Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07957/11
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/15/2011
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL – PREJUÍZOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
Sumário: I – Não estando determinados os prejuízos alegados pela requerente da providência, por dependerem da produção de prova testemunhal, não é possível aquilatar-se da sua relevância [enquanto prejuízos de difícil reparação], nem para os efeitos da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, nem para a ponderação [comparação] prevista no nº 2 desse mesmo normativo.
II – Deste modo, ao dispensar a produção de prova testemunhal quando esta se mostrava indispensável para uma correcta apreciação dos requisitos da providência cautelar requerida, a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do artigo 118º, nº 3 do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO
A...– A..., SA”, com sede no Funchal, intentou no TAF do Funchal contra o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais uma Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia dos nºs 3, 4 e 5 do Despacho nº 17024-A/2010, de 8 de Novembro, da autoria daquele, publicado no DR, II Série, Parte C, nº 218, de 10-11-2010, ou, se assim não se entender, das normas constantes dos nºs 3, 4 e 5 do aludido despacho e, em qualquer dos casos, a remoção dos dados entretanto eventualmente colocados no portal da DGCI em obediência àquele despacho, ou se assim não se entender, a intimação para a abstenção da divulgação da informação estatística relativa às entidades instaladas na Zona Franca da Madeira, por parte da DGCI, nos termos dos nºs 3, 4 e 5 do despacho em causa, tudo com o respectivo decretamento provisório, nos termos do nº 1 do artigo 131º do CPTA.
Por sentença daquele tribunal, datada de 27-4-2011, foi a providência cautelar requerida julgada improcedente [cfr. fls. 197/206 dos autos].
Inconformada, a requerente da providência recorreu para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida revela evidente insuficiência na matéria de facto seleccionada, impondo-se a respectiva ampliação, nos termos supra descritos, de modo a incluir todos os factos descritos no ponto 5. do § 3.1º supra, tudo por via do artigo 149º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 712º do Código de Processo Civil.
2. Ao julgar desnecessária a realização de outras diligências de prova, considerando apenas relevante a prova documental junta com os articulados, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pois faz uma errada aplicação do nº 3 do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
3. O Tribunal «a quo», ao não considerar provados factos relevantes para o julgamento da providência cautelar, e que se deixaram igualmente supra referidos no § 3.1º, violou o disposto nos artigo 511º ou 654º, nº 2 do Código de Processo Civil, consoante o caso, impondo-se a ampliação da matéria de facto por parte do Tribunal «ad quem».
4. O Despacho nº 17024-A/2010 de 8 de Novembro de 2010, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, publicado no Diário da República, 2ª série, Parte C – nº 218, de 10 de Novembro de 2010, evidencia um conjunto de ilegalidades manifestas, que permitem a adopção da providência cautelar requerida ao abrigo do disposto da alínea a) do nº 1 do artigo 120º, pelo que decidiu mal o Tribunal «a quo» ao afastar a aplicação desse preceito ao caso «sub iudice».
5. Subsidiariamente, deve a presente providência cautelar ser decretada ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, por, no caso concreto, se encontrarem reunidos os respectivos requisitos, razão complementar para se considerar que o Tribunal «a quo» decidiu mal, ao não ter assumido por verificado esse requisito.
6. A divulgação de informação fiscal das entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira, tal como ilegalmente prescrita pelos nºs 3, 4 e 5 do Despacho nº 17024-A/2010, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, importa, para a SDM, a constituição de prejuízos de muito difícil, senão mesmo impossível, reparação.
7. Não se demonstrou nem sequer se invocaram, por parte da entidade ora recorrida, os concretos prejuízos [reais, sérios e graves] que poderiam advir ou que adviriam da suspensão do mencionado despacho.
8. Na medida em que, como é o caso, o pedido de suspensão assenta na lesividade do acto impugnado para interesses públicos como sejam, entre outros, a promoção da área geográfica em causa, a promoção do emprego, a promoção da iniciativa e do desenvolvimento económicos, a competitividade, a confiança dos operadores económicos, a ponderação entre os interesses públicos servidos e contrariados pelo acto cuja suspensão se requereu, permite concluir pelo peso dominante dos primeiros sobre os segundos, pelo que não poderia ser recusada a adopção da providência cautelar requerida, nos termos do nº 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, razão adicional para se considerar que o Tribunal «a quo» decidiu mal.” [cfr. fls. 214/246 dos autos].
Em contra-alegações, a entidade demandada concluiu pela improcedência do recurso, com a manutenção integral da decisão recorrida [cfr. fls. 284/309 dos autos].
Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual defende que o recurso não merece proceder [cfr. fls. 316/317 dos autos].
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida, depois de considerar que “os documentos juntos aos autos pelas partes e não impugnados e o acordo da parte passiva permitem enquadrar a matéria factual pertinente ao julgamento da causa, pelo que se considera não ser necessário efectuar outras diligências de prova”, deu como assente a seguinte factualidade:
i. A “A...– A..., SA” é a entidade responsável, na qualidade de concessionária, pela gestão, administração e promoção da Zona Franca da Madeira [ou Centro Internacional de Negócios da Madeira – CINM];
ii. Tais responsabilidades incluem a emissão de licenças de instalação e de funcionamento das empresas no Centro Internacional de Negócios da Madeira, na sequência do licenciamento da actividade efectuada pelo Governo Regional da Madeira, bem como a construção de infra-estruturas na Zona Franca Industrial da Madeira e a promoção do Registo Internacional de Navios da Madeira – MAR e dos restantes serviços inseridos no âmbito do Centro Internacional de Negócios da Madeira;
iii. No DR, 2ª Série, nº 218, de 10 de Novembro de 2010, foi publicado o seguinte despacho:
Despacho nº 17024-A/2010
A divulgação de informação estatística actualizada é reconhecida pelo Governo como uma peça essencial à compreensão pública e discussão política da nossa fiscalidade. A divulgação cada vez mais completa e rigorosa desta informação mostra -se indispensável para que se consiga formular um juízo claro sobre a justiça na repartição dos encargos tributários e sobre o modo como a sociedade partilha o custeamento da despesa pública. Com esta preocupação em mente exarou -se neste Gabinete o despacho nº 5510/2010, de 26 de Março, fixando um alargado conjunto de informação estatística a disponibilizar ao público pela Direcção-Geral dos Impostos [DGCI] e pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo [DGAIEC], e encurtando os seus prazos de divulgação.
As razões que levaram à edição desse despacho apresentam redobrada importância no que respeita aos territórios de tributação privilegiada e aos regimes de benefícios fiscais. Atendendo, por um lado, a que o artigo 63º-A da lei geral tributária obriga as instituições de crédito e sociedades financeiras a comunicar à DGCI as transferências financeiras que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada;
Atendendo, por outro lado, a que o regime da Zona Franca da Madeira, estabelecido pelo Estatuto dos Benefícios Fiscais, contempla obrigações declarativas que visam facultar à DGCI o conhecimento e fiscalização das entidades aí instaladas:
Determino o seguinte:
1 – A Direcção-Geral dos Impostos [DGCI] divulga na sua página principal [homepage] informação estatística relativa às transferências financeiras que tenham como destinatário entidades localizadas em país, território ou região com regime de tributação privilegiada.
2 – A informação estatística a que se refere o número anterior é divulgada até ao termo do mês de Outubro, reportando-se ao ano antecedente, e compreende, entre outros, os seguintes elementos:
a) Número de pessoas singulares e colectivas ordenantes e beneficiárias;
b) Número e valor total das transferências;
c) Jurisdições de destino.
3 – A DGCI divulga na sua página principal [homepage] informação estatística relativa às entidades instaladas na Zona Franca da Madeira.
4 – A informação estatística a que se refere o número anterior é divulgada até ao termo do mês de Outubro, reportando-se ao ano antecedente, e compreende, entre outros, os seguintes elementos:
a) Número de entidades instaladas na Zona Franca;
b) Resultados, imposto liquidado e número de trabalhadores das entidades instaladas na Zona Franca;
c) Montante da despesa fiscal decorrente da isenção ou redução de taxa na Zona Franca.
5 – Excepcionalmente, determino que no presente ano a informação a que se refere o presente despacho seja objecto de divulgação até ao termo do mês de Novembro.
6 – A informação referida nos números anteriores é divulgada nos termos e formatos previstos no meu anterior despacho nº 5510/2010, de 26 de Março.
8 de Novembro de 2010. — O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Trigo Tavares Vasques”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O despacho recorrido dispensou a audição das testemunhas arroladas pela ora recorrente, por ter considerado que “os documentos juntos aos autos pelas partes e não impugnados e o acordo da parte passiva permitem enquadrar a matéria factual pertinente ao julgamento da causa, pelo que se considera não ser necessário efectuar outras diligências de prova”.
A recorrente não se conforma com este despacho, alegando que nele se fez errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação do artigo 118º, nº 3 do CPTA, que se mostra violado.
Afigura-se-nos assistir-lhe inteira razão.
Com efeito, a recorrente invocou no seu requerimento inicial factos tendentes a demonstrar os prejuízos resultantes do despacho cuja suspensão de eficácia requereu – o despacho nº 17024-A/2010, publicado no DR, 2ª Série, nº 218, de 10 de Novembro de 2010 –, nomeadamente os elencados nos artigos 30º, 138º, 145º, 146º, 148º, 149º, 153º e 154º do requerimento inicial.
Ora, a prova desses prejuízos é imprescindível para se proceder à análise do requisito do “periculum in mora”, traduzido no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, que tem de se verificar cumulativamente com o “fumus boni iuris”.
Efectivamente, só a verificação cumulativa dos requisitos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA é que impõe que se proceda à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, prevista no nº 2 do mesmo preceito, para se determinar se a providência deve ser adoptada ou recusada.
Deste modo, não estando determinados os prejuízos alegados pela ora recorrente, por dependerem da produção de prova testemunhal, não é possível aquilatar-se da sua relevância [enquanto prejuízos de difícil reparação], nem para os efeitos da alínea b) do nº 1, nem para efeitos da ponderação [comparação] prevista no nº 2 do referido artigo 120º do CPTA.
O que, aliás, se vê na sentença recorrida que apenas enunciou em termos genéricos o requisito “periculum in mora”, referindo, nomeadamente, que “o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais circunstâncias são suficientemente prováveis para que se possa considerar compreensível ou justificada a cautela que lhe é solicitada”.
No entanto, tal prova enunciada e a cargo do requerente, foi inviabilizada pelo próprio Tribunal “a quo” ao indeferir – sem qualquer fundamentação válida, diga-se – a produção de prova testemunhal, o que determinou, a final, que não se tivesse conseguido estabelecer, em concreto, se estavam verificados, ou não, os prejuízos de difícil reparação invocados pela requerente, conforme resulta do teor da sentença recorrida, na parte em que procede à apreciação dos requisitos exigidos pela alínea b) do nº 1 e pelo nº 2 do artigo 120º do CPTA.
Com efeito, na apreciação desses dois preceitos a sentença recorrida nunca se refere aos prejuízos concretos eventualmente sofridos pela requerente da providência.
Ou seja, ao contrário do entendimento constante da sentença e que visou justificar a desnecessidade da produção de prova, os documentos constantes dos autos não eram de todo suficientes como prova dos danos alegados. E, tanto assim é, que na sentença recorrida não se levou ao probatório qualquer facto sobre essa matéria.
Nestes termos, ao dispensar a produção de prova testemunhal quando esta se mostrava indispensável à correcta apreciação dos requisitos da providência cautelar requerida, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 118º, nº 3 do CPTA, impondo-se a respectiva anulação e a baixa dos autos ao TAF do Funchal para aí se proceder à ampliação da matéria de facto, com a inquirição das testemunhas arroladas pela requerente [cfr. artigo 712º, nº 4 do CPCivil].
Procedem, consequentemente, as conclusões 1. a 3. do presente recurso, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios imputados à sentença recorrida.


IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do 2º Juízo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, ordenando a baixa dos autos ao TAF do Funchal nos termos sobreditos.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Setembro de 2011


[Rui Belfo Pereira – Relator]
[António Coelho da Cunha]
[Fonseca da Paz]