Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2093/15.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:IMPOSTO DE SELO. DOAÇÃO. UNIÃO DE FACTO.
Sumário:1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.

2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.

3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido aplica-se o disposto no número anterior, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto.

4 - Se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: FAZENDA PÚBLICA
RECORRIDOS: S....
OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida por S.... contra a liquidação de Imposto de Selo respeitante ao ano de 2014, no valor de € 5.864,63.


CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I. Em causa nos presentes autos está a impugnação judicial contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação de Imposto de selo respeitante ao ano de 2014, no valor de €5.864,63.
II. O Tribunal a quo delimitou como questão a decidir a de aferir da legalidade do ato de liquidação de Imposto de Selo (objeto mediato) e do ato de indeferimento da reclamação graciosa referente a uma doação efetuada à Impugnante.
III. Para fundamentar a procedência da impugnação judicial apresentada, considerou a douta sentença que a Impugnante provou a união de facto através do documento emitido pela Junta de Freguesia da residência da qual consta que esta e o seu companheiro A....... viviam em união de facto desde janeiro de 2009 até dezembro de 2012, na morada do imóvel entretanto partilhado.
IV. Entende a recorrente que não se decidiu, sem quebra do merecido respeito, de forma acertada, como se tentará demonstrar.
V. No artigo 6, al. e) do CIS é estabelecida uma isenção do pagamento do Imposto do Selo devido pelas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da Tabela Geral para os cônjuges ou unidos de facto, descendentes e ascendentes.
VI. A prova da união de facto, nos termos do art. 2 A da lei 7/2001, de 11 de maio atualizada pela Lei n° 23/2010, de 30/08 pode ser efetuada por declaração emitida pela Junta de Freguesia competente, no entanto, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto sob compromisso de honra de que vivem em unidos de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
VII. A Impugnante para fazer prova da união de facto limitou-se à entrega de um documento emitido pela União das Juntas de Freguesia do Alto do Seixalinho, Santo André e Verderena, atestando que a Impugnante viveu em regime de comunhão de mesa e habitação com A....... entre janeiro de 2009 até dezembro de 2012.
VIII. Defende a Fazenda Pública que apenas com base neste documento emitido pela União das Juntas de Freguesia do Alto do Seixalinho, Santo André e Verderena a Impugnante não fez prova de que no ano de tributação e nos dois que lhe antecederam vivia em união de facto, ou seja, não fez prova dos factos constitutivos do seu direito.
IX. A declaração da Junta de Freguesia exigida, nos termos do referido art. 2 A da lei 7/2001, de 11 de maio atualizada pela Lei n° 23/2010, de 30/08, tem que ser uma declaração de ambos os membros da união de facto sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, o que no caso concreto não aconteceu.
X. Assim sentença recorrida andou mal ao considerar que tal documento terá sido emitido com o cumprimento dos formalismos legais. 
XI. Ao que acresce que art.°. 74° da LGT dispõe que "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".
XII. No caso, é a Impugnante quem invoca o direito a ser tributado de acordo com o regime de tributação própria dos contribuintes unidos pelo casamento, pelo que incumbe-lhe fazer a prova, por qualquer meio, de que pode efetivamente beneficiar do regime próprio das uniões de facto.
XIII. Tal prova não foi feita, o documento apresentado da União das Freguesias do Alto do Seixalinho, Santo André e Verderena não cumpre os requisitos previstos no art. 2 A n.° 2, da Lei 7/2001, de 11 de maio atualizada pela Lei n° 23/2010, de 30/08.
Assim, entende a Fazenda Pública que a sentença a quo ao decidir como decidiu fez um errado julgamento de facto e de direito, violando o disposto nos art.°s 14.° do CIRS, art.° 19.° e 74° da LGT e Lei n° 7/2001 de 11-05), devendo as alegações de recurso proceder na sua totalidade.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.

CONTRA-ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA pronunciou-se pela improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou, de facto, ao julgar procedente a impugnação deduzida conta o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IS.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. Em 25/10/2012 foi outorgada pela Impugnante e por A....... uma escritura de divisão de coisa comum da fracção autónoma designada pela letra "H”, correspondente ao 3° andar, direito, sito na Rua ………no Barreiro, n°s 12, 12-A, 12-B e 16, Quinta da Maceda, freguesia da Verderena, concelho do Barreiro, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo……, daquela freguesia, da qual consta que ambos eram proprietários da referida fracção, em regime de compropriedade, e que a fracção é adjudicada à Impugnante, bem como que A....... prescinde de tornas no montante de € 58.648,32 (cfr. doc. junto a fls. 7 a 12 do doc. de fls. 171, numeração do SITAF);

2. Em data que se desconhece foi elaborada uma declaração oficiosa de Imposto de Selo pela AT da qual consta que é devido Imposto de Selo pela Doação correspondente a € 58.648,32 decorrente da escritura pública melhor identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 4 e 5 do doc. de fls. 171, numeração do SITAF);

3. Em 07/11/2014 foi efectuada pela AT a liquidação de Imposto do Selo, verba 1.2., n.° 1996960, no valor de € 5.864,63, referente à doação melhor identificada no ponto 1 (cfr. doc. junto a fls. 13 do doc. de fls. 171, numeração do SITAF);

4. Em 08/01/2015 foi emitido pela Junta de Freguesia da União de Freguesias de Alto Seixalinho, Santo André e Verderena um Atestado do qual consta o seguinte:


«imagem no original»


 (cfr. doc. junto a fls. 7 do doc. de fls. 137, numeração do SITAF);

5. A Impugnante reclamou graciosamente da liquidação identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 27 do doc. de fls. 171, numeração do SITAF e fls. 1 a 19 do doc. de fls. 198, numeração do SITAF);

6. Por despacho de 20/03/2015 foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 23 a 25 do doc. de fls. 248, numeração do SITAF);

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos relevantes para a decisão.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS:

Ao abrigo do disposto no art. 662º/1 do CPC, aditamos oficiosamente o seguinte facto:

7. Com data de 27 de janeiro de 2015 a Impugnante apresentou “...Sob compromisso de Honra a declaração a que se refere o n.º 3 do Artigo 2º-A do diploma referido [Lei n.º 7/2001, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto] o que faz nos seguintes termos:

Eu, S...., Solteira, declaro que vivi e União de Facto com A....... solteiro, maior, natural da freguesia de São Gregório, concelho de Caldas da Rainha, portador do cartão do cidadão  número…….., desde pelo menos Janeiro de 2009 até Dezembro de 2012.

Mais declaro que a União de Facto cessou no fim de Dezembro de 2012.   (documento junto a fls. 13 do procedimento de reclamação graciosa e a fls. 36 do processo)

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Vem o presente  recurso interposto pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública contra a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Almada que julgou procedente a impugnação deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa que decidiu manter o ato de liquidação de Imposto de Selo no montante de € 5.864,63.

Imposto que foi liquidado na sequência de escritura de divisão de coisa comum nos termos da qual os contraentes procederam à divisão do imóvel que constituía bem comum, ao qual foi atribuído o valor de € 117.296,64. O imóvel foi  adjudicado à Impugnante atribuindo-se ao outro outorgante as tornas respetivas no montante de € 58.648,32, de que prescindiu.  

A AT liquidou imposto de selo devido pela transmissão gratuita do valor correspondente às tornas prescindidas.

A Impugnante reclamou graciosamente alegando ter vivido em união de facto com o outro outorgante entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012, pelo que beneficia da isenção prevista no art. 6º/e) do CIS.

Contudo, a reclamação foi indeferida na totalidade  e a Impugnante deduziu impugnação judicial.

Esta foi julgada procedente pela MMª juiz do TAF de Almada com fundamento em   que tendo a Impugnante vivido em união de facto com A......., desde 2009 até 2012, não é devido qualquer Imposto de Selo relativo à doação por este efetuada - correspondente à renúncia a tornas no âmbito da escritura de divisão de coisa comum.

Acrescentou que força do disposto no artigo 2°, n° 5, alínea c) do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e do também previsto no artigo 1°, n° 1 - verba 1.2 - do Código do Imposto de Selo (CIS), abstratamente, a impugnante estaria sujeita a Imposto de Selo ao abrigo do supra referido artigo 1°, n° 1 - verba 1.2 - do Código de Imposto de Selo, pois com a outorga da escritura de divisão a impugnante obteve riqueza superior ao quinhão que lhe caberia, a título do seu direito de compropriedade. Este valor  corresponde à situação factual e concreta de que vai emergir a obrigação de imposto, em sede de IS.

Porém, o artigo 6° do Código de Imposto de Selo estabelece isenções subjetivas deste imposto, entre as quais os cônjuges ou unidos de facto, ascendentes e descendentes estão isentos de Imposto de Selo nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários.

Por força do disposto na Lei n° 7/2201, de 11 de Maio e artigo 2°-A introduzido pela Lei n° 23/2010, de 30 de Agosto a Impugnante provou a união de facto através dum Atestado emitido pela Junta de Freguesia da residência da qual consta que esta e o seu companheiro A....... viviam em união de facto desde Janeiro de 2009 até Dezembro de 2012, na morada do imóvel entretanto partilhado.

Assim, tem de se lhe aplicar o disposto na alínea e) do artigo 6° do Código de Imposto de Selo, ficando, em consequência, isenta a doação efetuada pelo seu companheiro.

A circunstância de não apresentarem declarações conjuntas para efeitos de IRS não afasta a possibilidade de beneficiar da isenção prevista naquele preceito, porque à  semelhança do que acontece com as pessoas casadas, também os unidos de facto têm a possibilidade de optar entre a tributação conjunta ou separada, nos termos do disposto no artigo 59° do CIRS.

A AT discorda. Essencialmente, por entender que a prova da união de facto não foi feita nos autos, uma vez que não basta a mera declaração da junta de freguesia atestando a união de facto. Terá de haver, também, uma declaração de ambos os membros da união de facto sob compromisso de honra de que viviam em união de facto há mais de dois anos, o que no caso não aconteceu.

Portanto, a Autoridade Tributária não discorda da fundamentação jurídica efetuada na sentença. Defende apenas que a factualidade foi erradamente provada e que deve ser alterada, tendo como consequência a improcedência da impugnação uma vez que não se prova a união de fato entre a Impugnante e o “doador” das tornas.

Sem razão, porém.

Com efeito, embora a MMª juiz se tenha louvado no “atestado” emitido pela “União das Freguesias de Alto do Seixalinho, Santo André e Verderena” para prova da união de facto, a verdade é que também foi junta aos autos declaração emitida pela própria Impugnante, assinada com data de 27/1/2015, que declara ter vivido em união de facto com A....... e que a mesma cessou em fim de Dezembro de 2012.

Esta declaração é do inteiro conhecimento da AT. Foi junta aos autos de reclamação (fls. 12) e foi junta cópia com a petição inicial.

Ora, o art. º2º -A aditado pelo Lei n.º aditado pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, que, sob epígrafe “Prova da União de Facto”  determina precisamente:

1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.

2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.

3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.

Deste n.º 3 transcrito, resulta claro que, cessada a união de facto, basta a declaração confirmativa da respetiva união por  um dos seus membros.

O que foi feito e oficiosamente aditado aos factos provados.

Embora a MMª juiz "a quo" não se tenha referido expressamente a esta declaração,  ela está nos autos e é do conhecimento da AT porque foi junta no procedimento de reclamação graciosa  (fls. 12) e foi junta cópia com a petição inicial.

Assim, com base na documentação junta aos autos e não impugnada, a união de facto entre a Impugnante e A....... encontra-se provada no período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012.

O que acarreta necessariamente a improcedência da impugnação da matéria de  facto, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida, na sua apreciação e qualificação jurídicas não questionadas, alterando-se apenas a fundamentação de facto nos termos que deixámos referidos.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e com a presente fundamentação confirmar a sentença recorrida.

Custas pela AT.

Lisboa, 13 de maio  2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)