Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3336/15.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO
PAGAMENTO POR CONTA
Sumário:I. Se, não obstante uma sociedade não tiver pago um dos pagamentos por conta previstos no art.º 104.º do CIRC (no caso, o segundo), se vier a verificar que, no exercício a que esses pagamentos por conta respeitavam, não se apurou qualquer imposto a pagar, não ocorre a lesão do interesse jurídico que o art.º 114.º, n.ºs 1 e 5, al. f), do RGIT, visa proteger.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso do despacho decisório proferido a 29.05.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, no qual foi julgado procedente o recurso apresentado por T. – L., Lda (doravante Recorrida ou T.), da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Oeiras 2, no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 36542015060000024300.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) À Recorrente foi aplicada no âmbito do Processo Contra-ordenacional n.º 36542015060000024300 coima no valor de € 38.569,09, acrescida de custas processuais, pela prática de infracção ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC, por falta de entrega de pagamento por conta, referente ao período de 2014/09, cujo prazo terminou em 30-09-2014, no montante de € 124.819,09, punível nos termos do disposto na alínea f) dos n.ºs 2 e 5 do artigo 114.º e n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.

B) Julgou o tribunal a quo procedente o recurso de contra-ordenação, com anulação da decisão de aplicação da coima, por concluir “que a Recorrente não cometeu a infracção que lhe é imputada, porquanto a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, não tendo sido apurado IRC em falta, verificando-se uma causa de exclusão da ilicitude no tocante à sua conduta omissiva, motivo pelo qual deverá ser absolvida, determinando-se a anulação da coima recorrida.”, aderindo integralmente a entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 19-11-2015, no âmbito do recurso n.º 08920/15.

C) Salvo o devido respeito, diverge a Fazenda Pública do entendimento vertido na douta sentença, porquanto procede a mesma a uma errada apreciação da matéria de facto e interpretação das normas legais aplicáveis aos presentes autos.

D) Divergimos da fundamentação da douta sentença, que apela integralmente a fundamentação constante do citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, por entendermos não se mostrar ser tal douto acórdão passível da aplicação pretendida dar pela douta sentença.

E) Assim, ao contrário do quadro fáctico vertido no citado Acórdão, não estamos nos presentes autos perante um caso de suspensão do pagamento dos pagamentos por conta, mas sim perante o não pagamento do segundo pagamento por conta referente ao mês de Dezembro de 2014 no montante de € 124.819,09, e mais verificamos que não estamos aqui perante um caso de inexistência de lucro tributável.

F) Efectivamente, o imposto liquidado pela Recorrente no exercício de 2013, líquido das retenções na fonte, ascende ao montante de € 394.165,54, e o imposto liquidado no exercício de 2014, líquido das retenções na fonte, ascende ao montante de € 46.134,52.

G) E, assim, a consideração feita pelo tribunal a quo no sentido de que, apesar da Recorrente ter tido no exercício de 2014 lucro tributável no montante de € 204.497,93, com uma colecta no valor de € 46.134,52, foi tal valor integralmente consumido pela aplicação de benefício fiscal de igual montante, o que justifica a falta de entrega do pagamento por conta, não tem acolhimento no Acórdão a que apela.

H) Vejamos que, o acórdão citado em momento algum se refere ao valor da colecta deduzida do valor de qualquer benefício fiscal, como o referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC e considerado pela douta sentença, do mesmo se deduzindo antes que pertinente, para efeito de determinação do pagamento por conta a efectuar, é o imposto liquidado com referência ao ano anterior, imposto esse líquido apenas e tão-só das retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso.

I) Ademais, a obrigação legal de proceder a pagamentos por conta resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC, sendo que, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 105.º do CIRC “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo.”. (realce nosso)

J) Pelo que, não poderia a douta sentença apelar a tal norma, e considerar o montante deduzido à colecta pela Recorrente a título de dupla de tributação jurídica internacional a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, para com isso a isentar da obrigação de pagamento.

K) Por outro lado, podem os sujeitos passivos, nos termos do n.º 4 do artigo 104.º do CIRC, ser dispensados de efectuar tais pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o cálculo seja inferior a € 200, no entanto, esta norma não é aplicável nos presentes autos por ascender o imposto a considerar ao montante de € 394.165,54.

L) Podem ainda, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 107.º do CIRC, os sujeitos passivos suspender os pagamentos por conta, mas tal possibilidade está limitada ao terceiro pagamento por conta, desde que o pagamento por conta já efectuado seja igual ou superior ao imposto que seria devido pelo sujeito passivo com base na matéria colectável do período de tributação.

M) Pelo que, apenas com referência ao terceiro pagamento por conta, nas condições exigidas pela norma, é possível suspender os pagamentos por conta devidos e calculados nos termos do referido artigo 105.º do CIRC, sem que tal omissão se consubstancie na falta de entrega de prestação tributária devida, face à exclusão de ilicitude que deriva do preenchimento dos requisitos vertidos na norma em questão.

N) Caso contrário, o não pagamento constitui uma infracção tributária punida por força do disposto na alínea f) do n.º 5 e do n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, sendo irrelevante, só por si, o facto de que não seja devido a final imposto pelo sujeito passivo obrigado ao pagamento por conta, se não se preencher o circunstancialismo exigido no n.º 1 do artigo 107.º do CIRC.

O) Resulta, deste modo, da lei, e de forma expressa e peremptória, que a possibilidade de suspensão do pagamento por conta apenas é configurável tendo por referência o terceiro pagamento por conta, nas condições previstas na norma, sendo que a alteração da norma em questão decorreu de alteração introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2013).

P) Na redacção anterior da norma seria, à data, possível não proceder a qualquer um dos três pagamentos por conta devidos, caso se considerasse verificado o condicionalismo constante da norma legal, sendo que, a partir da referida alteração legislativa tal faculdade foi suprimida, deixando de ser possível suspender ou não efectuar pagamentos por conta em quadro fáctico que extravase o previsto na norma alterada e que aponta para o terceiro pagamento por conta.

Q) Refere-se também o n.º 3 do art.º 107.º do CIRC, para efeito de limitação das entregas a efectuar por conta do pagamento por conta, e apenas, ao terceiro pagamento por conta.

R) Assim, considerando o disposto no n.º 1 e 3 do artigo 104.º do CIRC e o n.º 1 do artigo 105.º do CIRC, conjugado com a não aplicabilidade ao caso concreto do n.º 1 do artigo 107.º do CIRC, a Recorrente não se poderia ter abstido de proceder ao pagamento por conta, e tal pagamento por conta ascendia ao valor de € 124.819,09, uma vez que correspondente a 95% do montante do imposto liquidado – no exercício imediatamente anterior - nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, repartido por três montantes iguais (€ 394.165,54 x 95% / 3).

S) E desta conclusão não sai beliscado o princípio da tributação do lucro real, uma vez que depois de efectuados os primeiro e segundo pagamentos por conta, poderá o contribuinte fazer cessar os pagamentos, não procedendo ao terceiro pagamento por conta nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 107.º do CIRC, atendendo precisamente à matéria colectável do período de tributação, sempre sendo os pagamentos por conta considerados para efeitos de determinação do imposto a pagar a final, conforme disposto no n.º 2 do artigo 104.º do CIRC, o que reitera a tributação pelo lucro real.

T) Face ao exposto, incorreu pois a Recorrente na prática de ilícito contra-ordenacional por falta de entrega do pagamento por conta devido nos termos dos normativos legais citados, contra-ordenação tipificada na alínea f) do n.º 5 e no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT e n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.

U) E, assim, E, assim, a douta sentença padece de deficiente apreciação da matéria de facto e errónea interpretação das normas legais aplicáveis, com violação do disposto no n.º 1 do artigo 104.º, do n.º 1 e 3 do artigo 105.º e do n.º 1 do artigo 107.º a contrario, todos do CIRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente.

Sendo que V. Exas. Decidindo farão a Costumada Justiça”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados a Recorrida e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), foi apresentada resposta pela primeira, na qual foram formuladas as seguintes conclusões:

“1.ª A douta decisão recorrida julgou procedente o recurso da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras-2, no âmbito do processo de contraordenação n.º 36542015060000024300, a qual aplicou à ora Recorrida uma coima no valor de € 38.569,09, acrescida das custas processuais, pela não entrega de pagamento por conta referente ao período 2014/09, em virtude da violação ao disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, infração prevista e punível nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea f) e 26.º, n.º 4, todos do RGIT;

2.ª Considerou o Tribunal recorrido que, não obstante se ter provado que a ora Recorrida não procedeu ao pagamento por conta do período de 2014/09, resulta igualmente provado que em 2014 apesar de ter sido apurado um lucro tributável de € 204.497,93 tal não se traduziu num montante de imposto a pagar, tampouco a recuperar, em virtude da existência do crédito de dupla tributação internacional;

3.ª O Tribunal recorrido entendeu não se verificarem cumpridos os pressupostos da infração, plasmados no artigo 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT, porquanto in casu não existia imposto a pagar no final do exercício e, neste sentido, a falta de entrega do pagamento por conta não consubstancia uma ilicitude, conforme entende também o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 19.11.2015, proferido no âmbito do recurso n.º 08920/15, citado pela douta sentença recorrida;

4.ª Inconformada com a douta sentença, a Recorrente deduziu o respetivo recurso, no âmbito de cujas alegações defende que o que releva para efeitos de determinação do pagamento por conta é o lucro tributável e não o valor do imposto devido a final que reflete as deduções à coleta que, entende a Recorrente, não encontra consagração legal tampouco acolhimento no acórdão citado pela douta sentença recorrida, ao abrigo do qual entende a Recorrente sempre seria devido o pagamento por conta por a ora Recorrida apresentar, nos exercícios de 2013 e 2014, lucro tributável;

5.ª Por outro lado, entende a ora Recorrente não se verifica qualquer situação de dispensa ou suspensão dos pagamentos por conta, nos termos dos artigos 104.º, n.º 4 e 107.º do Código do IRC;

6.ª Por conseguinte, perfilha a Recorrente que a ora Recorrida “(…) incorreu na prática do ilícito contraordenacional por falta de entrega do pagamento por conta devido nos termos dos normativos legais citados, contraordenação tipificada na alínea f) do n.º 5 e no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT e do n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.”;

7.ª E que “(…) a douta sentença padece de deficiente apreciação da matéria de facto e errónea interpretação das normas legais aplicáveis, com violação do disposto no n.º 1 do artigo 104.º., do n.º 1 e 3 do artigo 105.º e do n.º 1 do artigo 107.º a contrario, todos do CIRC.”;

8.ª Contudo, não pode o Recorrido aceitar os fundamentos tecidos nas alegações da Recorrente na medida em que, desde logo, no que se refere à alegada obrigatoriedade de efetuar o pagamento por conta não podemos deixar de ter presente que este pagamento constitui um adiantamento ou antecipação do imposto a pagar com referência ao exercício, conforme resulta do artigo 33.º da LGT, e no exercício de 2014 não se apurou qualquer imposto a pagar na declaração modelo 22 de IRC;

9.ª Note-se que o conceito de “imposto devido a final” que releva para este efeito é o que resulta da dedução à coleta das deduções previstas na legislação aplicável pois, se as entregas pecuniárias efetuadas a título de pagamento por conta o são por conta do imposto devido a final, o conceito de imposto que releva para este efeito não pode deixar de ser aquele para cujo apuramento estas relevam;

10.ª Acresce que, o valor atendível para efeitos de cálculo dos pagamentos por conta em sede de IRC sempre será o da autoliquidação de IRC do ano anterior porquanto no momento do pagamento da primeira prestação de Julho a mesma já ocorreu, pelo que no caso sub judice tendo sido apurado no exercício anterior, 2013, o valor de € 11.705,70 a recuperar pela ora Recorrida, inexiste base para cálculo do pagamento por conta de 2014;

11.ª Por outro lado, no que se refere à alegada incompatibilidade entre a sentença recorrida e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.11.2015, proferido no âmbito do recurso n.º 08920/15, refira-se que o aresto citado na sentença não consagra o lucro tributável como único fundamento do pagamento por conta, antes se limita a exemplificar que no caso de inexistência de lucro tributável os pagamentos por conta se esvaziam de sentido e daí que utilize a expressão “mormente”, no sentido de que chegados à fase do cálculo do imposto sem que houvesse lucro, não faria sentido haver pagamento por conta, o que não significa que este juízo de adequação apenas se faça aquando do apuramento do lucro tributável, isto porque como vimos o pagamento por conta é um adiantamento do imposto devido a final e o imposto a final comporta as deduções à coleta;

12.ª Ainda a este propósito, entendendo a Recorrente que não poderia ter sido utilizada esta decisão para fundamentar a sentença recorrida por assentarem em factos díspares, tal entendimento reflete uma incorreta interpretação da intenção do Tribunal recorrido na medida em que, o que este procurou fazer ao refletir na sentença um excerto do acórdão em apreço, foi exclusivamente solucionar a questão decidenda – i.e., se a falta de entrega do pagamento por conta, nas situações em que não resulte imposto a pagar a final no exercício, constitui uma infração nos termos do artigo 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT;

13.ª A intenção foi tão-só esclarecer que o pagamento por conta tem de ter subjacente um fundamento que se traduz no imposto a pagar a final, isto porque inexistindo matéria coletável ou imposto a pagar a final não haverá lugar ao pagamento por conta e não havendo fundamento para este, não se verifica qualquer infração pelo seu não pagamento;

14.ª Acresce que, a ora Recorrida sempre estaria dispensada dos pagamentos por conta referentes ao exercício de 2014, nos termos do n.º 4 do artigo 104.º do Código do IRC, porquanto em 2013, ano de referência para calcular o pagamento por conta de 2014, apurou um montante de imposto a recuperar de € 11.705,70 e, por conseguinte, inferior ao limite de € 200,00 (a pagar ao Estado) previsto na disposição em apreço;

15.ª Por outro lado, reconhecendo-se a aproximação do conceito de infração contraordenacional ao conceito de crime e sendo certo que a punibilidade, no sentido de desnecessidade preventiva de punição ou carência de tutela, é um dos elementos constitutivos do crime a sanção contraordenacional deve assentar, também, na verificação de pressupostos de punibilidade;

16.ª No caso sub judice, não existindo imposto em falta, inexiste lesão jurídica que justifique a punibilidade da presente contraordenação e deixa de existir qualquer exigibilidade na aplicação de uma sanção contraordenacional pois não se atingem os limiares mínimos de exigência preventiva de punibilidade, nem existe qualquer conduta que ainda seja digna de sanção;

17.ª Sem prejuízo do exposto, na determinação do sentido e alcance do artigo 114.º do RGIT verifica-se que a falta de entrega dos pagamentos por conta não implica, de per si, a prática da infração ali prevista porquanto, o bem jurídico que a norma em causa visa proteger é o interesse da Autoridade Tributária na arrecadação do imposto devido no exercício sendo que só assim se compreende que, no n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, se prevejam como falta de entrega da prestação tributária situações em que não há propriamente falta de pagamento do imposto, mas omissões que podem ter como consequência a falta de cobrança do imposto devido isto porque, o fim visado com aquela norma não é o de salvaguardar a singela entrega do pagamento por conta, mas o da arrecadação do imposto devido a final no exercício;

18.ª Só se estará perante uma infração suscetível de punição quando ocorre uma efetiva lesão do interesse protegido pela norma, impõe-se assim, para que haja lesão do interesse protegido pela norma e, por conseguinte, o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição, que a Autoridade Tributária tenha deixado de receber imposto que era devido;

19.ª Ora, in casu não se estimando que dos correspondentes campos previstos no Quadro 10 da declaração periódica de rendimentos modelo 22 referentes ao “IRC liquidado” e ao “IRC a Pagar” conste algum montante, dúvidas não restam de que não há imposto devido a final no exercício ao qual aqueles pagamentos por conta seriam abatidos pelo que, não havendo imposto a final no exercício, não pode ser imputada à Recorrida a prática de qualquer infração, por inexistência de lesão do interesse protegido pelo artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT;

20.ª Com efeito, o artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT não pode deixar de ser interpretado no sentido de que apenas quando o Estado tenha deixado de arrecadar o imposto que lhe seria devido é que deve ser punida a falta de entrega da prestação de pagamento por conta, sob pena de violação dos princípios constitucionalmente consagrados da proporcionalidade, da tributação pelo lucro real e da igualdade contributiva (cf. artigos 13.º, 18.º, 104.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa), como, aliás, é assente na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais (cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos no âmbito do recurso n.º 0877/06, em 07.03.2007, e do processo n.º 01221/06, em 28.01.2007);

21.ª Para se atingir tal conclusão importa fazer referência aos vários subprincípios em que o princípio da proporcionalidade, quando dotado de cobertura constitucional, assume e que se concretizam na adequação, na necessidade e na justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito;

22.ª Desde logo, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade, embora se reconheça que o interesse legítimo na arrecadação do imposto devido no exercício possa justificar a previsão e punição da falta de entrega dos pagamentos por conta, já nada justifica que, quando o Estado não tenha ficado lesado, essa responsabilidade continue a existir tampouco que os contribuintes sejam igualmente punidos pela falta de entrega de pagamentos por conta, quer o Estado tenha ou não ficado lesado na cobrança do imposto devido a final;

23.ª Por fim, também na sua vertente mais estrita ocorre a violação do princípio da proporcionalidade na medida em que, a interpretação da aludida norma no sentido de que qualquer falta de entrega dos pagamentos por conta deve ser punida nos termos previstos na norma abre a porta para a aplicação de coimas em valores que poderão exceder 4400 vezes o eventual imposto devido a final e numa situação limite e hipotética, o contribuinte poderá ver-se obrigado a pagar uma coima de € 110.000,00, quando o imposto devido a final foi de apenas € 25,00, o que é manifestamente desproporcional face ao bem jurídico que a norma visa tutelar;

24.ª Efetivamente, o direito do Estado a arrecadar o imposto devido e à punição da falta de entrega do pagamento por conta do imposto devido a final não pode implicar uma punição desligada quer do resultado da infração, quer dos valores em causa, sob pena de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, pelo que o artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, se interpretado no sentido de que qualquer falta de entrega dos pagamentos por conta deve ser punida, independentemente da existência de imposto devido a final, incorre em violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

25.ª Acresce que, também ao nível do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o artigo 114.º, n.º 5, do RGIT e a interpretação que dele se efetua no caso vertente são inconstitucionais;

26.ª Com efeito, a imputação da responsabilidade infracional pela falta de entrega do pagamento por conta, independentemente de haver ou não imposto devido a final, encerra uma presunção inilidível de imposto devido no exercício, para além de um tratamento desigualitário dos contribuintes face ao resultado fiscal apurado no exercício, culminando estes por ser tratados em desrespeito da sua capacidade contributiva no exercício em causa (cf. TC, no Acórdão n.º 348/97, de 29 de Abril de 1997);

27.ª Deste modo, o artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, se interpretado no sentido de que toda e qualquer falta de entrega de pagamentos por conta deve consubstanciar falta de entrega da prestação tributária prevista e punida por aquela norma, padece de inconstitucionalidade por do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, nessa medida, manter-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pela Recorrida, mantendo a posição já esgrimida.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de a T. ter incorrido na prática de ilícito contraordenacional, por falta de entrega do pagamento por conta devido, contraordenação tipificada na alínea f) do n.º 5 e no n.º 2 do art.º 114.º do RGIT e n.º 4 do art.º 26.º do RGIT?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) . A Recorrente é uma sociedade que tem por objecto social a prestação de serviços de logística operacional, gestão de aprovisionamento e equipamento na área da construção civil e obras públicas, quer para o mercado interno, quer para o mercado externo [não controvertido].

B) . Em 15.05.2014, a Recorrente procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22, referente ao exercício de 2013, na qual apurou um montante a pagar de €14.247,60, a título de derrama e tributações autónomas, constando no quadro 9 e 10 o seguinte:

[cf. cópia da declaração mod. 22 a fls. 25 a 29 dos autos].

C) . No ano de 2014 a Recorrente não efectuou qualquer pagamento por conta, com referência ao exercício fiscal de 2014 [cf. campo 360 da cópia da declaração mod. 22 a fls. 60 a 63 dos autos].

D) . Em 19.05.2015, a Recorrente procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22, referente ao exercício de 2014, constando do quadro 9 e 10:

[cf. cópia da declaração mod. 22 a fls. 60 a 63 dos autos].

E) . Relativamente ao exercício de 2014, e na sequência da apresentação da declaração identificada em D) supra, foi emitida a liquidação n.º 2015.29101632556, em nome da Recorrente, da qual consta nomeadamente o seguinte:

Imagem: Original nos autos

[cf. fls. 64 dos autos].

F) . Em Março de 2015, a Recorrente foi notificada da instauração do processo de contra-ordenação n.º 36542015060000024300, do Serviço de Finanças de Oeiras 2, com base em auto de notícia levantado, por falta de entrega de pagamento por conta, referente ao ano de 2014/09, cujo prazo limite de entrega terminou em 30.09.2014, infringindo o disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, punível nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e 5, alínea f) e 26.º, n.º 4, todos do RGIT [cf. fls. 31 dos autos].

G) . Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, datado de 15.04.2015, foi aplicada à Recorrente a coima de €38.569,09 (acto recorrido), no processo de contra-ordenação identificado no ponto anterior [cf. fls. 41 dos autos].

H) . O presente recurso foi apresentado a 18.05.2015 [cf. fls. 6 dos autos]”.

II.B. Refere-se ainda no despacho decisório recorrido:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por entender, em síntese, que se está um perante o não pagamento do segundo pagamento por conta referente ao mês de setembro de 2014, no montante de 124.819,09 Eur., não se tratando de caso de inexistência de lucro tributável.

Por seu turno, a ora Recorrida considera não ser de apontar qualquer erro de julgamento ao decidido.

Vejamos então.

In casu, como resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto, a T. não efetuou qualquer pagamento por conta, por referência ao exercício de 2014 [cfr. facto C)].

Ficou ainda provado que, no referido exercício, apurou lucro tributável, resultando da declaração modelo 22 apresentada que não foi apurado IRC, uma vez que a coleta calculada foi integralmente consumida pelo crédito por dupla tributação jurídica internacional [cfr. facto D)].

Face a este contexto, foi instaurado PCO contra a T., por falta de entrega de pagamento por conta relativo ao período 2014/09, por infração do disposto no art.º 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, punível nos termos dos art.ºs 114.º, n.º 2 e 5, alínea f) e 26.º, n.º 4, todos do RGIT, tendo vindo a ser aplicada uma coima, nesse seguimento, de 38.569,09 Eur.

Vejamos.

Nos termos do então art.º 104.º do CIRC:

“1 - As entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n.os 2 e 3 do artigo 8º, no 7º mês, no 9º mês e no dia 15 do 12º mês do respetivo período de tributação;

b) Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta;

c) Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122.º, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias já pagas.

2 - Há lugar a reembolso ao sujeito passivo quando:

a) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.os 2 e 4 do artigo 90º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta;

b) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.os 2 e 4 do artigo 90º, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respetiva diferença.

3 - O reembolso é efetuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês seguinte ao do seu envio.

4 - Os sujeitos passivos são dispensados de efetuar pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o respetivo cálculo for inferior a (euro) 200.

5 - Se o pagamento a que se refere a alínea a) do n.º 1 não for efetuado nos prazos aí mencionados, começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente.

6 - Não sendo efetuado o reembolso no prazo referido no nº 3, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.

7 - Não há lugar ao pagamento a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 nem ao reembolso a que se refere o n.º 2 quando o seu montante for inferior a (euro) 25”.

Aqui se consagra, pois, a obrigação de se efetuarem três pagamentos por conta por referência ao exercício relativo ao momento em que são feitos, dispensando-se tal pagamento quando o imposto do período de tributação de referência para o respetivo cálculo for inferior a 200,oo Eur.

Por seu turno, nos termos do art.º 114.º, n.ºs 2 e 5, do RGIT:

“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.

(…) 5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:

(…) f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta”.

O Tribunal a quo, a este respeito, considerou que não se preenchem todos os elementos do tipo contraordenacional, em virtude de não ter sido apurado IRC em falta, motivo pelo qual absolveu a T. da prática da infração que lhe fora imputada.

Vejamos se assim é.

Em relação a situação em tudo idêntica à ora em apreciação, diferindo apenas o mês do pagamento por conta em falta, já se pronunciou este TCAS, em Acórdão de 29.04.2021 (Processo: 3337/15.0BESNT), onde se referiu:

“[O]s pagamentos por conta funcionam como forma de antecipação das receitas fiscais.

Com efeito, como expendido no Acórdão do Tribunal Constitucional, referente ao processo nº 494/2009 de 23 de outubro de 2009:

A finalidade dos pagamentos por conta (do PEC mas, do mesmo modo, do pagamento normal por conta - PNC) é a de, concretizando a máxima pay as you earn, aproximar a data do pagamento, neste caso, do IRC, da data da produção ou obtenção dos rendimentos, sendo certo que a obrigação tributária apenas estará efectivamente definida e quantificada no final do respectivo período de imposição, por referência aos factos tributários que fundam a emergência da obrigação do imposto. Imposições deste género correspondem juridicamente, numa perspectiva estrutural, a actos tributários provisórios e, funcionalmente, a actos cautelares ou caucionais.

Sem prejuízo do reconhecimento de uma certa autonomia do pagamento antecipado da dívida tributária, é necessário que se verifique uma relação de instrumentalidade entre o pagamento especial por conta (o seu nascimento e quantificação) e o facto tributário gerador da obrigação fiscal. (…)

Significa, portanto, que o pagamento por conta assume uma natureza cautelar relativamente à obrigação que resultará da determinação definitiva do imposto.” (destaques e sublinhados nossos).

Como evidenciado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0877/06, de 07 de março de 2007:

“Da definição legal de “pagamento por conta” retira-se uma imbricação inevitável, necessária e essencial entre “pagamento por conta” e “imposto devido a final”.

Por modo tal que o “título” (palavra da lei) do “pagamento por conta” é o “imposto devido a final”.

O que significa que o “pagamento por conta” é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário.

O que significa, ainda, que o “pagamento por conta” tem de ser aferido com referência à situação contabilística da empresa no fim do período a que se refere o pagamento por conta.

O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta”) – mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo –, aquele “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo.(…)

(…) de harmonia com a tipificação da infracção tributária prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, a falta de prestação de pagamento por conta constitui uma “infracção de resultado” (não, simplesmente, “de perigo”).

Com a falta de “pagamento por conta” há certamente o perigo de lesão do interesse protegido pela norma. Há realmente o perigo de a Administração Fiscal deixar de receber o imposto que lhe é devido.

Mas o que é importante, na economia da norma de punição em foco, não é o perigo de lesão do interesse protegido. O que verdadeiramente importa, para a norma de punição, é o resultado, ou seja, a efectiva lesão do interesse protegido. Isto é: a presença de imposto devido que não tenha sido entregue.

E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição – porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma.
A falta de entrega da prestação por conta pode existir, mas, se não ocorrer a efectiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infracção não se verifica, e, não se verificando infracção, não pode haver punição
[3].”

Ora, visto o direito e os entendimentos jurisprudenciais supra expendidos, regressemos ao caso dos autos.

In casu, a Recorrida não procedeu à entrega do pagamento por conta referente à primeira prestação concernente ao exercício de 2014, sendo que na declaração de Rendimentos Modelo 22, respeitante ao exercício de 2014, pese embora tenha existido lucro tributável apurado, a verdade é que não resultou qualquer imposto a final a entregar nos cofres do Estado, conforme dimana da Declaração de Rendimentos e bem assim da correspondente nota de liquidação.

Ora, sufragando os entendimentos expendidos anteriormente, resulta que o pagamento por conta não pode estar desligado do princípio da tributação do lucro real e não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena, como visto, de violação de lei constitucional.

Porquanto, a falta do pagamento por conta deve ser aferida em função, quer do exercício anterior, quer da concreta atividade desenvolvida pelo sujeito passivo. Donde, resultando provado nos autos, que a empresa não teve qualquer imposto final a pagar, conclui-se que não estão preenchidos os elementos típicos integradores da contraordenação.

Com efeito, a manutenção de uma coima de €38.569,09 e a obrigação de um pagamento por conta no montante de €124.819,09, tomando como termo de comparação o valor pago no exercício anterior face ao valor do imposto a pagar no exercício seguinte, seria efetivamente um “empréstimo forçado” ao Estado, incompatível com um Estado de Direito[4].

De salientar, neste particular, que não releva para o efeito o facto de a inexistência de apuramento de imposto a entregar nos cofres do Estado dimanar da dedução por efeitos de crédito de dupla tributação internacional. Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do artigo 90.º, nº 1, do CIRC, ou seja, tendo por base a matéria coletável constante na declaração periódica de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo. É certo que é feita expressa menção à dedução da alínea e), mas a verdade é que o que importa reter é que independentemente do cálculo dos pagamentos por conta, os termos do processo contraordenacional só são preenchidos quando exista, efetivamente, imposto a entregar nos cofres do Estado, como claramente se infere do disposto na alínea f), do nº5, do artigo 114.º do RGIT.

Ademais, o conceito de “imposto devido a final” que releva para este efeito é o que resulta da dedução à coleta das deduções previstas na legislação aplicável pois, se as entregas pecuniárias efetuadas a título de pagamento por conta o são por conta do imposto devido a final, o conceito de imposto que releva para este efeito não pode deixar de ser aquele para cujo apuramento estas relevam.

Destarte, não havendo imposto a final a pagar, não ocorre a lesão do interesse jurídico que a norma punitiva visa proteger, logo não foi praticada qualquer infração e não havendo infração, nenhuma coima pode ser aplicada.

É certo que a Recorrida aduz (…) que, face à redação do citado artigo 107.º, nº1 do RGIT, só pode ser dispensada a terceira prestação, e nunca a primeira prestação que é a que está na génese da presente coima, mas a verdade é que essa circunstância, per se, não pode acarretar o preenchimento do tipo contraordenacional. Com efeito, o que importa aferir e ponderar é que não havendo imposto a pagar, inexiste efetividade da lesão do interesse protegido pela norma punitiva, donde conduta passível de integrar o tipo de ilícito contraordenacional.

Neste particular, importa convocar o Aresto do STA, proferido no processo nº 0461/18, de 16 de janeiro de 2020, o qual doutrina na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“É certo encontrar-se previsto no art. 107.º n.º1 do C.I.R.C., na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, poder ser dispensado o pagamento da terceira prestação, se o agente verificar que o montante a pagar é igual ou superior ao imposto que será devido.

Contudo, tal não é suficiente para “a contrario” se considerar que se impõe considerar praticada, no caso, a contraordenação p.ª e p.ª, conjugadamente, pelos artigos 104.º n.º 1 a) do CIRC, 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T..

A proteção do erário público, a que se destina o tipo legal em causa é relativo a uma tributação a que se tem de proceder fundamentalmente segundo o rendimento real – art. 104.º n.º 2 da C.R.P..

Consideramos que, resultando apurado haver no respetivo exercício imposto a recuperar - e não a pagar-, não existe a contrariedade com a ordem jurídica considerada na totalidade.

No caso de não vir a ocorrer o pagamento da segunda prestação por conta, prevista para o mês de setembro, é de excluir a ilicitude e a punição.

Com efeito, tal está de que acordo com o art. 31.º n.º 1 do C. Penal, bem como com o art. 2.º n.ºs 1 e 2 do R.G.I.T..” (destaques e sublinhados nossos).

De relevar, in fine, que não havendo imposto devido a final, para além, de como visto, a punição não respeitar a norma tipificadora da infração, a verdade é que sempre acarretaria o desrespeito da valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, e a capacidade contributiva do devedor.

De resto, só com essa interpretação serão respeitados os princípios constitucionais basilares da tributação do lucro real, da justiça, da legalidade e da proporcionalidade, porquanto o artigo 114.º, nº5, alínea f), do RGIT, tem de ser interpretado no sentido de que apenas quando o Estado tenha deixado de arrecadar o imposto devido é que deve ser punida a falta de entrega da prestação tributária.

Até porque, “[o]s pagamentos por conta revestem natureza provisória, apenas se podendo tornar definitivos quando o montante de imposto a pagar estiver efectivamente determinado, pelo que se verifica apenas um adiantamento do pagamento do imposto devido a final. Deste modo, o pagamento antecipado produzirá os seus efeitos se couber dentro da dívida de imposto, a qual apenas ficará determinada no momento da liquidação, sendo que a estruturação desta, em regra, implica a existência de uma obrigação acessória declarativa do sujeito passivo (cfr.v.g.artºs.89, al.a), e 90, nº.1, al.a), do C.I.R.C.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.291). [5]“.

Conclui-se, assim, que a conduta da Recorrente é insuscetível de preencher o tipo da contraordenação prevista e punida pelo aludido normativo 114.º, n.º 5, alínea (…) [f)], do RGIT, impondo-se a sua absolvição por falta de preenchimento do tipo, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica”.

Considerando este entendimento, a que se adere, resulta, nos termos mencionados, que não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de janeiro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires