Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:15/23.0 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/13/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ENTRADA EM CAMPO
Sumário:I - Observados os ónus previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 640º do CPC, importa à Recorrente lograr provar que, da prova documental e testemunhal produzida nos autos e especificamente indicada, resultam provados factos que o TAD considerou não provados, sob pena de improcedência da impugnação efectuada;
II - O artigo 181°, nº 1 do RDLPFP dispõe que “o clube cujo sócio ou simpatizante agrida fisicamente agente desportivo, agente de autoridade em serviço ou pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo de forma a determinar o árbitro a atrasar o início ou reinicio do jogo ou a interromper a sua realização por período de duração igual ou inferior a 10 minutos é punido nos termos do n.° 1 do artigo anterior”;
III - Não resultando da factualidade provada que foi um sócio ou simpatizante da Recorrida que entrou em campo e dirigindo-se ao jogador Rochinha o agrediu a pontapé, determinando o árbitro a interromper o jogo, não há que manter as sanções de multa e de um jogo à porta fechada, em que foi condenada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Federação Portuguesa de Futebol, devidamente identificada como Demandada na acção arbitral nº 52/2022, instaurada por V… Sport Clube-Futebol Sad, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 10.11.2022, que julgou procedente o recurso interposto pela Demandante da aplicação de sanção pela prática da infracção prevista no nº 1 do artigo 181º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2021/2022, anulando assim a deliberação do Plenário da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Demandada [que lhe aplicou a sanção de multa de €6 500,00 e a sanção de realização de um jogo à porta fechada].

A Recorrida contra-alegou sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que negou provimento ao recurso interposto e, em consequência, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica.

A Recorrente reclamou para a conferência, requerendo a revogação da decisão singular proferida, a procedência do recurso apresentado e, consequentemente, a revogação do acórdão arbitral, proferido pelo TAD, com as necessárias consequências.

Notificada para o efeito, na sequência de despacho que considerou que o requerimento da reclamação foi apresentado no terceiro dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo legal, a Recorrente veio pagar a taxa de justiça devida, acrescida de penalização.

Notificada do requerimento da reclamação para a conferência, a Recorrida respondeu, pronunciando-se pela improcedência da reclamação para a conferência, mantendo-se a decisão sumária.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. Ou pode apenas requerer que sobre a matéria recaia acórdão, ao abrigo do mencionado nº 3 do artigo 652º idem.
A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pela Recorrente, agora reclamante, em sede de conclusões do recurso, fazendo retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior à decisão sumária proferida porque são as conclusões das alegações de recurso que fixam o thema decidendum.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «
1. Recorrente vem apresentar recurso da decisão proferida pelo Colégio Arbitral no âmbito do processo de ação arbitral necessária n.º 52/2022, que declarou procedente a ação interposta pela ora Recorrida e determinou a revogação do acórdão de 5 de julho de 2022 proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol-Secção Profissional, através do qual se decidiu aplicar à ora Recorrida sanção de realização de um jogo à porta fechada e multa no valor de 6.500,00€, nos termos do artigo 181.º, n.º 1, 2 e 3 do RDLPFP21.
2. A Recorrida foi sancionada por ter violado os deveres que sobre si impendem em matéria de formação e vigilância dos seus adeptos e, por isso, ter contribuído para a invasão de terreno de jogo por parte de um seu adepto, que agrediu dois jogadores e originou a interrupção do jogo por 2 minutos.
3. A Recorrente, vem recorrer do Acórdão arbitral, por entender que a[sic] mesma[sic] é passível de censura, porquanto existem erros graves de julgamento da matéria de facto dada como provada, bem como na interpretação e aplicação do Direito, conforme se passa a demonstrar.
4. De forma inesperada, o Colégio Arbitral dá como não provado: "1) Que o invasor fosse sócio, adepto ou simpatizante da Demandante; 2) que o invasor tenha pontapeado por duas vezes o jogador Rochinha; (...) 5) Que a Demandante, relativamente ao comportamento em apreço do invasor não tomou as medidas preventivas adequadas no que diz respeito àquele jogo em concreto".
5. Ora, para além de toda a prova documental junta aos autos, resulta também da prova testemunhal produzida e gravada em sede de audiência arbitral que o invasor era, pelo menos, simpatizante da Recorrida, que o invasor pontapeou por duas vezes o jogador R… e que, relativamente ao comportamento em apreço do invasor, a Recorrida não tomou as medidas preventivas adequadas no que diz respeito àquele jogo em concreto.
6. Pese embora a bancada poente de onde proveio o adepto vir identificada nos autos como afeta a adeptos da Demandante, bem como essa indicação vir de forma clara expressa nos Relatórios de Jogo, no Relatório do Árbitro e no próprio Relatório de Policiamento Desportivo, o Tribunal a quo entendeu dar como não provado que o indivíduo que invadiu o campo era, de facto, adepto ou simpatizante da Demandante.
7. Contudo, para além da prova documental junta com o processo disciplinar, também a prova testemunhal ouvida em sede de audiência corroborou que o indivíduo era, no mínimo, simpatizante da Demandante.
8. A este propósito, depôs a testemunha P…, na audiência de 22.09.2022 o seguinte, entre os minutos 12:47-13:19: Mandatário da Demandante: "lembra-se da bancada de que esse adepto proveio?" Testemunha: "da bancada poente" Mandatário da Demandante: "inferior ou superior"? Testemunha: "inferior" Mandatário da Demandante: "Essa bancada é uma bancada que é restrita apenas a sócios do V… ou é uma bancada onde existem convites, patrocinadores e mais pessoas?" Testemunha: "também é uma bancada de adeptos do V… para onde caso, enfim, (impercetível) sócios podem comprar bilhete para lá e é também a bancada para onde são entregues os convites a patrocinadores e detentores de camarote (...}”
9. Mais tarde, a instâncias da mandatária da Demandada, quando perguntado por quem são dados esses convites esses convites, aos minutos 28:14 a mesma testemunha P… esclareceu que "são entregues pelos serviços do V…, ou pelos nossos (impercetível) pelo departamento comercial, que os entrega em mãos ou os deposita nas relações públicas e as pessoas vêm cá e levantam".
10. Também a instâncias da mandatária da Demandada, indagado sobre se tem alguma preocupação em garantir que não haja adeptos do outro clube a irem para essa bancada, entre os minutos 29:07-30:29 referiu que "temos sim, isso consta inclusivamente do Regulamento de Segurança do Estádio D. Afonso Henriques, por indicação policial, e apenas se aplica aos convites de um parceiro do V… que se chama sagres" e mais adiante "o que fazemos por indicação policial é distribuir esses bilhetes pelas várias bancadas por forma a evitar que no caso desses bilhetes caírem todos na mão dos adeptos do Futebol Clube do Porto eles não têm um grupo alargado de adeptos que possa causar distúrbio", referindo que isto se aplica apenas a esses convites e os restantes vão todos para aquela bancada poente.
11. Já na continuação de audiência no dia 20.10.2022, a testemunha R…, refere, entre os minutos 26:05 -26:15 que "o adepto chegou à minha beira e disse "R… eu amo-te muito" e estendeu-me os braços como se fosse dar-me um abraço".
12. Ou seja, da prova testemunhal resulta claramente que o indivíduo proveio de bancada que apenas tinha simpatizantes da Demandante, tanto que existe o cuidado de não ter ali adeptos de outro clube - até porque era uma bancada onde também eram colocadas pessoas que vinham com convites dos patrocinadores e parceiros - e que claramente tinha afeto por um jogador da Demandante, tanto que entra no campo, num primeiro momento, para dirigir palavras elogiosas a R….
13. No seu voto de vencido, o árbitro S… refere, e bem, que "Fiquei também completamente convencido de que o indivíduo que entrou em campo é simpatizante do V… Sport Clube". Tal facto, que já resultava provado tendo em consideração a bancada de onde proveio, é agora reforçado e corroborado pelas expressões que o mesmo proferiu ao atleta R… dizendo que o amava".
14. As imagens juntas aos autos são absolutamente inequívocas acerca da agressão e da tentativa de agressão perpetradas pelo adepto. Tanto bastaria, como é evidente, para dar como provado que o invasor agrediu com dois pontapés o jogador R….
15. Não obstante, na diligência de dia 20.10.2022, a testemunha R…, apesar de dizer que não se sentiu agredido (o que é bastante diferente de dizer que não foi agredido efetivamente), refere entre os minutos 28:10-28:12 que "depois senti algo nos pés" e entre os minutos 28:23-23:27 "na altura não me senti agredido" e ainda nos minutos 28:49 - 29:10 que "depois senti algo nas pernas, nos pés, pronto senti algo pronto nas pernas, mas só que achei que sei lá o senhor estava-se a desequilibrar, nunca minha vida na altura pensei sei lá que seria um pontapé, que seria uma agressão, simplesmente tudo foi tão rápido"
16. Depois de confrontada, pela mandatária da Demandada, com o vídeo dos autos, a partir dos minutos 31:20-31:54, e depois novamente entre os minutos 32:14 - 32:36, e tendo a testemunha R… visualizado o mesmo em sede de audiência arbitral, foi perguntado pela mandatária da Demandada o seguinte (minutos 32:44 a 33:24): Mandatária da Demandada: depois de ver estas imagens R…, pergunto-lhe se continua a achar que o adepto que se dirigiu a si e nós não conseguimos ouvir aquilo que ele lhe disse (...) se continua a achar que se teria desequilibrado ou se está a tentar pontapeá-lo. Testemunha: É assim, vendo as imagens é claro que a ideia que eu tive na altura que o senhor estava a escorregar ou assim não era a ideia que afinal tinha (...)"
17. Ou seja, a testemunha R… assume que a sua impressão do que teria acontecido na altura é diferente do que possa realmente ter acontecido, sendo certo que afirma, por várias vezes, que sentiu algo nos pés, nas pernas, mas que no momento não terá sentido que tivesse sido algo de agressão.
18. Bem andou o árbitro S…, na sua declaração de voto de vencido, dizendo que "(...) existem imagens que demonstram a sequência de factos aqui em causa" e que "(...) o facto de o atleta dizer que não se sentiu agredido não impede que o tribunal deva analisar as imagens. Aliás, o tribunal não pode esquecer que o atleta foi jogador e trabalhador do clube em causa, situação que o pode, de forma não intencional, influenciar a sua própria perceção sobre o sucedido. Situação que não ocorre com as imagens". Continua dizendo que "(...) da análise das imagens resulta claro, sem qualquer margem para dúvidas, que o indivíduo entrou no campo e pontapeia por duas vezes o atleta R…".
19. Toda a prova documental e também testemunhal produzida em sede de audiência arbitral vai no sentido de corroborar a conclusão a que chegou o Conselho de Disciplina, ou seja, que a Demandante não fez nem o adequado nem o necessário para evitar esta situação.
20. Indagado pela mandatária da Demandada sobre a forma como o adepto entra dentro de campo, de forma tranquila e sem oposição, em concreto, quantos ARD's estavam no local prontos a impedir a entrada do adepto no campo, a testemunha P…, na audiência de 22.09.2022, entre os minutos 31:25-31:30 que “confesso que não sei e que não fui ver as imagens".
21. Já a testemunha M…, na audiência de 22.09.2022, referiu de forma muito assertiva, entre os minutos 42:24 - 42:30 que "a bancada poente não ficou despida de ARD's, não ficou, mas não ficou secalhar[sic] com os ARD's em quantidade suficiente".
22. Ou seja, foi plenamente assumido pelas testemunhas que ou não sabem que medidas foram tomadas ou assumem de forma clara que as medidas foram insuficientes para impedir este acontecimento.
23. Em suma, atento a todo o supra exposto, deve ser dado como provado que o invasor era adepto ou simpatizante da Demandante, que pontapeou por duas vezes o jogador R… e que a Demandante, relativamente ao comportamento em apreço do invasor, não tomou as medidas preventivas adequadas no que diz respeito àquele jogo em concreto. Os demais factos dados como não provados, ou não são aptos a contrariar a conclusão de aplicação de sanções à Demandante.
24. Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 6), o mesmo não é mais do que uma conclusão jurídica pelo que, face ao supra exposto, deve ser igualmente excluído e eliminado dos pontos dos factos dados como não provados.
25. Assim, requer-se que sejam aditados os seguintes factos como provados: "j) O invasor é adepto ou simpatizante da Demandante; k) O invasor pontapeou por duas vezes o jogador R…; I) A Demandante, relativamente ao comportamento em apreço do invasor não tomou as medidas preventivas adequadas no que diz respeito àquele jogo em concreto".
26. A convicção formada pelo CD no seu Acórdão apoia-se, fundamentalmente, no Relatório de Policiamento Desportivo, e no Relatório do Delegado da Liga, exarados quanto ao jogo oficial n.º 12902, os quais têm, como veremos adiante, força probatória especial. Mas também no relatório do árbitro e nas imagens dos acontecimentos, as quais foram, por várias vezes, visualizadas pelo Colégio Arbitral, mas que, lamentavelmente, foram ignoradas no Acórdão recorrido.
27. A Recorrida foi condenada pela prática da infração disciplinar p. p. no artigo 181.º. Para que se possa aplicar o tipo disciplinar previsto pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 181.º do RDLPFP, é necessário que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, um (i) sócio ou simpatizante de clube; (ii) agrida fisicamente; (iii) agente desportivo, agente de autoridade em serviço, pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo, elemento da equipa de arbitragem, delegado ou observador da Liga Portugal, jogador ou dirigente dos clubes participantes no jogo; (iv) de forma a determinar o árbitro a atrasar o início ou reinicio do jogo ou a interromper a sua realização por período de duração igual ou inferior a 10 minutos; (iv) sem que aquela agressão cause lesão de especial gravidade.
28. Neste contexto, e atenta a materialidade dada como assente nos factos provados, bem como a prova produzida em sede de audiência de julgamento, mostra-se verificado o preenchimento de todos os requisitos típicos objetivos.
29. Com efeito: um adepto da VSC SAD; vindo da bancada, afeta aos adeptos daquela SAD, entrou no terreno de jogo, encaminhou-se para o jogador n.º 16 da mesma SAD, R…, e, já no retângulo de jogo, quando deste se aproximou, pontapeou-o por duas vezes [tal como as imagens do momento inequivocamente demonstram]; tendo esta factualidade determinado que o árbitro interrompesse a realização do jogo por período de cerca de dois minutos; sem que aquelas agressões tenham causado lesão de especial gravidade ao referido jogador.
30. Em sede de audiência, como vimos supra, ficou demonstrado que o número de ARD's presentes no local por onde passou o adepto, aquando da sua invasão de campo, era apenas de 5, número manifestamente inferior ao adequado, o que foi admitido pelas testemunhas M… e P….
31. De notar que o adepto invade calmamente o campo, sem oposição de quem quer que seja.
32. Relativamente à verificação do requisito "agrida fisicamente", que a Recorrida vem colocar em causa, cumpre realçar que o referido artigo 181.º, na definição dos comportamentos típicos, não oferece - além da descrição genérica "agrida fisicamente" - qualquer outro critério que permita distinguir as condutas que integram tal conceito e que, a luz da citada norma, se devem ter por típicas.
33. Pois bem, pontapear alguém é, sem dúvida, um ato de agressão.
34. A conduta mantida pelo adepto da Recorrida é reveladora, em si mesma, do incumprimento do dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos a que a SAD está adstrita, por força das disposições legais e regulamentares melhor citadas no Acórdão proferido pelo CD.
35. Importa ainda esclarecer que nada consta dos autos que permita infirmar a conclusão de que o adepto em causa é adepto da Recorrida, uma vez que, identificado, se concluiu ser adepto da VSC - Futebol SAD - tal consta, aliás, do Relatório de Policiamento Desportivo o qual goza de força probatória reforçadíssima. Tal não foi, de todo o modo, infirmado pelas testemunhas ouvidas no TAD, também como vimos supra.
36. Quanto ao facto dos jogadores não se considerarem agredidos, pouca relevância assume para os autos pois que o que é determinante para verificar do preenchimento do ilícito disciplinar p. p. no artigo 181.º é se a conduta perpetrada é assimilada como uma agressão; e inequivocamente, um pontapé é uma agressão.
37. Por fim, quanto à alegação de que as agressões não foram determinantes para que o árbitro interrompesse o jogo, soçobram nos autos elementos que apontam precisamente no sentido contrário; aliás, o Tribunal Arbitral dá este facto como provado.
38. Tanto que, se atentarmos nas imagens do acontecimento juntas aos autos, é notório que o árbitro, mesmo com o jogo parado, manda interromper o jogo, apitando e sinalizando com a mão para que o jogo não retomasse e, posteriormente, fazendo o mesmo para que retomasse, cfr. minutos 02:06:03 ao 02:07:06 do vídeo junto aos autos.
39. Evidentemente, o que o adepto faz dentro de campo não é inócuo - não pode ser - do ponto de vista disciplinar.
40. O árbitro tem o dever de interromper o jogo quando existe um elemento estranho às equipas que esteja dentro do retângulo. Independentemente do que esse elemento faz ou deixa de fazer.
41. É ao órgão disciplinar que cabe analisar, em concreto, quais os atos perpetrados pelo adepto aquando dessa invasão de campo para determinar a subsunção de tais factos numa ou noutra norma disciplinar.
42. Com efeito, a sanção a aplicar à Recorrida seria diferente caso o adepto tivesse simplesmente sentado dentro do campo ou se tivesse provocado lesão grave aos jogadores. Mas essa avaliação cabe ao Conselho de Disciplina e não ao árbitro, pelo que andou bem o órgão disciplinar ao concluir que havia sido praticada, pela Recorrida, a infração p. p. pelo artigo 181.º do RD da LPFP.
43. Assim, o Acórdão recorrido merece a maior censura e deve ser revogado, sendo substituído por outro que reconheça a legalidade e acerto da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, mantendo, pois, as sanções aplicadas à Recorrida.».

Na decisão sumária foi considerado que:

«As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consistem, no essencial, em saber se o acórdão recorrido incorreu em erros de julgamento na fixação da matéria de facto, devendo ser retirados dos factos não provados e aditados aos provados, os factos que indica, bem como retirado dos não provados o facto 6) por ser uma mera conclusão jurídica, e na interpretação e aplicação do Direito, mormente o disposto no artigo 181º do RDFPP.

O colectivo de árbitros do TAD, no ponto 7., analisada a prova produzida, considerou que resultaram provados os seguintes factos:

«a) No dia 10 de Abril de 2022, realizou-se no Estádio D.Afonso Henriques o jogo n° 12 902 da 29ª jornada da Liga Portugal BWIN, disputado entre o V… - Futebol SAD e a Futebol Clube do P… - Futebol SAD;

b) Por volta dos 49 minutos da segunda parte, um individuo, vindo [sic] bancada poente, entrou no terreno de jogo, encaminhou-se para o jogador número 16 da V… Sport Clube - Futebol SAD, R…, e, já no ractângulo de jogo, quando deste se aproximou abraçou-o;

c) Acto contínuo, o mesmo individuo encminhou-se[sic] para o jogador n° 21 da Demandante, G… e, quando deste se aproximou, deu dois pontapés no ar, que não acertaram no jogador;

d) De imediato, o individuo foi interceptado pela segurança privada, tendo sido retirado por estes do rectângulo de jogo;

e) No momento em que o invasor deu entrada no rectângulo de jogo, a bola encontrava-se fora deste;

i) Por causa da invasão, o jogo continuou por volta dos cinquenta e dois minutos da segunda parte, com um lançamento de linha lateral;

g) Da acção do invasor relativamente ao jogador R… não resultou qualquer consequência física, nem este necessitou que lhe fosse prestada qualquer assistência médica;

h) O invasor foi identificado e detido pelos agentes das forças de segurança pública;

i) Na época desportiva 2021/2022 a Demandante disputou a Liga Portugal Bwin, organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

8. Não se provou que:

1) Que o invasor fosse sócio, adepto ou simpatizante da Demandante;

2) que o invasor tenha pontapeado por duas vezes o jogador R…;

3) que a Demandante não adoptou ou promoveu acções de sensibilização e prevenção socio educativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadoras da ordem pública e para o cumprimento de deveres de respeito para com os diversos intervenientes no espectáculo[sic] desportivo, junto dos seus sócios e simpatizantes;

4) que a Demandante não aplicou medidas sancionatórias aos seus sócios ou simpatizantes que se encontraram envolvidos em perturbações de ordem pública e quando eles violaram os deveres de respeito para com os diversos intervenientes no espectáculo desportivo;

5) que a Demandante, relativamente ao comportamento em apreço do invasor não tomou as medidas preventivas adequadas no que diz respeito àquele jogo em concreto;

6) que a Demandante tenha agido de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta ao não cumprir - de forma suficiente ou eficaz — com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espirito ético e desportivo junto dos seus adeptos, consubstanciava comportamento previsto e punível pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo de o realizar.

9. Com efeito, o Colégio Arbitral entendeu que não se produziu prova de que o invasor fosse sócio ou simpatizante da Demandante, tendo, inclusivamente, sido abalada, pelo depoimento das testemunhas C… e M…, a presunção resultante do facto alegado pela Demandada que o invasor veio “da bancada poente, afecta, em exclusivo, aos adeptos do V… Sport Clube Futebol, SAD”. Pelo contrário, pelas testemunhas referidas, foi posta em crise essa exclusividade.
Quanto à alegada agressão do invasor ao jogador R… foi decisivo o depoimento do pretenso agredido com dois pontapés, pois foi peremptório ao declarar, várias vezes que “nunca se sentiu agredido”, inclusivamente, quando lhe foram exibidas as imagens constantes dos autos.
Por outro lado, declarou que o invasor o abraçou, o que aliás confirma o que se vê nas imagens - e daí se dar como provado tal facto - tendo até referido que o invasor lhe disse: “amo-te R…”.
A testemunha negou ainda que o invasor o tivesse pontapeado por duas vezes, o que não parece também resultar das imagens juntas aos autos.
Quanto à questão de saber se o jogo foi interrompido em consequência daquela invasão ou se já se encontrava interrompido, o tribunal deu como provado apenas que no momento em que o invasor deu entrada no rectângulo de jogo, a bola encontrava-se fora deste, abstendo-se de se pronunciar, em termos de facto, sobre se, nessa circunstância, o jogo estava interrompido ou não, porque tal se afigura como uma conclusão de direito.
Não deixa de se notar, no entanto, que as testemunhas[sic] C…, ex-árbitro de futebol, e J…, arbitro do jogo, foram peremptórios em afirmar que o jogo se encontrava interrompido, tendo sido reatado com um lançamento da linha lateral, esse sim retardado por for força da invasão.
Finalmente, o tribunal deu como não provados os factos descritos sob os números 3) e 4) do ponto 8 supra, na sequência aliás do que foi feito no acórdão do Conselho de Disciplina da Demandada.
Ao contrário, porém, do Conselho de Disciplina deu como não provada a matéria do nº 5, pela única e simples razão, de que não foi produzida qualquer prova, sendo certo, de resto, que a Demandada nem sequer esclareceu quais as medidas adequadas que a Demandante devia ter tomado de forma a evitar aquela invasão, em concreto, ocorrida naquele jogo.
E, também ao contrário do CD da Demandada, também o tribunal não deu como provada a matéria da alínea 5, do supra ponto 8, isto é, que a Demandada tenha agido de forma livre e consciente, sendo certo que o CD não imputou à Demandada quaisquer acções, mas antes omissões, aliás não provadas.».


Da impugnação da decisão da matéria de facto:

Alega a Recorrente que: o acórdão recorrido padece de graves erros de julgamento da matéria de facto dada como não provada, mormente nos pontos 1), 2) e 5); quando resulta da prova documental, bem como da testemunhal, produzida em audiência arbitral que o invasor era simpatizante da recorrida, pontapeou por duas vezes o jogador R… e que a Recorrida não tomou as medidas preventivas adequadas a evitar aquele comportamento; o mesmo veio da bancada poente afecta aos adeptos desta, como resulta dos Relatórios do Jogo, do Árbitro e do Policiamento Desportivo; destaca os depoimentos da testemunhas P…, R…, M…, indicando os minutos das respectivas gravações que considera relevantes; as imagens juntas aos autos são inequívocas à cerca da agressão ocorrida, indicando os minutos relevantes; pelo que devem ser dado como provados os factos j, k) e l), com a redacção que indica; deve ser eliminado o facto 6) não provado por não ser mais que uma conclusão jurídica.

Apreciando.

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Em face do que a Recorrente observou os ónus no referido artigo.
Contudo, as passagens dos depoimentos que indica ou não são integrais, ou não permitem concluir como pretende, atendendo ao teor de outras passagens omitidas, de forma contrária à que consta do decidido e da respectiva motivação, no acórdão recorrido.
Explicitando,
Quem invadiu o campo de jogo vinha da bancada poente que, de acordo com o depoimento das testemunhas P… e M…, não estava exclusivamente afecta a adeptos da Recorrida, por haver lugares atribuídos a patrocinadores que, por sua vez, os podem dar a pessoas adeptas/simpatizantes ou não, de qualquer dos clubes em jogo. Por outro lado, o referido invasor não tinha qualquer elemento distintivo que o identificasse com o V…, de acordo com o depoimento de M…. E P… afirmou que não era sócio do V… senão teriam de suspender a sua actividade enquanto tal. A circunstância de ter dito ao jogador R… que o amava, também não permite concluir que era adepto ou simpatizante do clube em que este joga, mas sim do próprio jogador.
A força probatória conferida ao relatório do árbitro é ilidível, no caso, atendendo ao teor dos depoimentos prestados pelas referidas testemunhas. Assim, o TAD deu como provado que o individuo veio da bancada poente [facto provado b)], mas não que esta fosse afecta [em exclusivo] aos adeptos do V…, como consta daquele relatório.
No que concerne à agressão resulta do depoimento do jogador R… que, ainda que, ao ver o vídeo e perante as perguntas da mandatária da Recorrente, se tenha mostrado baralhado sobre a intenção do individuo que o abordou, nem em campo nem depois de visionar o vídeo de jogo, se sentiu agredido, pontapeado.
Sobre as medidas preventivas adequadas, foi dito por P… que há um rácio de ARD’S [assistentes de recintos desportivos] que é alocado em cada jogo em função do risco do mesmo e do número de adeptos estimados, este jogo era de risco elevado, existiu uma reunião de segurança com três ou quatro dias de antecedência, com a presença dos delegados da Liga, os responsáveis de segurança do Futebol Clube do P…, o comandante do policiamento e o coordenador dos ARD’s, para definir os efectivos a alocar ao jogo. Após a sua colocação no recinto, desviaram ARD’s da bancada poente, considerada menos problemática para outra, a norte, a pedido da PSP, aonde estava um grupo de adeptos do Porto no meio de adeptos do Vitória. Situação que o individuo terá aproveitado para entrar em campo.
Quanto ao facto 6), concordando que é conclusivo e de direito, não será o mesmo retirado da decisão da matéria de facto por não se ver que a pretendida eliminação implique qualquer alteração na decisão final proferida – v. o artigo 662º do CPC.
Donde, não tendo a Recorrente logrado provar que da prova documental e testemunhal produzida nos autos resultam provados factos que o TAD considerou não provados, improcede a impugnação efectuada, sendo de manter a decisão sobre a matéria de facto do acórdão recorrido.

Do erro de julgamento de direito:

A fundamentação de direito do acórdão recorrido é a seguinte:
«O artigo 181°. 1 do RDLPFP dispõe que “o clube cujo sócio ou simpatizante agrida fisicamente agente desportivo, agente de autoridade em serviço ou pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo de forma a determinar o árbitro a atrasar o início ou reinicio do jogo ou a interromper a sua realização por período de duração igual ou inferior a 10 minutos é punido nos termos do n.° 1 do artigo anterior”.
Ora, de acordo com a matéria de facto dada como provada, não se pode concluir pela existência de três pressupostos essenciais para a verificação da infracção imputada à Demandada.
Na verdade, não se provou que o invasor fosse sócio (ou accionista) ou simpatizante da Demandada, que tivesse agredido o jogador da Demandante R… e que tivesse sido aquela invasão dc campo a determinar o árbitro a interromper o jogo, uma vez que ele próprio declarou, com fundamento nas Leis do Jogo, que o mesmo se encontrava interrompido no momento da invasão.
A inexistência destes pressupostos seria suficiente para julgar o recurso procedente. Contudo, importa também tomar posição sobre a imputação da responsabilidade de tais factos à Demandante, na hipótese de se terem verificado os pressupostos referidos.
A esse respeito, vamos tão somente reproduzir de novo as considerações feitas no acórdão proferido na providência cautelar.
Lancemos mão do sumário do acórdão sub judice, concretamente do número I desse acórdão, segundo o qual, “é o respeito pelo princípio da ética desportiva, enquanto desiderato transversal a todo o ordenamento jurídico desportivo, que impõe que os clubes se vejam constituídos numa posição de garante face aos comportamentos dos seus agentes desportivos e dos seus adeptos, adstritos legal e regulamentarmente a cumprir o correspondente dever de prevenir/evitar toda e qualquer alteração da ordem e da disciplina que ocorra por atuação daqueles que o representam e/ou o apoiam por ocasião de um evento desportivo “.
Merece igualmente o nosso acordo o número II: “Os clubes são responsáveis pelas infrações praticadas pelos seus adeptos, por força da violação de deveres legais relativos à prevenção e combate à violência no desporto, designadamente por deficiência de vigilância ou controlo ou em virtude de carências relativas à promoção ativa dos valores que integram a ética desportiva”.
Também merece o nosso acolhimento o número III - Aos clubes impõe-se o cumprimento de deveres legais específicos dirigidos a acautelar, precaver, prevenir, formar, zelar e incentivar o espírito ético desportivo dos seus adeptos e simpatizantes, especialmente junto dos grupos organizados, deveres esses que lhe são direta e expressamente impostos - pese embora o comportamento em apreço ser individual e não de um grupo organizado.
Confrontados porém, com o número IV, aceita-se que “a responsabilidade pelo incumprimento desses deveres é, por isso, de imputação direta, própria e concreta à entidade participante de espetáculos desportivos, designadamente aos clubes ou sociedades desportivas”, mas quando se prove que actuou com culpa, e se provem, em concreto, factos demonstrativos de que podia “ter evitado a ocorrência de factos disciplinarmente puníveis, praticados pelos seus adeptos ou simpatizantes, durante o espetáculo”, e não concluir simplesmente, em abstracto, que “esse efeito resulta do não cumprimento de deveres que estão na sua titularidade, enquanto responsável por todas as matérias preventivas de segurança”. Do próprio conceito de infracção disciplinar ínsito no artigo 17º resulta a necessidade dc alegação e prova do dever violado.
Ora, se já na providência cautelar se afirmava que não estava sequer perfunctoriamente indiciado que a Demandante não tivesse adoptado e/ou promovido “ações de sensibilização e prevenção sócio educativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadoras da ordem pública e para o cumprimento de deveres de respeito para com os diversos intervenientes no espetáculo desportivo, junto dos seus sócios e simpatizantes", ou que “não aplicou medidas sancionatórias aos seus sócios ou simpatizantes que se encontraram envolvidos em perturbações da ordem pública e quando aqueles violaram os deveres de respeito para com os diversos intervenientes no espetáculo desportivo” tal matéria agora foi dada como não provada, face à prova produzida ou não produzida pela Demandada.
Nesta conformidade, não é possível atribuir qualquer responsabilidade à Demandante nos factos ocorridos naquele jogo de futebol, isto é, não existe matéria de facto que determine a imputação àquela da infracção prevista no artigo 181°, 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2021/2022.».

E o assim decidido é para manter.
Com efeito, a alegação de que o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos tem como pressuposto que este Tribunal iria julgar procedente a impugnação da matéria de facto, ou seja, dar por provado que o invasor do campo era adepto ou pelo menos simpatizante da Recorrida, pontapeou duas vezes o jogador Rochinha e que a Recorrida não tomou as medidas preventivas adequadas a evitar o sucedido naquele jogo.
Assim não tendo sido decidido, a manutenção da decisão da matéria não provada pelo TAD, aliada à circunstância de não se encontrarem preenchidos todos os elementos constitutivos do ilícito previsto na norma em referência – por não demonstrados ou provados nos autos -, implica a improcedência também desta parte [d]o recurso.
Dito de outro modo, não resultando da factualidade provada que foi um sócio ou simpatizante da Recorrida que entrou em campo e dirigindo-se ao jogador Rochinha o agrediu a pontapé, determinando o árbitro a interromper o jogo, não há que manter as sanções de multa e de um jogo à porta fechada, em que foi condenada.».

Decisão do relator que é para manter nos exactos termos da fundamentação expendida, que aqui reiteramos.

Por tudo quanto vem exposto acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em indeferir a reclamação para a conferência, confirmando a decisão sumária do relator [que negou provimento ao recurso e, consequentemente, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica].

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 13 de Abril de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)