Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:520/12.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:INSUFICIÊNCIA DE BENS;
REVERSÃO DA EXECUÇÃO.
Sumário:I.O instituto da reversão produz no processo de execução fiscal uma modificação subjectiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado.

II. A inexistência ou insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário ou qualquer outro.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PUBLICO recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, julgou procedente a oposição que C................, na qualidade de revertido, deduzira à execução fiscal nº ............... e apensos, inicialmente movida pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. [Secção de Processo Executivo de Setúbal], contra a firma «D………………….., Lda» para a cobrança coerciva de dívidas relativas a cotizações, contribuições para a segurança social, dos anos 2006 a 2009, no valor global de €49.770,83.

Os fundamentos do recurso apresentada pelo recorrente foram por ele sintetizados nas seguintes conclusões:

« 1ª Como se extrai da lei, nomeadamente dos arts.23º, nºs. 2 e 3 da Lei Geral Tributária e 153º, nº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a data em que se impõe a aferição da (in)suficiência de bens penhoráveis por parte da devedora originária é a da reversão.

2.ª Neste sentido tem ido a jurisprudência, citando-se, a título de exemplo, o Acórdão do STA de 16/03/2012, proferido no Processo nº0647/15, no qual foi Relatora a Exm.9 Juíza Conselheira Dulce Neto e em cujo sumário se lê: "I- A inexistência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário" (destaque e sublinhado nossos).

3.ª Sucede que, compulsado o elenco de factos provados integrado na decisão sub judice, constatamos ter a Mmª Juíza omitido no mesmo a data em que foi proferido o despacho de reversão: 10 de fevereiro de 2012 - cfr.fls. 84 e 85 da cópia certificada de PEF apensa -, factualidade que, face ao exposto, releva para a boa decisão da matéria em causa e que decorre dos elementos de prova documental carreados para os autos.

4.ª Não se reportando, na verdade, uma única vez a tal data em todo o texto decisório, nem mesmo na correspondente fundamentação jurídica.

5.ª Data essa que se evidencia ainda mais essencial atendendo a que a Mm.ª Juíza fundamentou a verificação da fundada insuficiência de bens em apreço no conteúdo de requerimentos apresentados em 06/02/2008 e 30/07/2009 pelo próprio oponente ao exequente "IGFSS,I.P.", importando portanto confrontar a data da reversão com as datas dos referidos requerimentos.

6.ª Deste modo, tendo no caso concreto temporalmente distado entre os requerimentos do oponente de 06/02/2008 e de 30/07/2009 e o despacho de reversão de 10 de Fevereiro de 2012, respectivamente, quatro anos e quatro dias e dois anos, seis meses e oito dias, incorrecta se revela a apontada conclusão pela fundada insuficiência de bens (não sendo, aliás, no requerimento de 30/07/2009 sequer feita alusão a bens pertença da empresa).

7.ª Em bom rigor, na descrita perspectiva judicial, a atender ao constante de requerimento apresentado pelo oponente ao "IGFSS, I.P." no que concerne ao património da executada, seria de o fazer quanto ao requerimento para o exercício do direito de audição prévia identificado no supra citado ponto 14 da factualidade dada como provada na sentença sob recurso. Requerimento, este sim, apresentado em 02/01/2012, contemporâneo do despacho de reversão proferido.

8.ª Correspondendo este requerimento, portanto, à mais recente das pronúncias escritas remetida pelo oponente ao "IGFSS, IP.", certo é que nele o oponente retracta uma realidade ("era detentora de um vasto património") oposta à retratada no requerimento de 06/02/2008 ("facto da n/empresa não possuir património") do ponto de vista em apreço.

9.ª Ainda assim, porém, é tal trecho ignorado na sentença recorrida, seja na respectiva factualidade apurada, não surgindo aí transcrito, seja na posterior fundamentação jurídica, na qual não é mencionado.

10.ª De qualquer modo, a data crucial para aferir da fundada insuficiência de bens penhoráveis por parte da devedora originária é a da reversão, nos termos já enunciados, razão pela qual se mostra incorrecta a sentença em recurso quer ao omitir tal data no elenco de factos provados quer ao alicerçar a fundada insuficiência em causa em requerimentos entre cujas datas de apresentação e a data da reversão decorrem quatro anos e quatro dias e dois anos, seis meses e oito dias (não se reportando sequer o mais recente dos mesmos aos bens da firma).

11.ª Pelo que, atenta esta distância temporal, se impunha na situação em análise que o "IGFSS, I.P.", órgão de execução fiscal, procedesse a diligências de pesquisa de bens da devedora originária em momento imediatamente prévio à concretização da reversão, atento o ónus da prova que lhe assistia, como tem sido entendimento unânime da recente jurisprudência do TC A Sul.

12.ª Ora, somente vislumbramos, a título de diligências de pesquisa de bens da firma inicialmente devedora realizadas pelo "IGFSS,IP." no processo executivo apenso, que o mesmo tenha tentado penhorar o saldo de contas bancárias junto da instituição B...............

13.ª E igualmente apenas a esta diligência com as apontadas características alude a factualidade dada como provada na sentença sob recurso, nos respectivos pontos 10 e 11.

14.ª Não obstante, na fundamentação jurídica a Mmª Juíza a quo refere "que o Instituto procurou proceder a penhoras de saldos bancários tendo apenas logrado penhorar €4,12" e que não foram "conseguidas penhoras de saldos de contas bancárias que permitam fazer face às dívidas exequendas".

15.ª Não resultando, porém, que o "IGFSS,I.P." tenha procurado penhorar saldos bancários de qualquer outra entidade que não o B.............. ou que tenha efectuado qualquer outra diligência tendente à prova da inexistência ou da fundada insuficiência para a satisfação da dívida exequenda e acrescido dos bens penhoráveis do devedor originário, das inúmeras que tinha ao seu dispor e que se lhe impunham.

16.ª Assim, também por esta via, não tendo o órgão de execução fiscal realizado as diligências de investigação necessárias ao descrito efeito, em cumprimento do ónus da prova que lhe assistia, não se mostra verificado este pressuposto do chamamento do oponente, responsável subsidiário, à execução fiscal.

17.ª Em suma, entendemos que na apreciação legal da questão da fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária, diversamente do feito na douta decisão sob recurso: era de destacar a data em que foi proferido o despacho de reversão, fazendo-a desde logo constar do elenco de factos provados; era de desconsiderar requerimentos do oponente cujas apresentações perante o "IGFSS, I.P." em muito antecederam temporalmente aquela data da reversão; e, subsequentemente, não deveriam ter sido tidas por bastantes diligências de investigação de bens penhoráveis da devedora originária realizadas pelo órgão de execução fiscal que se resumiram a tentativas de penhora de saldo de contas bancárias junto da instituição B...............

18.ª É de concluir, pois, pela falta de demonstração, por parte do exequente, daquele pressuposto da reversão (fundada insuficiência patrimonial do devedor originário) que se reconduz a vício de forma de falta de fundamentação do despacho de reversão (vd., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul de 24/11/2016, proferido no Processo n.º06610/13, bem como o aí referido Acórdão do STA de 24/02/2016, proferido no Processo n°0700/15).

19.ª Ao decidir em contrário, a Mmª Juíza a quo violou o disposto nos arts.23°, nº2 da Lei Geral Tributária e 153º, nº2, alínea b) e 204º, nº1, alínea i), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo em consonância ser a douta sentença de fls. 87 a 107 revogada e substituída por outra que anule o ato de reversão (com base no constatado vício formal) e determine a absolvição do oponente da instância executiva (assim, de novo, o Acórdão do TCA Sul de 24/11/2016, proferido no Processo nº06610/13 e o Acórdão do STA de 24/02/2016, proferido no Processo nº0700/15, naquele Aresto mencionado).»



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Contra-alegou somente o recorrido, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. [Secção de Processo Executivo de Setúbal] pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado sem, no entanto, formular conclusões.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.


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II. DELIMITAÇÃO E OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
As questões invocadas pelo recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
- impugnação da matéria de facto;
- saber se a sentença incorre em erro de julgamento de facto e de direito na apreciação da ilegitimidade do Oponente, quanto ao pressuposto da reversão no que concerne à fundada insuficiência do património da devedora originária para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

«1. O Oponente renunciou à gerência da sociedade “D……………………………

, LDA." em 25/08/2009 (cfr. doc. junto a fls. 29 da cópia do

processo executivo junto aos autos);

2. Em data que não se consegue concretizar mas durante o ano de 2008, a Secção de Processo executivo de Setúbal, instaurou contra a sociedade “D.............., LDA." o processo de execução fiscal nº..............., respeitante a cotizações de Março a Agosto de 2008 no valor de €2.268,85 e acrescido (cfr. fls. 75 da cópia do Processo executivo junto aos autos);

3. Ao processo identificado no ponto anterior foram apensos os processos de execução fiscal nºs ……………, ………………, ……………., ………………., …………., …………., …………….., ……………, ……………. e …………, referentes a dívidas de cotizações e contribuições de Agosto de 2006 a Agosto de 2009 ficando o processo a valer por € 35.706,73 e acrescido de €13.139,20 referentes a juros de mora (cfr. docs. juntos a fls. 86 e 87 da cópia do processo executivo junto aos autos);

4. A sociedade originariamente devedora foi citada para o pagamento da quantia de € 28.448,64 e acrescido de €3.256,54, em 29/01/2009, tendo o aviso de recepção sido assinado pelo Oponente (cfr. doc. junto a fls. 9 da cópia certificada do processo executivo junto aos autos);

5. Em 06/02/2008 deu entrada na Secção de processo de Setúbal um pedido de pagamento a prestações das dívidas exequendas, assinado e remetido pelo oponente, do qual consta, nomeadamente o seguinte: “(…) Salientamos o facto da n/ empresa não possuir património, para além de algumas viaturas bastante usadas, pelo que solicitamos a isenção de prestação de garantia. (…)” (cfr. doc. junto a fls. 1 da cópia do processo executivo junto aos autos e fls. 40 dos autos);

6. Por despacho de 10/02/2009 foi deferido o pedido identificado no ponto anterior de pagamento em prestações e isenção da prestação de garantia (cfr. doc. junto a fls. 3 da cópia do processo executivo junto aos autos);

7. Em 30/07/2009, via faz, vem a devedora originária remeter ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social um requerimento nos seguinte termos: “Na tentativa de recuperação da empresa e na sequência da sua reestruturação, solicitamos a V. Exas., que nos seja executada a dívida referente ás contribuições em falta, incluindo Julho de 2009, para podermos junto da v/Instituição solicitar a sua liquidação em prestações.(…)” (cfr. doc. junto a fls. 13 dos autos);

8. A sociedade originariamente devedora foi citada para o pagamento da quantia de €12.867,55 e acrescido de €1.539,72, em 18/01/2010, tendo o aviso de recepção sido assinado por J.............. (cfr. doc. junto a fls. 9 da cópia certificada do processo executivo junto aos autos);

9. Em 17/05/2010 deu entrada um pedido de pagamento de dívidas em prestações por parte da executada sendo esta representada por J.............. (cfr. doc. junto a fls. 37 da cópia certificada do processo executivo junto aos autos);

10. Em 24/03/2011 o B.............. vem informar que procedeu à penhora das contas conforme solicitado pelo IGFSS – Setúbal, no montante de €4,12 (cfr. doc. junto a fls. 22 da cópia do processo executivo junto aos autos);

11. Em 17/06/2011 o B.............. vem informar que não procedeu à penhora das contas conforme solicitado pelo IGFSS – Setúbal, por inexistirem valores passiveis de penhora (cfr. doc. junto a fls. 20 da cópia do processo executivo junto aos autos);

12. Em 18/11/2011 foi proferido despacho no sentido de ouvir o ora oponente sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas exequendas identificadas nos pontos 1 e 2 deste probatório, dele constando o seguinte: “(…) 2. DOS FUNDAMENTOS Nos termos e para os efeitos do disposto no artº153º do Código de Procedimento e Processo Tributário (C.P.P.T.), foram compulsados todos os dados constantes no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação, designadamente na procura de património suficiente para garantir o ressarcimento do valor em dívida do executado, tendo-se apurado o seguinte: Não são conhecidos bens móveis ou imoveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de accionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o nº2 do art.153º do C.P.P.T. Da informação constante no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação verifica-se que C................ (…) é responsável subsidiário, tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada desde 06/2002 a 08/2009. Em conclusão, a atendendo aos elementos constantes no processo: Nos termos do art. 24º da LGT, encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no nº 2 do artº 23º da L.G.T., na conjugação com o artº 153º do C.P.P.T., para efeitos duma eventual reversão. (…)” (cfr. doc. junto a fls. 79 e 80 da cópia do processo executivo junto aos autos);

13. Por ofício de 18/11/2011, com a referência DGD – 19713/2011 13920, foi o oponente notificado para se pronunciar sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas identificadas nos pontos 1 e 2 deste probatório (cfr. doc. junto a fls. 78 a 80 da cópia do processo executivo junto aos autos);

14. Em 02/01/2012 o oponente respondeu ao ofício identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 69 a 77 da cópia do processo executivo junto aos autos);

15. Por despacho da Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Setúbal, foi determinada a reversão relativamente aos processos de execução fiscal melhor identificados nos pontos 1 e 2, contra o Oponente, no qual consta, designadamente, o seguinte: “DESPACHO- REVERSÃO (…) Não existe motivo para suspender a execução, conforme disposto no artº169º do Código de Procedimento e Processo Tributário (C.P.P.T.), pelo que deve a mesma prosseguir a sua normal tramitação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 153º do C.P.P.T. e art. 23º e 24º, nº 1, alínea b) da Lei Geral Tributária (L.G.T.). Na sequência de notificação para o efeito, o citado gerente exerceu o direito de audição prévia, alegando que não se encontra provada a insuficiência do património da executada originária. Para os efeitos tidos por convenientes cabe-nos referir que aquando da apresentação de um dos requerimentos prestacionais pelo citado gerente, foi mencionada e passamos a citar: -“salientamos o facto da n/ empresa não possuir património, para além de algumas viaturas bastante usadas, pelo que solicitamos a isenção de garantia”, tendo a mesma sido concedida aquando do deferimento do citado plano prestacional.” De acordo com a jurisprudência dominante perante a manifesta insuficiência do património da executada originária é possível prosseguir a execução fiscal contra os responsáveis subsidiários. Sendo assim compulsados os dados constantes no sistema de informação da segurança social, conclui-se pela inexistência de bens imoveis em nome da executada originária para pagamento da dívida exequenda e acrescidos. (…)” ( cfr. doc. junto a fls. 84 e 85 da cópia do processo de execução fiscal junto aos autos);

16. O oponente é o gerente da devedora originária (admitido e doc. de fls. 1 da cópia do processo executivo junto aos autos);


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B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

a) Não ficou provado nos autos que a devedora originária possuía bens;

b) Não ficou provado que o sr. V............. seria o gerente da sociedade;

c) Não ficou nada provado sobre qual o motivo pelo qual a sociedade não tinha património;

Dos factos constantes da oposição, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento da testemunha inquirida.
O Sr. L.............., afirmou que ouviu falar da sociedade pelo Sr. V……….. Apenas teve um contacto com a sociedade através desse Sr. V………. com quem terá almoçado para uma eventual compra de imóveis no Algarve.
Esta testemunha é administrador numa empresa e é procurador noutra empresa. A empresa onde a testemunha é administrador é angariadora para o Banco B……...
O único contacto que a testemunha teve com o Sr. V............. foi a mostra dum imóvel localizado no Algarve para venda. A única coisa que presenciou foi o Sr. V............. dar ordens a uma pessoa que estava na obra.
Com a sociedade a testemunha nunca teve qualquer contacto com a sociedade para além da visita ao imóvel e uma visita que ambos, o sr. V............. e o Oponente, ao seu escritório.
A testemunha não foi inquirida a nenhum facto relativo à situação patrimonial da sociedade.
O seu depoimento foi vago, impreciso e não teve conhecimento directo da forma como a sociedade operava.».


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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O recorrente pede que se altere a matéria de facto dada como provada, aditando-se-lhe um novo facto. Referindo neste ponto que « (…) a Mm.ª Juíza omitido factualidade que, face ao exposto, releva para a boa decisão da matéria em causa e que decorre dos elementos de prova documental carreados para os autos. Concretamente, não fez constar de tal elenco a data em que foi proferido o despacho de reversão: 10 de fevereiro de 2012 – cfr. fls. 84 e 85 da cópia certificada de PEF apensa.

Não se reportando, na verdade, uma única vez a tal data em todo o texto decisório, nem mesmo na correspondente fundamentação jurídica.».

Como se sabe, o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. artigo 640.º, n.º 1, do CPC).

No caso concreto, lidas as conclusões e a alegação do recurso, verifica-se que o recorrente indicou o concreto ponto de facto que pretende ver aditado, o meio probatório que o suporta, assim como decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto que pretende ver aditada.

Nestas circunstâncias, não pode deixar de se concluir que o recorrente cumpriu o ónus de alegação previsto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC.

E, sendo assim, na medida em que o Tribunal «a quo» fundamentou a verificação da fundada insuficiência de bens no conteúdo dos requerimentos apresentados em 06.02.2008 e 30.07.2009, pelo próprio oponente junto do exequente “IGFSS, I.P.”, importa confrontar a data da reversão com as datas dos referidos requerimentos.

O que significa, como facilmente se depreende que tal factualidade se afigura relevante para uma das soluções possíveis de direito, pelo que passa a constar do elenco dos factos provados a seguinte factualidade:

17. O despacho de reversão identificado no ponto 15 foi proferido em 10 de fevereiro de 2012 (cfr. fls. 84 e 85 da cópia certificada de PEF apensa)

Consequentemente, procede o recurso quanto a este concreto fundamento.


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B. DO DIREITO

E, apreciando, em seguida o alegado erro na subsunção dos factos provados às normas jurídicas aplicáveis, diremos, desde já, que não concordamos com a sentença recorrida, perante o prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Vejamos de perto as razões porque assim entendemos.

No que concerne à fundada insuficiência de bens, pressuposto de reversão, preceitua o artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT):

«1. A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2. A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.

3- Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei (…)».

Por sua vez, o artigo 153.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabelece que «o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».

Atento o carácter subsidiário da responsabilidade tributária (cfr. artigo 22.º, n.º 3 da LGT), o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e só no caso de se provar a inexistência ou insuficiência fundada de bens daqueles é que pode exigi-la aos devedores subsidiários.

É, portanto, pressuposto da reversão, accionando validamente os gerentes ou administradores por dívidas fiscais da empresa que representam, que esta não tenha bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos débitos (benefício da excussão).

Como é pacífico na jurisprudência, a inexistência/insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se, portanto, ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário (neste sentido, vide entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.03.2016, proferido no processo n.º 0647/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Do probatório não decorre, qualquer factualidade que permitisse ao Tribunal «a quo» concluir (como concluiu) que a Administração Tributária reuniu elementos que permitam afiançar da mencionada insuficiência patrimonial da devedora originária.

Em primeiro lugar, o Oponente foi chamado à reversão através do despacho reversão proferido em 10.02.2012 (Pontos 15 e 17 do Probatório), donde, revela-se inócuo para alicerçar a fundada insuficiência patrimonial os dois requerimentos (pontos 5 e 7 do Probatório) apresentados perante o «IGFSS, I.P.», porquanto entre datas de apresentação e a data da reversão decorrem quatro anos e quatro dias e dois anos, seis meses e oito dias.

Em segundo lugar, no exercício do direito de audição prévia, uma vez que corresponde à mais recente das pronúncias escritas remetida pelo oponente ao “IGFSS, I.P.” (apresentado em 02.01.2012), não deixou de ser referido que a devedora originária possuir «algumas viaturas usadas».

Em terceiro e último lugar, não resulta demonstrado, que o “IGFSS, I.P.” tenha procurado penhorar saldos bancários de qualquer outra entidade que não o B.............. ou que tenha efetuado qualquer outra diligência tendente à prova da inexistência ou da fundada insuficiência para a satisfação da dívida exequenda e acrescido dos bens penhoráveis do devedor originário, das inúmeras que tinha ao seu dispor e que se lhe impunham.

Neste contexto, sabendo-se que o Órgão de Execução Fiscal está vinculado a fazer uma investigação aprofundada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, impunha-se, na situação concreta dos autos, que procedesse a diligências de pesquisa de bens da devedora originária em momento imediatamente prévio à concretização da reversão, atento o ónus da prova que lhe assistia.

A falta do preenchimento do pressuposto da reversão previsto no artigo 23.º, n.º 2, da LGT, determina a ilegalidade do despacho de reversão, com a consequente anulação do mesmo e absolvição do revertido da instância executiva. (Neste sentido, vide, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.02.2016, proferido no processo n.º 0700/15).

Deverá, assim, decidir-se pela total procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a sentença recorrida.

IV.CONCLUSÕES

I.O instituto da reversão produz no processo de execução fiscal uma modificação subjectiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado.

II.A inexistência ou insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário ou qualquer outro.

V.DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes que integram a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando procedente a Oposição com a consequente absolvição do oponente da instância executiva.

Custas a cargo da Fazenda Pública.


Lisboa, 4 de Junho de 2020.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]