forma faseada dependente da publicação da necessária portaria ou da existência do «Balcão do Empreendedor», cujo regime é aplicável às taxas em discussão nos presentes autos.


13. O Decreto-Lei n.º 141/2012, de 11 de julho, introduziu no articulado da LIZ a seguinte alteração ao artigo 42º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, "2 - A aplicação das disposições do presente decreto-lei que pressupõem a existência do «Balcão do Empreendedor»
(...) deve ocorrer até ao termo do prazo de dois anos a contar da data da sua entrada em vigor".

14. De acordo com o artigo 1º da Portaria n.º 284/2012, de 20 de setembro: "O Decreto-lei n.º 48/2011, de 1 de abril, produz efeitos a partir de 2 de maio de 2013, nomeadamente para as seguintes matérias: (...) b) Eliminação do licenciamento das mensagens publicitárias nas alíneas b) e c) do n. º 3 do artigo 1º da Lei n. 0 97/98, de 17 de agosto, na redação conferida pelo artigo 31º do Decreto-Lei n. 0 48/2011, de 1 de abril".

21. As disposições da LIZ que pressupõem o integral funcionamento e existência do «Balcão do Empreendedor» só se tornaram vinculativas para os Municípios a partir de 2 de maio de 2013.

22. A Jurisprudência também tem assim entendido, veja-se a título exemplificativo o Acórdão do STA de 25.02.2015, Proc. n.º 0702/14.

23. A Recorrente sufraga o entendimento do Tribunal a quo de que os efeitos do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1de abril, só operaram a partir de 02.05.2013, sendo precisamente por essa razão que considera que houve erro na interpretação e aplicação do direito, uma vez que o regime de isenção de licenciamento não se aplica às taxas liquidadas nos presentes autos.

24. Resulta documentalmente provado que a renovacão das taxas de publicidade objeto de impugnação nos presentes autos operou em 31.12.2012, pelo que, nesta data, data da ocorrência dos factos tributários, o regime de isenção de licenciamento de publicidade estabelecido pelo Decreto-Lei n.0 48/2011 não se aplicava às taxas objeto da presente impugnação, uma vez que os seus efeitos não estavam em vigor na data de ocorrência dos factos tributários.

25. O Regulamento de Cobrança e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Cascais para o ano de 2013, publicado no Diário da República, 2º Série, n.º 4, de 7 de janeiro de 2013, doravante RCTTLRM 2013, no artigo 24º relativo a taxas de publicidade, dispõe que estas taxas são cobradas antecipadamente e que "a sua renovação é automática, sendo a cobrança efetuada pelo valor do ano em curso, com pagamento em março do mesmo ano".

26. As taxas objeto de impugnação renovaram-se em 31.12.2012, tendo a Recorrida sido notificada da respetiva liquidação através do ofício n.º 0… - Ref.ª …/…, datado de 07.03.2013 conforme documentalmente provado nos autos e expressamente admitido pela Recorrida no artigo 1.º da impugnação judicial.

27. Fica assim demonstrado que os factos tributários e respetiva liquidação ocorreram antes de 02.05.2013, data da produção de efeitos das disposições contidas no Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, não se aplicando por isso os critérios de fundamentação económica e financeira impostos por este diploma legal.

28. A Lei n° 53-E/2006 de 29 de dezembro, que aprovou o Regime Geral de Taxas das Autarquias Locais, doravante RGTAL, no seu artigo 8, nº 2, estabelece que os regulamentos relativos às taxas municipais, a obrigatoriedade destes conterem a indicação de base de incidência objetiva e subjetiva das taxas, o seu valor ou a fórmula de cálculo e a sua fundamentação económico-financeira, designadamente, os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros e amortizações e futuros investimentos a realizados ou a realizar pela autarquia local, sob pena de nulidade.

29. No que a esta matéria concerne, a Jurisprudência tem entendido que "o artigo 8º n.º 2 do RGTAL contém exigências precisas para a edição dos regulamentos locais de taxas. A norma em causa obriga as autarquias à enunciação clara da base de incidência, da base de cálculo, das isenções e modo de pagamento das taxas locais, mais exigindo, a par destes elementos, que se explicite a fundamentação económica e financeira das taxas criadas, tudo sob pena de nulidade do diploma em causa.
4. Especificamente, no que respeita à fundamentação económica e financeira das taxas criadas refere a norma (cfr. art.º8, n°.2, al. c), do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais}, que o valor dos tributos deve levar em consideração, designadamente, os custos directos e indirectos, os encargos financeiros, as amortizações e os investimentos realizados, ou a realizar, pela autarquia local. Na estruturação da fundamentação económico-financeira da taxa criada a autarquia deve levar em consideração, desde logo, o princípio da equivalência jurídica consagrado no artº.4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais." (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Sul de 17.04.2012 Proc. n.º 04796/11).


30. No artigo 6° do Regulamento de Cobrança e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais para o ano de 2013 encontra-se a fundamentação económica e financeira das taxas e em obediência ao exigido pelo artigo 8° do RGTAL.

31. As taxas liquidadas e objeto de impugnação se encontram fundamentadas de acordo com o exigido no artigo 8° do RGTAL, designadamente, o disposto na alínea c) do seu n.º 2.

32. As taxas de publicidade objeto dos presentes autos previstas no artigo 70° do RCTTLRM 2013 encontram-se devidamente fundamentadas por referência ao critério do artigo 6º e em conformidade com o exigido no artigo 8° do RGTAL.

33. O enquadramento legal subjacente à criação, liquidação e cobrança das taxas devidas pela renovação do licenciamento de publicidade em discussão nos presentes autos obedecia ao seguinte regime, à data a que se reportam os atos tributários.

34. Até 2 de maio de 2013, o procedimento de licenciamento da ocupação do espaço público e de suportes e afixação da publicidade visíveis do espaço público conforme previsto no Regulamento Municipal de Publicidade no Município de Cascais e bem como a cobrança das respetivas taxas pela aplicação do Regulamento de Cobrança, Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais para o ano de 2013 se manteve inalterado.

35. Fica assim demonstrado que as taxas objeto de impugnação nos presentes foram liquidadas ao abrigo da disposições aplicáveis, nomeadamente, a sua fundamentação económica e financeira encontra-se em conformidade com o disposto no artigo 6º do Regulamento de Cobrança, Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais para o ano de 2013 e com o exigido na alínea c) do n.º 2 do no artigo 8° do RGTAL, não padecendo o regulamento de nulidade conforme entendido na sentença recorrida.

36. Em síntese, a douta sentença comete um erro de interpretação legal, padecendo por conseguinte de erro de julgamento, não podendo ser anulados os atos tributários e, em consequência, manterem-se na ordem jurídica por julgamento, pelo menos, até maio de 2013, por não padecerem de vício de violação de lei nos termos dos artigos 161º e 163º do CPA.

Termos e com o douto suprimento de Vossas Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, nessa medida, a douta sentença ser revogada, mantendo-se por conseguinte os atos de tributários em apreço pelo menos até maio de 2013, prosseguindo os processos de execução fiscal os seus termos até efetiva cobrança da dívida exequenda.

Assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA».

A Recorrida apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«

1.ª

O acto de liquidação objecto de impugnação respeita a taxas de publicidade relativas ao ano de 2013, no montante de 4.961,50 € (quatro mil e novecentos e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos) e reporta-se à renovação das respectivas licenças.
2.ª

Consiste essa publicidade em mensagens de natureza comercial afixadas ou inscritas em edifícios e equipamentos pertença da impugnante, existentes num posto de abastecimento de combustíveis, de que ela é dona e legítima possuidora, sito no Cruzamento da Avenida … com a Avenida I… - Bairro do …, na cidade de Cascais (Alvará n.º …), e visando assinalar esse mesmo posto, identificar os produtos e os serviços nele comercializados e informar sobre a qualidade destes e os seus preços.

3.ª

Os "factos tributários" - as situações de fac-

to concretas, porventura geradoras do direito ao tributo liquidado pelo recorrente existiriam ao longo do ano de 2013, se se mostrassem verificados todos os pressupostos legal mente previstos para tal.


4.ª
De entre as situações contempladas no art.

1.º/3 e 4 da Lei n.º 97/88, na redacção do art. 31. do Decreto-Lei n.º 48/2011, em que, "[n]o caso dos bens imóveis, a afixação e a inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial não estão sujeitas a licenciamento, a autorização, a autenticação, a validação, a certificação, a actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, a registo ou a qualquer outro acto permissivo, nem a mera comunicação prévia" , o citado art.º1.º/3-b) e 4 abrange aquelas em que, como no caso das que deram causa à liquidação, as mensagens e informações se encontram afixadas e inscritas em bens de que a impugnante é proprietária, publicitam os sinais distintivos do comércio do seu estabelecimento e estão relacionadas com os bens e os serviços aí comercializados.

5.ª

O "regime de isenção de licenciamento de publicidade estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 48/2011" não podia deixar de aplicar-se às taxas objecto da presente impugnação, pelos factos tributários ocorridos no domínio da sua vigência, em 2013.
6.ª

Não estando sujeita a licenciamento, a licença de publicidade emitida pelo recorrente para o ano de 2012 não carecia de renovação com referência, sequer, ao período posterior a 2 de Maio de 2013, pelo que se verificava uma impossibilidade legal de tal acto, com referência ao período posterior a 2 de Maio de 2013.

7.ª

Respeitando ao acto de liquidação, no seu todo, pelo município de Cascais, de taxas de publicidade relativas ao ano de 2013, a declaração de nulidade, pela sentença recorrida, não podia restringir-se aos factos tributários ocorridos no período do ano de 2013 durante o qual o Decreto-Lei n.º 48/2011 produziu efeitos, isto é, partir de 2 de Maio de 2013.

8.ª

E o Tribunal não podia substituir-se ao município de Cascais na liquidação das taxas de publicidade relativas ao ano de 2013, que o mesmo é dizer na formulação de valorações próprias da função tributária, com referência ao período em que o Decreto-Lei n.º 48/2011 não produziu efeitos, isto é, até 1 de Maio de 201 3.

9.ª

As mensagens e informações afixadas e inscritas em bens de que a impugnante é proprietária, publicitando os sinais distintivos do comércio do estabelecimento dela e relacionadas com os bens e os serviços aí comercializados - enquadram-se na previsão do art.º 1.º/3-b) da Lei n.º 97/88, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, não estando sujeitas a licenciamento.

10.ª

Não sujeitas a licenciamento, a anterior licença não carece de renovação, pelo que se verifica uma "impossibilidade" de a renovar com referência ao período posterior a 2 de Maio de 2013.


11.ª

Decidindo como decidiu, a sentença recorrida conformou-se plenamente com as disposições legais citadas anteriormente, não merecendo qualquer censura.

Nestes termos e nos mais, de direito, que não deixarão de ser supridos, deve ser negado provimento ao recurso - e, em consequência - confirmada a sentença recorrida, julgando a impugnação procedente, com as legais consequências. o que se fará por obediência à L e i e imperativo da

JUSTIÇA».



Por decisão sumária da Exma. Senhora Conselheira Relatora, o Supremo Tribunal Administrativo foi julgado incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e julgado competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Sul, para onde os autos foram remetidos a pedido do recorrente.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, com a revogação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões do recurso, são estas as questões que importa analisar: (i) se a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação; (ii) se incorreu em erro de facto quanto à matéria vertida no ponto 3. do probatório; (iii) se fez uma interpretação do art.º 106.º, n.º 4 da Lei das Comunicações Electrónicas desconforme com a Constituição, na medida em que não há sobreposição de tributação sobre a mesma realidade factual.

A única questão em discussão reconduz-se a saber se por virtude das normas contidas no artigo 31.º do decreto-lei n.º 48/2011, de 01/04, (regime jurídico do licenciamento zero), com entrada em vigor a 01/05/2011, mas cuja aplicação apenas ocorreu a partir de 03/05/2013, a taxa devida pela emissão/ renovação de licença para afixação e inscrição de mensagens publicitárias deixou de poder ser liquidada com relação ao ano de 2013.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:
«
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse a sua decisão:
1- Pela renovação de licença de afixação de publicidade com fins comerciais em espaço privado foi emitida pelo Município de Cascais, com referência ao ano de 2013, em nome da Impugnante, a liquidação de taxa ao abrigo do art. 24.º do Regulamento e "Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais" aprovada pela respectiva assembleia municipal;


2- Da liquidação referida em 1 a Impugnante deduziu reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 2, do art. 16.°, do R.T.L., em 02.04.2013, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, a qual não foi decidida.

*
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam.».

Adita-se ao probatório o seguinte facto, não controvertido:
«A liquidação e cobrança da taxa de publicidade impugnada foi notificada à impugnante pela C.M. de Cascais por ofício datado de 07/03/2013».

B) DE DIREITO

Sobre a questão em discussão, que se prende com a entrada em vigor das normas contidas no artigo 31.º do decreto-lei n.º 48/2011, de 01/04, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é uniforme no sentido de que apenas é aplicável a partir de 02 de Maio de 2013, por força da portaria n.º 284/2012, de 20/09 (cf., entre outros, os acórdãos de 9/10/2019, proc.º 01874/12.8BEPRT; de 09/12/2021, proc.º 01618/13.7BEPRT).

Quanto em particular às liquidações do ano de 2013, ano a que se reporta a liquidação impugnada, vale o decidido no ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 19/02/2020, proc.º 01152/13.5BESNT e também no já citado ac. de 09/12/2021, proc.º 01618/13.7BEPRT, no sentido de que “ainda que o licenciamento tenha vindo a deixar de ser exigido em 02 de Maio de 2013, não deixa de ser devida, na totalidade, a respectiva taxa, respeitante a esse ano, pois a taxa constitui a contrapartida pela emissão (ou renovação) da licença, que se operou no início do ano”.

Não tendo sido apresentados pela recorrida argumentos que nos levem a afastar daquela jurisprudência uniforme e atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, que determina que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, ao recurso terá de ser concedido provimento.

Na procedência da apelação, haverá que conhecer em substituição das questões prejudicadas em vista da solução dada ao litígio no tribunal recorrido (art.º 665/2 do CPC).

E essas questões prendem-se com a discutida natureza do tributo liquidado, que a impugnante entende não poder ter natureza de taxa por inexistência de qualquer sinalagma, mas antes de imposto ou contribuição especial e, nessa medida, a taxa liquidada é nula por inconstitucionalidade orgânica e violação do princípio da legalidade, uma vez que os impostos e as contribuições só podem ser criados por lei.

Não discutindo embora a natureza comercial das mensagens publicitárias, não se conforma, pois, a impugnante com a caracterização do tributo liquidado como taxa.

De acordo com o disposto no art.º 1.º, n.º 1 da Lei 97/88, de 17 de Agosto na redacção anterior à do Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de Abril, «A afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial obedece às regras gerais sobre publicidade e depende do licenciamento prévio das autoridades competentes».

Importa, desde já, referir que se, inicialmente, a jurisprudência enveredou pela caracterização como imposto do tributo em causa nos autos (“taxa” municipal por afixação de publicidade em propriedade privada), a mesma jurisprudência veio, posteriormente, a firmar-se, reiterada e uniformemente, no sentido da qualificação do tributo em causa como verdadeira taxa, após a prolação do Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 177/2010, de 05/05/2010, que operou uma inflexão da anterior jurisprudência, no entendimento de que os parâmetros jurídicos para a solução da questão se tinham alterado após a consagração do conceito jurídico de taxa positivado no n.º 2 do artigo 4.º da LGT e no artigo 3.º da Lei n.º 53-E/2006, 29/12 (regime geral das taxas das autarquias locais), pronunciando-se no sentido de não julgar organicamente inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento de Taxas e Licenças (aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Guimarães de 09/11/2006 e sancionado pela Assembleia Municipal em sessão de 24/11/2006) e do artigo 31.º da Tabela de Taxas àquele anexa, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí referida pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular.

Sendo que a fundamentação do citado acórdão (votado por unanimidade e com a autoridade reforçada resultante da formação alargada que o proferiu) é transponível, mutatis mutandis, para a apreciação da constitucionalidade das normas que configuram o suporte jurídico da taxa controvertida, resultante da licença e da sua renovação para afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em propriedade privada, visíveis do espaço público, acrescendo que a doutrina deste acórdão foi reafirmada posteriormente em outros arestos do Tribunal Constitucional (nºs. 360/2010, de 06/10/2010, 436/2010, de 10/11/2010, 408/11, de 27/09/2011 e na decisão sumária n.º 417/2010, de 11/10), bem como, acolhida nos acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 12/01/2011, proc. n.º 752/10, de 19/01/2011, proc. n.º 33/10, de 06/04/2011, proc. n.º 119/11, de 25/05/2011, proc. n.º 93/11, de 01/06/2011, proc. n.º 135/11, de 08/06/2011, proc. n.º 0278/11, de 13/07/2011, proc. n.º 462/11, de 07/09/2011, proc. n.º 585/11, de 28/09/2011, proc. n.º 15/11, de 02/11/2011, proc. n.º 116/10, de 25/01/2012, proc. n.º 0954/11, de 31/01/2012, proc. n.º 0906/11, de 29/02/2012, proc. n.º 0133/11, de 21/11/2012, proc. n.º 0222/12, de 28/11/2012, proc. n.º 01051/12, de 04/12/2013, proc. n.º 01062/13, de 05/02/2015, proc. n.º 01210/13 ou de 18/05/2016, proc. n.º 01076/15.

Portanto, a jurisprudência veio a firmar-se no sentido da qualificação de tal tributo como verdadeira taxa e da sua conformidade constitucional. Em Acórdão proferido em 27/09/2011, por exemplo, o Tribunal Constitucional decidiu «Não julgar organicamente inconstitucionais as normas constantes dos artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa (publicado no Edital n.º 35/92, do Diário Municipal n.º 16.336, de 19/03/92, com a redacção dos Editais n.º 42/95, de 25/4 e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais n.º 16331, de 12/03/1992, 61, de 25/04/1995)», na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí prevista pela afixação de publicidade em prédio pertencente a particular.

Não vemos razões, face aos argumentos invocados pela impugnante, para divergirmos dessa jurisprudência consolidada.

Em particular no que respeita à alegação na P.I. (artigos 35.º a 38.º) de não integrar a previsão normativa de incidência das taxas de publicidade liquidadas pelo Município de Cascais o elemento relativo à visibilidade da mensagem a partir do espaço público, tal não implica que se desaplique a norma por inconstitucionalidade (art.º 204.º da CRP) mas unicamente que se faça da norma regulamentar uma interpretação conforme à Constituição.

E neste modo de ver, concluindo-se pela conformidade constitucional das normas regulamentares que configuram o suporte jurídico da taxa controvertida, resultante da emissão/ renovação da licença para afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em propriedade privada, visíveis do espaço público, a verdade é que a impugnante não alega, nem tal se desprende dos autos (vd. art.º 2.º da douta P.I.), que as mensagens e suportes publicitários implantados no posto de combustível de que é proprietária não sejam divisíveis do espaço público.

O que significa que este argumento não procede.

Nesta conformidade, haverá que julgar a impugnação judicial improcedente, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada relativa a taxa devida por publicidade.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a impugnação improcedente.

Condena-se a Recorrida em custas.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha