| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., devidamente identificado nos autos de outros processos cautelares, instaurado por F….., S.A., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 14.11.2018 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que 1. decretou a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Directivo do IAPMEI, de 9.3.2018, com o seguinte teor: “O Conselho Directivo, reunido nesta data, deliberou, considerando a posição tomada pela Câmara Municipal de Torres Novas e pela Agência Portuguesa do Ambiente e ao exposto na Informação/….., autorizar a proposta de encerramento da instalação industrial explorada pela F….., S.A.” e 2. sujeitou a providência decretada à condição resolutiva de cumprimento pela Requerente das condicionantes anexas ao título de Exploração nº ….. emitido pelo Requerido, nos prazos fixados nesse título para o cumprimento das mesmas.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
a) “O ato do Conselho Directivo do IAPMEI de 9 de março de 2018 que deliberou o cerramento da exploração industrial da F….. cumpriu todos os requisitos legais.
b) A obrigação de encerramento do estabelecimento decorre da violação reiterada pela Recorrida do REAI.
c) Atentos os pareceres da CM de Torres Novas e da APA é impossível a Recorrida dar cumprimento às condicionantes em falta.
d) Pelo que é destituído de qualquer fundamento o decretamento da suspensão de eficácia do ato administrativo de 9 de março de 2018, sujeito à condição resolutiva do cumprimento das condicionantes anexas ao Título de Exploração n° …..
e) Não foi provado o requisito do fumus bonis iuris que a lei exige para o decretamento da providência.
f) Ficando assim prejudicado o conhecimento do periculum in mora.
g) A douta sentença de 14 de novembro de 2018 enferma de contradições insanáveis e impossíveis de justificar e não se pronunciou por todos os factos alegados, nem procedeu ao respetivo enquadramento factual e jurídico, pelo que é nula nos termos das alíneas c) e d) do n° 1 do art. 615° do CPC, aplicável por força do art. Io do CPTA.
h) A adoção da providência cautelar viola os n°s 1 e 2 do art. 120° do CPTA.”
Termina requerendo,
“Nestes termos e no demais de direito aplicável, sempre com o Douto suprimento de V. Exas, deverá ser dado provimento ao Recurso, sendo a Douta Sentença recorrida declarada nula e substituída por Decisão que julgue o pedido deduzido improcedente”.
A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. Não merece censura a sentença a quo, verificando-se todos os pressupostos do decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da Deliberação do conselho Diretivo do IAPMEI, datada de 09/03/2018, com o seguinte teor: "O Conselho Directivo, reunido nesta data, deliberou, considerando a posição tomada pela Câmara Municipal de Torres Novas e pela Agência Portuguesa do Ambiente e ao exposto na Informação/….., autorizar a proposta de encerramento da instalação industrial explorada pela F….., S. A.
2. As conclusões da alegação de recurso são meras afirmações de princípio, que expressam o desagrado com a decisão recorrida, mas não concretizam quaisquer insuficiências ou incorreções de que padeça a sentença a quo. O recurso apresentado pelo requerido não assenta em factos nem se respalda na lei.
3. O Requerido/Recorrente argumenta a validade da deliberação suspensa, mas não indica sequer a norma jurídica que a prevê ou permite. Isto é, o Recorrente não se conforma com a aplicação do artigo 48.º 4 REAI feita pela sentença recorrida, mas também não indica com que sentido deveria esta norma ser interpretada e aplicada ou qual a norma que, em seu entender, seria aplicável.
4. Ademais, a deliberação suspendenda é inválida, nos termos constantes da sentença e, bem assim, nos demais apontados pela Requerente/Recorrida na Petição Inicial.
5. A decisão colegial em crise deliberou “autorizar a proposta de encerramento da instalação industrial explorada pela F….., SA” tout court, sem que tenha havido qualquer proposta válida de encerramento da instalação industrial explorada pela F….., SA.
6. O artigo 48.º 4 do REAI prevê “Se a terceira vistoria de controlo revelar que ainda não estão cumpridas todas as condições anteriormente impostas, a entidade coordenadora toma as medidas cautelares e as providências necessárias, entre as quais se inclui a suspensão ou o encerramento da exploração da instalação industrial”.
7. Não estamos perante uma terceira vistoria.
8. As medidas previstas no número 4 do artigo 48.º REAI não são definitivas “podendo ser determinadas por um prazo máximo de seis meses”.
9. À Requerente nunca foi comunicado ser sentido provável de uma qualquer decisão que lhe dissesse respeito o encerramento definitivo.
10. A decisão de encerramento de uma empresa que desde 2006 labora com licença emitida pelo Requerido - que inclusive a distinguiu em 2014 e 2015 como PME líder – por causa da falta de licença de utilização camarária referente a edifícios de apoio à fábrica, falta essa motivada por questões políticas (a Declaração de Interesse Municipal em falta ser aprovada em Assembleia Municipal) é manifestamente injusta, ilegal, desajustada, desproporcionada, desrazoável, contrária ao interesse público, inversa à boa administração, violadora dos direitos da Requerente, incompatível com a ideia de Direito.
11. Verifica-se, pois, o fumus bonis iuris. Igualmente se verifica o periculum in mora, não tendo havido recurso nesta parte. Mais se verifica que os danos eventualmente resultantes da concessão da providência não são superiores aos da sua recusa, sendo certo que os interesses públicos em presença são integralmente satisfeitos com a condição resolutiva imposta pela sentença.
12. Enfim, não merece censura a sentença recorrida que fez correta apreciação da matéria de facto e justa aplicação da lei.”
O Juiz a quo proferiu despacho, sustentando que a sentença recorrida não padece das nulidades que lhe são imputadas, e acrescentando ao ponto 2. do dispositivo a parte final: “nos prazos fixados nesse título para o cumprimento das mesmas”.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.
As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida:
- padece de nulidade, nos termos das alíneas c) e d) do CPC, ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA;
- enferma de erro de julgamento ao ter decretado a providência quando não foi provado o requisito do fumus boni iuris exigido uma vez que o acto suspendendo cumpriu todos os requisitos legais e, atentos os pareceres da CM de Torres Novas e da APA, é impossível à Recorrida dar cumprimento às condicionantes em falta, ficando prejudicado o conhecimento do periculum in mora.
A matéria de facto pertinente, que não foi impugnada pelo Recorrente, é a constante da sentença recorrida e que se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA.
Importa entrar, agora, na análise dos fundamentos do recurso.
i) Das nulidades:
O Recorrente conclui que a sentença recorrida é nula, por enfermar de contradições insanáveis e impossíveis de justificar e por não se ter pronunciado sobre todos os factos alegados, nem procedido ao respectivo enquadramento factual e jurídico, nos termos das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615º, do CPC, ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA.
Para o que alega que: a sentença é omissa quanto aos motivos que fundamentaram ou aos factos que ditaram a realização da vistoria de 23.1.2018; considera que esta vistoria de 23.1.2018 é a 5ª e que poderá ser declarada inválida nos termos do nº 4 do artigo 48º do REAI, aprovado pelo Decreto-Lei nº 209/2008, de 29 de Outubro, por a entidade coordenadora só poder realizar no máximo de três vistorias; não esclarece o porquê de considerar o Titulo de Exploração no ….. válido, sujeito ao cumprimento das condicionantes, quando o mesmo foi emitido na sequência de uma 4ª vistoria, realizada em 9.6.2017, ao abrigo do mesmo artigo 48º, podendo consequentemente vir a ser considerada inválida; entra em contradição ao julgar aquele Título de Exploração válido, mas considera que o Recorrente não poderia efectuar quaisquer vistorias adicionais “fosse a que título fosse” além da 3ª, o que determinaria que o Termo de Exploração com condicionantes fosse válido ad eternum e permitiria à Recorrida manter a sua laboração com violação do enquadramento legal subjacente ao licenciamento industrial; é omissa quanto ao alegado de que o referido título era habilitante até à data da decisão suspendenda, sendo irrelevante a classificação de 1ª ou de 5ª vistoria para a decisão da providência, porque é inegável que enquanto entidade coordenadora tinha de verificar do cumprimento das condições impostas; é incompreensível que tenha dado provimento à providência sob condição resolutiva quando ficou demonstrado que a Recorrida está impossibilitada de obter a regularização do licenciamento das suas instalações industriais; é obscura por não resultar claro se cumpridas as condicionantes pela Recorrida, a providência deixa de produzir efeitos, deixando de estar obrigado a suspender a ordem e encerramento, e se não cumprir as condicionantes, a suspensão daquela decisão mantém-se podendo a Recorrida continuar a laborar de forma irregular, resultando ininteligível e contraditório com o que a sentença conclui “sendo dado cumprimento pela Requerente a tais condicionantes os interesses públicos que o encerramento visa salvaguardar estarão assegurados”; verificando-se perplexidades quanto a saber a quem o tribunal recorrido atribui competência para aferir o cumprimento das condicionantes se afirma que o Recorrente “não pode efectuar vistorias adicionais, seja com que fundamento for”, qual o prazo concedido para o cumprimento das condicionantes; se o tribunal encarregar outra entidade de verificar o cumprimento das condicionantes, o título de exploração industrial viria a ser emitido pelo tribunal.
Dispõem as referidas do artigo 615º do CPC que a sentença é nula quando:
“(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
A contradição entre os fundamentos e a decisão, referida na primeira parte da alínea c) reproduzida, é de natureza lógica «(…) como referia J. Lebre de Freitas, que entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670] (v. acórdão do STA, de 28.4.2016, proc. 0978/15, in www.dgsi.pt).
A obscuridade resulta de a sentença conter algum passo cujo sentido seja ininteligível, por não se perceber o que o juiz quis dizer (v. o mesmo acórdão).
A ambiguidade ocorre quando alguma passagem da sentença se preste a interpretações diferentes e mesmo opostas, em que não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz (idem).
De qualquer modo só ocorre nulidade da sentença recorrida se resultar prejudicada a compreensão da decisão nela contida.
A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d), verifica-se quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao pedido e à causa de pedir - que devesse apreciar/conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à apreciação/decisão do tribunal pelos sujeitos processuais (cfr. alínea d) do nº 1 do artigo 615º e nº 2 do artigo 608º, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Não ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não se pronuncia sobre cada um dos motivos, argumentos, opiniões, razões invocados pelas partes em defesa da respectiva pretensão (v. sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.10.2018, no proc. nº 01096/11.5BELRA 0677/17 in www.dgsi.pt).
A providência requerida é a de suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Directivo do IAPMEI, de 9.3.2018, consistente em “O Conselho Directivo, reunido nesta data, deliberou, considerando a posição tomada pela Câmara Municipal de Torres Novas e pela Agência Portuguesa do Ambiente e ao exposto na Informação/….., autorizar a proposta de encerramento da instalação industrial explorada pela F….., S.A.”, com as legais consequências.
Pela sentença proferida o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, decidiu: 1. decretar a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Directivo do IAPMEI, de 9.3.2018 e 2. sujeitar a providência decretada à condição resolutiva de cumprimento pela Requerente das condicionantes anexas ao título de Exploração nº ….. emitido pelo Requerido, – acrescentando na sequência do recurso agora em apreciação - nos prazos fixados nesse título para o cumprimento das mesmas.
Para o efeito, o juiz a quo considerou preenchidos os requisitos, de verificação cumulativa, exigidos no artigo 120º do CPTA.
Quanto ao fumus boni iuris, concluiu ser provável que a pretensão formulada ou a formular na acção principal, de que a presente providência depende, venha a ser julgada procedente porquanto, tendo procedido a uma análise perfunctória dos factos indiciariamente assentes e do direito aplicável, com vista a conhecer dos vários vícios que a Recorrida imputou à deliberação suspendenda, sem antecipar a decisão do mérito da causa, prefigurou a probabilidade de a deliberação suspendenda poder vir a ser considerada inválida por ter sido adoptada após a realização da 5ª vistoria de controlo, extravasando os poderes atribuídos ao Recorrente no nº 4 do artigo 48º do REAI, que estabelece o limite máximo de três vistorias para o efeito.
Sendo o objecto da providência a deliberação do Conselho Directivo do IAPMEI de 9.3.2018,proferida após a 5ª vistoria, não impendia sobre o tribunal recorrido o dever de apreciar da legalidade da 4ª vistoria e do Título de Exploração no ….., emitido na sequência desta, nem mesmo para reforçar o juízo de probabilidade formulado sobre a vistoria de 23.1.2018, nem para justificar a indicação do cumprimento das condicionantes desse Título de Exploração como condição resolutiva da providência decretada, nem para esclarecer o Recorrente sobre os poderes que lhe assistem, não podendo efectuar mais vistorias nos termos do artigo 48º referenciado.
Pelo que, não tendo que se pronunciar quanto aos motivos que fundamentaram a realização da referida 5ª vistoria nem sobre a legalidade da 4ª vistoria ou da validade do Título de Exploração no ….., aos quais a Recorrida não imputou qualquer vício, não se verifica a invoca nulidade nos termos da alínea d) do artigo 615º do CPC.
Pelas mesmas razões não se verifica a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida uma vez que o facto de nesta não ter sido emitido juízo sobre a probabilidade, à semelhança daquele que incidiu sobre a 5ª vistoria e a deliberação suspendenda, de a 4ª vistoria e o Título de Exploração no ….. virem a ser considerados ilegais e inválidos, não resulta que estes sejam legais e válidos ou que a respectiva legalidade e validade não possa ser apreciada na sentença a proferir na acção principal [uma vez que de acordo com o disposto no 4 do artigo 364º do CPC, nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final proferida na providência têm qualquer influência no julgamento da acção principal].
A indicação do Título de Exploração como condição resolutiva da providência decretada visa obstar precisamente a que a Recorrida o possa considerar válido ad eternum [ou, pelo menos, até ser decidida a acção principal, se vier a ser julgada improcedente] pela ou em desconsideração das condicionantes previstas no mesmo (por o Recorrente então ter considerado que tais condicionantes se justificavam para, ainda assim, poder permitir à Recorrida explorar o seu estabelecimento), não se verificando, também aqui a referida contradição.
A alegada obscuridade do decidido - por não resultar claro se cumpridas as condicionantes pela Recorrida, a providência deixa de produzir efeitos, deixando de estar obrigado a suspender a ordem de encerramento, e se não cumprir as condicionantes, a suspensão daquela decisão mantém-se podendo a Recorrida continuar a laborar de forma irregular – também não se verifica porque se a Recorrida cumprir as condicionantes é a própria ordem de encerramento do estabelecimento industrial que deixa de se justificar [ou, como consta da sentença recorrida “sendo dado cumprimento pela Requerente a tais condicionantes, os interesses públicos que o encerramento visa salvaguardar estarão assegurados”] e se não lhes der cumprimento ocorre a caducidade da providência, podendo ser requerido o seu reconhecimento judicial, nos termos da alínea f) do nº 1 e dos nºs 3 a 5 do artigo 123º do CPTA [mesmo na pendência de recurso, atendendo ao efeito meramente devolutivo previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA].
O decidido na sentença recorrida, para considerar verificado o fumus boni iuris, assenta na interpretação do nº 4 do artigo 48º do REAI no sentido de não permitir a realização de mais de três vistorias, não significando que o Recorrente, enquanto entidade coordenadora competente, não possa continuar a controlar a actividade da Recorrida através dos outros meios disponibilizados no REAI para o efeito, designadamente, através de fiscalização e de reexame.
Pelo que a sentença recorrida também não padece de qualquer contradição, obscuridade ou ambiguidade.
Face ao que não se verificam as nulidades que o Recorrente imputa à sentença recorrida.
j) Do erro de julgamento:
Concluiu o Recorrente que a deliberação suspendenda determinou o encerramento do estabelecimento industrial da Recorrida em consequência da violação reiterada por esta do REAI, evidenciada pelos pareceres da Câmara Municipal de Torres Novas e da APA, por considerar ser impossível à Recorrida cumprir as condicionantes em falta, sendo destituído de qualquer fundamento o decretamento da suspensão de eficácia daquela deliberação, sujeito à condição resolutiva do cumprimento das condicionantes anexas ao Título de Exploração n° …...
Alegando para tanto, designadamente, que: a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente as disposições legais aplicáveis, devendo ser revogada e substituída por decisão que julgue improcedente a providência cautelar; optou por emitir o Título de Exploração no ….., de 11.7.2017, com um conjunto de restrições e condicionantes e, assim, possibilitar à Recorrida o exercício da sua actividade, em vez de lhe aplicar imediatamente as medidas cautelares previstas no nº 4 do artigo 48º, conjugado com o artigo 54º, do REAI; o entendimento do tribunal recorrido impede-o de efectuar mais vistorias e mantém a Recorrida a laborar em violação do licenciamento industrial; se o Titulo de Exploração no ….. é habilitante ao exercício de actividade industrial, então a vistoria de 23.1.2018 é a primeira vistoria realizada após a emissão do título, pelo que não se verifica a apontada ilegalidade e consequente invalidade.
Da fundamentação da sentença recorrida, extrai-se, de relevante para a apreciação deste fundamento do recurso, o seguinte: “(…)
Atento o exposto prefigura-se ser o Requerido a entidade legalmente competente para a prática do ato de determinação do encerramento da exploração industrial, nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 48.° REAI.
Sucede que, a Requerente sustenta que a situação em apreço não pode ser considerada uma situação normal enquadrável no referido no n.° 4 do artigo 48.° REAI.
Isto porque, segundo a Requerente, a deliberação suspendenda foi adotada na sequência de uma vistoria realizada pelo Requerido que vai além do limite das três vistorias previstas no referido artigo 48.°, n.° 4 do REAI, carecendo, assim de enquadramento legal.
E, a ser assim, prefigura-se a possibilidade de a deliberação suspendenda ter sido adotada pelo Requerido, para além dos limites do quadro legal das suas competências.
A Requerente alega na sua petição inicial não existir enquadramento legal que permitisse ao Requerido a realização da vistoria que que terminou com a adoção da deliberação suspendenda nos termos em que o foi, não só por já ter sido realizado o limite máximo de vistorias legalmente previstas para o efeito, não havendo, o que redundaria invalidade não só da vistoria realizada, mas também dos atos subsequentes, máxime da deliberação suspendenda.
A Requerente refere ainda que o Título de Exploração n° ….., que titulava a exploração das instalações industriais da Requerente, fixava nas condições anexas, no ponto 4. “como já referido no título precedente foram esgotadas as vistorias previstas na lei para o licenciamento normal do estabelecimento e, assim sendo, a próxima vistoria voltará a ser enquadrada em despacho excecional”, sendo que o artigo 48.°, n.° 4 do REAI apenas prevê a possibilidade de realização de três vistorias.
O Requerido, por seu turno, reconhece que, efetivamente, a deliberação foi tomada na sequência de uma vistoria de controlo que vai para além do número de vistorias legalmente estabelecido, mas que tal foi efetuado em benefício da Requerente, para obviar à adoção de medidas cautelares em momento anterior.
Apreciando cumpre referir que, da factualidade dada como provada máxime dos pontos 16. e 22. do respetivo elenco resulta que, em 23/01/2018, o Requerido promoveu a realização à Requerente de vistoria designada de “Vistoria prevista no art.0 n.0 48. ° (5.a Vist.) (...) REAI
Tendo a referida vistoria sido realizada com esse enquadramento legal.
Ora, o artigo 48.° do REAI estabelecia sob a epígrafe “Vistorias de controlo " que:
"(...) 1 - A entidade coordenadora realiza vistorias de controlo ao estabelecimento industrial, para verificação do cumprimento dos condicionamentos legais ou do cumprimento das condições anteriormente fixadas, para instruir a apreciação de alterações à instalação industrial ou para análise de reclamações apresentadas.
2 - É aplicável às vistorias de controlo a disciplina estabelecida nos artigos 27° e 28°, com as devidas adaptações.
3 - Ressalvado o disposto no n.° 5, para efeitos de verificação do cumprimento das condições fixadas, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 30.° e nos n.ºs 1 e 5 do artigo 37.° a entidade coordenadora pode realizar, no máximo, três vistorias de controlo à instalação industrial.
4 - Se a terceira vistoria de controlo revelar que ainda não estão cumpridas todas as condições anteriormente impostas. a entidade coordenadora toma as medidas cautelares e as providências necessárias, entre as auais se inclui a suspensão ou o encerramento da exploração da instalação industrial.
5 - Os estabelecimentos que obtiveram a exclusão do regime de prevenção e controlo integrado da poluição estão sujeitos a verificação das condições de exclusão impostas e a vistorias de controlo, com periodicidade mínima anual. (...)"
Em face do exposto, dúvidas não subsistem, de que o enquadramento legal aplicável não prevê a possibilidade de o Requerido realizar mais do que três vistorias de controlo.
Sendo que, atenta a redação do preceito legal em referência se afigura forçoso concluir que tal normativo atribui ao Requerido um poder vinculado e não discricionário, não se vislumbrando no mesmo qualquer margem de discricionariedade que permita ao Requerido realizar vistorias adicionais, seja com que fundamento for.
Ora, conforme decorre da jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido já em 08/10/1987, no processo n.° 017540 [disponível em www.dgsi.pt ''[a] validade dos actos praticados no exercido de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos fixados na lei e independentemente, portanto, da respectiva fundamentação. (...)”
O entendimento vertido neste acórdão, ainda que proferido no âmbito da apreciação de questões substancialmente diversas das aqui em apreço, versa sobre matéria relativa à validade dos atos administrativos, transversalmente aplicável a todos os atos administrativos, termos nos quais é transponível para a situação aqui em apreço, com as devidas adaptações.
Ora, no caso em apreço verifica-se que a deliberação suspendenda foi adotada como desfecho de um procedimento normal de licenciamento desconforme com os normativos que regulam a matéria em questão e, concretamente, com os pressupostos constantes no artigo 48.°, n.° 4 do REAI, extravasando os poderes atribuídos ao Requerido nos termos do referido preceito legal.
Assim sendo, prefigura-se a probabilidade de a deliberação suspendenda poder vir a ser considerada inválida com base nesse fundamento.
Termos nos quais se verifica a probabilidade de procedência da ação principal de que esta providência cautelar é instrumental com fundamento nesse vício.
Essa probabilidade é suficiente para fundamentar a verificação do requisito do fumus boni iuris necessário ao decretamento da providência cautelar nos presentes autos, visto que, o preenchimento do requisito do “fumus boni iuris” se basta com a probabilidade de procedência de um qualquer dos vícios assacados pela Requerente ao ato suspendendo.
Fica, assim, prejudicada a apreciação relativamente aos demais vícios assacados pela Requerente à deliberação suspendenda.
(…)”.
Em face do que, importa analisar o disposto no Regime de exercício da actividade industrial – REAI, com vista a interpretar as normas contidas no artigo 48º:
Artigo 1.º - Objecto
O presente decreto-lei estabelece o regime de exercício da actividade industrial (REAI), com o objectivo de prevenir os riscos e inconvenientes resultantes da exploração dos estabelecimentos industriais, visando salvaguardar a saúde pública e dos trabalhadores, a segurança de pessoas e bens, a higiene e segurança dos locais de trabalho, a qualidade do ambiente e um correcto ordenamento do território, num quadro de desenvolvimento sustentável e de responsabilidade social das empresas.
Artigo 2.º - Definições
Para efeitos do presente decreto-lei entende-se por:
(…)
i) «Entidade coordenadora» a entidade identificada nos termos previstos no anexo iii ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, à qual compete a direcção plena dos procedimentos de autorização prévia, de declaração prévia e de registo e o reexame e actualização da licença de exploração ou do título de exploração a que está sujeito o exercício da actividade industrial, conforme previsto no presente decreto-lei;
aa) «Título de exploração» o documento que habilita a instalação e exploração de estabelecimentos industriais, estabelecimentos da actividade produtiva similar e operadores da actividade produtiva local sujeitos aos procedimentos de declaração prévia ou de registo previstos no presente decreto-lei.
Artigo 5.º - Procedimento para instalação e exploração de estabelecimento industrial
A instalação e a exploração de estabelecimento industrial ficam sujeitas aos seguintes procedimentos:
(…);
b) Declaração prévia, para estabelecimentos industriais incluídos no tipo 2;
(…).
Artigo 10.º - Competências da entidade coordenadora
1 - A entidade coordenadora é a única entidade interlocutora do industrial em todos os contactos considerados necessários à boa instrução e apreciação de pedido de autorização, de declaração prévia ou de registo, competindo-lhe a condução, monitorização e dinamização dos procedimentos administrativos, nos termos previstos no presente decreto-lei, nomeadamente:
(…)
h) Promover e conduzir a realização de vistorias;
(…).
Artigo 37.º - Decisão sobre a declaração prévia
1 - A entidade coordenadora profere uma decisão final fundamentada sobre a declaração prévia, ....
(…)
5 - Se forem verificadas desconformidades passíveis de correcção, a entidade coordenadora deve proferir decisão favorável condicionada e fixar um prazo para execução das correcções necessárias, findo o qual pode ser agendada vistoria para verificação do cumprimento das condições estabelecidas.
(…).
Artigo 39.º - Início da exploração do estabelecimento de tipo 2
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o requerente pode iniciar a exploração do estabelecimento logo que tenha em seu poder a notificação da decisão favorável ou favorável condicionada ou a certidão prevista no n.º 2 do artigo anterior.
(…).
Artigo 48.º - Vistorias de controlo
1 - A entidade coordenadora realiza vistorias de controlo ao estabelecimento industrial, para verificação do cumprimento dos condicionamentos legais ou do cumprimento das condições anteriormente fixadas, para instruir a apreciação de alterações à instalação industrial ou para análise de reclamações apresentadas.
2 - É aplicável às vistorias de controlo a disciplina estabelecida nos artigos 27.º e 28.º, com as devidas adaptações.
3 - Ressalvado o disposto no n.° 5, para efeitos de verificação do cumprimento das condições fixadas, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 30.° e nos n.ºs 1 e 5 do artigo 37.° a entidade coordenadora pode realizar, no máximo, três vistorias de controlo à instalação industrial.
4 - Se a terceira vistoria de controlo revelar que ainda não estão cumpridas todas as condições anteriormente impostas, a entidade coordenadora toma as medidas cautelares e as providências necessárias, entre as quais se inclui a suspensão ou o encerramento da exploração da instalação industrial.
5 - Os estabelecimentos que obtiveram a exclusão do regime de prevenção e controlo integrado da poluição estão sujeitos a verificação das condições de exclusão impostas e a vistorias de controlo, com periodicidade mínima anual.
Artigo 49.º - Reexame
1 - Os estabelecimentos industriais dos tipos 1 ou 2 estão sujeitos a reexame global das respectivas condições de exploração após terem decorrido sete anos contados a partir da data de emissão do título de exploração ou da data da última actualização do mesmo, sem prejuízo do que for exigido por legislação específica.
(…)
4 - O reexame das condições de exploração do estabelecimento industrial contempla a realização de vistorias cuja agenda deve ser comunicada pela entidade coordenadora, com a antecedência mínima de 90 dias relativamente à data prevista para a sua realização, ao requerente, (…).
5 - É aplicável às vistorias de reexame a disciplina estabelecida nos artigos 27.º e 28.º, com as devidas adaptações.”
Artigo 50.º - Actualização da licença ou do título de exploração
A licença de exploração ou o título de exploração do estabelecimento são sempre actualizados na sequência da realização de vistorias, bem como na sequência do reexame das condições de exploração.
Artigo 54.º- Medidas cautelares
Sempre que seja detectada uma situação de infracção prevista no presente decreto-lei que constitua perigo grave para a saúde pública, para a segurança de pessoas e bens, para a segurança e saúde nos locais de trabalho ou para o ambiente, a entidade coordenadora e as demais entidades fiscalizadoras devem, individual ou colectivamente, tomar de imediato as providências adequadas para eliminar a situação de perigo, podendo ser determinada, por um prazo máximo de seis meses, a suspensão da actividade, o encerramento preventivo do estabelecimento, no todo ou em parte, ou a apreensão de todo ou parte do equipamento, mediante selagem.
[Sublinhados nossos].
Da factualidade assente resulta que: em 17.2.2003 o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território emitiu à Recorrida “Autorização de Localização de Estabelecimento Industrial nº …..”; em 3.2.2006 o Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente emitiu à Recorrida “Autorização Prévia nº …..”; em 7.2.2006 o Ministério da Economia emitiu à Recorrida “Licença de Exploração Industrial nº …..”; em 19.4.2011 o Ministério da Economia emitiu à Recorrida “Título de Exploração Industrial nº …..”, “Nos termos do nº 5 do artigo 37º do Regime do Exercício da Actividade industrial REAI, aprovado pelo Decreto-Lei nº 209/2008, de 29 de Outubro, (…), foi emitida Decisão Favorável Condicionada à Declaração Prévia apresentada pela Empresa F….. (…)” Anexo: Condicionantes ao presente título de exploração, a verificar através de vistoria no termos do artigo 48º do REAI”; em 1.8.2011 o Ministério da Economia emitiu à Recorrida “Título de Exploração Industrial nº …..” “Nos termos do artigo 50º do REAI, (…), é actualizado o Título de exploração nº ….., concedido em 19 de Abril ao estabelecimento industrial Tipo 2, localizado (…)” “Anexo: Elenco de condições a observar na exploração do estabelecimento, (…), cujo acompanhamento será verificado através de nova (…)”; em 15.11.2011 o Ministério da Economia emitiu à Recorrida “Decisão sobre pedido de alteração” e manteve a decisão favorável condicionada; em 19.3.2012 o Ministério da Economia emitiu à Recorrida “Título de Exploração nº …..” “Nos termos do artigo 50º do REAI, (…) e na sequência da segunda vistoria de controlo, realizada em 6.3.2012, no estabelecimento industrial Tipo 2, sito (…) é actualizado o respectivo título de exploração, condicionado ao cumprimento das condições e prazos constantes do documento anexo” “Anexo: Elenco de condições a observar na exploração do estabelecimento, as quais fazem parte integrante do presente título”; em 15.8.2016 o Recorrente emitiu à Recorrida “Título de Exploração nº …..” “Nos termos do artigo 50º do REAI, (…) e na sequência da segunda vistoria de controlo, realizada em 6.3.2012, no estabelecimento industrial Tipo 2, sito (…) é actualizado o Título de Exploração do estabelecimento industrial, registado com o processo (…) F….. (…). O estabelecimento em referência tem enquadramento na tipologia 2 do REAI (…). A concessão deste título habilitante ao exercício de actividade industrial decorre de vistoria realizada em 09-11-2015, 01-12-2015 e 09-12-2015, nos termos do 48º do REAI, conjugado com o art. 11º do Decreto-Lei nº 73/2015, de 11 de maio e (…), actualiza e substitui o Título de Exploração nº ….., emitido em 19-03-2012, é condicionada ao cumprimento das condições e prazo fixados no documento anexo, o qual elenca, de igual modo, as actividades/operações que não se encontram autorizadas e, por consequência, não poderão ser efectuadas no estabelecimento”; em 4.10.2016 a Recorrida remeteu a Recorrido manifestando a sua posição sobre as condicionantes ao Título de Exploração nº ….. e requerendo a prorrogação por prazo não inferior a 365 dias a imposição das medidas previstas nos pontos1.1, 1.4, 1.5, 3.16, 3,17 atentos os prazos de prolação das decisões necessárias; em 9.6.2017 o Recorrente promoveu a realização de uma vistoria à Recorrida, designada: “Vistoria prevista no art. 48º (4ª Vist.)”; em 15.8.2017 “Título de Exploração nº …..” “Nos termos do artigo 50º do REAI, (…) e na sequência da segunda vistoria de controlo, realizada em 6.3.2012, no estabelecimento industrial Tipo 2, sito (…) é actualizado o Título de Exploração do estabelecimento industrial, registado com o processo (…) F….. (…). O estabelecimento em referência tem enquadramento na tipologia 2 do REAI (…). A concessão deste título habilitante ao exercício de actividade industrial decorre de vistoria realizada em 09-06-2017, nos termos do 48º do REAI, conjugado com o art. 11º do Decreto-Lei nº 73/2015, de 11 de maio e (…), actualiza e substitui o Título de Exploração nº ….., emitido em 5-8-2016, é condicionada ao cumprimento das condições e prazo fixados no documento anexo, o qual elenca, de igual modo, as actividades/operações que não se encontram autorizadas e, por consequência, não poderão ser efectuadas no estabelecimento”; em 22.12.2017 o Recorrente informou a Recorrida do agendamento de vistoria para o dia 23.1.2018 a realizar às suas instalações; na sequência de pedidos de esclarecimentos da Recorrida sobre o quadro normativo em que assenta a 5ª vistoria, o Recorrente informou-a que que a referida vistoria se enquadra no artigo 48º do REAI e, em complemento, constitui a referida vistoria uma acção excepcional uma vez que se mantinham por cumprir condições impostas pelas várias entidades que, convocadas pelo IAPMEI, têm connosco participado nas vitorias. // Em alternativa sublinhamos que caso assim não fosse, teria esta Agência no quadro legal do REAI, na qualidade de Entidade Coordenadora do Licenciamento, que ter ponderado e decidido actuação subsequente nos termos previstos no nº 4 do artº 48º, conjugado com o 54º do supra referido Decreto-Lei; em 23.1.2018 o Recorrente promoveu a realização de uma vistoria à Recorrida, designada: “Vistoria prevista no art. 48º (5ª Vist.)”; em 9.3.2018 o Conselho Directivo do Recorrente emitiu deliberação, com a Proposta nº ….. de autorizar a proposta de encerramento da instalação industrial explorada pela Recorrida (factos 1. a 4., 7. a 13. a 16.,18. a 20., 22., 42. e 43.).
Donde, ao abrigo do REAI, a Recorrida é titular de Título de Exploração nº ….. condicionada, emitido em 19.4.2011, ao abrigo do nº 5 do artigo 37º e que lhe permitiu laborar no seu estabelecimento industrial, nos termos do nº 1 do artigo 39º, o qual foi sendo actualizado, nos termos do artigo 50º com a indicação de condicionantes, em 1.8.2011 [Título de Exploração Industrial nº ….., com condições a observar na exploração do estabelecimento], 19.3.2012 [Título de Exploração nº ….., condicionada ao cumprimento de condições e prazos em anexo], 15.8.2016 [Título de Exploração nº ….., condicionada ao cumprimento das condições e prazo em anexo, o qual elenca, de igual modo, as actividades/operações que não se encontram autorizadas e, por consequência, não poderão ser efectuadas no estabelecimento] e 9.6.2017 [Título de Exploração nº ….., condicionada ao cumprimento das condições e prazo em anexo, o qual elenca, de igual modo, as actividades/operações que não se encontram autorizadas e, por consequência, não poderão ser efectuadas no estabelecimento], na sequência de vistorias, efectuadas com invocação do disposto no artigo 48º (1ª, 2ª, 3ª e 4ª vistoria, respectivamente).
Sendo que a seguir à 3ª vistoria [realizada no final de 2015] a Recorrida, atendendo aos prazos de prolação das decisões necessárias, solicitou ao Recorrente prorrogação do prazo, não inferior a 365 para imposição das medidas, compreendidas nas “Condições Anexas ao Título de Exploração nº …..”, em “1. Actividades/Operações que Não se Encontram Abrangidas pelo Presente Título”, previstas nos pontos 1.1 [Actividades não admitidas e/ou previstas na licença de descarga de águas residuais, designadamente actividades … eliminação de resíduos e a lavagem de cisternas e oleões], 1.4 [A utilização das duas lagoas/tanques de retenção de águas residuais], 1.5 [A utilização de tanques construídos no domínio hídrico, não obstante autos de embargos emitidos pela APA/ARHTO e pela Câmara e que, segundo informação prestada pela empresa em sede de vistoria, se destinariam à instalação de uma etapa de tratamento secundário das águas residuais], e em “3. Condicionantes e prazos associados à Actualização do Título de Exploração do Estabelecimento”, previstas nos pontos 3.16 [Apresentar licença de armazenamento de combustível líquido, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 267/2002, de 26 de Novembro (…) ou não estando sujeita a licenciamento ao abrigo do artº 21º da Portaria nº 1188/2003, de 10 de Outubro (…) demonstrar o cumprimento do disposto no mesmo artº 21º, nomeadamente no que se reporta à apresentação do processo junto da Câmara Municipal, incluindo Certificado de Entidade Inspectora reconhecida] e 3,17 [Apresentar licença de utilização que reporte todo o edificado, a emitir pela Câmara Municipal, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação].
Na sequência da 5ª vistoria, efectuada ao abrigo do artigo 48º, foi proferida a deliberação do Conselho Directivo do Recorrente de autorizar a proposta de encerramento da exploração industrial da Recorrida.
O nº 3 do artigo 48º prevê que, para efeitos de verificação do cumprimento das condições fixadas nos nºs 1 e 5 do artigo 37°, a entidade coordenadora pode realizar, no máximo, três vistorias de controlo à instalação industrial. Tomando, de acordo com o nº 4, as medidas cautelares e as providências necessárias, incluindo a suspensão ou o encerramento do estabelecimento, na sequência da terceira vistoria, se se mantiver o incumprimento das condições previstas no título de exploração.
A saber, previstas condicionantes no título de exploração, no momento em que é atribuído ou aquando da sua/suas actualização/ões, a entidade coordenadora fica constituída no poder/dever de verificar, findo o prazo concedido ao industrial para regularizar as situações indicadas, através de vistoria, se foi dado cumprimento ao determinado (v. o nº 1 do artigo 48º).
Na situação em apreciação o Recorrente efectuou cinco vistorias ao estabelecimento industrial da Recorrida, invocando efectuá-las ao abrigo do referido artigo 48º e esclarecendo que a 4ª e 5ª foram efectuadas a título excepcional, por se manterem por cumprir as condicionantes fixadas na anterior actualização do Título de Exploração.
Releva o facto de na sequência da 3ª vistoria a Recorrida ter pedido a prorrogação do prazo para dar cumprimento a determinadas restrições e condições (ainda que por causa dos prazos de prolação das decisões necessárias), reconhecendo a sua existência e a necessidade de as regularizar e, consequentemente da realização de vistoria com vista a aferir da sua actuação em conformidade.
Ao que acresce a circunstância de, pela primeira vez, o Título de Exploração, de que a Recorrida é titular, ter passado a fazer referência, a par das condicionantes ao exercício da actividade industrial abrangida pelo Título, a actividades e operações que não se encontram abrangidas por este, o mesmo é dizer que a Recorrida não está autorizada a desenvolver no âmbito da sua actividade industrial, por não se encontrar licenciada para tal ao abrigo do Título de Exploração emitido.
Ora, relativamente ao controlo do não exercício destas actividades e operações, por inovadoras no Título de Exploração, é de admitir que a que foi identificada pelo próprio Recorrente como 5ª vistoria, a título excepcional [e que o é no que respeita à verificação do cumprimento das condicionantes ao Título que se mantiveram nas sucessivas actualizações do mesmo] tenha funcionado como a 1ª vistoria daquelas.
Por outro lado, ainda que seja fixado no nº 3 do artigo 48º o limite máximo do número de vistorias a efectuar para verificar do cumprimento das condicionantes ao Título de Exploração, não é estabelecida qualquer cominação ou efeito invalidante para as que possam ser efectuadas para além das três indicadas.
Sendo que, analisado o REAI se constata que o Recorrente como entidade coordenadora, com competência para a direcção plena dos procedimentos de declaração prévia, do reexame e actualização do título de exploração a que está sujeito o exercício da actividade industrial, podendo promover e conduzir a realização de vistorias para o efeito [de controlo, de fiscalização, de reexame, para decidir reclamações], só pode determinar o encerramento da exploração do estabelecimento industrial nos termos do referido nº 4 do artigo 48º, uma vez que as medidas cautelares, previstas no artigo 54º além de exigirem a verificação de infracções nos termos aí especificados, apenas permitem o encerramento preventivo do estabelecimento por um período máximo de seis meses.
Significando que a entender o disposto no artigo 48º nos termos em que a sentença recorrida o entende, ultrapassada a 3ª vistoria de controlo sem que seja adoptada a medida cautelar adequada e prevista no nº 4, do mesmo artigo, a entidade coordenadora só poderá ir actualizando o Título de exploração e as suas condicionantes, permitindo-se que o estabelecimento industrial labore sem observar todas as exigências legais.
Assim, deve entender-se ou ler-se o limite máximo previsto no nº 3 do artigo 48º não como uma proibição de efectuar mais vitorias para além da terceira, mas como uma salvaguarda para a entidade coordenadora, bem como para as outras entidades públicas que com ela colaboram no procedimento de verificação, que assim não tem (têm) de dar inúmeras hipóteses ao industrial para regularizar as condições de funcionamento do seu estabelecimento mas apenas três, o número considerado pelo legislador como o adequado e suficiente à obtenção da conformidade/legalidade pretendida ou para considerar a mesma inviável, obstando à protelação no tempo de uma exploração industrial não completamente regular e que não pode obter a pretendida e legalmente exigida regularização.
E como um direito para o industrial que, da leitura da norma, fica a saber que pode beneficiar de três oportunidades para cumprir com as condições que lhe forem fixadas no título de exploração ou que se encontram fora desse título para que possam passar a ser compreendidas no mesmo.
Mas a regularização a efectuar pode não depender apenas da actuação do industrial – como no caso das situações elencadas pela Recorrida no seu pedido de prorrogação de prazo -, perspectivando-se, no entanto, que venha a ser conseguida ainda que o não tenha sido antes da realização da 3ª vistoria, ou as irregularidades verificadas são muitas, complexas e de difícil resolução apesar do empenho que possa ter sido demonstrado pelo industrial em regularizá-las, nesses casos, referidos a título de exemplo, pode a entidade coordenadora considerar justificado, para salvaguarda quer dos interesses públicos quer dos privados em presença, efectuar mais uma ou duas ou mais vistorias para permitir o cumprimento das condicionantes, conferindo mais oportunidades àquele que as inicialmente previstas, beneficiando-o por não ter avançado para as medidas cautelares, como a suspensão ou o encerramento do estabelecimento, logo na 3ª vistoria, nos termos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 48º.
A legalidade/validade dessas vistorias excedentes só poderia ser posta em causa se a realização das mesmas violasse outros direitos ou princípios gerais de direito, que conformam a actuação da Administração, como os da igualdade, proporcionalidade, justiça, boa administração. O que não se afigura verificar-se nos casos das 4ª e 5ª vistorias efectuadas pelo Recorrente à Recorrida, sendo que esta aceitou expressamente a 4ª vistoria, efectuada exactamente a título excepcional como a 5ª, assumido ser ter titular do Título de Exploração nº …...
Acresce que ainda que se entenda, como na sentença recorrida, que a 3ª vistoria é a última que o aqui Recorrente podia ter legalmente efectuado nos termos do artigo 48º, por se tratar de uma actuação vinculada, haveria ainda que averiguar se a invalidade da vistoria se comunicaria à deliberação suspendenda, como acto subsequente àquela ou se poderia ser aproveitada ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 163º do CPA.
Ora, constatando-se que a situação de incumprimento das condicionantes previstas no/s título/s de exploração atribuído/actualizados à Recorrida se verificou/manteve nas 1ª, 2ª e 3ª vistorias efectuadas – o que poderia ter dispensado o Recorrente de efectuar as 4ª e 5ª vistorias, e deliberar, na sequência da 3ª vistoria o encerramento do estabelecimento -, é provável que na decisão da pretensão da Recorrida, a deduzir ou deduzida na acção principal, a deliberação aqui suspendenda possa ser aproveitada nos termos da alínea a) do nº 5 do referido artigo 163º, por a apreciação do caso concreto – a situação verificada na 3ª vistoria - permitir identificar apenas uma solução como legalmente possível, a contida naquela deliberação, de encerramento do estabelecimento da Recorrida.
Em face do que é forçoso concluir que não se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris, ao contrário do decidido na sentença recorrida, procedendo este fundamento do recurso.
Sendo os critérios de decisão das providências cautelares, previstos no artigo 120º do CPTA, de verificação cumulativa, a não observância de um deles obsta ao decretamento da providência pretendida.
Em face do que deve ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a providência requerida.
Por ser parte vencida no recurso e na providência, é a Recorrida responsável pelas custas, na vertente das custas de parte, nas duas instâncias.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a providência cautelar requerida.
Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.
Registe e Notifique.
Lisboa, 18 de Junho de 2020.
(Lina Costa – relatora)
(Carlos Araújo)
(Sofia David) |