Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07203/02
Secção:Contencioso Administrativo- 1.º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:10/19/2004
Relator:Francisco Areal Rothes
Descritores:BENEFÍCIO FISCAL
ACORDOS DE COOPERAÇÃO
ART. 46.º, N.º 1, DO EBF (NA REDACÇÃO DO DL N.º 215/89)
NULIDADES PROCESSUAIS
FALTA DE DESPACHO A DISPENSAR A INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS
NULIDADES DA SENTENÇA
Sumário:I - As nulidades processuais que tenham sido cometidas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado depois da sentença, devem ser arguida no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é o recurso o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquela nulidade.
II - No processo de impugnação judicial, se o juiz considerar que a questão a dirimir é exclusivamente de direito ou, sendo também de facto, que o processo contém já todos os elementos que permitam a decisão, deve conhecer do pedido de imediato, depois de dar vista ao Ministério Público (cfr. arts. 113.º, n.º 1, e 114.º, do CPPT), não havendo lugar à produção de prova nem às alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT.
III - Nesse caso, nem a falta de inquirição das testemunhas nem a falta de notificação para alegações constituem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, antes pelo contrário.
IV - O juiz não tem que proferir despacho algum a dispensar a produção da prova, quer porque a lei não prevê tal despacho, quer porque o mesmo não teria qualquer utilidade.
V - A falta de despacho a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não constitui nulidade processual pois, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, só pode ser qualificada como nulidade «a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva».
VI - Sem prejuízo do que ficou dito, sempre a decisão do juiz de dispensar a produção da prova poderá ser sindicada em sede de recurso da sentença, onde, não só as partes podem invocar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 2.º, alínea e), do CPPT).
VII - Tendo o impugnante atacado a liquidação dos juros compensatórios com fundamentos distintos daqueles por que impugnou a liquidação do imposto, padece de omissão de pronúncia a sentença que apenas se pronunciou quanto a esta liquidação e nada disse sobre as questões suscitadas relativamente à liquidação dos juros.
VIII - O facto de a sentença fazer um enquadramento jurídico da situação de facto diverso do que foi sustentado pelo impugnante não constitui nulidade alguma: essencial é que o juiz conheça as questões suscitadas nos autos (no caso, a questão de saber se determinados rendimentos estavam ou não sujeitos a tributação em IRS), sendo que o conceito de "questões" não se confunde com o de "argumentos" ou "razões", motivo por que o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
IX - Os rendimentos auferidos por um militar em 1994 no âmbito de acordos de cooperação técnico-militar não se incluíam na previsão do art. 46.º, n.º 1, do EBF, sendo que os acordos de cooperação referidos nesta norma legal eram exclusivamente os que obedeciam ao regime do Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro, de natureza bem diversa.
X - Os rendimentos auferidos por militares no âmbito de acordos de cooperação técnico-militar só a partir de 1 de Janeiro de 1997 passaram a beneficiar de isenção de IRS, não por força do referido n.º 1 do art. 46.º, mas por força do n.º 3 do mesmo artigo, na redacção que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 1997.
XI - A falta de comunicação dos fundamentos de um acto não contende com a validade do mesmo, mas apenas com a sua eficácia, motivo por que não pode constituir fundamento de impugnação.
XII - Se o contribuinte declarou indevidamente como isentos de IRS rendimentos que estavam sujeitos a tributação, é esse o facto imputável ao contribuinte justificativo de que lhe sejam liquidados juros compensatórios.
XIII- Não evidenciando a declaração o erro do sujeito passivo, não fica a AT limitada nos termos do n.º 7 do art. 35.º da LGT quanto ao período por que pode exigir juros compensatórios.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 J... (adiante Impugnante, Contribuinte ou Recorrente), inscreveu na declaração de rendimentos (no anexo H) que apresentou com referência ao ano de 1994, como rendimentos isentos de tributação, o montante de esc. 2.031.719$00, no quadro destinado a «Remunerações do pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais – Art. 42.º, n.º 1, alínea b), do E.B.F.» (1).

1.2 A Administração tributária (AT) solicitou-lhe os documentos necessários à comprovação da situação tributária respeitante a esse ano e, porque estes não lhe foram facultados (2), considerou que os rendimentos englobados no anexo H estavam sujeitos a tributação, motivo por que procedeu à correcção do rendimento tributável declarado e à consequente liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, de que resultou o montante a pagar pelo Contribuinte de esc. 817.555$00, sendo esc. 320.578$00 de juros compensatórios.

1.3 O Impugnante reclamou graciosamente contra a liquidação adicional de IRS e, porque essa reclamação foi indeferida, impugnou judicialmente aquele acto, cuja anulação pediu com os seguintes fundamentos:
na reclamação graciosa, quando do exercício do direito de audição, requereu que fossem ouvidas duas testemunhas;
porque as mesmas não foram inquiridas e na decisão da reclamação se deixou escrito que «nada de novo foi trazido aos autos», verifica-se que a AT violou o disposto no art. 60.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária (LGT), e no art. 101.º, n.º 3, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), o que «tem como consequência a existência da ilegalidade tipificada sob a alínea d) do art. 120 do Cód. Proc. Tributário, daí derivando a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação»;
os rendimentos que o Impugnante fez constar do anexo H foram por ele auferidos no período compreendido entre 9 de Fevereiro e 27 de Outubro de 1994, durante o qual fez parte de uma missão militar portuguesa em Moçambique que deve considerar-se como efectuada ao abrigo de um acordo de cooperação, motivo por que devem aqueles rendimentos considerar-se abrangidos pela isenção prevista no art. 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (3);
o Contribuinte não teve qualquer conduta que possa determinar a liquidação de juros compensatórios, cuja fundamentação factual e legal nunca lhe foi notificada, sendo que é estranho ao retardamento da liquidação.

1.4 A impugnação judicial foi julgada improcedente, por a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa ter considerado, em síntese, que:
inexiste a invocada preterição de formalidades legais, pois «a AF não estava obrigada a inquirir testemunhas no âmbito do direito de audição» e, aliás, «face à questão controvertida dos autos, o impugnante nem sequer ficou prejudicado com o facto de não se terem ouvido testemunhas, uma vez que o seu depoimento era irrelevante já que estava em causa apenas matéria de direito»
«quanto à questão de fundo», a situação do Impugnante não é subsumível à previsão do art. 42.º, n.º 1, alínea b), do EBF, pois este apenas é aplicável aos funcionários a trabalhar em Portugal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais, quanto às remunerações auferidas nessa qualidade e desde que no país de origem dessa organização se dê igual tratamento aos trabalhadores portugueses.

1.5 Inconformado com essa sentença, o Impugnante dela interpôs o presente recurso, o qual foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.6 O Recorrente alegou e formulou as seguintes conclusões:


«V. Das Conclusões:
1) Na impugnação não foram ouvidas as testemunhas arroladas, nem foi formulado qualquer Despacho/decisão que fundamente aquela dispensa (omissão);
2) Tal factualidade constitui nulidade processual de todos os termos posteriores, como está consagrado sob o n.º 3 do art. 98º do Cód. Proced. e Proc. Tributário;
3) Não foram as partes processuais notificadas para produzirem Alegações escritas, antes da Sentença, o que gerando o vício de Nulidade provoca a anulação de todos os actos ulteriores a esse momento, nomeadamente desta sentença (art. 201º, n.º 1 e 2, do Cód. Proc. Civil);
4) Apesar de o Recorrente ter articulado factos e peticionado a apreciação em concreto pelo Tribunal dos Juros Compensatórios exigidos pagar no valor de Esc.: 320.578$00, a sentença é totalmente omissa quanto a esta matéria;
5) Por efeito da conclusão anterior a sentença é nula, porque violou o disposto no n.º 1 do art. 125º do Cód. Proced. e Proc. Tributário, bem como na alínea d) do n.º 1 do art. 668º do Cód. Proc. Civil;
6) O Recorrente introduziu a sua Impugnação em juízo, tendo como base jurídica da procedência da sua tese o art. 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e não a alínea b) do n.º 1 do art. 42º do mesmo diploma;
7) A sentença, ao não se debruçar sobre o fundamento jurídico, apresentado pelo Impugnante, é nula por violação do que manda o n.º 1 do art. 125º do Cód. Proced. Proc. Tributário;
8) Ao mesmo vício da nulidade da sentença se chega, porquanto esta padece de falta de fundamentação, bem como porque se pronunciou sobre um fundamento jurídico não levado ao pleito pelo Impugnante (art. 42º do E.B.F.);
9) A isenção do art. 46º do E.B.F., tem como sua essência estimular a ida para o estrangeiro de portugueses, que se afastam do País, da família e amigos, dando-lhes uma vantagem fiscal.
10) In casu” ocorrem todos os pressupostos constantes do ofício-circulado com o n.º 6614/98, do dia 25 de Fevereiro, da D.G.C.L, para que funcione a favor do Recorrente o benefício do art. 46º.
VI. Do Pedido:

Que seja proferido Acórdão que consagre o que consta deste Recurso, anulando aquela sentença, ordenando a realização dos Actos omitidos,
Ou se de outra forma se entender,
Seja anulada a sentença substituindo-a por outra que dê procedência ao pedido do Impugnante, anulando o imposto e os juros compensatórios liquidados».

1.7 Não foram apresentadas contra alegações.

1.8 O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer que se transcreve na íntegra:

«1. O recurso merece provimento tal como já se pronunciou o M.P. no tribunal “a quo” a fls. 48 v.º e 49 e pelas razões expostas nas conclusões de fls. 75 e 77».

1.9 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

1.10 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber:
1.ª se o processo enferma de nulidade
por falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo Impugnante (cfr. conclusões com os n.ºs 1) e 2));
por falta de despacho a fundamentar a dispensa da inquirição (cfr. conclusões com os n.ºs 1) e 2));
por falta de notificação para alegações (cfr. conclusão com o n.º 3));
2.ª se a sentença recorrida enferma de nulidade
por falta de pronúncia quanto ao pedido de anulação da liquidação dos juros compensatórios (cfr. conclusões com os n.ºs 4) e 5));
por falta de pronúncia, falta de fundamentação ou excesso de pronúncia por, sem justificação para tanto, a sentença não ter considerado o fundamento jurídico invocado pelo Impugnante como suporte do pedido de anulação da liquidação de IRS, mas um outro (cfr. conclusões com os n.ºs 6) a 8));
3.ª se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por ter considerado que a AT procedeu correctamente ao considerar que os rendimentos que o Impugnante declarou como isentos estão sujeitos a tributação em IRS e, consequentemente, ao proceder à liquidação adicional impugnada (cfr. conclusões com os n.ºs 8) a 10)).

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.2 A sentença recorrida procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Compulsados os autos e vista a prova produzida documentalmente, podem-se dar como provados os seguintes factos:

A) – Pelo Decreto n.º 27/90, de 11 de Julho, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi aprovado o Acordo de Cooperação Técnica no Domínio Militar entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, celebrado em Maputo, a 7 de Dezembro de 1988, cujo texto original constitui anexo ao mesmo Decreto – ver fls. 28;
B) – Dá-se por reproduzido o Despacho conjunto A-14/93-XII, dos Ministérios da Defesa Nacional, das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, de 24.3.1993, publicado no DR – II Série, de 03.04.1993, cuja fotocópia se encontra a fls. 27 e que se dá por reproduzida;
C) – Ao abrigo do Despacho identificado na alínea anterior, e por Despacho conjunto dos Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros, de 16-7-1993, publicado no DR, II Série de 29.07.1993, o impugnante, então Alferes de Infantaria CMD, foi nomeado para participar na execução do Programa de Formação das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), integrando as companhias de instrução do Destacamento de Instrução de BFE, junto por fotocópia de fls. 26 a 26-v, que se dá por reproduzido;
D) – O impugnante fez parte da dita Missão no período de 09.02.1994 até 27-10-1994, conforme documento de fls. 25, que se dá por reproduzido;
E) – Durante o período referido na alínea anterior, o impugnante apenas auferiu, em Portugal, por intermédio do Centro Financeiro do Exército, o vencimento referente ao seu posto a que tinha direito mensalmente, ou seja a quantia global de 2.031.718$00, de que foi retida a importância de 356.150$00 a título de retenção na fonte, conforme documento referido na alínea anterior;
F) – O impugnante apresentou declaração de rendimentos relativamente ao ano de 1994, tendo englobado a importância de 917.702$00 de rendimentos da categoria A e no anexo-H 2.031.718$00 da mesma categoria, proveniente de “remunerações do pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais - art. 42º, n.º 1 al. b) do EBF”.
Efectuada a liquidação respectiva, houve lugar a um reembolso de:
IRS - 433.645$00
JRP- 34.484$00
468.129$00,
conforme informação de fls. 35a 35-v, documento de fls. 29, que se dão por reproduzidos, e documento de fls. 9 a 10-v da reclamação apensa, cujos autos se dão por integralmente reproduzidos;
G) – A Inspecção Tributária expediu ofício para notificação do impugnante para este apresentar os documentos comprovativos de todos os rendimentos auferidos e retenções na fonte, relativos ao ano de 1994, cujo ofício foi devolvido, conforme documentos de fls. 30 a 31, que se dão por reproduzidos;
H) – Seguidamente a Inspecção Tributária corrigiu o rendimento tributável do impugnante, considerando aquela importância de 2. 031.718$00 sujeita a imposto, tendo sido efectuada liquidação adicional de 817.555$00, na qual se incluem 320.578$00 [de juros compensatórios], conforme documento de fls. 18, que se dá por reproduzido;
I) – O impugnante apresentou reclamação mas a mesma foi indeferida, conforme autos de reclamação apensa.

X

A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas».

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2.1.2 A matéria de facto fixada em 1.ª instância não foi posta em causa pelo Recorrente nem nos merece qualquer censura, motivo por que a consideramos assente.
* * *


2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrente, militar do Exército português, prestou serviço entre 9 de Fevereiro e 27 de Outubro de 1994 em Moçambique, integrado numa missão de cooperação técnico-militar entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique e, na declaração de rendimentos respeitante a esse ano, fez constar os rendimentos auferidos durante esse período como isentos de tributação, inscrevendo-os no anexo H, no quadro destinado a «Remunerações do pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais – Art. 42.º, n.º 1, alínea b), do E.B.F.».
A AT, no âmbito dos poderes de fiscalização que lhe estão cometidos, solicitou ao Contribuinte os documentos pertinentes à comprovação da sua situação tributária mediante ofício que, remetido para o domicílio fiscal do Contribuinte, foi devolvido ao remetente.
Perante a impossibilidade de comprovar se o Contribuinte beneficiava da isenção relativamente aos referidos rendimentos, a AT procedeu à correcção do rendimento colectável, considerando sujeitos a tributação os rendimentos que haviam sido declarados como isentos, e à consequente liquidação adicional de IRS e juros compensatórios.
O Contribuinte reclamou graciosamente contra essa liquidação e, na sequência do indeferimento da reclamação, veio impugnar aquele acto, pois entende que o mesmo enferma do vício de violação de lei porque os rendimentos em causa estão abrangidos pela isenção prevista no art. 46.º, n.º 1, do EBF (4).
Na sentença recorrida, a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa, sindicou a legalidade da liquidação face ao art. 42.º, n.º 1, alínea b), do EBF, para considerar que a situação do Impugnante não é subsumível à previsão dessa norma, que apenas regula a situação dos funcionários a trabalhar em Portugal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais, quanto às remunerações auferidas nessa qualidade e desde que no país de origem dessa organização se dê igual tratamento aos trabalhadores portugueses
O Impugnante não se conformou com a sentença e dela veio recorrer.
Começou por arguir três nulidades processuais: primeira, porque não foram ouvidas as testemunhas que arrolou; segunda, porque não foi proferido ou, pelo menos, não lhe foi notificado, o despacho que dispensou tal audição; terceira, porque não foi notificado para alegações nos termos do art. 120.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Depois, invocou várias nulidades da sentença: por falta de pronúncia quanto às questões suscitadas em torno dos juros compensatórios; por falta de pronúncia, falta de fundamentação ou excesso de pronúncia, porque na sentença, ao invés de se fazer a apreciação jurídica da situação fáctica à luz do art. 46.º, n.º 1, do EBF, fundamento jurídico que foi o aduzido pelo Impugnante como suporte para a invocada isenção dos rendimentos em causa, fez-se tal apreciação à luz do art. 42.º, n.º 1, alínea b), do EBF, que ninguém invocara e sem que se tenha avançado qualquer fundamento para essa opção.
Finalmente, alegou que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por ter considerado que a AT procedeu correctamente ao considerar que os rendimentos que o Impugnante declarou como isentos estão sujeitos a tributação em IRS e, consequentemente, ao proceder à liquidação adicional impugnada, sem atender a que os rendimentos em causa beneficiam da isenção prevista no art. 46.º, n.º 1, do EBF.
Por isso, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas no ponto 1.10.

2.2.2 DAS NULIDADES PROCESSUAIS

2.2.2.1 da forma de arguição das nulidades

Começou o Recorrente por arguir as nulidades processuais por falta de inquirição das testemunhas, por falta da decisão de dispensar a prova testemunhal e por falta de notificação para alegações, nulidades que, porque não constam do elenco do art. 98.º do CPPT, só poderão, eventualmente, ser havidas como nulidades secundárias, sujeitas ao regime do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT (5).
Desde logo, poderíamos questionar se tais nulidades deveriam ser arguidas mediante reclamação dirigida ao Tribunal a quo ou no presente recurso, questão cuja resposta assume relevância, designadamente para aferir da tempestividade da arguição.
A questão está longe de ser incontroversa:
sustentam alguns que a nulidade processual (6) deverá, nos termos do disposto no art. 205.º, n.º 1, do CPC, ser arguida mediante reclamação perante o tribunal a quo, dentro do prazo fixado pelo art. 153.º do CPC, sendo as únicas excepções as previstas no n.º 3 do referido art. 205.º (quando a expedição do processo, em recurso jurisdicional, se verifica antes de findar o prazo de arguição da nulidade perante o tribunal recorrido, e a existência de um despacho judicial autorizando a prática ou a omissão do acto ou da formalidade) (7);
defendem outros que as nulidades processuais ocorridas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado com a notificação da sentença, devem ser arguidas no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é aquele o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquelas nulidades, não a reclamação (8).

Aderimos a esta segunda posição, por se nos afigurar a que melhor interpretação faz da lei.
Vejamos:
A nulidade secundária em que o tribunal incorrer, nos termos do art. 202.º do CPC, em princípio, só pode ser conhecida mediante reclamação a deduzir no prazo de dez dias (prazo geral estabelecido no artigo 153.º do mesmo diploma).
De acordo com o artigo 205.º, n.º 1, do CPC, o prazo de dez dias conta-se do conhecimento da nulidade, o que significa que, no caso, a nulidade não estava sanada quando foi proferida a sentença, que acaba por lhe dar cobertura, embora de forma implícita. Como se disse no já referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Abril de 1997, «a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolacção». Assim, e sendo o meio próprio de atacar a sentença o recurso – numa concretização do brocardo “das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se” – há que concluir que nada obsta ao conhecimento das nulidade arguidas em sede de recurso (9).
Dito isto, cumpre agora verificar da verificação das arguidas nulidades processuais.

2.2.2.2 das nulidades invocadas pelo impugnante

Entendeu a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância, após a apresentação da contestação da Fazenda Pública, que podia conhecer de imediato do pedido, como conheceu.
Vem agora o Recorrente invocar a nulidade por não terem sido inquiridas as testemunhas e por não ter sido proferido despacho a dispensar a inquirição ou, pelo menos, por não ter sido notificado desse despacho, bem como por não ter sido notificado para alegar nos termos do art. 120.º do CPPT.
As nulidades processuais «são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais» (10).
Como dissemos já, as invocadas nulidades não constam do rol exaustivo de nulidades insanáveis que o legislador consagrou no art. 98.º do CPPT, motivo por que é à luz do regime do art. 201.º e segs. do CPC que deveremos aferir se estamos perante irregularidades processuais susceptíveis de serem qualificadas como nulidades (secundárias).
Nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: «a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas (art. 201.º, 1)»(11).
Salvo o devido respeito, a matéria aduzida pelo Impugnante para integrar as nulidades que invocou não integra forma alguma das que ficaram apontadas, designadamente a omissão de acto prescrito na lei, a que o Impugnante parece reconduzi-las.
Vejamos uma por uma:

2.2.2.2.1 da falta de inquirição das testemunhas

A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui nulidade alguma.
Cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova (cfr. arts. 113.º, n.º 1, e 114.º, do CPPT). Assim, porque compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a contestação ou o decurso do prazo para a mesma, o juiz, depois de dar vista ao Ministério Público, profere sentença, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pelo impugnante ou pela Fazenda Pública não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
Ora, no caso, a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa entendeu poder conhecer do pedido imediatamente após a apresentação da contestação, como conheceu, depois de dar vista ao Ministério Público, motivo por que não se verifica a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo Impugnante.

2.2.2.2.2 da falta de despacho a dispensar a inquirição das testemunhas

Mas, será que deveria a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa ter proferido despacho a dar conta de que entendia desnecessária a produção da prova requerida pelo Impugnante e, assim, da sua opção pelo imediato conhecimento do pedido, despacho esse que haveria de ser notificado às partes, sob pena de nulidade?
A questão tem merecido da jurisprudência respostas diversas (12), mas afigura-se-nos que não.
Desde logo, a lei não prevê decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes. O que a lei refere é, como dissemos já, que o juiz, após verificar se pode ou não conhecer do pedido sem que haja lugar à produção da prova e caso conclua pela afirmativa, deve, após vista ao Ministério Público, de imediato proferir sentença. A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo impugnante ou pela Fazenda Pública, quer o faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir sentença de imediato, é porque entende desnecessária a produção de prova.
Ora, se a lei não prescreve tal despacho, não vemos como sustentar que a omissão do mesmo consista um desvio ao formalismo processual que deveria ter sido seguido e, consequentemente, como sustentar que se verifica uma nulidade. Recorde-se que a nulidade processual consiste num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos.
Aliás, qual seria a utilidade desse despacho? Se o juiz entende conhecer imediatamente do pedido, não vemos por que há-de proferir despacho a anunciar que o vai fazer e só depois conhecer do pedido, ao invés de fazê-lo de imediato.
Tal despacho não teria utilidade alguma, nem sequer a de dar a conhecer ao impugnante e à Fazenda Pública que não houve lugar à produção de prova. É que as partes, logo que notificadas da sentença, facilmente se podem aperceber de que não houve fase de instrução, quer porque não foram notificadas da prática de quaisquer diligências instrutórias, quer porque não foram notificadas para alegar nos termos do art. 120.º do CPPT, quer porque na sentença não existirá qualquer referência àquelas diligências na apreciação crítica dos elementos de prova que o juiz utilizou para formar a sua convicção.
Nem se diga que as partes não podem aperceber-se através da notificação da sentença de que não houve lugar à fase da instrução, que poderia ter ocorrido à sua revelia, que poderia ter ocorrido mesmo que não tenha havido notificação nos termos do art. 120.º do CPPT e, finalmente, que poderia ter tido ocorrido sem que lhe seja feita referência alguma para fundamentar o julgamento da matéria de facto. Na verdade, se em relação a esta última circunstância, é certo que a mesma, só por si, nada revela relativamente à prática ou não de diligências instrutórias (se bem que, normalmente, o juiz deva proceder à análise crítica de toda a prova produzida)), já as duas primeiras circunstâncias – ter havido lugar à instrução à revelia das partes, que não teriam sido notificadas para assistir às diligências instrutórias ou aos seus resultados, e não terem as partes sido notificadas para alegarem – são situações patológicas, que não podem erigir-se em critério de normalidade para aferir da regularidade da tramitação processual; a regra é que seja observado o formalismo processual prescrito na lei: normal é que, se existir instrução, as partes sejam notificadas para as diligências instrutórias, designadamente para a inquirição das testemunhas, e normal é também que, terminada que seja a instrução, as partes sejam notificadas para alegações.
Mas, se porventura ocorressem tantos e tão graves atropelos no processo (esses sim, nulidades(13)), nem por isso as partes ficariam desprotegidas pela ausência de despacho a dispensar a realização de diligências instrutórias e respectiva notificação.
Na verdade, essas nulidades sempre poderiam ser arguidas no recurso a interpor da sentença final, bem como deveriam ser conhecidas oficiosamente pelo tribunal ad quem.
Nem se diga que esse despacho (a anunciar o conhecimento imediato do pedido) teria como vantagem a possibilidade de as partes poderem suscitar desde logo a sua reapreciação por instância superior, mediante recurso, assim obviando à prossecução do processo e à prolação de sentença que, a verificar-se a nulidade, viriam a ser anulados por força da mesma. É que, embora admitamos que, a ser proferido despacho que dispense a produção da prova, este será passível de recurso, tal recurso sempre seria a subir com o que fosse interposto da decisão final (cfr. art. 285.º do CPPT), motivo por que nem sequer se pode invocar que a prolação desse despacho teria o mérito de, através da possibilidade do recurso do mesmo, obstar à prossecução do processo e à prática de actos que poderiam vir a ser anulados.
Note-se, finalmente, que o facto de sustentarmos a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo. Na verdade, sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 2.º, alínea e), do CPPT).
Por tudo isto, entendemos que o facto de a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa não ter proferido despacho a dispensar a inquirição das testemunhas oferecidas pelo Impugnante não constitui nulidade.

2.2.2.2.3 da falta de notificação para alegar nos termos do art. 120.º do cpt
Resta-nos apreciar a última das nulidades processuais invocadas pelo Impugnante.
Diz o art. 120.º do CPPT:

«Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias».

Tal notificação visa possibilitar aos interessados pronunciarem-se sobre a apreciação crítica das provas, com vista ao julgamento da matéria de facto, e sobre as questões jurídicas que são objecto do processo, constituindo as alegações o encerramento da fase da discussão da causa na 1.ª instância. Ou seja, terminada a produção da prova, prova que pode ter sido oferecida ou requerida pelas partes ou realizada ou ordenada oficiosamente pelo tribunal (14), deve dar-se aos interessados a oportunidade para procederem à apreciação crítica da prova produzida, indicando quais os factos que consideram provados e, com base neles, proceder à discussão do aspecto jurídico da causa (15).
Assim, não haverá lugar à notificação prescrita pelo art. 120.º do CPPT caso o juiz entenda conhecer imediatamente do pedido, ao abrigo do disposto no art. 113.º do mesmo código, o que pressupõe que a questão ou questões a dirimir sejam exclusivamente de direito ou, sendo também de facto, que o processo forneça já todos os elementos indispensáveis à boa decisão da causa. Nesse caso, o legislador terá entendido que, face à inexistência da fase de produção de prova, era dispensável dar aos interessados outra oportunidade, para além da facultada nos respectivos articulados (petição inicial e resposta) para se pronunciarem sobre as questões de facto e de direito.
Foi o que sucedeu no caso sub judice, como ficou já referido. Porque a Juíza do Tribunal a quo entendeu conhecer imediatamente do pedido, não havendo lugar à produção de prova, tudo como lho permitem os arts. 113.º, n.º 1, e 114.º do CPPT, não havia que notificar os interessados para alegarem.
A falta de notificação para alegar não constitui, pois, nulidade alguma.

2.2.3 DAS NULIDADES DA SENTENÇA

2.2.3.1 da omissão de pronúncia sobre o pedido de anulação dos juros compensatórios

O Recorrente invoca a nulidade da sentença por nela não se ter conhecido as questões suscitadas em torno dos juros compensatórios.
Na verdade, na sentença recorrida, tendo-se considerado que a impugnação judicial da liquidação de IRS não procedia, não houve pronúncia expressa relativamente ao pedido de anulação dos juros compensatórios. Ora, atentando na petição inicial, vemos que o pedido de anulação dos juros compensatórios tem fundamentos próprios, ou seja, que o Impugnante não sustenta a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios com fundamento exclusivo na ilegalidade da liquidação do imposto, caso em que não seria exigível que a sentença recorrida se pronunciasse expressamente sobre os juros compensatórios.
O Impugnante sustentou a ilegalidade dos juros compensatórios porque «NUNCA lhe foi notificada a fundamentação factual e legal» da liquidação dos juros compensatórios e porque o “retardamento” de quatro anos e sete meses na liquidação adicional não lhe é imputável, pois apresentou tempestivamente a sua declaração de rendimentos, «exibindo os documentos de suporte no momento da entrega».
Sobre estas questões – da falta de comunicação dos fundamentos da liquidação dos juros compensatórios e da ausência de comportamento que lhe seja imputável e que tenha motivado o atraso da liquidação –, a sentença é completamente omissa, não havendo sequer decisão no sentido de as considerar prejudicadas.
Como é sabido, «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras» (art. 660.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC). Em conexão com este dever, a lei estipula como causa de nulidade da sentença «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar» (art. 125.º do CPPT).
Assim, concluímos que a sentença enferma de nulidade, que ora cumpre suprir, nos termos do disposto no art. 715.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 749.º do mesmo Código e do art. 281.º do CPPT, o que faremos adiante, no ponto 2.2.5.

2.2.3.2 da omissão de pronúncia, falta de fundamentação ou excesso de pronúncia tendo em conta o fundamento jurídico invocado pelo impugnante

O Recorrente, depois de salientar que na petição inicial, como antes na reclamação graciosa, sempre invocou que os rendimentos por ele auferidos no âmbito da referida missão técnico-militar estavam isentos de tributação em IRS por força do disposto no art. 46.º, n.º 1, do EBF, e que os Representantes da Fazenda Pública e do Ministério Público também se pronunciaram tendo em conta esse enquadramento jurídico, invoca a nulidade da sentença por nesta a situação ter sido analisada exclusivamente à luz do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea b), do EBF.
Salvo o devido respeito, não pode falar-se a esse propósito nem de omissão de pronúncia (relativamente ao fundamento jurídico invocado pelo Impugnante), nem de falta de fundamentação (quanto à opção da Juíza do Tribunal a quo no que respeita ao enquadramento jurídico), nem de excesso de pronúncia (relativamente ao fundamento jurídico considerado na sentença).
Desde logo, cumpre relembrar aqui a distinção entre questões e argumentos ou razões.
É certo que o juiz deve conhecer de toda as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, bem como só pode conhecer das questões que lhe tenham sido colocadas, com excepção das que sejam do conhecimento oficioso, sob pena, num como noutro caso, de a sentença ficar ferida de nulidade (cfr., para além do já referido art. 125.º do CPPT, os arts. 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC). Como é jurisprudência pacífica (16), a omissão de pronúncia, tal como o excesso de pronúncia, verifica-se apenas em relação a questões e não em relação a argumentos ou razões invocadas. Assim, e porque o conceito de “questões”, não se confunde com o de “argumentos” ou “razões”, o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» e não podendo «ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (art. 660.º, n.º 2, do CPC), não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
Regressando ao caso sub judice, é inquestionável que na sentença recorrida a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa se pronunciou sobre a questão suscitada nos autos, que é a de saber se os rendimentos em causa estão ou não sujeitos a tributação em IRS. É certo que na sentença, ao apreciar essa questão, não são referidos os argumentos jurídicos aduzidos pelo Impugnante em favor da sua tese, antes se tendo feito apelo a um diferente enquadramento jurídico da situação fáctica. No entanto, essa opção não constitui nulidade.
A nosso ver, essa opção pode, isso sim, assentar num erro de julgamento de direito, mas este situa-se já no âmbito da validade substancial da sentença. Ora, como é sabido, as nulidades da sentença, previstas no já referido art. 125.º do CPPT, bem como no art. 668.º do CPC, são vícios que se reportam à validade formal da sentença e não à sua validade substancial, motivo por que no rol das causas de nulidade da sentença não se inclui «o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário» (17).
A sentença não padece, pois, dos invocados vícios de omissão ou excesso de pronúncia.
Também não enferma da invocada nulidade por falta de fundamentação em virtude de nela se não referirem os motivos por que se preferiu fazer a análise jurídica da situação à luz do art. 42.º do EBF, ao invés de a fazer à luz do art. 46.º do EBF, que foi o invocado pelo Impugnante.
É pacífico que recai sobre os juízes o dever de fundamentarem de facto e de direito as suas decisões. Tal dever resulta, para todas as decisões, do disposto no art. 158.º, n.º 2, do CPC, e justifica-se, por um lado, pela necessidade de convencer a parte vencida das razões da improcedência do seu pedido e, por outro lado, para permitir a elaboração de recurso em que se impugnem os fundamentos que conduziram à decisão. No que respeita especialmente à sentença, o dever de fundamentação está regulado nos arts. 123.º, n.º 2, do CPPT, e 659.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
Quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão é nula (arts. 125.º, n.º 1, do CPPT, e 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC). No entanto, quanto à fundamentação de direito, só constitui nulidade a sua omissão total, como resulta do art. 144.º do CPT e a jurisprudência tem vindo a afirmar repetidamente (18).
Ora, manifestamente, na sentença recorrida não há omissão e, muito menos, omissão total dos fundamentos de direito. Pode ou não concordar-se com eles, mas isso é uma discussão que se situa já no domínio da validade substancial da sentença.
Acresce que o dever de fundamentação só se verifica em relação às decisões e não em relação aos argumentos que nelas são utilizados.

2.2.4 DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO

Considera o Recorrente que os rendimentos em causa estão isentos de tributação em IRS, motivo por que a sentença recorrida, que julgou em sentido diverso, fez errado julgamento de direito.
Tal como sustenta o Recorrente, entendemos que a análise da questão deverá ser feita à luz do art. 46.º do EBF, que foi o por ele invocado.
Relembremos a redacção deste artigo, na redacção aplicável à data (1994), que é a da Lei n.º 75/1993, de 20 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 1994):

«1 - Ficam isentas de IRS as pessoas deslocadas no estrangeiro ao abrigo de acordos de cooperação, relativamente aos rendimentos auferidos no âmbito do respectivo acordo.
2 - O Ministro das Finanças pode, a requerimento das empresas interessadas, ou registo, conceder isenção de IRS relativamente aos rendimentos auferidos por pessoas deslocadas no estrangeiro ao serviço daquelas, ao abrigo de contratos celebrados com entidades estrangeiras, desde que sejam demonstradas as vantagens desses contratos para o interesse nacional.
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica o englobamento dos rendimentos isentos, para efeitos do disposto no artigo 72.º do Código do IRS e determinação da taxa aplicável ao restante rendimento colectável».

Sustenta o Recorrente que os rendimentos que auferiu do Estado Português pelo serviço prestado no período entre 9 de Fevereiro e 27 de Outubro de 1994 e no âmbito de um acordo de cooperação técnico-militar celebrado entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, devem considerar-se integrados na previsão do n.º 1 do art. 46.º do EBF.
Será assim?
Parece-nos que não.
À data em que foi publicado o EBF – 31 de Outubro de 1989, através do Decreto-Lei n.º 215/89 – estava em vigor o Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro, que, nos termos do seu art. 1.º, «estabelece as normas e define os princípios que regem a actuação do cooperante, integrantes do seu estatuto», sendo que, nos termos do art. 2.º, n.º 1, cooperante, para os fins aí previstos «é todo o cidadão português que, possuindo as qualificações adequadas reconhecidas no exercício da sua actividade, se obrigue, mediante contrato nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, a prestar serviço no quadro das relações de cooperação, de acordo com o estipulado no artigo seguinte».
Nos termos do referido art. 7.º do Decreto-Lei n.º 363/85:
«A prestação de serviço dos cooperantes portugueses será obrigatoriamente efectuada ao abrigo de contrato escrito, o qual poderá revestir as seguintes formas:
a ) Contrato tripartido, em que outorgarão o cooperante, o Estado Português e o Estado solicitante;
b ) Contrato a outorgar entre o cooperante e o organismo ou entidade empregadora do Estado solicitante, visado pelo Estado Português e pelo Estado solicitante» (n.º 1);
«Dos contratos referidos no n.º 1 constarão os direitos e obrigações de cada um dos outorgantes e nele se inserirão, nomeadamente, cláusulas sobre as seguintes matérias:
a ) Objecto do contrato;
b ) Duração e renovação do contrato;
c ) Garantias de contagem de tempo de duração do contrato;
d ) Espírito da cooperação;
e ) Situação do cooperante face à lei do Estado solicitante;
f ) Remuneração;
g ) Transferências monetárias;
h ) Direitos do agregado familiar;
i ) Garantias sociais;
j ) Habitação e alojamento;
l ) Doenças e acidentes de trabalho;
m ) Transportes;
n ) Isenções aduaneiras;
o ) Férias;
p ) Resolução do contrato;
q ) Legislação aplicável;
r ) Foro ou arbitragem convencionados» (n.º 5);
«Em casos excepcionais, devidamente fundamentados, poderá o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvidos os organismos de tutela, determinar a equiparação a cooperante, para todos ou alguns dos efeitos previstos no presente diploma, de quem, ao abrigo de contratos diferentes dos mencionados no n.º 1, se encontre a prestar serviço a algum dos países objecto de cooperação, à data da entrada em vigor do presente diploma» (n.º 8).

Era seguramente para as pessoas consideradas como cooperantes ao abrigo deste estatuto que o art. 46.º, n.º 1 (19), do EBF, previa (como isenção automática, i.é, independente de reconhecimento por parte da AT) a isenção de IRS, relativamente aos rendimentos auferidos nessa qualidade, qualidade cuja prova, caso a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização da veracidade dos elementos declarados pelos contribuintes, entendesse solicitá-la, seria feita mediante a apresentação do contrato referido no art. 7.º do Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro.
Ora, afigura-se-nos que o denominado «acordo de cooperação técnica no domínio militar entre a república portuguesa e a república popular de moçambique»,celebrado em 7 de Dezembro de 1988 e publicado no Diário da República – I Série, de 11 de Julho de 1990, acordo ao abrigo do qual o Impugnante prestou serviço em Moçambique, não se integra no âmbito dos acordos de cooperação com o regime jurídico definido pelo Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro. E não será apenas a falta do contrato escrito a determinar essa conclusão: há todo um conjunto de elementos que regulamentam aquele acordo de cooperação que se afastam do regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro.
Aliás, e ao encontro da tese que sustentamos, o legislador, através da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 1996), veio dar ao art. 46.º do EBF a seguinte nova redacção:

«1 - Ficam isentas de IRS as pessoas deslocadas no estrangeiro ao abrigo de acordos de cooperação, relativamente aos rendimentos auferidos no âmbito do respectivo acordo.
2 - O Ministro das Finanças pode, a requerimento das entidades interessadas, ou registo, conceder isenção de IRS relativamente aos rendimentos auferidos por pessoas deslocadas no estrangeiro ao serviço daquelas, ao abrigo de contratos celebrados com entidades estrangeiras, desde que sejam demonstradas as vantagens desses contratos para o interesse nacional.
3 - O disposto no número anterior aplica-se ainda às remunerações auferidas por militares e elementos das forças de segurança deslocados no estrangeiro ao abrigo de acordos de cooperação técnico-militar celebrados pelo Estado Português e ao serviço deste, desde que reconhecido o interesse nacional.
4 - O disposto nos números anteriores não prejudica o englobamento dos rendimentos isentos, para efeitos do disposto no artigo 72.º do Código do IRS e determinação da taxa aplicável ao restante rendimento colectável».

Significa isto, se dúvidas ainda restavam, que o legislador nunca quis incluir na previsão do n.º 1 do referido preceito legal os acordos de cooperação técnico-militar celebrados pelo Estado Português, acordos que, como vimos já, têm natureza e regime jurídico distintos daqueles. Por isso, sentiu a necessidade de criar um novo benefício fiscal, para conceder, a partir de 1 de Janeiro de 1997, a isenção de IRS relativamente às remunerações auferidas por militares e elementos das forças de segurança deslocados no estrangeiro ao abrigo de acordos de cooperação técnico-militar celebrados pelo Estado Português e ao serviço deste, desde que reconhecido o interesse nacional. Em todo o caso, e contrariamente ao que sucedida com a isenção prevista para os acordos de cooperação a que aludia o n.º 1 do art. 46.º do EBF, a isenção prevista no n.º 3 não era automática, antes estando dependente do reconhecimento do Ministro das Finanças, a requerimento dos interessados. Só a partir de 1 de Janeiro de 1998, tal isenção passou a ser automática, agora nos termos do n.º 2 do art. 46.º do EBF, a que a Lei n.º 127-B/97, de 20 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 1998) deu a seguinte redacção:

«1 - Ficam isentas de IRS as pessoas deslocadas no estrangeiro ao abrigo de acordos de cooperação, relativamente aos rendimentos auferidos no âmbito do respectivo acordo.
2 - Ficam igualmente isentos de IRS os militares e elementos das forças de segurança deslocados no estrangeiro ao abrigo de acordos de cooperação técnico-militar celebrados pelo Estado Português e ao serviço deste, relativamente aos rendimentos auferidos no âmbito do respectivo acordo.
(...)».
Em todo o caso, continuou o legislador a pressupor as diferentes natureza e regime jurídico dos “acordos de cooperação” e dos “acordos de cooperação técnico-militar”.
Afigura-se-nos, pois, que a AT andou bem ao considerar que o Contribuinte não beneficiava, relativamente aos rendimentos em causa, da isenção prevista no art. 46.º, n.º 1, do EBF (20).
A decisão recorrida, que foi no sentido da improcedência da impugnação judicial no que respeita à liquidação adicional do IRS, embora com fundamentação que não subscrevemos, deve manter-se com a presente fundamentação.

2.2.5 DOS JUROS COMPENSATÓRIOS

Como ficou dito no ponto 2.2.3.1, a sentença enferma de nulidade por falta de pronúncia sobre as questões suscitadas pelo Impugnante relativamente à liquidação dos juros compensatórios, nulidade que ora cumpre suprir. Vejamos:

2.2.5.1 da falta de Comunicação dos fundamentos da liquidação dos juros compensatórios

Quanto à invocada falta de comunicação dos fundamentos da liquidação dos juros compensatórios, é sabido que não pode erigir-se em fundamento do pedido de anulação da liquidação.
A falta de notificação do acto, como é sabido (21) e constitui jurisprudência pacífica (22) não releva para efeitos da validade do acto, mas apenas para efeitos da sua eficácia relativamente ao notificado. Na verdade, o acto de notificação de um acto administrativo ou tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir a sua invalidade por não terem a ver com o próprio acto ou com os seus pressupostos.
No âmbito do direito tributário, o art. 64.º do Código de Processo Tributário (CPT), em vigor à data em que foi notificada a liquidação (23), dizia expressamente que «os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam notificados», revelando inequivocamente que a falta de comunicação da fundamentação do acto, que deve constituir uma das dimensões da notificação, apenas contende com a eficácia do acto. Trata-se, aliás, de mera concretização do princípio do n.º 3 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa, que dispunha: «Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei [...]».
Ora, o que neste processo poderá questionar-se é a validade do acto de liquidação de juros compensatórios e não a eficácia dele, sendo que a ineficácia não é susceptível de constituir causa de pedir do pedido de anulação, apenas tendo como efeito o não se iniciar o prazo para a reclamação graciosa ou para a impugnação judicial e podendo constituir fundamento de oposição à execução fiscal através da qual a AT pretenda cobrar coercivamente o montante liquidado (cfr., actualmente, os arts. 77.º da Lei Geral Tributária, e 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT).
Assim, nunca a impugnação judicial, na parte respeitante aos juros compensatórios, poderia proceder com fundamento na alegada falta de notificação dos fundamentos da respectiva liquidação.

2.2.5.2 da inexistência de comportamento imputável ao contribuinte e que tenha motivado o atraso da liquidação

Quanto à invocada inexistência de comportamento que lhe seja imputável e que tenha motivado o atraso da liquidação, cumpre ter presente o seguinte:
Nos termos do disposto no art. 35.º, n.º 1, da LGT, já em vigor à data da liquidação (24), faz-se depender a liquidação de juros compensatórios de facto imputável ao sujeito passivo que determine o retardamento da liquidação ou o retardamento da entrega antecipada de imposto ou quando tenha sido reembolsado imposto superior ao devido.
No caso sub judice, como resulta do que acima ficou dito, o Contribuinte declarou indevidamente como rendimentos beneficiando de isenção de tributação os que auferiu pelo serviço prestado em 1994 no âmbito de um acordo de cooperação técnico-militar. Com essa errada declaração, o Contribuinte logrou obter um reembolso de imposto, por força da primitiva liquidação, quando, nos termos da liquidação adicional, tinha imposto a pagar.
É, pois, manifesto, à luz dos princípios que regulam a exigência dos juros compensatórios, que estes são devidos.
Se bem interpretamos a petição inicial, dela parece resultar que o Impugnante considera que a AT poderia ter-se dado conta do lapso logo quando da apresentação da declaração, pois nessa ocasião exibiu os documentos de suporte.
É certo que «não serão devidos juros compensatórios se a Administração fiscal dá causa, por acção ou omissão, ao prolongamento da sua privação de gozo dessa quantia» (25), motivo por que o n.º 7 do referido art. 35.º da LGT, prescreve que «os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração».
No entanto, contrariamente ao que sustenta o Impugnante, a AT, face à declaração, não podia verificar que os rendimentos que o Contribuinte nela inscritos como isentos não beneficiavam de isenção alguma e estavam sujeitos a IRS. Na verdade, a declaração não fornece qualquer elemento que permitisse verificar tal erro.
Por outro lado, a alegada “exibição dos documentos de suporte” quando da apresentação da declaração é de todo irrelevante. Na verdade, não é esse o momento próprio para a AT proceder à fiscalização da situação tributária dos contribuintes.
A AT só fez a liquidação adicional quando o ofício que remeteu ao Contribuinte, a fim de notificá-lo, nos termos do art. 124.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS (26), para apresentar os documentos pertinentes à comprovação da sua situação tributária, veio devolvido, motivo por que considerou não estar comprovada a natureza dos rendimentos declarados como isentos de IRS.
Em conclusão, a liquidação dos juros compensatórios não enferma do vício que lhe vem assacado, motivo por que não se pode anulá-la com esse fundamento, como pediu o Impugnante, pelo que a impugnação judicial também improcede quanto a esse pedido.

2.2.6 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - As nulidades processuais que tenham sido cometidas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado depois da sentença, devem ser arguida no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é o recurso o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquela nulidade.
II - No processo de impugnação judicial, se o juiz considerar que a questão a dirimir é exclusivamente de direito ou, sendo também de facto, que o processo contém já todos os elementos que permitam a decisão, deve conhecer do pedido de imediato, depois de dar vista ao Ministério Público (cfr. arts. 113.º, n.º 1, e 114.º, do CPPT), não havendo lugar à produção de prova nem às alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT.
III - Nesse caso, nem a falta de inquirição das testemunhas nem a falta de notificação para alegações constituem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, antes pelo contrário.
IV - O juiz não tem que proferir despacho algum a dispensar a produção da prova, quer porque a lei não prevê tal despacho, quer porque o mesmo não teria qualquer utilidade.
V - A falta de despacho a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não constitui nulidade processual pois, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, só pode ser qualificada como nulidade «a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva».
VI - Sem prejuízo do que ficou dito, sempre a decisão do juiz de dispensar a produção da prova poderá ser sindicada em sede de recurso da sentença, onde, não só as partes podem invocar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 2.º, alínea e), do CPPT).
VII - Tendo o impugnante atacado a liquidação dos juros compensatórios com fundamentos distintos daqueles por que impugnou a liquidação do imposto, padece de omissão de pronúncia a sentença que apenas se pronunciou quanto a esta liquidação e nada disse sobre as questões suscitadas relativamente à liquidação dos juros.
VIII - O facto de a sentença fazer um enquadramento jurídico da situação de facto diverso do que foi sustentado pelo impugnante não constitui nulidade alguma: essencial é que o juiz conheça as questões suscitadas nos autos (no caso, a questão de saber se determinados rendimentos estavam ou não sujeitos a tributação em IRS), sendo que o conceito de “questões” não se confunde com o de “argumentos” ou “razões”, motivo por que o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
IX - Os rendimentos auferidos por um militar em 1994 no âmbito de acordos de cooperação técnico-militar não se incluíam na previsão do art. 46.º, n.º 1, do EBF, sendo que os acordos de cooperação referidos nesta norma legal eram exclusivamente os que obedeciam ao regime do Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro, de natureza bem diversa.
X - Os rendimentos auferidos por militares no âmbito de acordos de cooperação técnico-militar só a partir de 1 de Janeiro de 1997 passaram a beneficiar de isenção de IRS, não por força do referido n.º 1 do art. 46.º, mas por força do n.º 3 do mesmo artigo, na redacção que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 1997.
XI - A falta de comunicação dos fundamentos de um acto não contende com a validade do mesmo, mas apenas com a sua eficácia, motivo por que não pode constituir fundamento de impugnação.
XII - Se o contribuinte declarou indevidamente como isentos de IRS rendimentos que estavam sujeitos a tributação, é esse o facto imputável ao contribuinte justificativo de que lhe sejam liquidados juros compensatórios.
XIII - Não evidenciando a declaração o erro do sujeito passivo, não fica a AT limitada nos termos do n.º 7 do art. 35.º da LGT quanto ao período por que pode exigir juros compensatórios.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação judicial com a presente fundamentação.

Custas pelo Recorrente, mas apenas em 1.ª instância.

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Lisboa, 19 de Outubro de 2004

ass: Francisco Areal Rothes
ass: José Carlos Lucas Martins
ass: Joaquim Pereira Gameiro

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(1) As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.
(2) A carta registada, com aviso de recepção, remetida para o domicílio fiscal do Contribuinte a fim de notificá-lo, foi devolvida ao remetente.
(3) As referências ao EBF, aqui como adiante, reportam-se ao que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 31 de Outubro.
(4) Quanto ao outro fundamento da impugnação, a falta de inquirição das testemunhas por ele oferecidas em sede de reclamação graciosa, o Impugnante conformou-se com o decidido.
(5) Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, nota 4 ao art. 125.º, pág. 560.
(6) Não a da sentença, cujo regime é o art. 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
(7) Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., nota 2 ao art. 98.º, pág. 427, e nota 3 ao art. 125º, pág. 560, e os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Abril de 1997, proferido no recurso com o n.º 41.547, da 1.ª Secção;
- de 1 de Julho de 1998, proferido no recurso com o n.º 22.379, publicado no Apêndice ao Diário da República de 28 de Dezembro de 2001, págs. 2401 a 2404.
(8) Neste sentido, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Outubro de 1994, proferido no recurso com o n.º 18.409, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Janeiro de 1997, págs. 2360 a 2363;
de 24 de Abril de 1996, proferido no recurso com o n.º 19.917, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Maio de 1998, págs. 1283 a 1291;
- de 9 de Abril de 1997, proferido no recurso com o n.º 21.070, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, págs. 890 a 896;
Neste sentido, também o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, nos seguintes acórdãos:
- de 2 de Outubro de 2001, proferido no recurso com o n.º 42.385;
- de 20 de Março de 2002, proferido no recurso com o n.º 38.441, com texto integral no site da Direcção-Geral dos Serviços Informáticos (http://www.dgsi.pt).
(9) Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 182/183, e ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 510.
(10) Cfr. MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., pág. 176.
(11) Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 387.
(12) No sentido de que a falta de notificação ao Impugnante do despacho que dispensa a produção da prova testemunhal constitui nulidade, e pressupondo a necessidade desse despacho, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Maio de 1999, proferido no processo com o n.º 23.524 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002, págs. 2060 a 2065.
(13) Na verdade, caso houvesse lugar à realização de diligências instrutórias, designadamente à inquirição de testemunhas, a falta de notificação das partes para estarem presentes na diligência, bem como a falta de notificação para alegações, constituiriam nulidades, porque desvios ao formalismo processual prescrito na lei – cfr. arts. 118.º, n.ºs 3 a 5, do CPPT, dos quais se infere a necessidade de notificação das partes, e 120.º do mesmo Código – e susceptíveis de influir no exame e decisão da causa.
(14) O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (cfr. art. 13.º, n.º 1, do CPPT, e art. 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).
(15) Note-se que, contrariamente ao que sucede no processo civil, em que, após a produção da prova, têm lugar os «Debates sobre a matéria de facto» (cfr. art. 652.º, n.º 3, alínea e), do CPC) e, só «uma vez concluído o julgamento da matéria de facto» se passa à discussão do aspecto jurídico da causa (cfr. art. 657.º do CPC), no processo judicial tributário, em que o julgamento dos factos e do direito é feio conjuntamente na sentença (cfr. art. 122.º do CPPT), as partes devem discutir simultaneamente, nas alegações a que alude o art. 120.º do CPPT, a matéria de facto e de direito.
(16) Vide, por todos, os seguintes acórdãos do Pleno da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
­ de 7 de Junho de 1995, proferido no recurso com o n.º 5239 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Março de 1997, págs. 36 a 40;
­ de 6 de Dezembro de 1995, proferido no recurso com o n.º 5780 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Abril de 1997, págs. 159 a 166.
(17) ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., n.º 223, pág. 686.
(18) Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo de Tributário Anotado, 4.ª edição, nota 8 ao art. 125.º, págs. 563/564, com abundante referência de jurisprudência.
(19) À data o art. 46.º não tinha números, sendo a sua redacção a seguinte: «Ficam isentas de IRS as pessoas deslocadas no estrangeiro ao abrigo de acordos de cooperação, relativamente aos rendimentos auferidos no âmbito do respectivo acordo».
(20) Neste sentido, vide o acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 23 de Outubro de 2001, proferido no processo com o n.º 4568/00.
(21) Vide VIEIRA DE ANDRADE, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pág. 58, e PAULO FERREIRA DA CUNHA, O Procedimento Administrativo, pág. 194.
(22) Por todos, e com abundante referência à jurisprudência, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
­ de 24 de Janeiro de 2002, proferido no processo com o n.º 26.367;
­ de 24 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.636,
ambos publicados integralmente no site da Direcção-Geral dos Serviços Informáticos do Ministério da Justiça (http://www.dgsi.pt).
(23) O CPT apenas foi revogado em 1 de Janeiro de 2000, data da entrada em vigor do CPPT, nos termos do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que aprovou o CPPT.
(24) A LGT entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, nos termos do disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, diploma que a aprovou, sendo que o art. 83.º do CPT foi revogado nessa data, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
(25) Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, LGT Comentada e Anotada, 2.ª edição, nota 5 ao art. 35.º, pág. 156.
(26) Referimo-nos à versão do CIRS em vigor à data, isto é, à do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.