Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:979/04.3 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:TGIS
VERBA 26
AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL
Sumário:I. Estando a operação de aumento de capital social, por entradas em numerário, isenta de imposto de selo em 1984.07.01, a reintrodução da tributação generalizada das operações de aumento de capital das sociedades de capitais, através de entradas em dinheiro, efetuada pelo Decreto-Lei nº 322-B/2001, de 14 de dezembro, é violadora dos artigos 7/1 e 10º da Diretiva 69/355/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, na redação dada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por I. B. – C. S-, SA, contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada em 14 de outubro de 2003 contra liquidação Imposto do Selo, no montante de € 160 000,00, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a verba 26.3 da TGIS violava as directivas 69/335/CEE, do Conselho, de 17/07/1969 e 85/303/CEE, do Conselho, de 10/06/1985.
II. – Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se a verba 26.3 da TGIS viola ou não as directivas 69/335/CEE e 85/303/CEE, ambas do Conselho, de 17/07/1969 e 10/06/1985, respectivamente.
III. - A Directiva 69/335/CEE, do Conselho, de 17/07/1969, consagrava no art.º 7.º n.º 1 que a taxa do imposto sobre as entradas de capital não podia exceder 2% nem ser inferior a 1%.
IV. - A Directiva 85/303/CEE, do Conselho, de 10/06/1985, deu nova redacção ao art.º 7.º n.º 1, estipulando que “Os Estados-membros isentarão do imposto sobre as entradas de capital as operações, com excepção das referidas no artigo 9.º, que, em 1 de Julho de 1984, estivessem isentas ou fossem tributadas a uma taxa igual ou inferior a 0,5%.”
V. – Por sua vez a verba 26.3 da TGIS estipulava que “Aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie - sobre o valor real dos bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios, após dedução das obrigações assumidas e dos encargos suportados pela sociedade em consequência de cada entrada …4%”.
VI. – Na verdade, a impugnante alegou a desconformidade da verba 26.3 da TGIS com a Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17/07/1969 com a redacção dada pela Directiva 85/303/CEE de 10/06/1985, em virtude do imposto de selo assim considerado constituir uma imposição com a natureza de taxa e não um imposto sobre a entrada de capitais, uma vez que tal tributação tem caracter bilateral ou sinalagmático, pois corresponde a uma contraprestação pela prestação de um serviço publico que confere uma utilidade ou vantagem a um particular.
VII. – Contudo, acresce mencionar, que a distinção entre imposto e taxa só terá utilidade para efeitos da conformidade ou desconformidade constitucional das normas que criam os impostos, nomeadamente, em sede de autorização legislativa a conferir ao Governo, uma vez que só a criação de impostos beneficia da reserva legislativa parlamentar e, em sede da conformidade dos impostos com os princípios constitucionais a eles respeitantes.
VIII. - Tendo sido defendido pela impugnante, ao contrário do alegado, que o aditamento do n.º 26 à TGIS constituía a criação de um verdadeiro imposto sujeito à reserva parlamentar nos termos constitucionais.
IX. - Ora, defender-se que o preceito prevê uma taxa e não um imposto cai por terra as alegações à propalada inconstitucionalidade dos diplomas de autorização legislativa e decreto-lei delegado uma vez que tratando-se de criação de taxas não há sujeição aos trâmites da reserva parlamentar acima enunciada.
X. - Mas, a reserva parlamentar abrange o regime geral das taxas, mas uma coisa é o regime jurídico geral das taxas e outra, bem diferente, são as próprias taxas, pois estas não estão sujeitas ao regime de reserva legislativa parlamentar e, como tal, podem ser criadas pelo Governo sem necessidade de intervenção da Assembleia da República.
XI. – Porém, é a própria directiva que impõe a sujeição a imposto os aumentos e capital social, permitindo em alternativa que sobre esse facto incida outra espécie de imposição, pelo que, tendo o DL 322-B/2001 de 14/12 criado um imposto ou, em alternativa, uma taxa ou imposição, nunca violaria da directiva, tal como mencionado na douta sentença, pois esta apenas proíbe que sejam criados impostos em simultâneo com outras imposições sobre as reuniões de capitais, onde se conclui os aumentos de capital.
XII. - Por outro lado, tem que se ter em conta os princípios do primado do direito comunitário e da colaboração com as instituições comunitárias, pelo que os Estados membros estão obrigados a transpor para o direito interno as directivas que lhe digam respeito em função dos resultados pretendidos pelas respectivas normas.
XIII. - Assim, a directiva em questão impunha a tributação num imposto sobre as entradas de capital os aumentos de capital das sociedades, sendo precisamente isso o que veio a acontecer com a publicação do DL n.º 322-B/2001, de 14/12, ao tributar aqueles factos em imposto de selo sem acrescentar qualquer outra imposição.
XIV. - Ora, ao alegar-se que a verba 26.3 da TGIS viola, também, a Directiva 9/335/CEE do Conselho, de 17/07/1969, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303/CEE, do Conselho, de 10/06/1985, em virtude de Portugal não se encontrar autorizado a criar o tributo em causa, uma vez que, apesar de os aumentos de capital terem sido objecto de tributação em imposto de selo de 1981 a 1996 a uma taxa superior a 0,5%, este imposto não configurava um imposto sobre reunião de capitais, por não cumprir os requisitos preceituados no art.º 5.º daquela directiva, enquanto a directiva prevê a tributação sobre o valor real dos bens, isso é, após dedução das obrigações e encargos suportados com o aumento de capital, o n.º 145 da TGIS, ao tempo em vigor, apenas previa a tributação sobre o valor nominal do aumento do capital, isto é, sem a dedução daqueles encargos, pelo que em 01 de Janeiro de 1986 Portugal se encontrava obrigado a abolir este imposto e, por consequência, não existindo tributação em imposto sobre reunião de capitais, em 01 de Julho de 1984 Portugal se encontrava sujeito à proibição de tributação prevista no n.º 1 do art.º 7.º da mencionada directiva.
XV. - Na verdade, não nos parece que a tributação do aumento do capital das sociedades pelo valor nominal em vez da tributação pela valor real [deixe] de ser considerado como uma tributação em imposto sobre a reunião de capitais, pois o que é facto é que o aumento de capital social não pode efectivamente de deixar de ser considerado uma reunião de capitais, tanto mais que o que é visado primacialmente pelo espirito da directiva é a tributação da reunião de capitais e não o computo da matéria tributável a que essa reunião respeita, sendo este computo apenas um aspecto instrumental em relação aos verdadeiros fins estabelecidos na referida directiva.
XVI. - Por outro lado, em 01 de Julho de 1984, o n.º 145 da TGIS, alterada pelo DL n.º 257/81, de 01/09, sujeitava a tributação à taxa de 1% os aumentos de capital social das sociedades de capitais, logo a uma taxa superior à indicada pelo n.º 1 do art.º 7.º da directiva, pelo que Portugal estava autorizado a impor ou a manter a tributação sobre aquelas operações.
XVII. - Nos termos expostos, a liquidação pela verba 26.3 da TGIS é devida não ofendendo nem violando as directivas supra, devendo a sentença ser revogada porquanto dos factos não se poderá subsumir o direito aplicado na douta sentença.
XVIII. – Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente e supramencionados.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


A Recorrida, apresentou contra-alegações, tendo formulado a seguinte conclusão:

1 – A douta sentença é exemplar, na escolha do direito e na sua aplicação aos factos provados, fundamentando muito claramente as razões que conduziram à sua acertada decisão, nomeadamente, com recurso a abundante e uniforme jurisprudência do TJUE e do STA (acima citada e que aqui se dá por reproduzida, pelo que, considerando que a mesma não é merecedora de qualquer reparo, devendo ser integralmente confirmada pelo tribunal ad quem, nos seus exatos termos e fundamentos.

Nestes termos e nos demais de direito deverá o presente recurso ser declarado improcedente, confirmando-se integralmente a douta sentença.
PORÉM, VS. FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e na aplicação do direito ao considerar procedente a impugnação e anular o Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 26.3 da Tabela Geral.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) Em 17/01/2003, por escritura pública celebrada no 6º Cartório Notarial de Lisboa, a I. B. – C. S., SA., procedeu ao aumento do seu capital social de € 120.000,00 para € 160.000,00, mediante entradas em dinheiro - cfr. documento n.º1 da Petição Inicial junto a fls. 62 a 65 dos autos;
B) Por ocasião do aumento de capital referido em A), foi liquidado IS no valor de €160.000,00, pelo notário que interveio na mencionada escritura pública, o qual foi suportado pela impugnante - cfr. documentos n.º 1 e 2 juntos a 62 a 65 e 67 dos autos;
C) Em 14/10/2003 a impugnante apresentou na Direção de Finanças de Lisboa, reclamação graciosa contra a liquidação identificada em B) - cfr. documento n.º3 da Petição Inicial junto a fls. 69 a 128 dos autos.
D) A impugnação foi apresentada presencialmente neste Tribunal em 11/05/2004 - cfr. fls. 3 dos autos;
Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso e nos factos alegados e não contestados, conforme indicado em cada uma das alíneas.


II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação e anulou o Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 26.3 da Tabela Geral satisfeito no ato de aumento do capital social da sociedade anónima, integralmente realizado em dinheiro.

Após análise dos temas trazidos a debate, sentença recorrida pronunciou-se no sentido de que a liquidação impugnada padece de ilegalidade que importa a sua anulação por violação dos artigos 7.°, n.º 1, e 10° da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, na redação dada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985.

Desde já adiantaremos que a sentença recorrida se encontra bem fundamentada e não merece a crítica que lhe foi feita.

Nas alegações de recurso a Recorrente não põe em causa o primado do Direito Comunitário, nem a obrigatoriedade de transposição das Diretivas [cf. conclusão XII]. Imputa, todavia, erro de julgamento à sentença recorrida, por em seu entendimento, a liquidação pela verba 26.3 da TGIS ser devida não ofendendo nem violando as diretivas supra, devendo a sentença ser revogada porquanto dos factos não se poderá subsumir o direito aplicado na douta sentença.

Assim, a questão submetida à apreciação deste tribunal versa sobre se a verba 26.3 da TGIS viola, ou não, as Diretivas 69/335/CEE e 85/303/CEE, ambas do Conselho, de 17/07/1969 e 10/06/1985, respetivamente [cf. conclusão II)], defendendo que a liquidação pela verba 26.3 da TGIS é devida, não ofendendo nem violando as referidas diretivas [(cf. conclusão XVII)], por entender que, contrariamente ao decidido, em face daquelas Diretivas, Portugal estava autorizado a tributar as reuniões de capitais.

Alega a Recorrente que a legalidade do imposto impugnado porquanto a Diretiva apenas proíbe que sejam criados impostos em simultâneo com outras imposições sobre as reuniões de capitais, onde se inclui os aumentos de capital [cf. conclusão XI)].

Mas sem razão, como veremos.

Por escritura pública a Impugnante, ora Recorrida, procedeu ao aumento do seu capital social, mediante entradas em dinheiro [cf. alínea A) dos Factos Provados].

No próprio ato da escritura a Impugnante, ora Recorrida, satisfez € 160 000,00, de imposto de selo liquidado ao abrigo da verba 26.3 da Tabela Geral.

Refira-se que a verba 26 da Tabela Anexa ao Código do Imposto de Selo foi aditada pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 322-B/2001, de 14 de dezembro, entretanto revogada pela Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, e tinha a seguinte redação:

26 – Entradas de capital:
(…)
26.3 - Aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie; sobre o valor real dos bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios após dedução das obrigações assumidas e dos encargos suportados pela sociedade em consequência de cada entrada - 0,4%

Diz o artigo 7º da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 1969.07.17, com a redação introduzida pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 1985.06.10:
«Artigo 7º:
1. Os Estados-membros isentarão do imposto sobre as entradas de capital as operações, com exceção das referidas no artigo 9º, que, em 1 de julho de 1984, estivessem isentas ou fossem tributadas a uma taxa igual ou inferior a 0,50 %.
A isenção fica sujeita às condições exigíveis nessa data para a concessão da isenção ou, se for caso disso, para a tributação a uma taxa igual ou inferior a 0,50 %.
A República Helénica determinará quais as operações que ficam isentas do imposto sobre as entradas de capital.
2. Os Estados-membros podem isentar do imposto sobre as entradas de capital todas as operações, com exceção das referidas no nº 1, ou submetê-las a uma taxa única que não ultrapasse 1 %.
3. No caso de aumento do capital social nos termos do nº 1, alínea c), do artigo 5º, na sequência de uma redução do capital social efetuada em resultado de perdas sofridas, a parte do aumento correspondente à redução do capital pode ficar isenta, desde que tal aumento se verifique no prazo de quatro anos após a redução do capital.»

A norma da Diretiva transcrita introduziu um dever para os Estado-membros comumente denominado stand still, que corresponde a uma fórmula técnica de harmonização e aproximação dos direitos nacionais ao Direito Comunitário: no caso, assim, de as entradas de capital não estarem sujeitas a tributação naquela data, já não poderiam posteriormente os Estados-membros legislar em sentido contrário.

Ora, considerando que as operações de constituição de sociedades de capitais estavam isentas de imposto de selo em 1990 e em 1991, ficaram isentos os aumentos de capitais, independentemente do modo de realização, cedo se colocou a dúvida sobre se as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 322-B/2001, de 14 de dezembro, que aditou a verba 26 da Tabela Geral do Imposto de Selo, era desconforme à citada Diretiva(1)Relativamente à tributação de aumentos do capital social em sede de Imposto do Selo (verba 26.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo), o Supremo Tribunal Administrativo, após reenvio prejudicial da questão junto do TJCE, no Ac. STA, 2ª Secção, de 2007.10.17, Proc nº 0225/05(2), pronunciou-se no sentido de que estando a operação de aumento de capital social, por entradas em numerário, isenta de imposto de selo em 1984.07.01, a reintrodução da tributação generalizada das operações de aumento de capital das sociedades de capitais, através de entradas de bens de qualquer natureza, efetuada pelo decreto-Lei nº 322-B/2001, de 14 de Dezembro, viola os artigos 7/1 e 10º da Diretiva 69/355/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, na redação dada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985.

Com efeito, o acórdão C-366/05, proferido pelo Tribunal de Justiça, na sequência de pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo teve por objeto a interpretação do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 01 p. 22), na redação dada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985 (JO L 156, p. 23; EE 09 01 p. 171; a seguir «Diretiva 69/335»)

Do citado acórdão C-366/05, do Tribunal de Justiça, pela sua importância e assertividade, transcreve-se:

O artigo 7.°, n° 1, da Directiva 69/335, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, na redacção dada pela Directiva 85/303, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um Estado que aderiu às Comunidades Europeias com efeitos a 1 de Janeiro de 1986, na falta de disposições derrogatórias no acto de adesão deste Estado ou noutro acto comunitário, a isenção obrigatória prevista nesta disposição vale para todas as operações abrangidas pelo âmbito de aplicação desta directiva que, em 1 de Julho de 1984, estivessem isentas do imposto sobre as entradas de capital no Estado em causa ou que neste estivessem sujeitas a esse imposto a uma taxa reduzida, igual ou inferior a 0,50%.

A obrigação clara e incondicional de os Estados-Membros isentarem do imposto sobre as entradas de capital as referidas operações vincula igualmente o Estado- -Membro em causa a partir de 1 de Janeiro de 1986, data em que a sua adesão às Comunidades começou a produzir efeitos, a qual coincide com a data-limite fixada para a transposição das alterações substanciais introduzidas na Directiva 69/335 pela Directiva 85/303,

A data de 1 de Julho de 1984, que foi adoptada como data de referência por força do referido artigo 7.°, n.° 1, é igualmente válida para esse Estado-Membro. Com efeito, em caso de adesão, a remissão para uma data prevista no direito comunitário, na falta de uma disposição contrária no acto de adesão ou noutro acto de direito comunitário, vale também para o Estado aderente, mesmo que essa data seja anterior à data de tal adesão. (cf. n.°s 28, 30, 32-33, disp. 1)

No caso de um Estado que aderiu às Comunidades Europeias com efeitos a 1 de Janeiro de 1986, os artigos 7.°, n.° 1, e 10.° da Directiva 69/335, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, na redacção dada pela Directiva 85/303, proíbem a introdução, depois de 1 de Janeiro de 1986, de um imposto de selo sobre uma operação de aumento do capital social abrangida pelo âmbito de aplicação desta directiva que, em 1 de Julho de 1984, estivesse isenta do referido imposto ao abrigo do direito nacional.


Sobre estas questões se pronunciou a sentença recorrida, da qual se transcreve na parte que aqui interessa:

(…)
A Directiva n.º 69/335/CEE de 17/07/1969, com o objecto de promoção da livre circulação de capitais, veio consagrar o regime comunitário dos impostos indiretos sobre as reuniões de capitais.
Previu a mesma norma, no seu artigo 1.º, a possibilidade de cobrança de um “imposto sobre as entradas de capital”, pelos EM às sociedades, quando o mesmo se mostrar harmonizado em conformidade com o disposto nos artigos 2.º a 9.º da mesma Directiva.
A conclusão a que o STA chegou partiu de um reenvio prejudicial efectuado ao então TJCE, que aqui reproduzimos, no qual foram formuladas duas questões:
“A. O artigo 7º n. 1, da Directiva 69/355/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado restritivamente por forma a que se exija como condição para a obrigação aí imposta aos Estados-membros, de isentarem certas operações de reuniões de capitais que se trate de operações que nos termos da redacção da Directiva anterior a 1985 podiam ser isentas de imposto ou sujeitas a taxa reduzida – -isto é apenas as previstas pelos artigo 4º n. 2 e artigo 8º – e que, adicionalmente, em 1 de Julho de 1984, estivessem nessa situação?
B. O artigo 7º n. 1 da Directiva 69/355/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais e o artigo 10º daquela devem ser interpretados no sentido de que proíbem a tributação em imposto de selo, por força de uma norma nacional como a do Decreto-lei n. 322-B/2001 de 14 de Dezembro, que introduziu o n. 26 – Entradas de Capital – na Tabela Geral do Imposto de Selo, de uma sociedade anónima sujeita à lei portuguesa, aquando da realização de um aumento do seu capital social, por entradas em numerário, quando em 1 de Julho de 1984, tal operação era sujeita àquele imposto, mas dele se encontrava isenta?”
Perante as questões formuladas, o TJCE por acórdão de 21 de junho de 2007 respondeu que:
(…)
Conforme referiu o STA no acórdão supra identificado, a Tabela Geral do Imposto de Selo na redação então dada pelo Decreto-Lei n.º 257/81, de 1 de Setembro, sujeitava as operações de reforço ou de aumento do capital das sociedades de capitais ao pagamento de um “imposto de selo” de 1% do montante em causa. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 154/86, de 16/05, que entrou em vigor em 21/05/84, viria a derrogar o pagamento daquele imposto de selo, conferindo uma isenção, nos casos de operações de aumento do capital social efectuadas em numerário.
O Decreto-Lei n.º 322-B/2001, que entrou em vigor em 1/01/2002, veio reintroduzir a tributação generalizada das operações de aumento de capital das sociedades de capitais, independentemente da natureza das entradas.
Assim, à data identificada na resposta do TJCE, 1/07/21984, a operação de aumento de capital estava isenta de imposto de selo conforme supra se demonstrou, pelo que, o Decreto-Lei n.º 322-B/2001, ao reintroduzir a tributação em causa, agora a uma taxa de 40% do valor real dos bens entregues ou a entregar pelos sócios, mostra-se violador da Directiva.
Conforme supra se referiu, o princípio do primado do Direito da União Europeia vincula os EM, sendo estes obrigados a observar o mesmo direito em todos os atos com força vinculativa.
Paralelamente é também obrigatória a interpretação efectuada então pelo TJCE relativamente à interpretação das normas em causa.
Assim, verificando-se a violação dos artigos 7.°, n.º 1, e 10° da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, na redacção dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985 por parte do IS liquidado ao abrigo da verba 26.3 da Tabela Geral, padece assim a liquidação impugnada de ilegalidade, a qual importa assim a sua anulação.
Procedendo a argumentação quanto a este vício invocado pela impugnante, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados.

Pouco mais há a acrescentar ao decidido e que acaba de se transcrever.


Na verdade, o TJCE declarou já a desconformidade à citada Diretiva da verba 26.3 da Tabela Geral de Imposto do Selo na parte em que determina a tributação de aumentos de capital social das sociedades realizados em numerário, em virtude da isenção estabelecida pelo artigo 7/1, da referida Diretiva.

O próprio legislador nacional acolheu esta orientação no sentido de isentar de tributação os aumentos do capital social das sociedades efetuadas através de entradas de capital em dinheiro e procedeu à revogação de toda a verba 26 da TGIS (artigo 99º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril).

A questão colocada pela Recorrente à apreciação deste tribunal é hoje de solução pacífica na doutrina e na jurisprudência, mas no sentido contrário ao por ela propugnado.

Não tem, pois razão a Recorrente, a sentença recorrida que anulou a liquidação impugnada e julgou verificada a violação dos artigos 7.°, n.º 1, e 10° da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, na redação dada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985 por parte do IS liquidado ao abrigo da verba 26.3 da Tabela Geral, não merece a crítica que lhe foi feita e é de confirmar.

Não tem, pois, razão a Recorrente.


Sumário/Conclusões:

I. Estando a operação de aumento de capital social, por entradas em numerário, isenta de imposto de selo em 1984.07.01, a reintrodução da tributação generalizada das operações de aumento de capital das sociedades de capitais, através de entradas em dinheiro, efetuada pelo Decreto-Lei nº 322-B/2001, de 14 de dezembro, é violadora dos artigos 7/1 e 10º da Diretiva 69/355/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, na redação dada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985.



III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 25 de novembro de 2021

Susana Barreto


Tânia Meireles da Cunha


Cristina Flora












1)ROMÃO, Filipe, CALDAS, António Castro, in artigo publicado em Fiscalidade: Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº 31 Junho-Setembro de 2007: Imposto de Selo – Desconformidade da Verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo com o Direito Comunitário
2) Do sumário transcreve-se:
I - Em 1 de Julho de 1984, a operação de aumento de capital social, por entradas em numerário, estava isenta de imposto de selo – vide Decreto-Lei n. 154/84, de 16 de Maio de 1984.
II - O Decreto-Lei n. 322-B/2001, de 14 de Dezembro de 2001, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2002, reintroduziu a tributação generalizada das operações de aumento de capital das sociedades de capitais, efectuadas através de entradas de bens de qualquer natureza.
III - Porém, o respectivo segmento normativo viola os artigos 7.°, n. 1, e 10° da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, na redacção dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985.