Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05941/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/15/2013
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
Sumário:1. A tutela cautelar, no campo do contencioso tributário estrito, a favor do contribuinte (ou outros obrigados tributários), encontra expressão, explícita, na letra do art. 147.º n.º 6 CPPT, do qual, objetivamente, se retira a ideia central de que o requerente, da providência que identifica pretender, tem de invocar e demonstrar o “fundado receio de uma lesão irreparável”, que possa ser causada pela atuação da administração tributária/at.
2. Outrossim, é imperioso, mesmo decisivo, atentar em que, no âmbito do direito tributário, por norma, se versam meros interesses patrimoniais, pelo que, para existir prejuízo/lesão irreparável é de exigir estar-se na presença de realidade cuja extensão não possa ser avaliada ou quantificada de forma pecuniária; noutros termos, irreparáveis serão os prejuízos que não se prestem a uma “quantificação pecuniária minimamente precisa”.
3. Sem prejuízo das razões coligidas, pelo requerente, no sentido de que a norma visada - artigo 2.º n.º 1 da Portaria n.º 106/2012, de 18 de abril -, a suspender, deve ser considerada ilegal e, também, inconstitucional, a impetrada providência cautelar de suspensão da eficácia de normas não reúne as condições, os mínimos requisitos, estabelecidos na lei tributária, para ser concedida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
MUNICÍPIO DO BARREIRO, contribuinte n.º 506673626 e com os demais sinais dos autos, requereu, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (que, por decisão transitada em julgado, se declarou incompetente), contra o MINISTÉRIO DE ESTADO E DAS FINANÇAS, ao abrigo do disposto no art. 130.º CPTA, providência cautelar de suspensão da eficácia de normas.
Em síntese, invoca a ilegalidade, do art. 2.º n.º 1 Portaria n.º 106/2012 de 18.4., por se desviar do critério imposto, pelo legislador, no art. 15.º n.º 5 CIMI, bem como, a respectiva inconstitucionalidade, decorrente da violação dos princípios da proporcionalidade, da proteção da confiança, da autonomia local, na sua componente de autonomia financeira e pela apropriação ilegítima de receitas que, por imperativo constitucional, se acham legalmente consignadas aos municípios.
Termina impetrando que seja decretada a suspensão da eficácia da norma contida no n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 106/2012, de 18 de abril.
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A entidade requerida (Ministério das Finanças) deduziu oposição, sustentando, resumidamente, que a presente providência cautelar deve ser rejeitada, em virtude de não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos pelos arts. 112.º n.º 1 e 120.º alíneas a) e b) CPTA. Outrossim, nos termos e para os efeitos do art. 128.º n.º 1 CPTA, anexou resolução fundamentada, datada de 23 de maio de 2012, cujo teor (fls. 83 a 88) aqui se tem por integralmente reproduzido.
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Não foram ordenadas diligências de prova.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência da providência cautelar, “por carecer de requisitos legais”.
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Dispensados, em função da natureza urgente do processo, os pertinentes vistos, compete conhecer.
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II
Com base, entre outros, nos elementos documentais disponíveis nos autos, julgam-se assentes os factos que seguem:
1. O Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro entrou em vigor no dia 13.11.2003.
2. No dia 19.4.2012, iniciou vigência a Portaria n.º 106/2012 de 18 de abril, cujo objeto consiste em regulamentar o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro, nos termos definidos pelo seu artigo 15.º -M, na redação da Lei n.º 60 -A/2011 de 30 de novembro.
3. Para o Município do Barreiro, o não recebimento de 5% da receita tributária do IMI, relativo ao ano de 2011, ascende a cerca de € 400.000,00 – art. 63.º p.i.
4. A verba/receita mencionada em 3. corresponde, aproximadamente, a 1,15% do orçamento global do requerente – art. 73.º p.i.
5. Desde dezembro de 2011 e até, pelo menos, ao final de dezembro de 2012, decorre o processo de avaliação geral da propriedade urbana, incidente sobre cerca de 5 milhões e 200 mil prédios urbanos situados em território português e com um custo previsível de 66,5 milhões de euros – art. 12.º oposição.
6. O Ministro de Estado e das Finanças produziu, nos termos e para os efeitos do art. 128.º n.º 1 CPTA, resolução fundamentada, em que, como consequências da paragem do processo de avaliação identificado em 5., aponta: «
1. Não se procederia ao reforço da autonomia financeira do poder local, por via do aumento de receitas próprias do poder local;
2. Não se cumpriria uma das medidas explicitamente consagrada no âmbito do programa, o que constituiria uma violação dos compromissos internacionais assumidos pelos Estado Português no âmbito do MoU;
3. Os objectivos quantitativos de consolidação orçamental e as metas de redução do défice inscritas no MoU para o ano de 2013 seriam seriamente postas em causa, uma vez que a receita adicional de, pelo menos, 250 milhões de euros que advirá da avaliação geral será totalmente utilizada para efeitos de consolidação orçamental (medida 1.30 do MoU, na versão resultante do terceiro exame regular). » - cfr. fls. 83 segs.
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A tutela cautelar (1), no campo do contencioso tributário estrito, a favor do contribuinte (ou outros obrigados tributários), encontra expressão, explícita, na letra do art. 147.º n.º 6 CPPT (2). Além de aspectos de cariz processual, do conteúdo deste normativo, retira-se, objetivamente, a ideia central de que o requerente, da providência que identifica pretender, tem de invocar e demonstrar o “fundado receio de uma lesão irreparável”, que possa ser causada pela atuação da administração tributária/at. Perante esta incontornável especificidade é, ainda, imperioso, mesmo decisivo, atentar em que, no âmbito do direito tributário, por norma, se versam meros interesses patrimoniais, pelo que, para existir prejuízo/lesão irreparável é de exigir estar-se na presença de realidade cuja extensão não possa ser avaliada ou quantificada de forma pecuniária; noutros termos, irreparáveis serão os prejuízos que não se prestem a uma “quantificação pecuniária minimamente precisa” (3).
Com estes contornos e princípios orientadores, vista a factualidade acabada de enumerar, em particular, a inscrita sob os n.ºs 3. e 4., decorre evidente que os, possíveis, prejuízos alegados, pelo requerente, de modo algum se podem ter por irreparáveis, porquanto estão em causa realidades que, manifestamente, se prestam a uma mensuração rigorosa, exata; cerca de 400 mil euros. E, mesmo admitindo que a indisponibilidade desta verba pode ter repercussões ao nível da realização de “políticas sectoriais, em matéria de águas e saneamento, intervenção social ou gestão de resíduos sólidos urbanos”, bem como, envolver potenciais riscos “para a integridade dos postos de trabalho dos trabalhadores do município e, (…), para as unidades económicas produtivas deste imediatamente dependentes” (4), sempre, estamos confrontados, nas palavras do próprio requerente, com a eventual produção de “prejuízos de difícil reparação” (5), pelo que, apesar de as verbas, possivelmente, envolvidas poderem apresentar uma expressão numérica significativa, as lesões que o requerente possa vir a sofrer, como causa adequada e necessária de lhe ser deduzida uma verba ilegal/inconstitucional e que venha a ser anulada judicialmente, podem sempre, enquanto concernentes a interesses de nítido cunho patrimonial, ser avaliadas ou quantificadas pela via pecuniária.
Em suma, a providência cautelar em apreço, mesmo excluindo qualquer tipo de pronunciamento sobre as razões coligidas (6), pelo requerente, no sentido de que a norma visada (7), a suspender, deve ser considerada ilegal e, também, inconstitucional, não reúne as condições, os mínimos requisitos, estabelecidos na lei tributária, para ser concedida.
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III
Pelo expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se indeferir, relativamente ao Município do Barreiro, o pedido de suspensão da eficácia do artigo 2.º n.º 1 da Portaria n.º 106/2012, de 18 de abril.
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Custas a cargo do requerente (tabela II-A RCP).
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 15 de janeiro de 2013



1- Incontornável, por imperativo constitucional – art. 268.º n.º 4 CRP.
2- « O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares (…), devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida. »
3- Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 5.ª edição, 2007, Áreas Editora, I Vol., pág. 1095.
4- Cfr. arts. 64.º e 65.º p.i.
5- Art. 67.º p.i.
6- Ver, em síntese, art. 52.º p.i.
7- Estabelecendo que “É afeta às despesas relacionadas com a avaliação geral dos prédios urbanos, uma verba de 5% da receita tributária do imposto municipal sobre imóveis relativo ao ano de 2011, a arrecadar em 2012.”