Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 07076/13 |
Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
Data do Acordão: | 01/16/2014 |
Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
Descritores: | RECLAMAÇÃO - QUESTÃO NOVA - GARANTIA – ISENÇÃO – ÓNUS DE PROVA - FACTOS NOTÓRIOS |
Sumário: | (i) Não pode ser conhecida em sede de recurso jurisdicional questão que não tenha sido colocada previamente ao tribunal recorrido e sobre a qual este não pôde pronunciar-se, excepto se tal questão for de conhecimento oficioso. (ii) A isenção da prestação de garantia, nos termos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT, pressupõe que o executado demonstre que essa prestação lhe possa causar prejuízo irreparável ou de que é manifesta falta de meios económicos para tal fim e que a insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade. (iii) É ao executado que compete alegar e provar tais pressupostos, nos termos do art.º 170.º, n.º 3, do CPPT, e de harmonia com as regras de distribuição do ónus de prova, previstas nos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1 da LGT. (iv) O segmento final do n.º 4 do art.º 52.º da LGT não estabelece uma excepção ao direito do executado em pedir a isenção da prestação da garantia, que justifique a aplicação do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do CC, impondo à AT que demonstre a responsabilidade do executado na inexistência ou insuficiência patrimonial, nem constitui uma cláusula geral negativa, uma vez que abrange uma verdadeira previsão (a responsabilidade do executado) e uma consequência jurídica concreta (a impossibilidade de, nesse caso, ser concedida a isenção da prestação da garantia). (v) O pressuposto contido em tal segmento faz parte integrante do direito do executado à isenção de prestação de garantia. (vi) O princípios da substanciação e do dispositivo impõem que os tribunais baseiem as suas decisões nos factos essenciais alegados pelas partes e que a marcha do processos seja impulsionada por estas, exceptuando a consideração de factos instrumentais e de factos notórios e ou a realização de diligências inquisitórias legalmente impostas ou permitidas. (vii) A reclamação prevista no art.º 276.º do CPPT visa a obtenção de uma pronúncia judicial anulatória, razão pela qual o tribunal apenas pode sindicar a legalidade do acto tal como ele foi praticado, estando impedido de se substituir às partes na alegação e prova dos factos essenciais que constituem a causa de pedir ou na superação ou demonstração das ilegalidades do acto. (viii) No processo de reclamação do acto que indeferiu o pedido de prestação de garantia, o tribunal não está vinculado a ordenar a execução das diligências que não foram realizadas na fase procedimental pela AT, nem ele próprio está obrigado a desenvolvê-las, mormente se na petição inicial nada é requerido a esse propósito. (ix) Os factos notórios são factos do conhecimento geral, isto é, do que é do generalizado conhecimento do público. (x) Por isso não são factos notórios aqueles que apenas são do conhecimento restrito de um grupo ou círculo de pessoas. (xi) Os factos de que a AT tem conhecimento por estarem contidos em documentos arquivados ou serem do conhecimento dos respectivos funcionários não podem, pois, qualificar-se como factos notórios. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório a) - As partes e o objecto do recurso ... , Ld.ª, não se conformando com a sentença do TT de Lisboa que julgou improcedente o pedido que formulou em processo de reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado nos processos de execução fiscal n.os 220820120115376.5 e 220820130100506.5, que correm termos no Serviço de Finanças de Palmela, e em que a reclamante figura como executada, veio interpor recurso jurisdicional, cujas alegações rematou com as seguintes conclusões: irresponsabilidade pela insuficiência de meios para prestar garantia, nos termos praeter legem exigidos por esta Administração, deveria ter convidado a Executada a apresentar a referida prova, aquando da audição prévia. A FAZENDA PÚBLICA contra-alegou concluindo nestes termos: Neste TCAS o EMMP emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso * Sem vistos vem o processo à conferência. * b) As questões essenciais a decidir: ¾ Averiguar se uma questão nova, não suscitada perante o tribunal a quo e colocada apenas em sede de recurso, pode ser objecto de pronúncia pelo tribunal ad quem; ¾ Determinar sobre quem recai o ónus de prova da insuficiência ou inexistência de bens que justifica a isenção de prestação de garantia na execução fiscal; ¾ Delimitar o conceito de factos notórios e o âmbito da sua utilização pelo julgador. * 2 – Fundamentação a) - De facto A sentença deu como provados os seguintes factos: * b) - De Direito A recorrente insurge-se contra a sentença por esta ter incorrido em erro de julgamento por não ter considerado provada a irresponsabilidade da executada no tocante à inexistência de bens penhoráveis, sustentando que resultou provado que não foi notificada para exercer o direito de audição prévia e que caso tal diligência tivesse sido efectuada poderia demonstrar à AT de forma satisfatória para esta que a falta de bens penhoráveis não lhe pode ser assacada. Trata-se de questão não abordada na petição da reclamação judicial, sobre a qual o tribunal a quo não teve oportunidade de se debruçar e que por isso, ao ser suscitada neste recurso pela primeira vez, constitui questão nova, subsumível ao conceito que assim é, pacificamente, apelidado pela jurisprudência. Ora, como também é jurisprudência uniforme e decorre do disposto no art.º 635.º do CPC (anterior 684.º), o conhecimento de tal questão está vedado ao tribunal superior, que só pode conhecer de questões novas quando as mesmas envolvem o exercício de um dever oficioso legalmente imposto. Não é o caso. É também inaceitável a tese da recorrente de que face ao reconhecimento pela sentença da dificuldade em provar o facto negativo da irresponsabilidade pela insuficiência patrimonial (aliás visando a dificuldade da AT nesse conspecto, como ressalta da passagem “já muito dificilmente se configura como possível que a administração tributária tenha em seu poder meios de prova que permitam um juízo conclusivo quanto ao requisito de que a inexistência de bens ou a sua insuficiência não seja imputável ao executado), teria de lhe proporcionar [à recorrente] a oportunidade de fazer prova “nos termos pretendidos por essa entidade administrativa” [a Direcção de Finanças de Setúbal]. A recorrente parece defender a tese de que o tribunal tem o dever de reeditar o procedimento administrativo ex officio, ainda que o interessado não tenha protagonizado qualquer impulso nesse sentido, como é o caso. Mas não. Vigorando no direito processual português os princípio da substanciação e do dispositivo, segundo os quais os tribunais só podem basear as suas decisões nos factos essenciais alegados pelas partes – excepto aqueles que sejam de conhecimento oficioso ou instrumentais – e que deve decidir de harmonia com a pretensão processual deduzida, os vícios do procedimento administrativo podem conduzir a uma pronúncia judicial que os reconheça e, eventualmente, ordene a sua supressão em concreto, mas não que o tribunal se substitua à Administração na realização dos actos procedimentais que lhes são conexos. De facto, é hoje incontroverso que na ordem jurídica portuguesa o princípio do dispositivo postula que às partes cabe alegar os factos essenciais à definição do direito. Ora, por factos essenciais deve entender-se aqueles que “constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas” (art.º 5.º, n.º 1, do CPC; já quanto aos factos instrumentais, entendidos como aqueles que só indirectamente interessam à solução da causa(1), ou que indiciam os factos essenciais(2), ou seja, que sendo embora factos que estão relacionados com os factos essenciais não são fundamentais para a substanciação da acção e da defesa, podendo ser objecto de livre investigação pelo juiz(3)), não está o julgador impedido de deles se socorrer, desde que sejam observados os limites estabelecidos no art.º 5.º, n.º 2, do CPC. Acresce que a reclamação prevista no art.º 276.º do CPPT visa a obtenção de uma pronúncia judicial anulatória, razão pela qual o tribunal apenas pode sindicar a legalidade do acto tal como ele foi praticado, estando impedido de se substituir às partes na alegação e demonstração dessas ilegalidades ou na sua superação. Ou seja, neste meio processual o tribunal deve incidir a sua atenção sobre o teor do acto, procurando discernir as eventuais ilegalidades de que padeça, sem se substituir às partes no tocante à alegação e prova dos factos essenciais, que no caso concreto se reconduzem aos pressupostos previstos no art.º 52.º, n.º 4, da LGT. Por isso, no processo de reclamação do acto que indeferiu o pedido de prestação de garantia o tribunal não está vinculado a ordenar a execução das diligências que não foram realizadas na fase procedimental pela AT, nem ele próprio está obrigado a desenvolvê-las, mormente se na petição inicial nada é requerido a esse propósito. Ora, o art.º 52.º da LGT faz depender de três pressupostos a concessão da dispensa de garantia: Sublinhe-se que a insuficiência de meios económicos não é uma escassez de bens em geral mas uma insuficiência qualificada, isto é, uma incapacidade económica que concretamente impede a prestação da garantia (seja, por exemplo, porque os bancos não a concedem face ao circunstancialismos do caso, seja por outro motivo), insuficiência essa que, como determina o normativo, é revelada pela inexistência de bens penhoráveis que garantam o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Os dois primeiros pressupostos não são cumulativos, como claramente o evidencia o uso da conjunção ou no texto legal; o que não impede, porém, que em concreto ambos possam ser invocados face às circunstâncias de cada caso. Qualquer um destes pressupostos constitui facto essencial do direito do executado, pelo que recai sobre este o ónus da sua alegação e prova (cfr. art.os 74, n.º 1 da LGT, 170, n.º 3, do CPPT e 342.º, n.º 1, do CC). E no que concerne ao terceiro requisito, trata-se de fazer uma prova (negativa) de que para além dos bens penhorados não existem outros que garantam a dívida e o acrescido e que essa inexistência ou insuficiência não é da responsabilidade do executado. Dir-se-á que a prova dos factos negativos é difícil. É verdade, mas daí não se retira que constitua uma probatio diabolica. Com efeito, o executado pode provar que não tem outros bens sujeitos a registo de forma relativamente fácil. E quanto aos demais, desde que a jurisprudência passou a entender que a recusa da prova testemunhal era inconstitucional, nenhuma dificuldade de maior se observa neste capítulo. Por conseguinte, carece de qualquer pertinência o alegado nos artigos 17.º e ss. das alegações e na alínea D das conclusões, bem como o argumento de que o juiz, no domínio do seu dever inquisitório, deve substituir-se à AT na procura da verdade fáctica relativa à demonstração dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa de garantia, no sentido de realização de actos de instrução procedimental que só à AT compete realizar. O princípio do inquisitório destina-se, apenas, à busca da verdade material processual e não a demonstrar uma qualquer realidade factual que lhe seja anterior. Em todo o caso, a regra geral é, como refere Manuel de Andrade(4), que as partes conduzam “o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz." Ora, constitui jurisprudência reiterada e uniforme que o ónus da prova do preenchimento dos pressupostos de que depende o deferimento do pedido de dispensa de garantia recai sobre o titular do direito à dispensa da prestação de garantia, quando o invoca para esse efeito. E assim é por várias razões. Em primeiro lugar porque o acto que dispensa a garantia não se inclui na categoria de actos discricionários, independentemente da sua natureza (parajudicial(5) ou administrativa). Não sendo um acto discricionário tem necessariamente de ser um acto juridicamente vinculado quanto aos seus pressupostos, de facto e de direito, os quais concorrem para preencher ou densificar o conteúdo do direito do executado a um processo executivo o menos oneroso possível. Ora, conforme resulta do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do CC, “aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram”(6), asserção que é confirmada para o direito tributário pelo art.º 74.º, n.º 1, da LGT, que dispõe que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Mas a recorrente abona-se com o acórdão deste TCA de 15-05-2007(7), com uma interessante linha de argumentação, que partindo da teoria da norma de Rosenberg recusa que a parte final do n.º 4 do art.º 52.º da LGT constitua uma contra-norma (ou seja, uma excepção). Pelo contrário, o acórdão afirma, peremptoriamente, que esse segmento normativo consagra “um elemento constitutivo do direito que o executado pretende fazer valer de isenção de prestação de garantia”, pelo que é sobre este que recai “a regra geral é a de que é ao executado que incumbe a prova da factualidade pertinente à extrapolação do conceito consubstanciado naquele segmento da norma, nos termos do que dispõe o art.º 342.º/1 do C.C.”, invocando a esse pretexto a doutrina de Manuel de Andrade sobre a prova de certos factos negativos. Daí que não se acompanhe o verdadeiro salto no raciocínio lógico – aliás, sem suficiente explicitação - em que o acórdão acaba por cair, com base numa suposta “prova diabólica” que constitui “na prática” a demonstração da irresponsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência de bens. Em primeiro lugar – como o acórdão reconhece - essa irresponsabilidade não constitui uma excepção na economia da norma em causa – impondo à AT o respectivo ónus de prova, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do CC - antes é parte integrante do direito do executado à isenção da prestação de garantia, como de resto sucede em muitas e variadas situações em que o exercício de um direito está sujeito a uma determinada condição. O argumento de que o segmento final do n.º 4 do art.º 52.º da LGT constitui uma cláusula geral negativa não colhe, visto que as cláusulas gerais têm por função estabelecer uma determinada directriz sem impor uma solução jurídica concreta. Ora, o que se retira desse segmento é precisamente o inverso: não é estabelecida qualquer directriz mas uma verdadeira previsão (responsabilidade do executado) com uma consequência jurídica concreta (impossibilidade de concessão da isenção). Em segundo lugar e como o acórdão também reconhece, a demonstração da irresponsabilidade do executado na inexistência ou insuficiência dos bens integra o direito deste à isenção; e integrando-o, não vemos como seja possível obstar à aplicação das regras sobre repartição do ónus de prova, já referidas. Em terceiro lugar, se a prova da irresponsabilidade constitui para o executado (muito melhor colocado perante os factos) uma prova diabólica, que dizer então da prova do inverso pela AT?... De resto, não só não são generalizadas as situações de acrescida dificuldade nessa demonstração como o caso a que se reporta essa decisão em nada se assemelha ao presente. Dai que a sua doutrina seja totalmente inaplicável ao presente acórdão. Acresce que a ratio do art.º 199.º, n.º 3, do CPPT(8), que claramente põe a cargo do executado a demonstração e prova dos pressupostos de que depende a isenção nas situações de suspensão da execução para pagamento em prestações, baseia-se em considerações de ordem prática, na medida em que quem melhor pode comprovar a existência de prejuízos irreparáveis ou a manifesta falta de meios económicos (n.º 4 do art.º 52.º da LGT) é o titular da esfera jurídica onde os efeitos da prestação de garantia se possam produzir e não a AT. Ora, tendo em conta o elemento sistemático de interpretação, esta norma não pode deixar de coadjuvar na interpretação da referida norma da LGT no sentido que aqui se defende. E isto é assim mesmo em relação a factos negativos, como já se disse. Como se decidiu no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Dezembro de 2008(9): “II - A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. III - Na situação referida, não se está perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20. da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, como são as reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens. Mas o aresto também reconhece que: IV - …), a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». Note-se, contudo, que a demonstração da exactidão dos factos alegados, ou seja, a sua prova, não se confina à prova meramente documental, pois como se assentou no ac. do STA de 21-11-2012(10), o n.º 3 do art.º 170.º do CPPT “deve ser interpretado no sentido de não conter uma proibição absoluta, e em abstracto, do executado produzir prova testemunhal no incidente de isenção de prestação de garantia”, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do artigo 20º, nº 1 da CRP, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, asserção que de resto encontra guarida no art.º 72.º da LGT. Assim, não podem restar dúvidas que é sobre o executado que recai o ónus de demonstrar e provar os pressupostos de que depende a isenção de prestação de garantia. Diga-se, de resto, que a recorrente distorce a seu favor a interpretação da jurisprudência do STA a esse propósito, quando o sentido desta vai claramente no sentido amplamente maioritário – senão mesmo unânime - de que é sobre o interessado que recai o ónus de prova dos pressupostos da dispensa. E nesta perspectiva é indevida a chamada à colação do acórdão deste TCA de 03-03-2007(11), porque a deficiência fáctica de que trata este aresto não se compara à do caso sub judice: neste é a própria recorrente que afirma que a decisão da AT é errada por não ter apreciado devidamente a factualidade alegada (art.º 10.º da p.i.), sendo o argumento invocado para a não prestação de garantia a recusa da banca em a constituir (art.º 14.º da p.i.). O argumento esgrimido no art.º 35.º das alegações e a jurisprudência deste TCA não colhe, na medida em que o ónus de prova relativo à dissipação dos bens recai sobre a AT quando a afirmação correspondente tem natureza de facto modificativo ou extintivo do direito alegado pelo executado, desde que esse facto tenha sido invocado por aquela (cfr. art.º 342.º, n.º 2, do CC); no caso concreto o que se constata é que nenhuma afirmação foi feita com esse escopo. O que a AT afirmou no despacho em causa é de que não estava verificado o pressuposto da irresponsabilidade gestionária da gerência da recorrente, o que é bem diferente de que afirmar que esta dissipou os bens em prejuízo dos credores. Portanto, não tendo sido colocada ao tribunal a quo qualquer questão relativa a deficiência de prova no procedimento administrativo, não tinha o mesmo tribunal de a apreciar, porque não se trata de questão de conhecimento oficioso. Aliás, não deixa de causar alguma perplexidade que a recorrente afirme que poderia ter produzido “outra prova… mais prova…prova, por ventura mais convincente, prova que não deixasse nenhuma margem de dúvida” [sic (art.º 34.º das alegações)]… É caso para perguntar: se o podia fazer porque não o fez? Não se verifica, pois, qualquer erro de julgamento. Quanto à alegação de que o Senhor Juiz a quo tinha ao seu dispor factos suficientes para dar como provada a manifesta falta de meios económicos, porque é facto “publico e notório” de que uma garantia bancária como aquela que está em jogo tem custos mensais muito elevados, dir-se-á que o conceito de factos públicos e notórios que a recorrente parece perfilhar não é aquele que resulta da lei, nem o que a doutrina ou a jurisprudência acolhem. Com efeito, os factos notórios, a que se refere o art.º 412.º, n.º 1, do CPC, são aqueles que não carecem de prova nem de alegação, considerando-se “como tais os factos que são do conhecimento geral”. Nos termos do art.º 87.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, não carecem de alegação nem prova os factos notórios, bem como os factos de que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções. Este preceito é aplicável ao procedimento tributário por força do disposto no art.º 72.º da LGT, que possibilita ao órgão instrutor “utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito”. Os factos notórios são, pois, factos do conhecimento geral, isto é, do que é do conhecimento do público, não sendo por isso um facto notório os que apenas são do conhecimento restrito de um grupo ou circulo de pessoas(12), de tal modo que não seja lícito duvidar da sua existência(13). Nesta ordem de ideias os factos de que a AT tem conhecimento não podem qualificar-se como notórios. Isto é, é inaplicável ao caso sub judice o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPC, e bem assim a referência aos factos notórios constante do art.º 87.º, n.º 2, do CPA. Concluiu-se, deste modo, que a recorrente não cumpriu o ónus que sobre si recaia e relativo à prova da inexistência/insuficiência de bens que genericamente alegou, pelo que carece de fundamento o propalado erro sobre o conteúdo da prova produzida em que alegadamente teria incorrido a sentença. Por conseguinte, não constituindo o custo da garantia qualquer facto notório, não estava a recorrente dispensada de o alegar e provar. Finalmente, se os negócios da recorrente aumentaram exponencialmente num exercício, por comparação com o anterior, mas se reduziram drásticamente no ano seguinte, daí não se pode concluir que estava a ser bem gerida. De resto, ocorre perguntar: sendo assim, porque cessou a actividade? Não estão assim demonstrados os pressupostos a que alude o art.º 52.º da LGT: não existe prejuízo irreparável, visto que a recorrente cessou já a sua actividade; e não foi feita prova da manifesta falta de meios económicos e de que essa falta não é da sua responsabilidade. E, obviamente, esta linha interpretativa em nada colide com o disposto nos artigos 18.°, n.° 2, 64.°, n.° 1 e 267.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, questão que, de resto, nem sequer cumpre conhecer por apenas ter sido invocada nas conclusões de recurso mas não nas alegações deste. Em todo o caso sempre se dirá a esse respeito o seguinte: Não está em causa qualquer restrição “a direitos, liberdades e garantias” (art.º 18.º, n.º 2): o preceito visa os direitos fundamentais e não se vê em que é que uma condição legal imposta pelo legislador ordinário ao executado que pretenda beneficiar da isenção da garantia possa brigar com aquela categoria de direitos ou que seja constitucionalmente desajustada, com o mesmo fundamento, a conduta da AT que a recusa por tal condição não ter sido satisfeita. O art.º 64.º, n.º 1, da CRP refere-se ao “direito à protecção da saúde”. Não parece que o acto sindicado ponha em causa a da recorrente, pessoa colectiva… Por fim, o art.º 267.º, n.º 5, do diploma fundamental, incide sobre o processamento da actividade administrativa, que “será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, o que também, manifestamente, não está em causa… Sumariando, para concluir: Concluindo, constata-se que nenhuma das conclusões da recorrente subsiste perante a sólida argumentação da douta sentença, que outro destino não merece que não seja o de ser confirmada. * 3 - Dispositivo: Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente. D.n. Lisboa, 2014-01-16 (Benjamim Barbosa) (Anabela Russo) (Aníbal Ferraz) |