Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 406/11.0BECTB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/13/2023 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | MÉTODOS INDIRETOS EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO ÓNUS DA PROVA |
| Sumário: | I. Demonstrada que esteja a legalidade do recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, cabe ao contribuinte demonstrar concretamente o erro ou o excesso de quantificação.
II.Qualquer critério utilizado para a quantificação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos é uma aproximação à realidade e não um retrato exato da mesma. III. Na sequência do referido em II., perante uma situação de aplicação de métodos indiretos, há sempre, em termos de quantificação, uma margem de erro por inerência a estes métodos, que cabe ao contribuinte afastar que forma sustentada e objetiva |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | * Acórdão I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 07.07.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada procedente a impugnação judicial apresentada por I.... ....., Clínica …………. - Unipessoal, Lda. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2008. Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “1. Através do presente recurso, a Fazenda Pública visa reagir contra a douta decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a presente impugnação deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2008, no montante de 23.304,55 €, tendo, em consequência, decidido anular o mesmo. 2. A discordância da Fazenda Pública não abrange a totalidade da douta decisão sob recurso, mas apenas o segmento da mesma que apreciou a questão relativa à quantificação da matéria tributável (…), e concluiu pela existência de erro de quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, tendo, em consequência, anulado o ato tributário impugnado. 3. Entende a Fazenda Pública que a decisão sob recurso não pode manter-se na ordem jurídica, por enfermar de vicio de violação de lei, designadamente por desrespeito dos nºs 4 e 5 do artigo 607º do CPC e por enfermar de erro de julgamento de facto e de direito, derivado da errónea interpretação da factualidade subjacente à apreciação do mérito da causa e errada interpretação e aplicação da lei, designadamente, no que se reporta ao nº 3 do artigo 74º da LGT. 4. Desde logo, no que se reporta à fundamentação da matéria de facto dada como provada, verifica-se que a factualidade constante da alínea R) do probatório, alicerça-se numa alegação da impugnante (artigo 35º da PI) e em juízos de valor efetuados pelo Tribunal quanto à posição que o Perito da Fazenda Pública manifestou em sede de procedimento de revisão. 5. Sucede que a matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, preposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos – neste sentido, vide entre outros, Acórdão do TCA Sul de 06.12.2018) 6. Por outro lado, quanto à posição manifestada pelo perito da Fazenda Pública em sede de procedimento de revisão, resulta da prova junto aos presentes autos e reconhecida expressamente pelo Tribunal “ a quo” que no referido procedimento os peritos não lograram chegar a acordo. 7. Não tendo os peritos designados pelas partes intervenientes no procedimento de revisão, logrado chegar a acordo, não pode o Tribunal “a quo” extrair da posição manifestada pelo perito da Fazenda Pública juízos jurídico-conclusivos que sirvam de base de sustentação probatória da matéria de facto constante da alínea R) do probatório. 8. A posição que foi manifestada pelo perito da Fazenda Pública no âmbito do procedimento de revisão, foi apresentada no pressuposto de ocorrer um possível acordo com o perito da impugnante, motivo pelo qual, não tendo ocorrido o pressuposto de facto que norteou a posição manifestada pelo perito da Fazenda Pública, não pode o Tribunal “ a quo” extrair repercussões jurídicas de uma posição que não se consolidou na ordem jurídica em virtude da falta de acordo dos peritos. 9. A factualidade constante da alínea R) do probatório para além de não consubstanciar um acontecimento ou facto concreto resultante da produção de provas concretas e inquestionáveis, encerra juízos de valor subjetivos que ultrapassam os limites do principio da livre apreciação da prova, violando o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 607º do CPC, que estabelecem de forma expressa que o juiz deve tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, não abrangendo a livre apreciação da prova os factos que só possam ser provados por acordo das partes. 10. Termos em que, deve a factualidade constante da alínea R) ser expurgada do probatório com as necessárias consequências legais, designadamente em sede de fundamentação de direito da decisão recorrida, com inevitáveis repercussões no sentido da mesma. 11. Quanto à fundamentação de direito, entende a Fazenda Pública que da factualidade constante da alínea H do probatório e da factualidade constante do RIT, com especial destaque para os pontos IV e V - relativos à fundamentação da aplicação de métodos indiretos para apuramento da matéria tributável da impugnante e fundamentação do critério para quantificação da mesma - resulta inequivocamente demonstrado que o critério de quantificação da matéria tributável que foi adotado pela AT resultou diretamente dos registos contabilísticos da impugnante, mais concretamente da análise das contas 316 – Compras de Matérias Primas e 62215 – Ferramentas e Utensílios de Desgaste Rápido, tais como agulhas, aspiradores de saliva, luvas, papel articulação, pontas de papel, anestesiante - vide alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso. 12. Tais registos evidenciam de forma clara e sem qualquer margem para dúvidas, as compras efetuadas, declaradas e registadas pela própria impugnante na sua contabilidade, demonstrando de forma inequívoca que mesma adquiriu em janeiro de 2007, 1000 aspiradores de saliva e em 18 de abril de 2007, 2000 aspiradores de saliva, perfazendo o total de 3000 aspiradores de saliva- vide alínea H) do probatório e RIT da douta decisão sob recurso. 13. Para além de tal factualidade constar de forma expressa da alínea H do probatório e do RIT, realça-se ainda o facto de a mesma nunca ter sido objeto de litigio nos presentes autos, pois a impugnante nunca impugnou tal factualidade, o que seria de todo absurdo uma vez que as aquisições em causa foram por ela declaradas e registadas na sua contabilidade. 14. Tal como consta da alínea H) do probatório da decisão sob recurso, a AT considerou que os aspiradores de saliva eram materiais utilizados durante as consultas cujos consumos têm uma relação direta com o nível de atividade desenvolvida pela impugnante, uma vez que se tratam de materiais de uso especifico da atividade de médico dentista, tendo a impugnante corroborado a existência desta relação direta quando em auto de declarações, elaborado no decurso do procedimento inspetivo. 15. A AT na escolha do critério de quantificação da matéria tributável, teve também em consideração o teor das declarações prestadas pela impugnante no decurso do procedimento inspetivo, pois permitiram à AT validar o raciocínio que foi delineando na sequência da análise dos registos contabilístico da impugnante e respetivos documentos de suporte, permitindo-lhe concluir pela existência de uma relação direta entre o consumo de aspiradores de saliva e a atividade desenvolvida pela impugnante. 16. No âmbito dos presentes autos, a impugnante não logrou apresentar elementos probatórios que fossem suscetíveis de demonstrar de forma clara e inequívoca a existência de um eventual excesso de quantificação, sendo disso prova os factos que o Tribunal “a quo” fez constar do probatório, com especial destaque para as alíneas H), O, P e Q e ainda para o ponto 1 dos factos que o Tribunal “a quo” julgou não provados. 17. O entendimento que foi preconizado pelo Tribunal “ a quo”, que lhe permitiu concluir pela inadequação do critério de quantificação e subsequente excesso de quantificação da matéria tributável, radica numa deficitária análise e valoração da prova produzida e que o próprio Tribunal “ a quo” fez constar do probatório, nomeadamente, no que se reporta à factualidade constante alínea H do probatório da decisão sob recurso. 18. No caso em apreço, a AT para proceder à escolha do critério de quantificação não se socorreu dos inventários da impugnante, uma vez que na sequência da análise dos mesmos foi possível concluir que apresentavam incongruências. 19. Tendo o Tribunal “ a quo” acolhido a fundamentação de facto – e de direito – que foi invocada pela AT para justificar e fundamentar o recurso à aplicação de métodos indiretos para determinação da matéria tributável, não podia ignorar esses mesmos factos, designadamente, no que aos inventários se reporta, para apreciar e decidir a questão relativa à legalidade do critério de quantificação da matéria tributável, tanto mais, que fez constar esses mesmos factos da alínea H) do probatório da douta decisão recorrida. 20. Tendo a AT concluído, além do mais, que os inventários da impugnante não eram credíveis, não poderia (nem deveria) socorrer-se dos mesmos para quantificação da matéria tributável, pois nesse caso, estaríamos sim, perante um manifesto erro grosseiro, cuja consequência seria inevitavelmente o descrédito do critério de quantificação. 21. Face à descredibilização dos inventários da impugnante, a questão relativa ao inventário inicial do exercício de 2007, uma vez que o inventário final deste exercício não correspondia à realidade, revela-se do ponto de vista probatório absolutamente inócua, porquanto, insuscetível de produzir os efeitos que o Tribunal “ a quo” lhe tenta imputar. 22. Embora a AT tenha considerado que os 3000 aspiradores adquiridos pela impugnante no exercício de 2007, corresponderiam a 3000 consultas, uma vez que a atividade foi desenvolvida de forma normal e continua nos exercícios em análise, optou por dividir o número de consultas supra determinado de 3000 de forma igual pelos exercícios em análise, de onde resulta que o número de consultas efetuadas em cada exercício foi de 1000, não tendo no entanto efetuado qualquer imputação e correção ao exercício de 2009, pelo que, a AT, apesar de ter partido da premissa que os 3000 aspiradores de saliva correspondiam a 3000 consultas, apenas considerou 2000 consultas, uma vez que imputou 1000 consultas ao exercício de 2007 e 1000 consultas ao exercício de 2008, não tendo imputado qualquer valor ao exercício de 2009 – uma vez que considerou que neste exercício o número declarado de consultas foi de 1060, ou seja, ligeiramente acima do número de 1000, bem como pelo facto de no exercício de 2009, os resultados declarados pela impugnante e consequentemente os rácios serem superiores à média do sector. 23. Resulta da factualidade que o Tribunal “a quo” fez constar do probatório, com especial enfoque para a alínea H), resultou provado que a impugnante em 31.12.2007, declarou no seu inventário que possuía 400 aspiradores de saliva. 24. Tendo em consideração que a impugnante em 5.01.2007 e em 18.04.2007, registou na sua contabilidade faturas que refletiam a aquisição de 1000 e 2000 aspiradores de saliva, respetivamente, num total de 3000, se em 31.12.2007, declarou no seu inventário final que possuía 400 aspiradores de saliva, tal significa que a impugnante reconhece de forma expressa, que no exercício de 2007 utilizou/consumiu no desenvolvimento da sua atividade um total de 2600 aspiradores de saliva (3000 -400 = 2600) que corresponderiam a 2600 consultas. 25. Considerando que a AT imputou ao exercício de 2007 e ao exercício de 2008 – note-se que a AT não fez qualquer imputação ao exercício de 2009 e não corrigiu este exercício – 1000 aspiradores de saliva, num total de 2000, a que corresponderiam 2000 consultas, tendo a impugnante declarado que utilizou 2600 aspiradores a que corresponderiam 2600 consultas, então necessariamente teríamos de concluir que o critério de quantificação que a AT considerou para os exercícios de 2007 e 2008 , 2000 consultas encontra-se muito abaixo das 2600 consultas que a impugnante terá realizado, o que demonstra, de forma muito clara que no caso em apreço, a quantificação da matéria tributável terá ficado muito abaixo da real situação tributária da impugnante. 26. Note-se que tal como decorre da factualidade constante da alínea H) do probatório, no exercício de 2009 a impugnante declarou que realizou 1060 consultas, tendo os resultados declarados pela impugnante e consequentemente os rácios sido superiores à média do sector. 27. A prova que foi produzida nos presentes autos e que foi levada ao probatório, com especial destaque para a alínea H) demonstra à saciedade que a contabilidade da impugnante não merecia credibilidade, facto que justificou o recurso à aplicação de métodos indiretos e justificou o critério de quantificação que foi adotado pela AT. 28. Por tudo o que ficou dito, impõe-se concluir que o critério adotado pela AT para a quantificação da matéria tributável não é ilegal nem se mostra inadequado, não se tendo demonstrado que conduza a resultados excessivos, muito pelo contrário, a factualidade que resultou provada na alínea H) do probatório permite concluir que a quantificação ficou abaixo dos valores que são expressamente declarados pela impugnante na sua contabilidade. 29. Por outro lado, contrariamente ao entendimento que foi preconizado pelo Tribunal “a quo” cabia à impugnante alegar e provar que ocorreu excesso na quantificação da matéria tributável, o que não foi efetuado. 30. Tendo em consideração a factualidade que consta do probatório, especialmente a constante da alínea H) nem sequer se vislumbra como possível que o eventual excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados pela impugnante. 31. Face à prova que foi produzida nos presentes autos e que foi levada ao probatório, com especial destaque para a alínea H), impõe-se concluir que o critério de quantificação da matéria tributável que foi adotado pela AT, face à descredibilização da contabilidade da impugnante, revela-se no contexto da atividade desenvolvida pela mesma, como sendo o mais adequado a obter uma aproximação à verdadeira situação tributária da impugnante, não se podendo perder de vista que a situação real apenas se pode apreender com base nos dados da contabilidade, que a própria impugnante tratou de descredibilizar. 32. Nestes termos, face à globalidade da prova produzida nos presentes autos, com especial relevo para a constante na alínea H) do probatório, impõe-se concluir que no caso em apreço, a AT cumpriu o ónus probatório que lhe é imposto pelo nº 3 do artigo 74º da LGT, não tendo a impugnante logrado demonstrar o excesso de quantificação, pelo que, o Tribunal “ a quo” ao decidir em sentido diferente incorreu em erro de julgamento não podendo a decisão sob recurso manter-se na ordem jurídica. 33. Contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, as declarações prestadas pela sócia gerente da impugnante não foram o ponto de partida para a escolha do critério de quantificação, apenas serviram para reforçar a posição da inspeção, quanto à existência da referida relação direta entre o consumo de matérias primas e os serviços prestados. 34. Com efeito, foi com base na análise dos registos contabilísticos da impugnante, designadamente das faturas relativas ás compras de matéria primas (aspiradores de saliva e agulhas) que ela própria declarou e fez constar da sua contabilidade, que a AT logrou estabelecer uma relação direta entre o consumo de matérias primas (in casu de aspiradores de saliva) e os serviços prestados pela impugnante. 35. A interpretação do Tribunal “ a quo”, segundo a qual, não existe uma relação direta entre o uso do aspirador de saliva e os atos médicos praticados pela impugnante, tendo por base exclusiva de sustentação probatória, as declarações da única testemunha apresentada – mãe da impugnante – e sem levar em consideração as demais evidências probatórias que nortearam a tomada de decisão da AT quanto ao critério selecionado, não se coaduna com a realidade probatória que foi produzida nos presentes autos, nem com a realidade decorrente das regras da experiencia comum, vivenciadas pela generalidade do público alvo. 36. Ainda que se admitisse que não existe uma relação direta entre o uso do aspirador de saliva e os atos médicos praticados pela impugnante, a verdade é que o próprio Tribunal reconhece que “(…) apesar de haver uma relação próxima, reconhecida pela impugnante, entre o número de consultas e número de aspiradores consumidos, poderá não existir idêntica relação direta – que a impugnante não reconheceu - entre o número de aspiradores consumidos e o número de faturas ou recibos (…)” – nosso bold. 37. E a existência desta relação próxima entre o uso do aspirador de saliva e os atos médicos praticados pela impugnante, contrariamente ao entendimento que foi preconizado pelo Tribunal “a quo”, é suficiente para concluir pela credibilidade e adequação do critério adotado pela inspeção para quantificação da matéria tributável da impugnante. 38. Contrariamente à leitura que erradamente foi efetuada pelo Tribunal “ a quo”, no exercício de 2009 a AT não fez qualquer imputação de consultas, não tendo corrigido este exercício, porquanto, considerou que em 2009, o número declarado de consultas pela impugnante foi de 1060, ou seja, ligeiramente acima do número de 1000 apurado pela inspeção, e que no exercício de 2009, os resultados declarados pela impugnante e consequentemente os rácios foram superiores à média do sector. – vide RIT que integra o PA junto aos presentes autos. 39. Temos assim, que contrariamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal “ a quo” o critério de quantificação da matéria tributável da impugnante revela-se como sendo o mais adequado a obter uma aproximação à verdadeira situação tributária da impugnante, não se podendo perder de vista que a situação real apenas se pode apreender com base nos dados da contabilidade, que a própria impugnante tratou de descredibilizar. 40. Contrariamente à tese defendida pelo Tribunal “ a quo”, entende a Fazenda Pública que a AT não errou na interpretação do teor das declarações prestadas pela sócia gerente da impugnante, pois tal como já se demonstrou e resulta inequívoco da factualidade refletida no RIT, o critério adotado pela inspeção não teve como ponto de partida as declarações da referida sócia gerente, mas antes os registos contabilísticos elaborados pela própria impugnante e espelhados na sua contabilidade, designadamente as faturas relativas à aquisição de aspiradores de saliva e de agulhas. 41. A parte do depoimento da sócia gerente da impugnante que foi tida em conta pela inspeção, reporta-se à existência de uma relação ( seja ela qualificada de direta ou próxima) entre o uso de aspiradores de saliva e os atos médicos realizados pela impugnante, porquanto, existiam na contabilidade da impugnante evidências probatórias - veja-se as faturas relativas à compra de agulhas e aspiradores de saliva – que corroboraram aquela parte do depoimento, sendo certo, que quanto à restante factualidade a que se reporta o depoimento, a impugnante não apresentou provas que demonstrassem a sua veracidade. 42. Perante a manifesta ausência de provas que sustentem a globalidade do depoimento prestado pela sócia gerente, não pode o Tribunal “a quo” partir da premissa que toda a factualidade invocada pela impugnante corresponde à verdade dos factos, quando essa “verdade” carece de outros meios de prova que lhe confiram credibilidade e veracidade. 43. Por outro lado, não pode o Tribunal “ a quo” partir da premissa que um determinado facto é público e notório – estamos aqui a reportar-nos à emissão de uma fatura para atos médicos que envolvem várias sessões de tratamento – quando a realidade conhecida do público alvo, também é demonstrativa do outro lado da premissa de que partiu o Tribunal “ a quo” – ou seja, também constitui um facto público e notório, que existem profissionais que emitem uma fatura por cada sessão de tratamento. 44. Nestes termos, face à globalidade da prova produzida nos presentes autos, com especial relevo para a constante na alínea H) do probatório, impõe-se concluir que no caso em, apreço a AT cumpriu o ónus probatório que lhe é imposto pelo nº 3 do artigo 74º da LGT, não tendo a impugnante logrado demonstrar o excesso de quantificação, pelo que, o Tribunal “ a quo” ao decidir em sentido diferente incorreu em erro de julgamento não podendo manter-se na ordem jurídica, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por outra, que mantenha na ordem jurídica o ato tributário impugnado. Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e substituída por outra, que mantenha na ordem jurídica o ato tributário impugnado”. A Recorrida não apresentou contra-alegações. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto? b) Verifica-se erro de julgamento, dado não ter sido provado o excesso na fixação da matéria coletável?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) A Impugnante é uma sociedade por quotas cujo objeto de atividade consiste na «prestação de serviços de medicina dentária, prótese, ortodontia e implantologia», correspondente ao CAE 86230 [cf. Certidão permanente do registo comercial a fls. 46 do processo administrativo apenso]. B) Com início em 23/08/2010, e em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201000127, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda realizaram uma ação de inspeção tributária externa à atividade da Impugnante, de âmbito parcial, com incidência sobre o IRC e IVA dos exercícios de 2007, 2008 e 2009 [cf. fls. 3 e seguintes do PA apenso]. C) Em 01/09/2010, no âmbito do referido procedimento de inspeção, a representante legal da Impugnante foi presencialmente notificada para apresentar elementos contabilísticos, entre os quais «os documentos justificativos do apuramento do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, nomeadamente através da apresentação dos inventários de existências à data de 31 de Dezembro de cada um dos exercícios indicados» [cf. fls. 64 e 65 do PA apenso]. D) Em 13/09/2010 a Impugnante remeteu ao Serviços de Inspeção Tributária os elementos solicitados na notificação de 01/09/2010 [cf. fls. 66 a 76 do PA apenso]. E) Em 27/09/2010 foi elaborado o Projeto de Relatório de inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido, notificado à Impugnante, para efeitos do exercício do direito de audição, através de ofício recebido em 03/11/2010 [cf. fls. 7 a 34 do PA apenso]. F) Do anexo 3 do processo de evidência de trabalho da inspeção tributária consta uma listagem das faturas emitidas pela Impugnante no ano de 2007, cujo teor aqui se dá como reproduzido, do qual resulta que o valor das faturas emitidas pelos atos médicos realizados oscila entre os 30,00€ e os 1.800,00€ [cf. fls. 120 a 132 do PA apenso]. G) Em 24/11/2010 foi elaborado o Relatório final de inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido, de cujas conclusões resultaram, além do mais, correções à matéria tributável em sede de IRC do ano de 2008, com recurso a métodos indiretos no montante de 17.765,00 e correções meramente aritméticas no montante de € 4.432,71, para além de tributações autónomas no montante de € 380,39 [cf. fls. 317 a 345 do PA apenso]. H) Do Relatório final de inspeção tributária consta, além do mais, o seguinte: «(…) IV – MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS Analisando os valores declarados pelo sujeito passivo relativos ao volume de negócios e resultado líquido do exercício, verifica-se que os valores apurados são os seguintes:
Importa referir que nos exercícios de 2007 e 2008, os resultados líquidos apurados seriam negativos, caso o sujeito passivo não tivesse obtido um apoio financeiro por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional de Seia no âmbito do programa de “Estágios Profissionais”, no montante de 1.353,22 € no exercício de 2007 e de 2.731,57 € no exercício de 2008. O horário de funcionamento da clínica é o seguinte: Segunda a sexta-feira (das 09.30 às 12.30 – 14.30 às 20.00 horas) Sábados (das 09.00 às 12.00 – 14.00 às 17.00 horas) Este horário manteve-se igual nos exercícios em análise, conforme resulta dos avisos publicitários publicados no jornal “notícias de Gouveia”, a que dizem respeito os documentos internos contabilizados na conta 62233 – Publicidade e Propaganda. Sendo a actividade desenvolvida de forma normal e contínua nos exercícios em análise, não se justifica a variação verificada no volume de negócios e resultados apurados entre o exercício de 2009 e os exercícios de 2007 e 2008. Aliás, do dossier fiscal do exercício de 2009 do sujeito passivo em análise, faz parte o documento que se junta e constitui o Anexo 2, relativo a uma análise comparativa de custos e proveitos, do qual é possível concluir que no exercício de 2009 se verifica uma diminuição dos custos totais face ao ano anterior no montante de 9.691,99 € (41.842,75 € - 51.534,74 €), enquanto que os proveitos aumentam 8.092,97 € (60.734,55 € - 51.534,74 €). A mesma situação se verifica, comparando o rácio da rentabilidade do pessoal apurado a partir dos valores declarados pelo sujeito passivo, com a média dos valores a nível distrital dos sujeitos passivos do mesmo sector de actividade:
Observações: O valor da média distrital para o exercício de 2009 ainda não é conhecido, sendo os valores acima indicados obtidos a partir da seguinte fórmula:
Verifica-se assim, que os rácios apresentados pelo sujeito passivo estão bastante abaixo dos valores verificados para o seu sector de actividade, bem como se verifica uma variação muito significativa dos valores declarados pelo sujeito passivo nos exercícios em análise. Esta variação do rácio referente à rentabilidade do pessoal, resulta da diferença não justificada de que no exercício de 2009, o valor declarado de proveitos aumenta quanto diminuíram os custos com o pessoal mesmo considerando as subcontratações efectuadas de outros médicos dentistas. Conforme já mencionado ponto III.1.2, no decurso da acção inspectiva foi apurado que no exercício de 2008, a sociedade contabilizou na conta 2681110 – Directriz Contabilística n.º 8, vários movimentos referentes a regularizações de anos anteriores. Segundo informações prestadas pelo Técnico Oficial de Contas, C ………………….. (…) estas regularizações foram efectuadas no exercício de 2008 na sequência do facto de ter assumido a execução da contabilidade apenas a partir desse exercício e em cumprimento da sugestão apresentada pelo ROC E ……………………… (…) o qual realizou, a pedido da sociedade, uma avaliação do estado da organização da contabilidade tendo apresentado algumas orientações no sentido que as regras de controlo interno fossem reforçadas, conforme reconhecido pelo sujeito passivo na resposta enviada a esta Direcção de Finanças na sequência da notificação efectuada em 01/09/2010. Da análise do extracto da referida conta 2681110 - Directriz Contabilística n.º 8, verifica-se que foram efectuadas várias regularizações relativas ao exercício de 2007, conforme consta do documento interno com o n.º 01.0075, sem que se conheça o que deu origem a estas regularizações. Verifica-se também que foram contabilizados nesta conta depósitos bancários efectuados no ano de 2008, no montante de 10.680,00 €, conforme documentos internos com o n.º 0100077, 01.0078, 01.0084, 01.0085, 01.0087, 02.0067, 02.0068 e 02.0069, sendo que os mesmos se encontram documentados com o respectivo extracto bancário, no qual foi aposto a seguinte menção: “referente a 2007”, no entanto também não se encontra justificado qual a origem dos meios financeiros depositados, sendo de referir que à data de 31/12/2007 o balancete contabilístico e respectivo extracto da conta caixa apenas apresentava um saldo de 3.571.22 €, ou seja, bastante inferior aos depósitos supra identificados, bem como não se encontrava contabilizada qualquer dívida de clientes. Importa também referir que o ponto 3 da referida Directriz Contabilística n.º 8/92 dispõe que “consideram-se erros fundamentais aqueles que forem detectados no período corrente e sejam de tal magnitude que as demonstrações financeiras de um ou mais períodos anteriores deixem de ser consideradas como credíveis à data da sua emissão”. Assim, face ao que acima foi disposto, fica demonstrado que a contabilidade do sujeito passivo referente aos exercícios de 2007 e 2008, não reflecte de forma verdadeira e apropriada a situação financeira e os resultados da empresa, conforme resulta das regularizações efectuadas pelo próprio sujeito passivo. Para além desta situação, no decurso da acção inspectiva, foi ainda possível apurar que os documentos justificativos do apuramento do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, nomeadamente os inventários de existências à data de 31 de Dezembro de cada um dos exercícios indicados, não se encontravam arquivados juntos aos documentos de suporte da contabilidade, pelo que procedemos à notificação da sociedade em análise para apresentar os referidos inventários, os quais foram posteriormente remetidos por carta, conforme documento a que foi atribuída a entrada nº 8145 de 14/09/2010 desta Direcção de Finanças. Procedemos também à identificação e recolha das quantidades de materiais adquiridos para uso específico da actividade desenvolvida, contabilizados nas contas 316 – Compras de Matérias Primas e 62215 – Ferramentas e Utensílios de Desgaste Rápido, tais como agulhas, massas (amalgama), aspiradores de saliva, luvas, papel articulação, pontas de papel, anestesiante. De entre os materiais adquiridos e consumidos no decurso dos exercícios em análise, optamos por analisar os dados referentes a agulhas e aspiradores, uma vez que se tratam de materiais utilizados durante as consultas e cujos consumos têm uma relação directa com o nível de actividade desenvolvida. Relativamente a estes materiais, foram apuradas as aquisições abaixo indicadas, sendo de salientar que não foi feita qualquer aquisição de agulhas ou aspiradores de saliva nos exercícios de 2008 e 2009, apesar de a actividade ter sido desenvolvida de forma normal e contínua conforme demonstram os recibos emitidos e contabilizados nesses exercícios, bem como os avisos publicitários publicados no jornal de “Notícias de Gouveia”. « Imagem no original» Analisando os inventários de existências apresentados pelo sujeito passivo na sequência da notificação efectuada no decurso da acção inspectiva, apuramos o seguinte: Agulhas - Do inventário à data de 31/12/2007, não consta nenhuma agulha; - Tendo em conta que, conforme consta dos quadros inseridos na página anterior, não foi adquirida qualquer agulha nos exercícios de 2008 e 2009, não se encontra justificado que nos inventários à data de 31/12/2008 e de 31/12/2009, constem em cada um deles 4 embalagens de 100 unidades cada com a descrição “Agujas cono plástico 30 g corta” Aspiradores de Saliva - No inventário à data de 31/12/2007, constam 4 embalagens com a descrição “Proal Aspiradores de Saliva Opacus 100U”, de onde resultam que do inventário fazem parte 400 aspiradores de saliva; - Dos inventários à data de 31/12/2008 e 31/12/2009, não consta nenhum aspirador de saliva; - Conforme consta dos quadros inseridos na página anterior, não foi adquirido qualquer aspirador de saliva nos exercícios de 2008 e 2009. Em suma, verifica-se que os inventários apresentados pelo sujeito passivo e consequentemente o apuramento do custo das matérias consumidas, não se encontra correcto, uma vez que nos inventários à data de 31/12/2008 e 31/12/2009 constam 4 embalagens de 100 unidades cada com a descrição “Agujas cono plástico 30 g corta”, quando tais bens não constavam do inventário à data de 31/12/2007 e não foi contabilizada qualquer aquisição destes bens nos exercícios de 2008 e 2009. Bem como tendo o sujeito passivo exercido a sua actividade de forma normal e contínua ao longo dos exercícios em análise, emitindo 681 recibos em 2008 e 1060 recibos no ano de 2009, quando não adquiriu nestes anos nenhum aspirador de saliva, e apenas considerou possuir 4 embalagens com a descrição “Proal Aspiradores de Saliva Opacus 100U” no inventário à data de 31/12/2007, apesar de tratar de uma ferramenta indispensável para o exercício da actividade, conforme aliás indica a sócia I.... ……………, contribuinte fiscal n.º ……………, no documento referente ao Autos de Declarações que constitui o Anexo 1. Conforme já mencionado anteriormente, de entre os materiais adquiridos e consumidos no decurso dos exercícios em análise, optamos por analisar os dados referentes a agulhas e aspiradores de saliva, uma vez que se tratam de materiais utilizados durante as consultas cujos consumos têm uma relação directa com o nível de actividade desenvolvida. Uma vez que se tratam de materiais de uso específico da actividade de médico dentista, ouvimos em Auto de Declarações, a sócia I.... ……………., contribuinte fiscal (…), conforme documento que constitui o Anexo 1, no qual a mesma declarou o seguinte: “As agulhas são utilizadas na maior parte das vezes em anestesias e eventualmente no doseamento de alguns produtos. Existem consultas em que não se utiliza agulhas, tais como destartarização, mas também existem consultas/tratamentos em que utiliza mais do que uma agulha. Os aspiradores de saliva são utilizados em quase todos os actos médicos, com algumas excepções, tais como extracções simples. Em caso de infecções ou acompanhamentos posteriores a uma intervenção é feita uma consulta onde utiliza aspiradores mas não são cobrados honorários”. Resulta destas declarações da sócia I.... …………., contribuinte fiscal (…), que sendo os aspiradores de saliva utilizados em quase todos os actos médicos e tendo nos exercícios em análise adquirido 3000 aspiradores, o número de consultas efectuadas seria no mínimo nesse valor de 3000, uma vez que também não se conhece qual o stock de aspiradores no início de 2007, bem como existem situações em que não são utilizados os aspiradores de saliva. Este número de consultas efectuadas de 3000, é bastante inferior ao declarado pelo sujeito passivo que apenas emitiu 617 facturas e recibos no exercício de 2007, 681 no exercício de 2008 e 1060 no exercício de 2009, ou seja, 2358 no total que é bastante inferior ao número de consulta supra determinado de 3000, apurado a partir da utilização destas agulhas e aspiradores de saliva. Quanto aos documentos de facturação emitidos a sócia I…………………, conforme Auto de Declarações supra mencionado e que constitui o Anexo 1, declarou o seguinte: “É emitida uma factura/recibo após a execução da prestação de serviços quando o cliente paga de imediato. É emitida uma factura para prestações de serviços a crédito. No exercício de 2007 este procedimento nem sempre foi executado nos moldes do ano de 2008 e 2009, sendo que a alteração foi efectuada de acordo com as orientações do TOC e do ROC”. Em face das situações supra relatadas, e na impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável nos exercícios em análise, torna-se necessário recorrer à avaliação por métodos indirectos prevista nos art. 87.º, 88.º e 90.º da LGT – Lei Geral Tributária, por remissão do art 52.º do CIRC. De acordo com o disposto na alínea a) do art. 88.º da LGT verifica-se a impossibilidade de quantificar de forma exacta e directa a matéria tributável, quando os elementos da contabilidade são insuficientes para apurar valores. É o que acontece no caso em apreço, face às situações identificadas em que o sujeito passivo efectuou regularizações na contabilidade no exercício de 2008, referentes a operações que não constavam da contabilidade do exercício de 2007, depósitos bancários efectuadas no exercício de 2008, sem que esteja reflectida na contabilidade a origem dos meios financeiros depositados, os inventários apresentados não reflectem de forma correcta as existências na posse da sociedade, a divergência apurada entre o número de consultas obtido a partir do consumo de matérias-primas directas (agulhas e aspiradores de saliva) e o número declarado de consultas efectuadas, bem como a divergência não justificada dos rácios do sujeito passivo face aos valores do sector de actividade e a diferença apresentada nos exercícios em análise. V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS Provou-se a impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria tributável, e tendo que se recorrer à avaliação por métodos indiretos prevista nos art. 87.º, 88.º e 90.º da LGT – Lei Geral Tributária, por remissão do art. 52.º do CIRC, há então que definir um critério para apurar o respectivo lucro tributável. Conforme já mencionado no capítulo anterior, de entre os materiais adquiridos e consumidos no decurso dos exercícios em análise, optamos por analisar os dados referentes a agulhas e aspiradores de saliva, uma vez que se tratam de materiais utilizados durante as consultas e cujos consumos têm uma relação directa com o nível de actividade desenvolvida. Conforme também já indicado no capítulo anterior, foi determinado que tendo nos exercícios em análise adquirido 2500 agulhas e 3000 aspiradores, o número de consulta efetuadas seria no mínimo de 3000, o que é bastante superior ao declarado pelo sujeito passivo que apenas emitiu 617 facturas e recibos no exercício de 2007, 681 no exercícios de 2008 e 1060 no exercício de 2009, ou seja, 2358 no total e que é bastante inferior ao número de consultas supra determinado de 3000, apurado a partir da utilização destas agulhas e aspiradores de saliva, considerando que a cada recibo corresponde uma consulta efectuada, conforme aliás resulta das declarações da sócia I.... …………….., contribuinte fiscal (…), a que diz respeito o Auto de Declarações que constitui o Anexo 1, no qual se declarou o seguinte: “È emitida uma factura/recibo após a execução da prestação de serviços quando o cliente paga de imediato. É emitida uma factura para prestação de serviços a crédito.” Uma vez que a actividade foi desenvolvida de forma normal e continua nos exercícios em análise, optamos por dividir o número de consultas supra determinado de 3000 de forma igual pelos exercícios em análise, de onde resulta que o número de consultas efetuadas em cada exercício foi de 1000. Tendo em conta que no exercício de 2009, o número declarado de consultas foi de 1060, ou seja, ligeiramente acima do número de 1000 supra determinado. Bem como pelo facto de nesse exercício de 2009, os resultados declarados pelo sujeito passivo e consequentemente os rácios serem superiores à média do sector, optamos por não efetuar qualquer correcção a este exercício, para além da constante do capítulo III, sendo que as correcções a propor para os exercícios de 2007 e 2008 são as seguintes: • EXERCÍCIO DE 2007 V.1. – Correcções em sede de IRC – Imposto sobre o Rendimento Pessoas Colectivas Conforme mecionado no ponto anterior, o número determinado de consultas efetuadas neste exercício foi de 1000, sendo o número declarado de consultas efetuadas apenas de 617, pelo que se verifica uma omissão de 383 consultas, ou seja, 383 = 1000-617. Para valorizar as consultas realizadas e não declaradas, vamos considerar o valor médio das consultas declaradas pelo sujeito passivo, no entanto, uma vez que não foram detectadas divergências relativas às próteses dentárias adquiridas a terceiros e posteriormente transmitidas aos clientes da sociedade em análise, no apuramento do valor médio de cada consulta, optamos por excluir do valor total do volume de negócios declarado pelo sujeito passivo, o valor referente à venda de mercadorias, ou seja, as próteses, resultando o valores abaixo indicados: (…) Então o valor total das prestações de serviços por parte do sujeito passivo, correspondente a 1000 consultas efetuadas foi de 58.600,00 €, ou seja, Prestações de Serviços = 1000 * 58,60 €. Assim está em causa uma omissão de proveitos obtidos e apurados por avaliação indirecta nos termos dos art.º 87.º, 88.º e 90.º da LGT, no valor de 22.445,00 € no exercício de 2007, correspondentes à diferença entre o valor calculado da prestação de serviços e o valor declarado pelo sujeito passivo, ou seja, 22.445,00 € = 58.600,00 € - 36.155,00 €. Uma vez que se trata de proveitos omitidos, a matéria coletável da sociedade irá aumentar nesse mesmo montante e sendo à sociedade em análise aplicável um regime especial de tributação designado de transparência fiscal, consignado no art.º 6.º do CIRC, caraterizado pela imputação aos sócios da matéria coletável determinada nos termos do CIRC, integrando o seu rendimento tributável para efeitos de IRS, o valor supra indicado de 22.445,00 €, irá ser integralmente imputado à sua sócia I…………………….., contribuinte fiscal (…) nos termos do art.º 20.º do CIRS. Apuramento da matéria coletável da sociedade Em conclusão, neste exercício de 2007 a matéria coletável da sociedade em análise é de 22.767,94 €, conforme indicada a seguir: (…) • EXERCÍCIO DE 2008 V.2. – Correcções em sede de IRC – Imposto sobre o Rendimento Pessoas Colectivas A semelhança do exercício de 2007, optamos por utilizar o valor médio declarado das consultas realizadas para apurar o volume de serviços prestados pela sociedade em análise, conforme indicado a seguir:
Então o valor total das prestações de serviços por parte do sujeito passivo, correspondente a 1000 consultas efectuadas foi de 55.690,00 €, ou seja, Prestações de Serviços = 1000 * 55,69 €. Assim está em causa uma omissão de proveitos obtidos e apurados por avaliação indirecta nos termos dos art.° 87°, 88° e 90. ° da LGT, no valor de 17.765,00 € no exercício de 2008, correspondentes à diferença entre o valor calculado da prestação de serviços e o valor declarado pelo sujeito passivo, ou seja, 17.765,00 € = 55.690,00 € - 37.925,00 €. Uma vez que se trata de proveitos omitidos, a matéria colectável da sociedade irá aumentar nesse mesmo montante e sendo à sociedade em análise aplicável um regime especial de tributação designado de transparência fiscal, consignado no art.° 6.° do CIRC, caracterizado pela imputação aos sócios da matéria colectável determinada nos termos do CIRC, integrando o seu rendimento tributável para efeitos de IRS, o valor supra indicado de 17.765,00 €, irá ser integralmente imputado à sua sócia I……………….., contribuinte fiscal n.º ……………. nos termos do art.° 20.° do CIRS. Apuramento da matéria colectável da sociedade Em conclusão, neste exercício de 2008 a matéria colectável da sociedade em análise, por força das correcções técnicas propostas no capítulo III e apuradas com recurso a métodos indirectos, conforme supra explicitado, é de 23.304,55 €, conforme indicado a seguir:
(…)» [cf. fls. 317 a 340 do PA apenso]. I) Sob o relatório de inspeção recaiu parecer concordante e despacho de homologação datado de 30/11/2010 [cf. fls. 317 do PA apenso]. J) A Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária através de ofício recebido em 09/12/2010 [cf. fls. 314 a 316 do PA apenso]. K) Em 11/01/2011 a agora impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável fixada com recurso a métodos indiretos [fls. 346 a 350 do PA apenso] L) Em 21/01/2012, no âmbito do procedimento de revisão da matéria, realizou-se a reunião entre os peritos designados pela Impugnante e pela Administração Tributária, não tendo não tendo sido possível o acordo entre ambos [cf. Ata nº 02/2011, de fls. 307 a 310 do PA apenso]. M) Por despacho do Diretor de Finanças da Guarda, de 25/02/2011, foi mantida a fixação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, com agravamento à coleta de 5% [cf. fls. 311 e 312 do PA apenso]. N) Em 16/03/2011 foi emitida à Impugnante a liquidação de IRC n.º …………..845, relativa ao exercício de 2008, com correções à matéria coletável no montante de 23.384,55€, sem valor a pagar [cf. fls. 44 e 45 do processo físico]. O) Nos atos médicos que se prolongam por várias consultas, tais como o tratamento de abscessos, desvitalizações, extração de dente do siso, e colocação de próteses dentárias, é utilizado um aspirador de saliva, por sucção, em cada consulta [cf. depoimento da testemunha Maria ……………………., e senso e experiência comum]. P) Nos atos médicos que se prolongam por várias consultas é emitida uma só fatura [cf. depoimento da testemunha Maria ………………….. e fls. 120 a 131 do PA apenso]. Q) No mês de outubro de 2008 a impugnante participou numa operação de rastreio gratuito (mês da Saúde Oral ……….. e S…………..) - [cf. Artigo 33º da p.i. e depoimento da testemunha Maria ……....., não contestado]. R) Em cerca de 15% das consultadas prestadas em 2008 foram utilizadas mais do que uma agulha nos respetivos tratamentos – artigos 35º da p.i., o perito da AT no procedimento de revisão dispôs-se a aceitar esse facto como estando correto e isso só não foi validado porque a agora impugnante se recusou a chegar a acordo quanto às correções, conforme pág. 4 da ata nº 2/2011, a fls. 310 do PA; o Tribunal considera que o perito da AT aceitou esse facto, independentemente de não ter havido acordo”.
II.B. Quanto aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida: “[C]onsideram-se não provados os seguintes factos; 1. No âmbito da operação de rastreio realizada durante o mês de outubro de 2008, a Impugnante atendeu gratuitamente 271 pacientes – artigo 33º da p.i; sem apoio em qualquer meio probatório que permita essa quantificação e incompatível com a atividade declarada sujeita a honorários, dado que nos anos completos de 2007 apenas emitiu 617 recibos, em 2008 emitiu 681 recibos e em todo o ano 2009 emitiu 1060 recibos, afigurando-se muito desproporcional a indicada quantidade de clientes gratuitos apenas no mês de outubro de 2008, correspondente a cerca de 13 pacientes em cada um dos 22 possiveis dias de trabalho; acresce que nada é dito sobre a natureza dos atos praticados nesses pacientes: terá sido efetuado algum tratamento ou houve apenas “rastreio” de saúde oral, para diagnóstico e aconselhamento?”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art.º 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art.º 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório. Relevou-se, ainda, o depoimento das testemunhas inquiridas: 1º - Maria ………………….. .., assistente dentária e mãe da única sócia da impugnante; 2ª – P………………….., Inspetor Tributário e autor do Relatório da ação inspetiva; Em especial quanto aos factos provados descritos em O), P) e Q), o tribunal valorou positivamente o depoimento da testemunha Maria …………....., apesar de ser mãe da sócia gerente da Impugnante, dado que revelou conhecimento direto dos factos por ser assistente da clínica dentária à data dos factos e respondeu às perguntas que lhes foram colocadas com convicção, sem contradições ou incongruências, pelo que o respetivo depoimento mereceu credibilidade. Relativamente ao facto provado descrito em P), o Tribunal também considera, com base na experiência comum, que é prática habitual de outros dentistas a emissão de um único documento de cobrança para a globalidade de cada tratamento, ainda que tenham sido necessárias várias consultas, e quanto ao facto descrito em Q), o depoimento da referida testemunha foi ainda concatenado com o teor documento a que se reporta a alínea F) dos factos provados. O depoimento da segunda testemunha, apesar de merecer credibilidade, limitou-se a reiterar aquilo que já constava do Relatório. Quanto ao facto não provado descrito em 1), não foi junto qualquer documento de registo ou comunicação de participantes na iniciativa e o depoimento da testemunha inquirida, nesta parte, foi vago e impreciso”.
II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto Considera a Recorrente que o facto R) deveria ser expurgado da decisão proferida sobre a matéria de facto, enquanto facto provado, em virtude de encerrar juízos conclusivos e de se sustentar em prova da qual não se extrai tal conclusão. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1). Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados (2). Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido. Vejamos então. Antes de mais, sublinhe-se que, à exceção das situações de prova legal, a análise da prova produzida está sujeita à livre apreciação do julgador (cfr. o art.º 607.º, n.º 5, do CPC). In casu, a Recorrente insurge-se em dois prismas. O primeiro, no sentido de considerar que o facto em causa não é um facto, mas uma conclusão. Analisando o facto R) (“Em cerca de 15% das (…) [consultas] prestadas em 2008 foram utilizadas mais do que uma agulha nos respetivos tratamentos”), o mesmo, efetivamente, revela um pendor conclusivo, na medida em que não estão provadas as premissas de que partiu. Ou seja, o que deveria estar provado era o total de consultas prestadas e o total de consultas em que foi utilizada mais do que uma agulha, só uma agulha e nenhuma agulha, para daí se extrair a conclusão de que em 15% das mesmas foram utilizadas mais do que uma agulha. No entanto, cumpre, ainda assim, apreciar a motivação, porquanto, se se tratar de um mero erro de formulação, pode este Tribunal suprir a incorreção referida e alterar o facto em causa. A Recorrente, a esse respeito, defende que a prova produzida não pode sustentar o juízo efetuado pelo Tribunal a quo. Apreciemos, então. In casu, o Tribunal a quo sustentou a sua convicção na circunstância de o perito da administração tributária (AT), em sede de procedimento de revisão, se ter disposto a aceitar esse facto, o que apenas não foi validado, em virtude de a Impugnante se ter recusado chegar a acordo. Compulsada a decisão de revisão proferida ao abrigo do art.º 92.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária (LGT), onde reside a fundamentação da liquidação [em complemento com o relatório de inspeção tributária (RIT) que a precede] em situações como a dos autos, de facto do mesmo consta que o perito da AT aceitou considerar que em mais de 15% dos pacientes foram utilizadas mais do que uma agulha. Esta posição do perito não teve repercussão no ato impugnado, na medida em que, não tendo as partes chegado a acordo, foi mantido o ato nos termos mensurados no RIT. Aliás, a mesma decisão proferida ao abrigo do art.º 92.º, n.º 6, da LGT refere que “a afirmação feita no item de 16.2. não está apoiada em quaisquer factos concretos, pelo que também por isso não colhe a base de oferta de acordo do perito da fazenda pública” (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial). E, de facto, assim é, uma vez que, sendo tal referido pelo perito da Impugnante, apenas poderia ser valorado se estivesse sustentado em elementos de prova, o que não está. Não se extrai, do ponto de vista probatório, que a posição do perito da FP [posição essa tomada visando alcançar um acordo em sede de procedimento de revisão] permita chegar à conclusão a que o Tribunal a quo chegou e tanto assim é que na própria decisão proferida se sublinha inexistir qualquer prova nesse sentido, demarcando-se a AT da posição que o seu perito expressou. Inexistindo, pois, qualquer elemento objetivo que sustente a afirmação referida, não pode considerar-se provado qualquer facto que conduza à conclusão de que em 15% das consultas foram utilizadas mais do que uma agulha. Como tal, assiste razão à Recorrente, devendo ser eliminado o facto R) dos factos provados.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento, quanto ao erro ou excesso na quantificação Entende, por outro lado, a Recorrente que a decisão sob apreciação padece de erro de julgamento, em virtude de não se estar perante uma situação de excesso na quantificação da matéria coletável determinada por métodos indiretos. Vejamos. É desiderato constitucionalmente consagrado o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP). O princípio da tributação pelo rendimento real admite, no entanto, exceções ou desvios (veja-se que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP utiliza o advérbio “fundamentalmente”), devidamente fundados e justificados (3). Reflexo do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real é a circunstância de o recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável ser subsidiário em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da LGT). A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual: “1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”. Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que: “1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação. 2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”. A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas (4). Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT. Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação (5). A presunção de rendimento que venha a funcionar é ilidível, podendo o contribuinte, desde logo, demonstrar o excesso na quantificação (6). Portanto, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta (7). In casu, não foi posto em causa que se reuniam os pressupostos para recurso a métodos indiretos, tendo apenas sido alegada, nessa parte, por parte da Impugnante, falta de fundamentação, vício em relação ao qual o Tribunal a quo considerou não lhe assistir razão. A decisão, nessa parte, não foi posta em causa. Portanto, a única questão aqui em discussão prende-se com aferir se a Impugnante logrou ou não provar, como lhe competida, o excesso na quantificação. Como já referido, em casos de recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável, o valor presumido a que a AT chega pode ser posto em causa, se o contribuinte demonstrar o erro ou excesso de quantificação. No entanto, a prova a produzir tem de ser suficientemente concreta para que se possa concluir, inequivocamente, por tal ilegalidade. Com efeito, veja-se que, perante uma situação de aplicação de métodos indiretos, há sempre, em termos de quantificação, uma margem de erro por inerência a estes métodos, que são presuntivos. Portanto, do que se trata é de uma aproximação à realidade, que cabe ao contribuinte afastar que forma sustentada e objetiva. A este propósito, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.11.2014 (Processo: 0407/12): “[E]stabelecida a legitimidade do recurso aos métodos indirectos, impende sobre o Impugnante a demonstração do erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável, sendo que a dúvida a esse propósito será decidida em sentido desfavorável à sua pretensão.” Assim, não basta pôr meramente em causa o método, de forma unicamente conclusiva [cfr. o já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.11.2014 (Processo: 0407/12)], mas sim alegar e provar de forma concreta em que termos tal excesso se consubstanciou. Apliquemos estes conceitos in casu. Compulsado o RIT, verifica-se que o mesmo partiu dos dados referentes a agulhas e aspiradores de saliva, “uma vez que se tratam de materiais utilizados durante as consultas e cujos consumos têm uma relação directa com o nível de actividade desenvolvida”. Partindo do número de aspiradores (3000, para o triénio), a AT concluiu que o número de faturas emitidas [2358 no triénio (106o das quais em 2009) e, concretamente em 2008, 681] era inferior ao que o consumo de aspiradores evidenciava – e isto considerando também o que a própria sócia declarou, em sede de ação inspetiva, no sentido de que é emitido um recibo após a execução da prestação de serviços. Foi nesta sequência que, partindo dos referidos consumos, a AT dividiu os mesmos de forma idêntica por cada um dos exercícios, ou seja, uma média de 1000 consultas por exercício. Assim, considerou que, para 2008, o valor médio por consulta, face ao que fora declarado, era de 55,69 Eur., chegando-se ao valor de 17.765,00 Eur. de proveitos omitidos, por diferença entre o declarado e o presumido. O Tribunal a quo considerou que o critério utilizado não era adequado, uma vez que não existe uma relação direta entre o consumo de um aspirador de saliva, a realização de uma consulta e a emissão de uma fatura ou recibo, dado que, das próprias declarações da sócia gerente da Impugnante, decorre que em algumas consultas excecionais não são utilizados aspiradores e noutras podem ser utilizados mais do que um, concluindo que poderá não existir uma relação direta idêntica entre o número de aspiradores consumidos e o número de faturas ou recibos. Refere ainda que a AT procurou fundamentar o seu critério em consumos de aspiradores não demonstrados, sendo que não foi sequer considerado o inventário inicial do exercício de 2007. Considera ainda que a AT reconhece que em 15% dos atos médicos é necessária a utilização de mais do que uma agulha, logo mais do que um aspirador de saliva nos mesmos casos. Vejamos por partes. Como já referimos, qualquer critério utilizado para a quantificação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos é uma aproximação à realidade e não um retrato exato da mesma. São métodos presuntivos e não métodos diretos. Como tal, não acompanhamos a argumentação do Tribunal a quo, quando põe o acento tónico na inexistência de relação direta entre aspiradores e consultas, por poderem ser usados mais do que um numas consultas e noutras poder não ser usado nenhum. Essa afirmação, desprovida de uma concreta quantificação que possa abalar o critério seguido pela AT, não tem a relevância que lhe é extraída, porquanto, voltamos a sublinhar, o que está em causa é uma aproximação à realidade e não um retrato exato da realidade. Por outro lado, quanto ao número de aspiradores, o que a AT considerou foi que nos três exercícios foram adquiridos 3000 aspiradores (todos adquiridos em 2007, não tendo nenhum sido adquirido em 2008 e 2009) – identificando as respetivas faturas de aquisição. A análise dos inventários permitiu concluir pela sua falta de adesão à realidade, na medida em que, por referência a 31.12.2007, estavam apenas registados 400 aspiradores e, por referência a 31.12.2008 e 31.12.2009, nenhum, sendo que em todos os exercícios a Impugnante esteve em laboração. Ou seja, foi cabalmente afastada, e isso nunca foi posto em causa, a veracidade da contabilidade, designadamente quanto aos inventários. A necessidade de aferir o inventário inicial em 2007, referida pelo Tribunal a quo, não tem o efeito pelo mesmo extraído, porquanto, quando muito, poder-se-ia concluir que havia mais aspiradores de saliva do que aqueles que foram considerados pela AT na correção que efetuou. Ou seja, nesta parte também não acompanhamos o Tribunal a quo, na medida em que, concluindo-se pelas francas deficiências da contabilidade da Recorrida, designadamente quanto aos inventários, e verificando-se que a mesma exerceu a sua atividade de forma normal e contínua nos três exercícios em análise, a consideração das compras efetuadas no triénio, ainda que concentradas num só exercício, revela-se adequada. Aliás, como refere a Recorrente, nesta parte a Impugnante, designadamente na sua petição inicial, nada disse, centrando toda a sua argumentação em outros prismas. Quanto ao demais, o que sucede é que estamos perante factos claramente genéricos e não mensurados: é afirmado que há atos médicos que se prolongam por várias consultas em que é emitida uma só fatura e em que são usados vários aspiradores, mas não é minimamente mensurado o peso relativo dessas situações; é afirmado que a Impugnante participou num rastreio gratuito, mas a sua mensuração resultou não provada. Ou seja, nada de mensurável ficou provado. Finalmente, no que respeita à extrapolação no sentido de que 15% das consultas implicam a utilização de mais do que um aspirador, não há suporte factual para tal afirmação – mesmo que se considerasse o facto R), que, como referido em II.D., se eliminou da matéria de facto provada. O Tribunal a quo fez, nesta parte, uma extrapolação para a qual não tem suporte factual. Uma palavra final para sublinhar que, sendo as regras da experiência necessariamente relevantes para qualquer decisão proferida, não se pode olvidar as concretas exigências probatórias a cargo do administrado em situações como a dos autos. A AT, de forma que, como referimos, nos parece objetiva, determinou um critério e fixou a matéria coletável com base no mesmo. O erro ou o excesso dessa fixação tinha de ser demonstrado de forma objetiva e inequívoca. E tal não sucedeu. Ou seja, em termos de prova, a Recorrida não logrou, como lhe era exigível, demonstrar concretamente o erro/excesso de quantificação, pelo que essa ausência de prova, nos termos já referidos, reverte contra si. Como tal, assiste razão à Recorrente.
Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação improcedente e manter os atos impugnados; b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias; c) Registe e notifique. Lisboa, 13 de setembro de 2023 (Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) (2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada. (3) V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003. (4)Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto). (5) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13). (6) Cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2000 (Processo: 022428). (7) V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 867 e 888. |