Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 550/08.0BESNT |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | SUSANA BARRETO |
| Descritores: | OPOSIÇÃO REVERSÃO CULPA ÓNUS DA PROVA |
| Sumário: | I - Não vindo impugnado que o Opoente e ora Recorrido era gestor de facto da devedora originária e tendo a reversão sido efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, cabia-lhe ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos. II - Cumpre ao Opoente demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)]. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição apresentada por F…, no âmbito da execução fiscal n.º 361…., que contra si reverteu as dívidas provenientes de IVA, IRS, IRC e coimas fiscais, da devedora originária “R…. - Engenharia E Consultoria Industrial S.A.”, referentes ao período de 2003 a 2007, no valor global de € 55 132,89. Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões: I. «Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a Oposição à execução fiscal nº 3611200501013984, que a Fazenda Pública instaurou contra F….– ENGENHARIA E CONSULTORIA INDUSTRIAL, S.A., originariamente, para cobrança de dívidas de IVA, IRS, IRC e Coimas Fiscais dos anos de 2003 a 2007, no montante global de €55.132,89., ao concluir “O Oponente conseguiu provar que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária”. II. Vem a douta sentença dizer que dos factos provados, no que respeita ao ónus da prova relativamente à culpa na insuficiência do património da sociedade para satisfação do crédito tributário, apreciadas todas as circunstâncias concretas do caso, conseguiu o Oponente afastar a presunção de culpa que sobre o mesmo recaía, nos termos previstos no referido artigo 24.º, n.º 1, b) da LGT. III. Foram dados como provados os seguintes factos: O Oponente esteve inscrito no registo comercial como administrador da sociedade desde a constituição, em 05/08/1985 – facto D. Da mesma forma, não é controvertido o facto de que o Recorrido além de ser administrador “de direito” também o exercia de facto, durante o período em causa nos autos IV. Bem andou a sentença recorrida quando decidiu ter resultado da produção da prova testemunhal, que o Recorrido era o administrador efetivo da sociedade devedora originária, pelo que se pode concluir que assumiu funções de representação da sociedade perante terceiros, nomeadamente perante os clientes e parceiros comerciais, e que teve um papel preponderante na condução dos destinos da sociedade. V. Verificados que foram os pressupostos, efetivou-se a responsabilidade subsidiária, sendo o Recorrido responsável pelo pagamento da dívida exequenda. Parece, no entanto, ter olvidado o tribunal a quo que fundando-se a reversão da execução no artigo 24, nº.1, al.b), da LGT tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o Recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida. VI. Consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr. Acórdão TCA Sul, 8/5/2012, Proc.5392/12; acórdão TCA Sul, 13/11/2014, Proc.7549/14. VII. Sabemos que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma atuação determinante na condução da sociedade. VIII. Resulta, aliás, das disposições legais conjugadas nomeadamente nos artigos 64.º, 78.º, 252.º a 262º, todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), resulta que os administradores ou gerentes são titulares de poderes deveres ou poderes funcionais. IX. Ora, in casu, o Recorrido tenta justificar a sua ausência de culpa com os fatores conjeturais associados à crise económica nacional e internacional. Todavia, importa aqui reiterar que, a divida objeto dos presentes autos, reporta-se, entre outras, a IVA. X. Vale isto por dizer que, à sociedade devedora originária cabia a função de “Sujeito Passivo”, estando vinculada ao cumprimento da prestação tributária, de acordo com o determinado no n.º 3 do artigo 18.º da LGT. XI. Donde resulta o facto que a mesma, como Fiel Depositária de verbas que não lhe pertenciam, não as entregou como era sua obrigação, nos prazos e locais determinados pela lei, fazendo uso desses valores, lesando, para além do Estado, os seus funcionários, colaboradores, clientes, fornecedores, a quem competiu a prestação pecuniária, violando assim uma relação de confiança. XII. Isto posto, e em relação ao argumento aduzido de que “(…) é precisamente por se ter comportado como um bom pai de família que o oponente chega à presente situação…”, desde logo se conclui que, por um lado, o Recorrido enquanto administrador da devedora originária sabia e não podia desconhecer, dos valores por ele retidos ou autoliquidados e da obrigatoriedade da sua entrega, tendo optado intencionalmente pelo incumprimento da obrigação legal fiscal de entrega/pagamento. XIII. Por outro lado, não estava na disponibilidade da administração decidir pela preferência de um qualquer outro crédito face ao crédito tributário – como o fez ao optar por pagar vencimentos a alguns colaboradores - uma vez que tal decisão não pode nunca configurar-se como justificada ou isenta de culpa, tanto mais que se tratam de valores retidos ou liquidados a outrem. XIV. Posto isto, não basta ao Recorrido alegar que o não pagamento dos tributos, se ficou a dever a situações de conjetura económica e que a sociedade por si administrada atravessava uma grave situação económico-financeira pois estes argumentos, quer no plano ético, quer no plano jurídico, para além de se traduzirem em meros juízos de valor e não factos, irrelevam em si mesmos para a aferição da culpa. XV. Finalmente, sempre se dirá que todas as decisões tomadas e que levaram à situação atual da sociedade devedora originária foram da responsabilidade do Conselho de Administração da sociedade, tal como todas as consequências que daí advieram. Desta forma, pode afirmar-se que a situação económica da sociedade devedora originária depende das decisões que foram tomadas ao longo do tempo pelos órgãos sociais desta, designadamente, desde 2001, quando se começaram a sentir as primeiras dificuldades. XVI. Acresce que o avolumar das dívidas, maxime fiscais, não constitui realidade compatível com uma administração zelosa e diligente e que sempre age com culpa aquele que não observa o essencial dever de cuidado e de diligência a que está obrigado (pelo contrato social, na realização do seu objeto) e de que é capaz, mas também aquele que se conforma, aceitando os resultados decorrentes da sua ação ou omissão, verificando-se uma inobservância negligente ou dolosa das disposições contratuais destinadas à proteção dos credores sociais, mas sempre culposa. XVII. Ora, o Recorrido foi acompanhando a situação de descalabro financeiro da sociedade devedora originária com alguma passividade – pelo menos durante 6 (seis) anos - sem que, tal como lhe competia enquanto gerente efetivo da mesma, ter diligenciado no sentido de inverter o estado de coisas, designadamente através da reconversão do seu objeto social ou, vendo que o não conseguia, apresentar a sociedade, em tempo útil, a medida de recuperação ou de insolvência. XVIII. Não pode, por isso, a Fazenda Pública concordar com a sentença ora recorrida na parte em que se lê “O Oponente conseguiu provar que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária” porquanto durante aqueles 6 (seis anos) o Recorrido, enquanto órgão decisor da devedora originária, podia (e devia) ter evitado o estado de coisas atual, designadamente, e entre várias outras opções, apresentar a sociedade, em tempo útil, a medida de recuperação ou de insolvência e assim evitar o acumular do endividamento fiscal. XIX. Resulta aliás confessado pelo próprio Recorrido na sua P.I que “(…) o desenvolvimento de novos produtos, dá-los a conhecer ao mercado…continuou a apostar na sua certificação de qualidade…a manutenção do quadro de pessoal por tempo excessivo…” foram fatores que contribuíram para “atrasos verificados ao nível das responsabilidades com terceiros”. Factos que o tribunal a quo optou por desconsiderar. XX. No caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode, manifestamente, retirar que o Recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária se ficou a dever, exclusivamente, a fatores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias". XXI. Assim sendo, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontra violado o artigo 24.º, n.º 1, alienas b) da LGT em consequência, julgando extinto o processo executivo em relação ao Oponente, concluindo que, inexiste o pressuposto da demonstração da culpa no exercício da gerência de forma negligente. XXII. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT. Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.»
Notificado do recurso interposto, o Recorrido F…, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. «O art.º 24º al. b) da LGT exige ao ora Recorrido a prova de um facto negativo, a ausência de culpa na insuficiência patrimonial, traduzindo-se numa grande dificuldade (diabolica probatio), como é próprio da prova de factos negativos; 2. O julgador deverá, nestes casos de prova de um facto negativo, dar relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse; 3. Decorrendo da factualidade provada que a actividade da F. Rolin implicava investimento intensivo e lhe reduzia a liquidez e que vários clientes deixaram de pagar, tendo o ora Recorrido desenvolvido todo o esforço humanamente possível para que a empresa se mantivesse em funcionamento, na esperança, normal num empresário, que o negócio melhorasse e a empresa pudesse pagar as suas dívidas, mas, sem receber dos clientes, tal não foi possível e a insolvência da F. Rolin viria a ser declarada em 2/9/2008; 4. O Recorrido fez a prova possível, razoavelmente exigível, de que não teve culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária, como reconhece a douta sentença recorrida, que, assim, se deve manter. Por tudo o exposto, o Recurso deve improceder e manter-se a douta sentença recorrida. Todavia, V. Exas. Venerandos Conselheiros, ao decidirem farão, como sempre, a mais lídima Justiça!» B) O despacho de reversão é de 24/03/2008 com os fundamentos presentes em informação feita pelos serviços (cfr. fls. 106 do PEF); C) Em 24/03/2008, foi enviada citação do despacho de reversão ao Oponente, (cfr. fls. 115 do PEF); D) O Oponente esteve inscrito no registo comercial como administrador da sociedade desde a constituição, em 05/08/1985 (cfr. fls. 12 do PEF); E) A sociedade devedora originária tinha como objecto social a “prestação de serviços de engenharia e consultoria industrial e de formação profissional (cfr. fls. 42 do PEF); F) Em14/09/2007, foi feito auto de diligências onde se concluiu que não havia bens a penhorar à devedora originária nos seguintes termos: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (cfr. fls. 50 do PEF); G) O desenvolvimento de novos produtos e metodologias era lenta, necessitava de muita investigação e consumia muitos recursos financeiros em informática e viagens de estudo e prospecção, donde resultava igualmente uma baixa dos meios financeiros disponíveis e do património em geral (cfr. depoimento das testemunhas); H) O desenvolvimento de novos produtos implicava depois dá-los a conhecer ao mercado, o que acarretava despesas com impressão de literatura informativa, realização seminários e presença em eventos e em viagens de promoção na sua maioria ao Norte do país, uma vez que entre 60 a 70% dos clientes da devedora originária se situavam aí (cfr. depoimento de testemunhas); I) A devedora originária tinha certificação de qualidade, desde finais dos anos 90, até 2003/2004, depois acabou por perder, pois a manutenção era onerosa devido aos custos das auditorias, que eram caras (cfr. depoimento de testemunhas); J) O Oponente não recebia vencimento pelo cargo de Presidente do Conselho de Administrador, mas recebia como trabalhador da sociedade originária, tal como os outros membros do referido órgão (cfr. depoimento das testemunhas); K) A devedora originária pediu o pagamento da dívida tributária em prestações, mas depois, não deu continuidade a esse pedido (cfr. fls. 136 e 137 do processo executivo); L) A tesouraria da devedora originária estava baseada nos pagamentos dos seus clientes que, a partir de certa altura, começaram a pagar com atrasos ou deixaram de pagar, o que originou falta de liquide, pelo que recorreu ao desconto de letras e cheques pré-datados nos bancos para fazer face a essa situação (cfr. depoimento das testemunhas); M) Quando a devedora originária descontava a letra ao banco, não recebia a totalidade do valor, pois o banco retinha uma percentagem para pagamento de juros (cfr. depoimento das testemunhas); N) A devedora originária recebeu dos seus clientes os seguintes montantes: - em 31/05/2005, recebeu de J&J….., um total de € 7.140,00 (fls. 201 e 202 do processo executivo); - entre 26/04/2004 e 28/05/2004, recebeu de C…., Lda, um total de € 42.117,74 (fls 216 a 220 do processo executivo); - entre 31/05/2005 e 23/11/2005, recebeu de V…., Lda, um total de € 56.907,51 (fls. 198 a 200 do processo executivo); - entre 28/02/2005 e 31/01/2006, recebeu de A…. Mobiliário, SA, um total de € 41.479,86 (fls. 196 e 197 do processo executivo); - entre 01/04/2003 e 04/08/2004, recebeu de C…., Lda, um total de € 49.811,23 (fls. 214 e 215 do processo executivo); - entre 30/06/2004 e 29/10/2004, recebeu da A…, um total de € 48.774,01 (fls. 194 e 195 do processo executivo); - entre 22/06/2005 e 22/11/2005, recebeu da A…., um total de € 56.568,07 (fls. 194 e 195 do processo executivo); - entre 21/07/2004 e 02/01/2006, recebeu de R…., Lda, um total de € 89.293,70 (fls. 203 a 213 do processo executivo); O) Ao montante total da dívida exequenda e acrescidos - € 483.334,79 - apenas foram retirados por pagamento da F…, o valor total de €3.546,50, mediante pagamentos efectuados em 25/08/2004, 25/11/2004, 03/03/2005, 19/07/2005, 19/10/2005 e 24/08/2006, no valor de € 500,00, € 267,00 e € 1.512,50 (cfr, fls. 190 a 192 do processo executivo); P) Nos últimos tempos da sociedade, o Oponente deixou de receber vencimento e os restantes membros do Conselho de Administração, recebiam com atraso (cfr. depoimento de testemunhas); Q) No decurso de 2002 a 2005 foram intentadas várias acções judiciais contra clientes incumpridores para cobrança de valores facturados pela sociedade originária, tais como: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (cfr. docs. junto com requerimento de fls. 361 dos autos); R) A sociedade devedora originária não logrou receber os montantes objectos das acções judiciais referidas na alínea anterior (cfr, requerimento de fls. 361 dos autos); S) Em 26 de Setembro de 2007, o Oponente celebrou com o Banco Comercial P… um “contrato de mútuo sob a forma de conta empréstimo” para fazer face a dívidas da sociedade devedora originária, onde constam, nomeadamente, as seguintes cláusulas: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (cfr. doc. juntou com requerimento de fls. 418 dos autos); T) A sociedade originária teve de despedir à volta de 50% dos seus trabalhadores (cfr, depoimento de testemunhas e declarações da Segurança Social junta com ofício de fls. 778 e 920 dos autos);»
O depoimento das testemunhas mostrou-se credível por mostrar-se espontâneo e imparcial, e realizado por quem tinha conhecimento directo dos factos por ter sido trabalhadora e membro do Conselho de Administração da devedora originária, no caso da testemunha M... e por ter sido consultor e TOC da sociedade originária, no caso da testemunha C…... Também a testemunha Maria A…. era trabalhadora da sociedade originária e embora não trabalhasse na área financeira, o seu depoimento serviu para averiguar como é que a sociedade devedora originária exercia a sua actividade. A testemunha Maria A… e C…, referiram que a sociedade devedora originária e referiu que sempre foi cumpridora quer para com os seus clientes quer para os serviços públicos e que tinham um nº de trabalhadores considerável – mais ou menos 40 – que tiveram depois de reduzir. Exerciam actividade na área de “Engenharia e consultoria no sector da indústria da madeira” e era um projecto “chave na mão” quanto à instalação de uma empresa nessa área e faziam certificação de qualidade, ambiente, formação. As dificuldades começaram em finais de 2002 e 2003, quando aos clientes começaram a não pagar. Procuravam cumprir o orçamento, mas depois, por muita boa vontade que tivessem, os pagamentos eram feitos através do banco e o banco acabava por ficar com a maioria deles, pois eles retinham logo o que se iria vencer e o que restava era mínimo. Tinham sido aceitantes de letras e de cheques pré-datados e quando faziam o desconto das letras por incumprimento dos clientes, tinham de pagar os encargos, ou seja, os bancos ficavam com uma parte, a título de juros. Faziam-se muitas viagens ao Norte, e já sem dinheiro para isso, para visitar os clientes, que eram 60 a 70% da sua clientela, com esperança de que os negócios se concretizassem. Todas as testemunhas referiram que a sociedade devedora originária era certificada desde os finais dos anos 90 e depois perdeu essa certificação pelos anos de 2003/2004, porque certificação era anula e as auditorias eram muito caras, não tinham possibilidades económicas para manter. Tiveram que reduzir pessoal e por vezes continuavam a trabalhar sem receberem na esperança de que quando o projecto terminasse receberiam do cliente. Ainda testemunharam no sentido de que os clientes incumpridores e em mora eram interpelados para pagar e chegou a haver processos de execução, mas não tinham bens para penhorar. A empresa era essencialmente capital humano e era muito difícil com a crise que se viveu, manter todos os postos de trabalho. Todas as testemunhas foram unânimes ao afirmarem que o Oponente sempre actuou em prol da sociedade, tendo ficado sem vencimento e assumindo empréstimo para fazer face às dificuldades de tesouraria.»
Artigo 24.º 1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…) Nos termos do nº 1 deste artigo 24º da LGT para acionar a responsabilidade subsidiária não é suficiente a mera gerência ou administração de direito mas sim o exercício da gestão de facto da empresa. No acaso em apreço, não vem impugnado que o Opoente e ora Recorrido era gestor de facto da devedora originária. Prevê ainda, esta norma, dois regimes de responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes: relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) do nº 1 do citado artigo 24º LGT] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)]. Como tem salientado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual se cita aqui apenas o Acórdão do STA, de 2013.10.16, Proc. nº 0458/13, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova: (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício [alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT]; (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo [alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT]. No caso em apreço não é controvertido que a reversão se efetuou ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, pelo que cabia ao revertido ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos que como vimos já, consagra uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – nesse sentido veja-se a jurisprudência deste TCAS nomeadamente nos acórdãos de 2012.05.08, Proc. nº 5392/12; de 2014.11.13, Proc. nº 7549/14, de 2017.04.06, Proc. nº 456/13.1BELLE, de 2018.05.17, Proc. nº 1099/14.8 BELRS, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Vejamos, então se o Opoente e ora Recorrido conseguiu demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)]. Da matéria dada como provada e não impugnada resulta: - A empresa, devedora originária dedicava-se à prestação de serviços de engenharia e consultoria industrial e de formação profissional (cf. alínea E) dos factos provados); - Em 2004, perdeu a certificação de qualidade, por não poder suportar a despesa com os custos das auditorias [cf. alínea J) – id.]; - Nos anos de 2004 a 2006, recebeu dos clientes € 392 092,12 [cf. alínea N) – id.]; - Nos anos de 2002 a 2005, intentou várias ações judiciais contra clientes incumpridores para recebimento do montante global de € 677 247,51 [cf. alínea Q) – id.]; - Em 2007 negociou com o banco um “contrato de mútuo sob a forma de conta empréstimo” para fazer face a dívidas da sociedade devedora originária [cf. alínea S) – id.]. Todavia, se em face da matéria dada como provada, aparentemente poderíamos determinar o peso das dívidas sobre a carteira de clientes nos anos em crise, a verdade é que examinados os documentos juntos pelo Opoente e ora Recorrido e constantes dos autos, verifica-se que independentemente das datas em que as ações judiciais foram instauradas, as quantias judicialmente reclamadas: - a L… e Filhos, Lda., no montante global de € 140 044,32, respeita a faturas vencidas nos anos de 1994 a 2000; - a S…, SA, no montante global de € 133 809,37, respeita a serviços prestados nos anos de 1998 a 2001; - a M…. – Motorizadas e Moto-Serras, Lda., no montante global de € 3 990,38, respeita a serviços prestados nos anos de 1997 a 1998, com faturas emitidas nos anos de 1998, 1999 e 2000; - a O…. – Indústria de Cartão Canelado, Lda., a quantia global de € 85 240,07, respeita a serviços prestados nos anos de 1997 a 2000; - a A…. e Cª Indústria de Artigos Funerários, SA, a quantia global de PTE 28 294 919$00, respeita a créditos vencidos em 1996 e 1998. Relembremos aqui que as dívidas revertidas dizem respeito aos anos de 2003 a 2006, e que as quantias supra elencadas e que não foram recebidas dos clientes se referem a serviços e faturas emitidas nos anos de 1994 a 2001. Podemos também aqui concluir que, à semelhança do decidido no acórdão de 2023.03.16, Proc nº 275/11.0BELRS, o qual subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta e com o qual concordámos, e que se transcreve com as necessárias adaptações que em face dos factos provados consideramos que não foi afastada a presunção de culpa que impende sobre o Oponente e ora Recorrido. Com efeito, sendo certo que o êxito na gestão ou a falta dele não se confunde com a culpa, para efeitos de cumprimento do dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, para que seja afastada a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT seria necessário demonstrar que, no caso em concreto, as opções de gestão do Recorrido foram as mais adequadas, de acordo com padrões de diligência de um gestor médio, não tendo a sua conduta contribuído para a situação de falta de pagamento da dívida tributária no momento do termo do prazo para pagamento voluntário. Ora, tal não se consegue extrair da factualidade assente. Também nos presentes autos não se sabe qual a carteira de clientes nem qual o peso relativo das dívidas dos clientes. De igual modo, não se sabe de que forma tal ou tais dívidas se refletiram na vida da devedora originária e na sua incapacidade para pagar, designadamente, as dívidas tributárias. Não se sabendo ainda se foram ou não constituídas provisões relativas aos créditos de cobrança duvidosa e relativamente aos quais se verificava o risco de incobrabilidade como impunha, nomeadamente, o princípio contabilístico da prudência. Foi alegado que o número de clientes foi diminuindo nos anos de 2004 a 2007 e que a empresa não conseguiu fazer frente à concorrência que classifica como «desleal» das universidades que ofereciam o mesmo tipo de serviços a preço mais baixo, mas nada disso ficou provado nos presentes autos. Não sabemos, pois, qual o número de clientes da empresa e a percentagem ou peso em que diminuíram, para podermos aferir como e se condicionou a atividade e os destinos da devedora originária, mormente para a avaliação dos atos de gestão do Opoente e ora Recorrido que condicionaram a impossibilidade de pagamento das dívidas tributárias, na vertente do afastamento da presunção de culpa que sobre ele impende. Alega a ora Recorrente que na sentença recorrida o Tribunal a quo não atendeu a que a maior fatia da dívida exequenda respeita a IVA e a retenções na fonte de IRS. Desde já adiantaremos que neste ponto tem razão a Recorrente, sendo mais elevado o grau de censura e de exigência quanto à sua não entrega nos cofres do Estado. Prossegue o Acórdão que vimos citando: «É ainda de sublinhar que parte da dívida exequenda respeita a IVA, situação em que as exigências de prova em casos como o dos autos são maiores, dado que há maior nível de censura associado ao seu não pagamento ao Estado. Nas palavras de Saldanha Sanches: (1) “[N]um imposto como o IVA (…) a liquidação e a cobrança [são] (…) confiadas ao particular [, o que] implica sempre um fluxo financeiro na empresa (…). [A] existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado”. Neste sentido, v., v.g., os Acórdãos deste TCAS de 14.02.2019 (Processo: 692/12.8BESNT), de 11.04.2019 (Processo: 2968/12.5BELRS), de 11.03.2021 (Processo: 784/10.8BELRS) e de 25.11.2021 (Processo: 106/11.0BEALM). Assim, a factualidade provada (e mesmo a alegada) não permite afastar a presunção de culpa que impende sobre o Recorrido, não estando sequer alegada factualidade que demonstre que a sua atuação tenha sido de molde a não contribuir para o não pagamento das dívidas tributárias.» Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha Jorge Cortês (1) Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 274. |