Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1336/19.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:NOTIFICAÇÕES ELETRÓNICAS
PRESUNÇÃO IURIS TANTUM
INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO DE DEFESA
Sumário:I-A presunção constante do artigo 39.º, nº10, do CPPT é uma presunção iuris tantum, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 11 do mesmo normativo.

II-Face à natureza da presunção, sendo esta ilidível, alcança-se, desde logo, o equilíbrio e respeito pelos direitos dos notificados, assegurando-se o respeito pelos seus direitos de defesa.

III-Como tal, o regime em causa não atenta contra o seu direito de defesa, não representando, outrossim, qualquer violação do princípio da segurança bem como dos princípios da obrigatoriedade da notificação dos administrativos e da tutela jurisdicional efetiva.

IV-A disciplina do artigo 107.º-A do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, relativa à possibilidade da prática extemporânea do ato processual mediante o pagamento de multa, sendo privativa dos prazos judiciais, não colhe aplicação no caso vertente, cujo prazo de 20 dias, fixado para impugnação da decisão da autoridade administrativa, tem natureza administrativa.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

R ………….-C …………………, Ld.ª, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou caducado o direito de ação, relativamente ao Recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida em 06 de setembro de 2018, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas, no âmbito do processo de contraordenação n.º ………………..358, que lhe aplicou uma coima no valor de 3.052,88€, pela prática da infração de falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo, prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e punida pelos artigos, 114.º, n.º 2 e 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1º A douta sentença absolveu a Autoridade Tributária e aduaneira por ter julgado verificada a exceção perentória da caducidade do direito de ação.

2º Tal decisão resultou do facto da douta sentença ter considerado que o recorrente foi notificado em 17/09/2018 por nos termos do nº 10 do artigo 39º do CPPT ser o dia correspondente ao quinto dia após a sua disponibilização na caixa do correio eletrónico da recorrente, apesar deste só ter acedido à caixa do correio eletrónico em 28/09/2018.

3º E ainda do facto da recorrente não ter ilidido a presunção de notificação por não ter demonstrado que tal acesso só foi feito em data posterior por conduta que não lhe pode ser imputável como determina o nº 11 do artigo 39º do CPPT.

4º O recorrente entende que o esquema de notificação de notificação constante do nº 10 e 11 do artigo 39º do CPPT é inconstitucional por violar o princípio da segurança ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático bem como dos princípios da obrigatoriedade da notificação dos administrativos e da tutela judicial efetiva constantes dos números 3 e 4 do artigo 268º da CRP.

5º Deste modo, neste caso, a Administração Tributária e Aduaneira tem o dever de notificação dos atos administrativos e o recorrente tem o direito a ser notificado dos atos administrativos.

6º Como tal, o direito à notificação do ato administrativo não é apenas o direito a aceder a uma informação que é posta à disposição do interessado numa caixa do correio electrónico mas o direito à receção do ato na sua esfera de percetibilidade normal enquanto destinatário do ato administrativo.

7º Na verdade, enquanto o ato administrativo não chegar ao conhecimento do destinatário não se pode afirmar que está notificado do ato administrativo.

Termos em que deve o presente recurso:

A –Ser admitido

B –declarar-se inconstitucional os nºs 10 e 11 do artigo 39º do CPPT pelos fundamentos expostos

C –Revogada a douta sentença.”


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A Recorrida, devidamente notificada não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 10/08/2018 foi levantado, contra a Recorrente o auto de notícia n.º ………….197, que deu origem ao processo de contra-ordenação n.º …………………358, pela não entrega, no prazo legal, de prestação tributária de IVA, relativa ao período de tributação de 2018/03T, no valor de 10.080,52€, cuja data limite para pagamento terminou em 15/05/2018 e que a Recorrente efectuou em 05/07/2018, em infracção aos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) ambos do CIVA, conduta punida pelos artigos 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT (auto de notícia de fls. 3 do SITAF).

2) Pela infracção referida no número anterior, em 06/09/2018 foi proferida decisão de fixação da coima, pelo Serviço de Finanças de Odivelas, através da qual foi aplicada à Recorrente uma coima no valor de 3.052,88€, acrescida de custas administrativas no valor de 76,50€ (decisão de fixação de coima de fls. 8 a 10 do SITAF).

3) A decisão referida no número anterior foi depositada na caixa de correio electrónica da Recorrente no dia 12/09/2018 (notificação, consulta de documentos e gestão de comunicações de fls. 11 a 13 e 24 do SITAF).

4) A Recorrente acedeu à sua caixa de correio electrónico no dia 28/09/2018 (comprovativo de fls. 26 do SITAF).

5) O presente recurso de contra-ordenação foi enviado para o Serviço de Finanças de Odivelas no dia 18/10/2018, por correio postal registado com a referência RH…………PT (envelope de fls. 32 do SITAF).


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Ficou consignado na decisão recorrida, em termos de factualidade não provada o seguinte: “Não foram considerados provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da presente causa.”

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Mais ficou consignado que “ a convicção do Tribunal fundou-se no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos, conforme indicado em cada um dos factos provados, os quais, não tendo sido impugnados, merecem total credibilidade.”

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou intempestivo o recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no âmbito do processo de contraordenação n.º ……………358, que lhe aplicou uma coima no valor de 3.052,88€, pela prática prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b), ambos do CIVA e punida pelos artigos, 114.º, n.º 2 e 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.


Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 411.º, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, mormente, no atinente ao âmbito e extensão do artigo 39.º, nº10, na medida em que a data da notificação ter-se-á de coadunar com a data do acesso efetivo à notificação e não com a presunção legal nele consignada.

Mais importa aferir se a estatuição de notificação e inerente presunção plasmada no nº 10 e 11 do artigo 39.º do CPPT é inconstitucional por violar o princípio da segurança bem como os princípios da obrigatoriedade da notificação dos administrativos e da tutela judicial efetiva constantes dos números 3 e 4 do artigo 268.º da CRP.

Apreciando.

Ab initio, importa relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto ao abrigo do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, por remissão do artigo 3.º, al. b), do RGIT, nada requerendo em termos de aditamento, substituição ou supressão do acervo probatório dos autos, encontrando-se, por conseguinte, a mesma devidamente estabilizada.

E por assim ser, cumpre, então, aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter decidido pela intempestividade do recurso contraordenacional.

A Recorrente alega, para o efeito, que contrariamente ao sentenciado a notificação não ocorreu em 17 de setembro de 2018, mas antes em 28 de setembro de 2018, na medida em que a mesma ter-se-á de coadunar com a data, efetiva, de acesso à caixa do correio eletrónico, não podendo prevalecer a presunção constante no artigo 39.º, nº 10 e bem assim a interpretação atinente à sua ilisão.

Relevando, ademais, que o esquema de notificação de notificação constante dos nº 10 e 11 do citado normativo é inconstitucional por violar o princípio da segurança ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático bem como dos princípios da obrigatoriedade da notificação dos administrativos e da tutela jurisdicional efetiva constantes dos números 3 e 4 do artigo 268.º da CRP.

Por seu turno, a decisão recorrida fundamentou a intempestividade do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima, com base na interpretação conjugada nos normativos 80.º, nº1, do RGIT, 38.º, nºs 9 a 11 do CPPT, e 60.º do RGCO, densificando, depois, que:

“No caso vertente, a decisão recorrida foi notificada à Recorrente no dia 17/09/2018, correspondente ao quinto dia após a sua disponibilização na caixa de correio electrónica da Recorrente (vd. facto provado 3)).

Pese embora a Recorrente tenha acedido à referida caixa de correio electrónica em data posterior (vd. facto provado 4)), a verdade é que esta não logrou ilidir a presunção de notificação, por não ter demonstrado que tal acesso só foi feito em data posterior por conduta que não lhe pode ser imputável.

Assim, o prazo de 20 dias começou a correr no dia seguinte, nos termos do disposto no artigo 279.º, alínea b) do CC, pelo que se completou no dia 16/10/2018.

Pelo que o recurso apresentado em 18/10/2018 (vd. facto provado 5)), isto é, depois de completado aquele referido prazo legal, é intempestivo, ficando prejudicado o conhecimento do respectivo mérito.”

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que para os autos releva:

Ab initio, importa convocar o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, o qual sob a epígrafe de “Recurso das decisões de aplicação das coimas” dispunha que:

“1 - As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objeto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação.”

Mais importa ter presente o disposto no artigo 70.º, nº 2 do mesmo diploma legal, o qual, expressamente, evidencia que:

“Às notificações no processo de contraordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Atenta a aludida remissão, há que considerar o preceituado nos artigos 38.º, 39.º e 41.º todos do CPPT, com a redação à data aplicável.

Dispunha o citado artigo 38.º, do CPPT, com a redação à data aplicável, relativamente às notificações e suas formalidades que:

“1 - As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.

3 -As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.

4 -As notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efetuadas por simples via postal.

5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário.

6 - Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal.

7 - O funcionário que emitir qualquer aviso ou notificação indicará o seu nome e mencionará a identificação do procedimento ou processo e o resumo dos seus objetivos.

8 - As notificações referidas nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo podem ser efetuadas, nos termos do número anterior, por telefax quando a administração tributária tenha conhecimento do número de telefax do notificando e possa posteriormente confirmar o conteúdo da mensagem e o momento em que foi enviada.

9 -As notificações referidas no presente artigo podem ser efetuadas por transmissão eletrónica de dados, que equivalem, consoante os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção.

10-revogado

11 - Quando se refiram a atos praticados por meios eletrónicos pelo dirigente máximo do serviço, as notificações efetuadas por transmissão eletrónica de dados são autenticadas com assinatura eletrónica avançada certificada nos termos previstos pelo Sistema de Certificação Eletrónica do Estado - Infraestrutura de Chaves Públicas.

12 - A administração fiscal disponibiliza no seu serviço na Internet os documentos eletrónicos de notificação e citação a cada sujeito passivo.”

Mais preceituava o artigo 39.º, nºs 9 a 11 do CPPT, que:

“10 - As notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar.

11 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º”

De convocar, outrossim, o teor do citado artigo 41.º, nº1, do CPPT, o qual dispunha que:

“1 - As pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.”

Sendo, ainda de reter, o estatuído no artigo 43.º do CPPT:

“1 - Os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio, sede ou caixa postal eletrónica.

2 - A falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas.

3 - A comunicação referida no n.º 1 só produz efeitos, sem prejuízo da possibilidade legal de a administração tributária proceder oficiosamente à sua retificação, se o interessado fizer prova de já ter solicitado ou obtido a atualização fiscal do domicílio, sede ou caixa postal eletrónica.”

In fine, importa chamar à colação o disposto no artigo 19.º da LGT, o qual a propósito do domicílio fiscal dispunha que:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas coletivas, o local da sede ou direção efetiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica. (…)

“12 - Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração.

13 - O Ministro das Finanças regula, por portaria, o regime de obrigatoriedade do domicílio fiscal eletrónico dos sujeitos passivos não referidos no n.º 9.”

Ora, da interpretação conjugada dos normativos citados anteriormente resulta que a partir da alteração do artigo 19.º da LGT, o domicílio fiscal passou a integrar a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica.

De relevar, neste particular, que o serviço público de caixa postal eletrónica passou a constar das bases gerais da concessão do serviço postal universal em 2006, com a alteração efetuada a tais bases, aprovadas pelo DL n.º 448/99, de 4 de novembro, pelo DL n.º 112/2006, de 09 de junho, conforme resulta claramente do seu artigo 1.º.

Importando, outrossim, ter presente o preâmbulo do aludido diploma segundo o qual “[o] presente decreto-lei vem, pois, alterar as bases da concessão do serviço postal universal e prever o cometimento à entidade concessionária de um novo serviço público, a caixa postal electrónica, com valor legal no domínio da comunicação entre o Estado, incluindo os tribunais, os serviços e organismos que integram a administração directa, indirecta ou autónoma do Estado e as entidades administrativas independentes, por um lado, e os cidadãos e as empresas, por outro, designadamente no campo dos procedimentos administrativos e dos processos judiciais, reservando e impondo à concessionária a concepção, construção, implementação e aplicação do sistema em termos que assegurem os objectivos e padrões inerentes ao serviço público em causa”.

Para o efeito, importa ter presente que a Caixa Postal Eletrónica é um serviço que permite receber correio em formato digital, com valor legal, respeitando as características definidas no n.º 1 do artigo 3.º da Lei do Comércio Eletrónico (DL n.º 7/2004, de 7 de janeiro, a qual destina-se, fundamentalmente, a realizar a transposição da Diretiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000), que garante a integridade e a confidencialidade do seu correio.

De sublinhar, outrossim, que o aludido serviço está concessionado aos CTT, através do Serviço ViaCTT, por via de protocolo celebrado com a AT, por forma a permitir a ativação da caixa postal eletrónica para o envio de notificações da entidade AT, em sessão segura no Portal das Finanças, sem que seja necessário apresentar os documentos que habitualmente são solicitados pela ViaCTT, garantindo, por seu turno, e enquanto entidade certificadora, a integridade e a confidencialidade dos documentos, face ao uso de certificados digitais de autenticação, em obediência ao disposto no Decreto-Lei n.º 290-D/99.

Sendo que, como visto, as notificações eletrónicas consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar, sendo que a aludida presunção só pode ser ilidida pelo notificado por facto que não lhe seja imputável.

Encontramo-nos, assim, perante uma presunção, que só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º do CPPT.

Feito o devido enquadramento legal, nenhuma censura merece o sentenciado pelo Tribunal a quo, porquanto decidiu de acordo com o consignado no citado normativo e com as presunções legais a ela atinentes, as quais, como veremos, em nada contendem com o princípio da segurança jurídica, e com a tutela jurisdicional efetiva, não traduzindo, por conseguinte, qualquer inconstitucionalidade.

Senão vejamos.

Neste particular, socorremo-nos do Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 132/18.9BEALM, datado de 31 de outubro de 2019, no qual, a ora Relatora, interveio como 2ª Adjunta, e a cuja fundamentação jurídica se adere:

“A questão que se coloca é a de saber se a presunção de notificação prevista no art.º 39.º, n.º 10, do CPPT, posterga tal direito com assento na CRP.

Desde já se refira que se entende que a resposta é negativa.(…) cumpre sublinhar que a referida presunção é uma presunção iuris tantum, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 11 do mesmo art.º 39.º, no qual se faz expressa menção aos termos em que tal presunção de notificação pode ser ilidida.

Logo, sendo uma presunção ilidível, por esta via se alcança o equilíbrio e respeito pelos direitos dos notificados, assegurando-se o respeito pelos seus direitos de defesa.”

Esclarecendo, outrossim, que:

“[o] regime das notificações efetuadas via correio postal, registado e/ou com aviso de receção, também ele contém presunções de notificação.

Assim, atento o disposto no art.º 39.º, n.º 1, do CPPT, as notificações efetuadas por carta registada presumem-se efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando tal dia não seja útil. Tal presunção é ilidível, nos termos consignados no n.º 2 do mesmo art.º 39.º.

Já no que respeita às notificações efetuadas via correio postal registado com aviso de receção, encontramos também diversas presunções. Desde logo, atentando no n.º 3 do art.º 39.º, a notificação presume-se efetuada na pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no seu domicílio. Da mesma forma, nos casos previstos no n.º 5 do art.º 39.º está prevista uma presunção de notificação, no caso de a carta não ter sido recebida ou levantada. Todas estas presunções são ilidíveis.

O regime atinente à notificação efetuada por telefax ou via Internet contém igualmente uma presunção (art.º 39.º, n.º 7), no sentido de se presumir feita na data de emissão, presunção essa igualmente ilidível (cfr. art.º 39.º, n.º 8).

Deste quadro descritivo resulta que as formas de notificação a que nos referimos, sejam via eletrónica, sejam postais ou por telefax, têm previstas, no seu regime, presunções, opção que o legislador seguiu por forma a determinar, de objetivamente, o momento em que se considera, com grande probabilidade, o destinatário das comunicações notificado. No entanto, repetimos, porque se trata de presunções iuris tantum, e reflexo, aliás, da salvaguarda dos direitos dos notificandos, todas elas admitem afastamento, mediante prova em contrário.

Ora, considerando este contexto, não se vislumbra de que forma a notificação, através do Via CTT, e a presunção de notificação, prevista no n.º 10 do art.º 39.º do CPPT, atentam contra os direitos de defesa da Recorrente.

Como refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 439/2012, de 26 de setembro, “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efetivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa”.

Ora, o acesso à caixa postal do Via CTT de forma sistemática é uma obrigação que cabe a todos aqueles que através dela sejam notificados, da mesma forma que o é o acesso à caixa postal física tradicional. Aliás, trata-se de um acesso mais simplificado, na medida em que o envio via correio registado, com ou sem aviso de receção, na ausência do destinatário, implica a emissão de um aviso por parte do distribuidor e o ulterior levantamento da comunicação na loja desse mesmo distribuidor, ao passo que o acesso ao Via CTT é imediato.

Da mesma forma que uma notificação via correio postal registado que não seja reclamada pelo destinatário se presume efetuada, a notificação eletrónica presume-se efetuada no quinto dia ulterior ao seu envio, presunção ilidível, se se demonstrar que a notificação ocorreu em momento ulterior por facto não imputável ao notificando. Ou seja, o legislador estabeleceu um prazo, o de cinco dias, no qual, segundo padrões de razoabilidade, concluiu que o notificando deveria aceder à Via CTT, presunção essa que pode ser ilidida, sendo certo que nada foi referido pela Recorrente a este propósito, decorrendo das suas alegações que o seu entendimento é o de que o momento a considerar é o do acesso à Via CTT, ainda que muito tempo depois e por motivo exclusivamente da sua responsabilidade (sendo que, como referido, foi considerado não provado que a gerência da Recorrente só tomou conhecimento da notificação 29.12.2017, por só então ter acedido à sua caixa postal eletrónica).

Não se vislumbra, pois, de que forma o regime em causa atenta contra a presunção de inocência do arguido e contra o seu direito de defesa, na medida em que a notificação é feita por uma via à qual o notificando aderiu e que, como tal, em relação à qual deveria ter o cuidado de aceder, como se acede a uma caixa postal física. (…)

O respeito pelo direito de defesa do arguido está, pois, salvaguardado com um regime que prevê um prazo razoável para efeitos de presunção de notificação (5 dias) e que prevê a possibilidade de tal presunção ser ilidida, não podendo ser a negligência da Recorrente confundível com a preterição de tais direitos.

Em suma: atento o regime em vigor, é de atender, ao nível das contraordenações aplicadas no âmbito do RGIT, ao regime de notificações previsto no CPPT, no qual se inclui a notificação eletrónica, a par das notificações postais. O art.º 39.º do CPPT permite à administração tributária utilizar qualquer das formas de notificação previstas, fazendo equivaler a notificação à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção. É ainda de sublinhar que tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que as notificações das decisões de aplicação de coima se bastam com carta registada, por não se tratar de situação enquadrável no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT.

O regime das notificações eletrónicas contém uma presunção, à semelhança do que sucede com as notificações postais, presunção essa ilidível.

Como tal, não se vislumbra que um regime como o vigente atente contra o art.º 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP, não existindo igualmente nem fundamento legal nem justificação do ponto de vista da segurança jurídica que exija que a notificação de tais decisões seja feita ao abrigo do art.º 39.º, n.º 1, do CPPT.” (destaques e sublinhados nossos).

Face ao supra aludido, e aderindo à aludida fundamentação, conclui-se que é aplicável ao regime contraordenacional o regime consignado nos artigos 38.º e 39.º, do CPPT, com a inerente aplicação da presunção consignada no citado artigo 39.º, nº10, da CRP, sendo que, como visto, a estatuição de notificação e inerente presunção constantes dos nºs 10 e 11 do citado normativo não traduz qualquer inconstitucionalidade, porquanto não comporta qualquer preterição do princípio da segurança ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático em nada subvertendo o direito e os princípios inerentes à obrigatoriedade da notificação dos administrativos e da tutela jurisdicional efetiva constantes dos números 3 e 4 do artigo 268.º da CRP.

Note-se, ademais, que conforme expendido no Aresto do STA, proferido no processo nº 0130/17, de 08 de março de 2017:

(…) a falta de consulta das mensagens electrónicas e no caso concreto a referente à(s) citação(ões) não pode ser considerada em favor do sujeito passivo titular da caixa postal para recepção de correio electrónico oriundo da administração fiscal, designadamente para lhe ampliar prazos de reacção judicial. Estas regras têm de ser claras como são e as consequências derivadas da sua não observância não integram a violação de qualquer direito constitucional designadamente de acesso ou tutela judicial ou o princípio da participação dos administrados no processo tributário, que na situação concreta pressupunha a consulta regular da caixa de correio electrónico (1).” (destaque e sublinhado nosso).

Aqui chegados, importa, então, aferir se o presente recurso é, efetivamente, tempestivo por ilisão da presunção consignada no normativo que vimos analisando.

A Recorrente defende que ter-se-á de considerar como data da notificação a do seu efetivo conhecimento, no entanto, como visto, não só tal assunção não resulta da letra da lei, como, in casu, não convoca qualquer realidade que permita justificar o conhecimento ulterior à data notificação enquanto fundamento passível de legitimar a assunção de facto não imputável, contemplado no aludido normativo.

Com efeito, atentando nas suas alegações inexiste qualquer alegação apta a ilidir a presunção de notificação nos termos expostos, não podendo, como é bom de ver e face a todo o expendido anteriormente, a abertura da notificação em data ulterior, ter o efeito e o alcance expendidos e requeridos pela Recorrente.

Assim, face a todo o exposto, regressando ao caso dos autos, dimanando do probatório que a Recorrente foi notificada no dia 17 de setembro de 2018, correspondente ao quinto dia após a sua disponibilização na caixa de correio eletrónica da Recorrente (cfr. facto provado 3), o prazo de 20 dias começou a correr no dia seguinte, nos termos do disposto no artigo 279.º, alínea b), do CC, pelo que se completou no dia 16 de outubro de 2018, razão pela qual, tendo o recurso sido apresentado a 18 de outubro de 2018 (cfr. facto provado 5), a sua interposição ocorreu, efetivamente, após o decurso do referido prazo legal, sendo, por conseguinte, intempestivo.

Note-se, neste concreto particular, que a disciplina do artigo 107.º-A do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, relativa à possibilidade da prática extemporânea do ato processual mediante o pagamento de multa, sendo privativa dos prazos judiciais, não colhe aplicação no caso vertente, cujo prazo, de 20 dias, fixado para impugnação da decisão da autoridade administrativa, tem natureza administrativa (2).

De reiterar, in fine, que face a todo o expendido anteriormente e para cuja fundamentação se remete, em nada releva a data de acesso à referida caixa de correio eletrónica em data posterior (cfr. facto provado 4), na medida em que não ilidiu a aludida presunção de notificação, por não ter demonstrado que tal acesso só foi feito em data posterior por conduta que não lhe pode ser imputável.

Pelo que, nenhuma censura merece a decisão recorrida que julgou o recurso intempestivo, mantendo-se, por conseguinte, na ordem jurídica.


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IV. DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:
Negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC;

Registe e notifique.


Lisboa, 04 de maio de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)


(1) No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdão TCAS, proferido no processo nº 1836/15, de 22.10.2020.
(2)Vide neste âmbito Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, RGIT anotado, Áreas Editora, 2008, página 549; Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo nº 239/19, de 18.03.2020.