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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1702/19.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/05/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRAZO RAZOÁVEL - COMPLEXIDADE DA CAUSA E COMPORTAMENTO DO AUTOR
DANO PATRIMONIAL DE PERDA DE CHANCE
DESPESAS DE CUSTAS, TRADUÇÕES E HONORÁRIOS NO PROCESSO DEMORADO
NEXO CAUSAL
Sumário:I - A duração razoável de um processo deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso, com ajuda de quatro critérios principais: a complexidade do litígio, a conduta das partes, a conduta das autoridades competentes e a relevância da causa para o interessado.
II – Na avaliação da complexidade do processo haverá que considerar, entre outras circunstâncias, que tipos de prova foram produzidos, destacando, em especial, a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional.
III – Sendo o processo demorado de elevada complexidade e sido extinto por inutilidade superveniente da lide, decorrente da insolvência do réu, a perda de oportunidade na decisão do mérito da ação só configura dano indemnizável se a probabilidade de ganho for de elevado grau de certeza.
IV – A que se soma a necessária verificação do nexo causal entre o comportamento do réu e a perda de chance do provimento da ação demorada e da frustração do crédito do autor sobre o réu.
V – Também as despesas com o pagamento de custas judiciais, traduções de documentos e honorários de advogado são custos do processo atrasado, apenas e somente, indemnizáveis se resultantes da necessidade de prolongar aquele processo por motivo imputável ao anormal funcionamento da justiça.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

V… propôs a presente ação administrativa contra o Estado Português, pedindo:

a) A condenação do R. no pagamento de indemnização ao A. correspondente ao valor das custas judiciais pagas no âmbito do processo judicial n.º 2153/08.0TVLSB, por lhe ser imputável a frustração do efeito útil do mesmo, nos termos do disposto no artigo 12.º do RCEE; ou, subsidiariamente e para o caso de assim não se entender, o que só por mera hipótese se concebe, a condenação do R. no pagamento de indemnização correspondente à proporção das referidas custas judiciais despendidas em direta consequência do incumprimento do dever de decisão em prazo razoável;

b) A condenação do R. no pagamento de indemnização ao A. no valor de EUR 76.148,01, acrescido de juros vencidos no valor de EUR 14.728,90, e juros vincendos até integral pagamento, correspondente ao valor pago pelo A. pelos serviços de advocacia, no âmbito da sobredita ação judicial, por lhe ser imputável a frustração do efeito útil da mesma, nos termos do disposto no artigo 12.º do RCEE; ou, na hipótese subsidiária de assim não se entender, que se admite por mero dever de patrocínio e sem conceder, a condenação do R. no pagamento de indemnização ao A. em valor correspondente à proporção dos referidos honorários que se venha a considerar terem sido necessários em direta consequência do incumprimento do dever de decisão em prazo razoável;

c) A condenação do R. no pagamento de indemnização ao A. no valor de EUR 16.382,54, acrescido de juros vencidos no valor de EUR 3.168,79, e juros vincendos até integral pagamento, correspondente às despesas incorridas com traduções de um conjunto de documentos, por lhe ser imputável a frustração do efeito útil da mesma, nos termos do disposto no artigo 12.º do RCEE;

d) A condenação do R. no pagamento de indemnização ao A. no valor de EUR 4.524.125,06, acrescido de juros vencidos no valor de EUR 875.077,34, e juros vincendos até integral pagamento, correspondente à totalidade do crédito do Autor sobre a E... que resultou frustrado em virtude da ausência de uma decisão justa em prazo razoável no processo judicial acima identificado e cujo reconhecimento judicial se afiguraria altamente provável; ou, subsidiariamente e admitindo por mera hipótese que assim não entenda, sem conceder, a condenação do R. no pagamento de indemnização ao A. com o mesmo fundamento, em valor a fixar equitativamente na proporção do grau de probabilidade de sucesso que se venha a aferir no âmbito do processo judicial n.º 2153/08.0TVLSB;
e) A condenação do R. no pagamento de indemnização ao A., fundada em danos não patrimoniais causados pela demora excessiva no processo acima identificado, em valor a fixar equitativamente, mas nunca inferior a EUR 50.000,00.

O tribunal julgou a ação parcialmente procedente e condenou o Estado Português a pagar ao autor a quantia de €: 8.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.

Inconformado com a decisão, o autor interpôs o presente recurso jurisdicional da parte da sentença em que decaiu e que se prende com a indemnização por danos patrimoniais.
O autor formulou as seguintes conclusões no recurso:

1) Do objeto do recurso

I. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida em 18/11/2021, na parte em que declara improcedentes os pedidos indemnizatórios correspondentes aos pontos i), ii), iii) e iv) do peditório constante da PI.

II. Não pode o Recorrente conformar-se com a decisão recorrida, porquanto a mesma assenta em manifestos erros de apreciação: (i) de questões de Direito atinentes à amplitude do ato ilícito reconhecidamente imputável ao Recorrido, e (ii) de questões de facto e questões de Direito a respeito da verificação do nexo causal entre esse ato ilícito e os danos invocados pelo Recorrente nos referidos pontos do peditório.

2) Do incumprimento do dever de decisão em prazo razoável

III. O Tribunal a quo afirma corretamente que “assiste razão ao A. quando sustenta que existiu um atraso desrazoável na apreciação e decisão judicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB”, que “não foi respeitado o seu direito a uma decisão em prazo razoável” e que “está verificado o pressuposto do facto ilícito por atraso na realização da justiça por parte do R., consagrado no artigo 6.º da CEDH” (pág. 88 da sentença).

IV. Contudo, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento na delimitação da amplitude do ato ilícito imputável ao Recorrido, ao considerar a esse respeito que, para “computar o tempo de duração do processo que não se afigura imputável ao R., pode considerar-se que ao período de duração global do processo devem ser deduzidos pelo menos cerca de 4 anos” (pág. 87 da sentença).

Do grau de complexidade do processo n.º 2153/08.0TVLSB

V. A complexidade do processo 2153/08.0TVLSB constitui um dos principais critérios para a determinação da duração razoável desse processo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º n.º 4 da CRP e artigo 6.º da CEDH e de acordo com a jurisprudência do TEDH, que é sufragada pelos Tribunais Portugueses.

VI. A este respeito, o Tribunal a quo conclui, erradamente, que “o processo revelava uma elevada complexidade” (pág. 83 da sentença).

VII. A apreciação da pretensão do Recorrente no processo n.º 2153/08.0TVLSB implicava, simplesmente, a interpretação de uma cláusula do contrato de prestação de serviços celebrado entre o mesmo e a E..., na qual se previa a remuneração variável devida por serviços de assessoria económica e financeira a uma operação unitária de reestruturação societária.

VIII. Sendo certo que a celebração do referido contrato e a prestação dos correspondentes serviços pelo Recorrente havia sido confessada pela E... na contestação, e que os meios de prova juntos com os articulados permitiriam, como veremos, uma decisão de mérito em sede de saneador-sentença;

IX. Não tendo sido proferido esse despacho saneador-sentença, poderia apenas, eventualmente, restar como controvertido o facto de esses serviços terem incidido sobre a operação societária no seu todo e sobre o acordo global entre a E... e o C... que determinou cada um dos aspetos parcelares da mesma operação, e não apenas sobre uma parte dessa operação, como infundadamente pretendeu a E....

X. Face ao exposto, temos que o processo n.º 2153/08.0TVLSB revestia um grau de dificuldade/complexidade reduzida, ou em qualquer dos casos, não superior à média; pelo que o Tribunal a quo incorre num manifesto erro de julgamento ao afirmar que esse processo tinha “dificuldade técnica (média-alta)” – erro que desde já se invoca para todos os efeitos.

XI. Acresce, a propósito da “tramitação necessária” do referido processo, que a prova dos factos constitutivos do direito do aí Autor que ainda se pudessem considerar controvertidos após a contestação resultava de documentação junta com a PI, de documentos em poder da E... requisitados nesse mesmo articulado e ainda de documentos juntos com a contestação – documentação que, na relação que tinha com factos probandos, em si mesma não apresentava, nem uma extensão, nem um grau de complexidade acima da média.

XII. Reitere-se que, nos articulados do processo n.º 2153/08.0TVLSB foi igualmente junta, ou requerida a apresentação, de documentação emitida ou subscrita pela própria E... que era apta a comprovar que a operação assessorada pelo mesmo tinha carácter unitário e advinha, em todos os seus aspetos parcelares, de um acordo global entre a E... e o C... cuja celebração fora assessorada, também globalmente, pelo Recorrente.

XIII. Essa documentação contradizia frontalmente a tese apresentada pela E... na contestação quanto à base de cálculo da remuneração variável devida ao Recorrente e, repita-se, permitiria ao Tribunal proferir decisão de mérito em sede de despacho saneador sentença, declarando o pedido do aí Autor procedente (conforme veremos adiante); ou, pelo menos, permitiria encurtar substancialmente a fase de instrução, dando como assente a generalidade dos factos essenciais invocados pelo aí Autor.

XIV. Contudo, o Tribunal daquele processo, na fase de saneamento, demitiu-se inexplicavelmente de extrair qualquer consequência da documentação já junta aos autos, e não ordenou à E... que apresentasse a documentação relevante em sua posse;

XV. E formulou uma base instrutória desmesuradamente extensa que incluiu praticamente todos os factos alegados até aí, alheando-se dos elementos de prova já ao seu dispor, o que por sua vez obrigou a que as diligências de instrução da causa tivessem como objeto um elevado número de quesitos.

XVI. Consequentemente, a extensão, maior ou menor, da fase de instrução do processo n.º 2153/08.0TVLSB foi primariamente imputável ao Recorrido, sendo fruto do incumprimento dos seus deveres de seleção da matéria de facto, ao abrigo dos princípios da economia e agilização processual, na fase de saneamento e condensação daqueles autos.

XVII. A fase de instrução da causa sofreu ainda atrasos substanciais devido a sucessivos erros e irregularidades cometidas pelos serviços de secretaria do Tribunal da causa no âmbito da inquirição de testemunhas com residência em França e no Reino Unido, em aplicação do Regulamento (CE) n.º 1206/2001, conforme resulta de pontos 67 e segs., 73, 75, 76, 82, 86, 92, 93, 106 e 108 factos provados, e é reconhecido pelo Tribunal a quo quando refere que a “inquirição de testemunhas residentes em França e no Reino Unido foi particularmente morosa,” (v. pág. 84 da sentença).

XVIII. Face ao exposto, a “tramitação necessária” do processo n.º 2153/08.0TVLSB, na sua maior parte, não foi uma decorrência inerente ao objeto do processo, mas antes uma consequência de atos e omissões imputáveis ao Recorrido donde resultou a necessidade de diligências de prova extensivas;

XIX. Pelo que a extensão das diligências de prova naquele processo não deve ser tomada – ou, pelo menos, não deve ser inteiramente tomada – como fator de determinação do grau de complexidade desse processo, sob pena de beneficiarmos o Recorrido pelas irregularidades pelo próprio cometidas concedendo-lhe uma extensão do prazo de decisão.

XX. Acrescente-se que, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, o valor (elevado) do processo n.º 2153/08.0TVLSB não deve ser considerado um fator relevante para a determinação do grau de complexidade do mesmo, porquanto em nada representa e em nada implica as eventuais exigências técnico-jurídicas ou instrutórias do referido processo.

XXI. O que fica exposto a respeito das questões jurídicas e das questões de facto envolvidas no processo n.º 2153/08.0TVLSB leva a concluir que o mesmo tinha um grau de complexidade reduzido;

XXII. Ou, ainda que assim não se entendesse, sempre se deveria considerar demonstrado que esse processo não tinha um grau de complexidade superior à média.

XXIII. O que traduz um erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo na parte em que afirma que “o processo revelava uma elevada complexidade” (pág. 83 da sentença).

Da conduta processual do Recorrente no processo n.º 2153/08.0TVLSB

XXIV. Ao contrário do que é afirmado pelo Tribunal a quo (v. pág. 85 da sentença), o Recorrente acedeu prontamente à ordem de apresentação de traduções constante do despacho de 4/2/2009, proferido no processo n.º 2153/08.0TVLSB, o que fez por requerimento de 26/3/2009 e após um único pedido de prorrogação do prazo inicial de apenas 10 dias (v. pontos 25 e 26 dos factos provados).

XXV. A Ré E... suscitou sucessivas retificações, sem relevância substancial, quanto a essas traduções, o que, não obstante o espírito de colaboração demonstrado pelo aí Autor, levou a que só fosse possível apresentar as versões definitivas dos documentos traduzidos por requerimento de 14/8/2009.

XXVI. Foi semelhante atuação da E..., com a conivência do Tribunal do processo n.º 2153/08.0TVLSB, que gerou o alegado atraso “superior a 2 meses” que o Tribunal a quo procura imputar ao Recorrente em virtude da junção àqueles autos, em 5/6/2014, de traduções que haviam sido determinadas por despacho do Tribunal de 12/3/2014 (v. ponto ix. a pág. 86 da sentença).

XXVII. Em qualquer dos casos, junção de documentos, pelo Recorrente, cujas traduções houveram que ser apresentadas por requerimento de 5/6/2014, teve na sua origem a total desconsideração votada pelo Tribunal da causa aos elementos de prova de que dispunha aquando da fase de saneamento, o que por sua vez levou à fixação de uma base instrutória injustificadamente ampla e abrangente e concitou a necessidade de extensivas diligências de prova.

XXVIII. Acresce que, ao contrário do que pretende, erradamente, o Tribunal a quo, não poderão ser imputados ao Recorrente os supostos atrasos decorrentes da reclamação quanto à seleção da matéria de facto constante do despacho saneador (v. ponto iv. da pág. 85 da sentença), da invocação de nulidades processuais em duas ocasiões (v. pontos vi. e vii. da pág. 86 da sentença) e da invocação da extemporaneidade de umas contra-alegações de recurso da E..., no âmbito de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (v. pontos x. e xi. da pág. 86 da sentença).

XXIX. Tem sido pacificamente entendido pelo TEDH, e sufragado pelos Tribunais Superiores Portugueses, que as eventuais demoras causadas pelo exercício de direitos processuais pelas partes num determinado processo judicial, mormente o contraditório, não poderão ser imputadas ao correspondente sujeito processual.

XXX. Nessas situações, as demoras incorridas pelo Recorrido não se consideram justificadas, dado que é ao mesmo que incumbe dotar o sistema judicial de meios que permitam uma decisão em tempo útil quanto a qualquer incidente suscitado pelas partes a abrigo de direitos processuais legítimos – excetuando-se apenas os casos de exercício abusivo dos referidos direitos processuais, o que in casu não se verifica nem foi alegado, e muito menos demonstrado pelo Recorrido.

Delimitação da duração excessiva do processo n.º 2153/08.0TVLSB

XXXI. Tendo ficado demonstrado que o processo n.º 2153/08.0TVLSB tem um grau de complexidade reduzido – ou, em qualquer dos casos, não superior à média – e que a eventual extensão da respetiva fase de instrução não é imputável ao Recorrente, resta concluir, em conformidade com a jurisprudência do TEDH e dos Tribunais Superiores Portugueses, que a duração razoável desse processo em 1.ª instância deve ser fixada em dois anos – ou, em qualquer dos casos, em duração nunca superior a três anos.

XXXII. Fica assim demonstrado que a afirmação feita na sentença, e aí tomada como premissa decisória, de que “pode considerar-se que ao período de duração global do processo devem ser deduzidos pelo menos cerca de 4 anos”, assenta num manifesto erro de julgamento quanto à delimitação, em concreto, do dever de decisão em prazo razoável.

XXXIII. O erro de julgamento em questão decorre de uma errada interpretação do disposto no artigo 20.º n.º 4 da CRP, artigo 6.º da CEDH e artigo 2.º n.º 1 do Código de Processo Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de dezembro de 1961, na redação em vigor aquando da instauração do processo n.º 2153/08.0TVLSB, o que desde já se invoca ao abrigo do disposto no artigo 639.º n.º 2 do CPC.

XXXIV. O que é dizer que o processo n.º 2153/08.0TVLSB, iniciado em 25/7/2008, deveria ter sido concluído, em 1.º instância, até 25/7/2010, tornando-se a sua duração excessiva em 1.º instância logo que ultrapassada essa data;

XXXV. Ou, na hipótese subsidiária, que se admite por mera cautela de patrocínio, de a esse processo corresponder uma duração razoável de 3 anos em 1.ª instância, sempre o mesmo deveria ter ficado concluído em 25/7/2011, tornando-se a sua duração excessiva a partir dessa data.

XXXVI. O facto de ter sido interposto recurso de apelação e, depois, de revista da decisão final do referido processo não poderá relevar para a determinação da duração razoável do mesmo, porquanto nesses recursos não foi apreciado o mérito da causa, mas apenas a questão da inutilidade superveniente da lide.

XXXVII. Ainda que assim não se entenda, o que se concebe por mera hipótese de raciocínio, sempre haveria que concluir que a duração do referido processo em sede de recurso não deveria ter sido superior a 1 ano, tendo-se tornado excessiva, e por isso ilícita, a partir do momento em que transcorreu esse prazo.

XXXVIII. Das conclusões que antecedem resulta uma outra, da maior relevância: aquando da declaração de insolvência da E..., em 10/10/2014 (v. ponto 227 dos factos provados), já o processo n.º 2153/08.0TVLSB tinha uma duração excessiva, pois que se encontrava ainda a correr termos em 1.ª instância.

3) Dos danos relevantes e do nexo causal

XXXIX. A sentença recorrida incorre em erros de julgamento a respeito de questões de facto e de questões de Direito quanto à determinação dos danos patrimoniais (pontos i), ii), iii) e iv) do pedido) sofridos pelo Recorrente, e quanto ao nexo causal entre esses danos e o ato ilícito reconhecidamente praticado pelo Recorrido.

Da aplicabilidade da doutrina da perda de chance processual

XL. A doutrina da perda de chance surgiu como resposta a insuficiências identificadas nas orientações doutrinárias tradicionais sobre o nexo de causalidade e com o fito de concretizar o imperativo de imputar danos a um ato ilícito que cause uma diminuição da probabilidade de concretização duma vantagem futura na esfera do lesado, ou que inviabilize de todo essa vantagem futura.

XLI. Da referida doutrina, releva para o caso a modalidade da perda de chance processual, que faz a aludida vantagem futura corresponder à chance de vencimento de uma ação judicial por parte do respetivo Autor.

XLII. A doutrina da perda de chance, incluindo a sua modalidade de perda de chance processual, tem sido pacificamente aceite pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, tanto da jurisdição cível como da administrativa.

XLIII. Também o TEDH já proferiu decisões condenatórias de Estados membros no pagamento de indemnizações correspondentes à probabilidade de vencimento de particulares em causas judiciais, que tenha resultado frustrada, seguindo uma orientação em tudo correspondente à doutrina da perda de chance (por exemplo, caso Lechner e Hess contra Áustria e caso Martins Moreira contra Portugal).

XLIV. A aplicação da doutrina da perda de chance (processual) ao caso sub judice pressupõe que o Recorrente demonstre a existência de uma probabilidade séria e consistente de que obteria vencimento na ação intentada contra a E..., não tivesse o Recorrido incorrido num atraso ilícito na tramitação desse processo e tivesse, ao invés e como era devido, proferido uma decisão de mérito dentro de um prazo razoável.

XLV. Posto isto, conclui-se que o Tribunal a quo, ao afirmar que não há “necessidade de apreciar qual o grau de probabilidade de a ação n.º 2153/08.0TVLSB ser julgada procedente” (v. pág. 101), labora em manifesto error in judicando, radicado numa errada interpretação das normas que disciplinam a causalidade e o dano em contexto de responsabilidade civil, mais especificamente dos artigos 563.º e segs. do Código Civil – o qual desde já se invoca ao abrigo do disposto no artigo 639.º n.º 2 do CPC.

Da probabilidade real e séria de procedência do pedido formulado pelo Recorrente no processo n.º 2153/08.0TVLSB

XLVI. Em 25/7/2008 o Recorrente moveu uma ação declarativa de condenação contra a E..., fundada na falta de pagamento de um parcial da remuneração variável devida ao abrigo de um contrato de prestação de serviços de consultoria e assessoria económica a uma operação de reestruturação global, acordada entre a E... e o C..., quanto à titularidade do capital de sociedades detidas em conjunto por essas duas entidades, no qual se incluía o B... e a C..., conforme resulta do documento n.º 1 junto à PI.

XLVII. A operação societária globalmente assessorada pelo Recorrente veio a concretizar-se em 2006 e materializou-se na venda dos seguintes ativos, conforme resulta do documento n.º 4 da petição inicial junta como documento n.º 1 da PI destes autos e documento n.º 2 do requerimento da Ré E... de 2/5/2011, que integra o documento n.º 26 da PI:

i) a totalidade do capital social da C..., pelo valor de € 950.000.000,00 (novecentos e cinquenta milhões de euros), a favor do C... na proporção de 50% e a favor do B... na proporção de 50%; de referir que, de acordo com o mesmo documento, uma parte do capital social da C... que iria ser transacionada, correspondente a 9,5%, era à data titulada por uma sociedade veículo sediada no offshore de Jersey;

ii) metade do capital social da E... Companhia de Seguros, S.A., pelo valor de € 40.000.000,00 (quarenta milhões de euros),

iii) tudo num valor agregado de € 990.000.000,00 (novecentos e noventa milhões de euros).

XLVIII. A remuneração variável peticionada pelo Recorrente na referida ação judicial, no valor de € 2.854.839,43, correspondia a 0,4% do valor agregado de € 990.000.000,00 recebido pela E..., nos termos acima referidos, em conformidade com a cláusula 3.º do contrato de prestação de serviços junto como documento n.º 1 à petição inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB, por sua vez junta como documento n.º 1 à PI destes autos.

XLIX. Ficou aí demonstrado que o Recorrente prestou efetivamente à E... os serviços de assessoria contratados por esta, tendo esse facto sido genericamente admitido na contestação da ali Ré (v. artigos 33 e segs. da contestação junta como documento n.º 4 à PI).

L. Ficou igualmente demonstrado que a operação societária assessorada pelo Recorrente teve carácter unitário e foi fruto de negociações entre os dois Grupos Económicos em presença: de um lado, o Grupo E...(encabeçado pela holding E...), e de outro lado o Grupo C....

LI. E que todos os aspetos – mormente, todas as transferências de ativos – que compõem a transação final em que se materializaram essas negociações (repita-se: assessoradas globalmente pelo Recorrente) foram decorrência direta e exclusiva do acordo, da concertação de interesses, alcançada entre a E..., por um lado, e o C..., por outro lado.

LII. Os elementos de prova essenciais e determinantes dos pontos anteriores consistem em documentos juntos, ou requeridos, na petição inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB, a saber:

i) o “Acordo Preliminar”, cujo instrumento constitui documento n.º 4 da Petição Inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB, junta à PI como documento n.º 1, e cuja versão assinada é junta ao requerimento apresentado pela E... em 2/5/2011 nesses autos, cuja cópia é junta à PI como documento n.º 26;

ii) o subsequente “Term Sheet”, cujo instrumento constitui documento n.º 5 da Petição Inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB, junta à PI como documento n.º 1, e cuja versão assinada é junta ao requerimento apresentado pela E... em 2/5/2011 nesses autos, cuja cópia é junta à PI como documento n.º 26;

iii) o “Acordo-Quadro Definitivo”, cuja versão assinada integra o requerimento apresentado pela E... em 2/5/2011, cuja cópia é junta à PI como documento n.º 26; iv) Comunicações ao mercado do B... e da C... (junta à petição inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB como documento n.º 15) e da Ré E... e do CAS (junta como documento n.º 9 à Réplica do processo n.º 2153/08.0TVLSB, que por sua vez é junta à PI destes autos como documento n.º 5) que tornaram pública a operação societária em causa;

iv) O relatório anual de 2006 da Ré E... (junto como documento n.º 12 à Réplica do processo n.º 2153/08.0TVLSB), que evidencia que a operação global e unitária assessorada pelo Recorrente foi feita nos precisos termos do sobredito “Acordo Preliminar”, plasmados e regulados no subsequente “Term Sheet” e transpostos para o “Acordo-Quadro Definitivo”.

LIII. A RÉ E... contestou a referida ação judicial – v. documento n.º 4 da PI, propugnando, em suma, de que os serviços de assessoria prestados pelo Recorrente – serviços que, em si mesmos, não pôs em causa – apenas teriam visado a transmissão de 50% do capital social da C... ao C... e não também a transmissão dos restantes 50% da C... a favor do B....

LIV. E que as negociações que conduziram à venda do capital social da C... ao C... decorreram autonomamente e não influenciaram a venda da parte restante do capital da C... ao B....

LV. Contudo, o teor dos próprios articulados apresentados nesses autos e a documentação aí junta ou requerida, evidencia a falta de fundamento da suposta tese da E...:

LVI. Assim, primeiro, a pretensa separação entre a venda de 50% do capital social da C... ao C... e a venda dos restantes 50% ao B... simplesmente não encontra apoio, sequer indiciário, nos documentos juntos ao processo judicial subjacente que corporizam os acordos entre a E... e o C... que conduziram às referidas vendas,

LVII. Com destaque para o Acordo Preliminar, que é a primeira expressão do acordo entre a E... e o C... que culminou na operação tal como descrita supra, e para os subsequentes Term Sheet e Acordo-Quadro Definitivo, que mais não são do que uma concretização e regulamentação do conteúdo do Acordo Preliminar.

LVIII. Segundo, o contrato de prestação de serviços entre o Recorrente e a E... não permite uma separação entre as vendas do capital da C... ao C..., por um lado, e ao B..., por outro lado, para efeitos do cálculo da remuneração variável prevista nas cláusulas 1.ª e 3.ª, das quais resultava com clareza que a base de cálculo seria o valor de venda do capital social da C..., independentemente de qual visse a ser o comprador.

LIX. Terceiro, teria sido simplesmente impossível que a E... tivesse determinado unilateralmente e à margem de um acordo prévio com o C... a aquisição, pelo B..., de 50% da C....

LX. Essa operação sempre dependeria do expresso acordo do C... pois o mesmo era acionista de referência no B..., sendo titular de participações diretas e indiretas (por intermédio da B...PAR) e que sempre impediria que a correspondente aquisição de 50% da C... fosse feita sem o expresso acordo do C..., conforme resulta de organigramas juntos pela E... à contestação como documentos n.º 2 e n.º 16 (todos incluídos no documento n.º 4 junto à PI destes autos).

LXI. Quarto, resulta do Acordo Preliminar (v. ponto 3) que a aquisição, pelo B..., de 50% do capital social da C... dependeria de um prévio aumento do capital do B... no qual teriam que participar tanto a E... como o C..., o que implica, por si só, que a referida aquisição pelo B... sempre dependeria, como efetivamente dependeu, do acordo e intervenção do C..., e nunca apenas de uma manifestação de vontade unilateral da E....

LXII. Quinto, da operação de reestruturação globalmente assessorada pelo Recorrente resultou, para o C..., uma posição acionista dominante na C..., equivalente a 61,2% (50% decorrentes de participação direta, e 11,2% decorrentes de participações indiretas, quer no B..., quer na B...PAR que por sua vez é acionista do B...), ao passo que, para a E..., resultou daí uma participação indireta e minoritária na C... (v. organigramas juntos à contestação da E..., acima referidos).

LXIII. Pelo que a aquisição, pelo B..., de 50% da C... operou acima de tudo no interesse do C..., em moldes de o tornar o acionista dominante da C... – tudo, aliás, em alinhamento com o objetivo global da operação de reestruturação assessorada pelo Recorrente, devidamente delineado no Acordo Preliminar e observado ao longo de toda a operação até ao Acordo-Quadro Definitivo.

LXIV. Sexto, a contestação da Ré esbarra com um elemento de prova determinante: a minuta de declaração de quitação, mediante um pagamento de € 3.010.000,00, remetida pela E... ao Recorrente, e junta como documento n.º 8 à petição inicial da ação aqui subjacente, e que por seu turno é junta como documento n.º 1 à PI destes autos.

LXV. Conforme resultou demonstrado, pela conjugação da petição inicial (documento n.º 1 da PI) e da contestação da E... (documento n.º 4 da PI), a declaração de quitação em causa foi remetida ao Recorrente no âmbito de uma tentativa de resolução por acordo do litígio em torno do valor da remuneração variável, ainda antes da instauração da ação judicial aqui subjacente.

LXVI. Contudo, vemos aí a E... a abandonar o valor que sempre pretendera ser o devido (correspondente a 0,4% sobre o valor de venda de 40,5% do capital da C... ao C...) e a propor um valor mais alto, numa manifesta incoerência com a posição anteriormente (e posteriormente na contestação) assumida.

LXVII. O que evidencia que a pretensão a calcular a referida remuneração variável com base no valor de venda de 40,5% do capital da C... não era séria nem suportada pela realidade dos factos, no que aos serviços de assessoria prestados pelo Recorrente diz respeito, antes radicando numa tentativa de obter um desconto num valor efetivamente devido e pressupondo um reconhecimento implícito desse, conforme reclamado pelo Recorrente.

LXVIII. Conclui-se, globalmente, que a ponderação do mérito da pretensão do Recorrente, no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, com base numa apreciação crítica dos elementos aí aduzidos pelas partes, levaria, com elevadíssimo grau de probabilidade, ao proferimento de uma sentença de condenação da E... no pagamento da totalidade do valor peticionado pelo Recorrente, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos.

LXIX. Conexamente, haverá que concluir que a decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo incorre num manifesto error in judicando, ao não considerar provados os seguintes factos, que, tendo sido alegados na PI (v. artigos 238 a 404, 512, 525, 551 e 608), resultam comprovados a partir da apreciação crítica dos elementos documentais descritos acima:

- A ação intentada pelo Recorrente contra a E... fundava-se num contrato de prestação de serviços celebrado entre o Autor e a E...;

- O Recorrente prestou, ao abrigo desse contrato, serviços de consultoria e assessoria económica a uma operação de reestruturação global, acordada entre a E... e o C..., quanto a um conjunto de sociedades detidas em conjunto por essas duas entidades, no qual se incluía o B... e a C..., a qual se concretizou em 2006.

- A operação societária globalmente assessorada pelo Recorrente materializou-se na venda de um conjunto de ativos titulados pela E..., a saber:

i) a totalidade do capital social da C..., pelo valor de € 950.000.000,00 (novecentos e cinquenta milhões de euros), a favor do C... na proporção de 50% e a favor do B... na proporção de 50%; de referir que, de acordo com o mesmo documento, uma parte do capital social da C... que iria ser transacionada, correspondente a 9,5%, era à data titulada por uma sociedade veículo sediada no offshore de Jersey;

ii) metade do capital social da E...Companhia de Seguros, S.A., pelo valor de € 40.000.000,00 (quarenta milhões de euros),

iii) tudo num valor agregado de € 990.000.000,00 (novecentos e noventa milhões de euros).

- A ação intentada pelo Recorrente contra a E... visava a condenação desta no pagamento de um parcial da remuneração variável no valor de € 2.854.839,43, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, correspondente a 0,4% do referido valor agregado de € 990.000.000,00 recebido pela E..., em conformidade com a cláusula 3.º do contrato de prestação de serviços.

- Ficou comprovado na ação intentada pelo Recorrente contra a E... que aquele prestou efetivamente à E... os serviços de assessoria contratados por esta.

- Ficou aí igualmente demonstrado que a operação societária assessorada pelo Recorrente resultou de negociações entre os dois Grupos Económicos em presença: de um lado, o Grupo E...(encabeçado pela holding E...), e de outro lado o Grupo C....

- E que todos os aspetos – mormente, todas as transferências de ativos – que compõem a transação final em que se materializaram essas negociações foram decorrência direta e exclusiva do acordo, da concertação de interesses, alcançada entre a E..., por um lado, e o C..., por outro lado.

- Verifica-se um elevado grau de probabilidade de condenação da E... no pedido formulado pelo Autor no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, com base numa apreciação crítica do que ficou alegado e dos elementos de prova documental juntos a esses autos.

LXX. Pelo que se requer o aditamento à matéria assente dos factos vindos de elencar, nos termos do disposto no artigo 640.º n.º 1, alínea c), e 662.º n.º 1 do CPC.

LXXI. Conclui-se também, a título de questão de Direito, e com base na consistência dos elementos avançados acima, que o grau de probabilidade a atribuir ao referido desfecho processual que resultaria de uma apreciação de mérito da ação n.º 2153/08.0TVLSB se cifra em 100%.

LXXII. Não obstante, admitindo por mera hipótese de raciocínio que assim não se entenda, sem conceder, sempre deverá esse grau de probabilidade ser fixado em valor superior a 50%.

Do dano da frustração do crédito sobre a E... e respetivo nexo causal (al. d) do petitório)

LXXIII. A respeito do dano aqui relevante, temos que a declaração de insolvência da E... gerou uma situação de impossibilidade prática de o Recorrente ver satisfeito o seu crédito sobre a mesma, ainda que em parte, sendo esse facto aceite expressamente pelo próprio Recorrido (v. pontos 229 a 232.º da contestação).

LXXIV. Consequentemente, a vantagem que o Recorrente poderia, legitimamente, esperar obter com a decisão justa e em prazo razoável do processo n.º 2153/08.0TVLSB – qual seja uma sentença condenatória que constituiria título executivo contra a E... – resultou totalmente neutralizada em consequência da frustração das expectativas de pagamento do seu crédito.

LXXV. Deverá, ao abrigo do disposto no artigo 640.º n.º 1, alínea c) e 662.º n.º 1 do CPC, ser dado como provado o seguinte facto, devidamente alegado na PI (v. pontos 403, 533, 555, 567 e 609):

- Não há qualquer expectativa plausível de que o crédito do Autor sobre a E... venha a ser satisfeito, sequer parcialmente, em virtude da situação de insolvência desta.

LXXVI. Incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento, ao não ter julgado esse facto como provado, o qual desde já se invoca para todos os efeitos.

LXXVII. A respeito do nexo causal, considere-se que o disposto no artigo 563.º do Código Civil, deve aqui ser interpretado à luz da doutrina da perda de chance, em conjugação com a teoria da causalidade adequada na sua vertente negativa, que postula que só deverá ser excluída do encadeamento causal do dano aquele evento que tenha sido absolutamente indiferente para a produção do mesmo.

LXXVIII. O Recorrente moveu a ação judicial n.º 2153/08.0TVLSB por ser essa a única forma de obter a cobrança coerciva do seu crédito, à luz do princípio disposto no artigo 1.º do CPC, e por força da conformação do sistema jurídico Português, assente na proscrição da autotutela, tal como conformado pelo Recorrido nas vestes de Estado-legislador.

LXXIX. Com a instauração da referida ação, o Recorrido colocou a realização do seu direito de crédito na estrita dependência da atuação do Recorrido, e este, em contrapartida, ficou incumbido no dever de providenciar uma decisão justa e em prazo razoável para o litígio, o qual emerge do princípio fundamental previsto no artigo 20.º n.º 4 da CRP e é ainda um postulado da tutela do direito fundamental à propriedade previsto no artigo 62.º da CRP.

LXXX. A função tutelar do dever de decisão em prazo razoável incumbente ao Recorrido tem o escopo de prevenir a concretização de uma série de riscos inerentes a qualquer crédito em situação de incumprimento, a partir do momento em que o mesmo é sujeito a apreciação judicial, nomeadamente, o risco de desaparecimento da garantia geral desse crédito – o património do devedor – o que é dizer: o risco de insolvência.

LXXXI. Pelo que, com a instauração da ação judicial em causa em termos perfeitamente regulares, como foi o caso, os referidos riscos e os correspondentes danos – que até aí corriam apenas por conta do Recorrente/titular do direito – passam a correr também por conta do Recorrido, a partir do momento em que se verifique o incumprimento do dever tutelar de decidir em prazo razoável.

LXXXII. Resulta das conclusões alcançadas supra quanto à duração razoável do processo que o incumprimento, pelo Recorrido, do dever de decisão em prazo razoável, com referência ao processo n.º 2153/08.0TVLSB, tendo ocorrido em 25/7/2010 ou, subsidiariamente, em 25/7/2011, teve início em data anterior à produção do dano resultante da declaração de insolvência da E... em outubro de 2014.

LXXXIII. Mas resulta também da posição do Tribunal a quo a respeito da duração razoável desse mesmo processo, ao postular a subtração de 4 anos à duração total do mesmo, que a declaração de insolvência da E..., com os danos daí decorrentes, teve lugar quando o Recorrido já estava em incumprimento do seu dever de decisão em prazo razoável.

LXXXIV. O mesmo será dizer que, tivesse o Recorrido cumprido o seu dever de decisão em prazo razoável:

i) haveria uma elevada probabilidade de se ter concretizado a legítima expectativa do Recorrente a obter uma decisão de mérito no processo n.º 2153/08.0TVLSB no sentido da condenação da E... no pagamento do seu crédito, fruindo do inerente título executivo; ii) essa decisão condenatória teria sido proferida em data muito anterior à declaração da insolvência da E..., não se colocando qualquer obstáculo à solvência do crédito.

LXXXV. E, o que é mais, ainda que a E... recorresse dessa sentença, sempre o recurso estaria limitado a uma duração razoável de 1 ano, de acordo com o entendimento postulado pelo TEDH e sufragado pelos Tribunais Portugueses, pelo que mesmo nessa hipótese, a duração razoável global do processo permitiria o proferimento de uma sentença condenatória da E... em data consideravelmente anterior à situação de insolvência desta.

LXXXVI. Para corroborar a elevada probabilidade de satisfação do crédito, se o Recorrido tivesse decidido em prazo razoável, acresce dizer que as regras da experiência ditam que, após o proferimento da referida sentença condenatória com trânsito em julgado, a E... pagaria voluntariamente o seu crédito, sem necessidade duma execução, por razões gerais de reputação, credibilidade e imagem comercial, que eram e são fulcrais para a subsistência de entidades financeiras de elevado perfil, como era o caso da E....

LXXXVII. Ainda que assim não fosse, o Recorrente sempre ficaria habilitado a intentar de imediato um processo executivo, assegurando a cobrança do seu crédito mesmo antes, e independentemente, do trânsito em julgado da decisão.

LXXXVIII. Ademais, qualquer eventual causa de não-pagamento, pela E..., do crédito em que viesse a ser condenada sempre se configuraria como uma causa virtual, a qual é reconhecidamente irrelevante no âmbito da responsabilidade civil no ordenamento Português.

LXXXIX. Por conseguinte, deverá ser dada como provado, enquanto facto, a existência de nexo causal entre o ato ilícito imputável ao Recorrido e o dano sofrido pelo Recorrente correspondente à frustração do seu crédito sobre a E..., acrescentando-se o seguinte ponto aos factos provados, em conformidade com o alegado nos artigos 14, 568 e segs. e, em especial, 609 da PI, o que se requer nos termos dos artigos 640.º n. 1, alínea c), e 662.º n.º 1 do CPC:

- A duração excessiva do processo n.º 2153/08.0TVLSB foi causa relevante da frustração do crédito do Autor sobre a E....

XC. Incorrendo a sentença recorrida num manifesto erro de julgamento, ao não ter julgado esse facto como provado, o qual desde já se invoca para todos os efeitos.

Das despesas com custas judiciais, traduções e honorários e respetivo nexo causal (alíneas a), b) e c) do petitório)

XCI. O Recorrente incorreu num conjunto de despesas de valor avultado no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, a título de custas judiciais, honorários e Advogados e serviços de tradução de documentos, que consubstanciaram um investimento assente na legítima confiança/expectativa de vir a obter uma decisão de mérito em prazo razoável, independentemente do respetivo conteúdo.

XCII. Vimos já que, tivesse o Recorrido cumprido o seu dever de decisão em prazo razoável, e teria tido oportunidade, nas vestes do Tribunal da causa, de apreciar o mérito do processo n.º 2153/08.0TVLSB muito antes da declaração de insolvência da E..., isto é, muito antes da superveniência da causa da inutilidade da lide, que veio a ser declarada na decisão final.

XCIII. Consequentemente, a atuação ilícita do Recorrido, ao ter ultrapassado amplamente a duração razoável do processo em questão resultou na perda da chance, da mera possibilidade, de o Recorrente obter uma decisão de mérito quanto ao seu pedido, nos termos do disposto no artigo 20.º n.º 4 da CRP.

XCIV. A interpretação do artigo 563.º do Código Civil à luz da doutrina da causalidade adequada na sua vertente negativa, conjugada com a doutrina da perda de chance, postula que o ato ilícito praticado pelo Recorrido figure como causa relevante da frustração/inutilização do propósito do referido investimento do Recorrente em custas processuais, traduções e serviços de Advocacia, as quais se traduzem num dano negativo, ou de confiança.

XCV. Haverá que verter para a decisão sobre a matéria de facto a verificação do nexo causal entre o ato ilícito do Recorrente e os referidos danos, tempestivamente invocados no artigo 555 e segs. da PI, mediante o aditamento do seguinte facto ao acervo de factos assentes, o qual se requer nos termos dos artigos 640.º n. 1, alínea c), e 662.º n.º 1 do CPC:

- A duração excessiva do processo n.º 2153/08.0TVLSB foi causa relevante e atendível da frustração dos investimentos de confiança realizados pelo Autor em vista da apreciação do mérito dessa causa, correspondentes ao valor das custas judiciais, dos serviços de patrocínio forense e de traduções de documentos.

XCVI. O dano assim produzido deverá ser liquidado pelo valor correspondente às despesas realizadas pelo Recorrente, nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil,

XCVII. Relevando, por isso, acrescentar à matéria assente os montantes que servirão de base à liquidação do dano, o que se requer nos termos dos artigos 640.º n. 1, alínea c), e 662.º n.º 1 do CPC:

- O Autor pagou custas processuais a título de taxa de justiça no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, em montante a determinar em sede de execução de sentença.

- O Autor pagou € 76.148,01 a título de honorários por serviços de patrocínio forense no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB.

- O Autor pagou € 16.382,54 por serviços de tradução e retroversão de documentos apresentados no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, em conformidade com o aí ordenado pelo Tribunal.

XCVIII. Cabendo invocar o manifesto erro de julgamento da decisão recorrida sobre a matéria de facto, ao não ter dado como provados os factos elencados acima.

Do direito do Recorrente a indemnização

XCIX. Face ao que fica exposto, requer-se seja reconhecido ao Recorrente o direito a ser indemnizado pelo Recorrido pelo valor total do crédito do Recorrente sobre a E..., correspondente a de € 2.854.839,43 (dois milhões oitocentos e cinquenta e quatro mil oitocentos e trinta e nove euros e quarenta e três cêntimos), acrescido de juros vencidos à taxa legal de 4%, a liquidar em sede de execução de sentença, bem como juros vincendos até integral pagamento;

C. Ou, admitindo por mera hipótese que assim não se entenda, e tomando ainda por base o enquadramento expedido supra quanto ao grau de probabilidade de condenação da E..., sempre se requer que o montante da indemnização devida ao Recorrente seja fixado mediante critérios de equidade, embora nunca em proporção inferior a 50%;

CI. Mais se requer, cumulativamente, seja reconhecido o direito do Recorrente a indemnização pelos danos decorrentes da violação do direito de ação do Recorrente, traduzidos na frustração do investimento de confiança que o mesmo fizera no processo n.º 2153/08.0TVLSB, a saber:

i) custas processuais já pagas e, eventualmente, ainda a pagar, em valor a liquidar em sede de execução de sentença; ii) pagamento de serviços de patrocínio forense, no valor de € 76.148,01; iii) pagamento de serviços de tradução de documentos, no valor de € 16.382,54.

CII. Devendo, em conformidade, ser revogada a decisão recorrida na parte em que indefere os pedidos ressarcitórios correspondentes aos danos acima elencados, com fundamento em manifesto erro de julgamento, assente na errada interpretação do disposto nos artigos 562.º e 562.º do Código Civil, nomeadamente dos critérios aí presentes para determinação do nexo causal e do dano em sede de responsabilidade civil.

4) Reforma quanto a custas: dispensa do remanescente da taxa de justiça

CIII. O Tribunal a quo não se pronunciou, na decisão recorrida, quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 7 do RCP.

CIV. Tendo o valor da presente causa sido fixado em € 5.559.630,64, o remanescente da taxa de justiça resultante da aplicação da tabela I do RCP, corresponderia à cifra astronómica de € 64.683,88 (sessenta e quatro mil seiscentos e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos).

CV. Requer a V. Exas. seja a decisão recorrida objeto de reforma em matéria de custas, nos termos do disposto no artigo 616.º n.º 1 e n.º 3 do CPC (aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA), nos seguintes termos:

CVI. O grau de complexidade – reduzido ou, em qualquer dos casos, não acima da média – dos presentes autos, e a postura de boa fé e de cooperação processual desde início demonstrada pelo Recorrente impõem a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mediante um juízo de proporcionalidade nos termos do artigo 6.º n.º 7 do RCP.

CVII. Admitindo por hipótese que assim não se entenda, e sem conceder, sempre se requer, por mera cautela, que o Recorrente seja dispensado do pagamento da taxa de justiça na proporção julgada equitativa, nos termos do artigo 6.º n.º 7 do RCP.

Nestes termos, requer a V. Exas. seja a sentença recorrida revogada, na parte em que indefere os pedidos ressarcitórios das alíneas i), ii), iii) e iv), com fundamento em erro de julgamento em matéria de facto e de Direito, e substituída por outra, nos termos da qual:

i.a) Seja o Réu condenado no pagamento de indemnização ao Recorrente correspondente ao valor das custas judiciais pagas no âmbito do processo judicial intentado contra a E..., por lhe ser imputável a frustração do efeito útil do mesmo, nos termos do disposto no artigo 12.º do RCEE; ou, subsidiariamente e para o caso de assim não se entender, o que só por mera hipótese se concebe,

i.b) Seja o Réu condenado no pagamento de indemnização correspondente à proporção das referidas custas judiciais despendidas em direta consequência do incumprimento do dever de decisão em prazo razoável;

ii.a) Seja o Réu condenado no pagamento de indemnização ao Recorrente no valor de € 76.148,01 (setenta e seis mil cento e quarenta e oito euros e um cêntimo), acrescido de juros vencidos no valor de € 14.728,90 (catorze mil setecentos e vinte e oito euros e noventa cêntimos), e juros vincendos até integral pagamento, correspondente ao valor pago pelo Recorrente pelos serviços de advocacia, no âmbito da sobredita ação judicial, por lhe ser imputável a frustração do efeito útil da mesma, nos termos do disposto no artigo 12.º do RCEE; ou, na hipótese subsidiária de assim não se entender, que se admite por mero dever de patrocínio e sem conceder,

ii.b) Seja o Réu condenado no pagamento de indemnização em valor correspondente à proporção dos referidos honorários que se venha a considerar terem sido necessários em direta consequência do incumprimento do dever de decisão em prazo razoável;

iii) Seja o Réu condenado no pagamento de indemnização ao Recorrente no valor de € 16.382,54 (dezasseis mil trezentos e oitenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescido de juros vencidos no valor de € 3.168,79 (três mil cento e sessenta e oito euros e setenta e nove cêntimos) e juros vincendos até integral pagamento, correspondente às despesas incorridas com traduções de um conjunto de documentos, por lhe ser imputável a frustração do efeito útil da mesma, nos termos do disposto no artigo 12.º do RCEE;

iv.a) Seja o Réu condenado no pagamento de indemnização ao Recorrente no valor de € 4.524.125,06 (quatro milhões quinhentos e vinte e quatro mil cento e vinte e cinco euros e seis cêntimos) acrescido de juros vencidos no valor de € 875.077,34 (oitocentos e setenta e cinco mil e setenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos) e juros vincendos até integral pagamento, correspondente à totalidade do crédito do Recorrente sobre a E... que resultou frustrado em virtude da ausência de uma decisão justa em prazo razoável no processo judicial acima identificado e cujo reconhecimento judicial se afiguraria altamente provável; ou, subsidiariamente e admitindo por mera hipótese que assim não entenda, sem conceder,

iv.b) Seja o Réu condenado no pagamento de indemnização com o mesmo fundamento, em valor a fixar equitativamente na proporção do grau de probabilidade de sucesso que se venha a aferir no âmbito do processo judicial intentado pelo Recorrente contra a E....

O Ministério Público, em representação do Estado Português, ora recorrido, pugnou pela manutenção da sentença.


Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.


Objeto do recurso:
Atentas as conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por determinar se a sentença recorrida incorreu em:
i) erro de julgamento de facto por omissão de factos relativamente ao dano patrimonial perda de chance e frustração do crédito e ao nexo causal;

ii) erros de julgamento de direito relativamente à amplitude do ato ilícito e à verificação do dano patrimonial perda de chance e frustração do crédito e nexo causal entre o ato ilícito e aqueles danos patrimoniais.

iii) Vem ainda pedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Fundamentação
De facto.
A matéria de facto provada é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, nº 6 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA. Não obstante vir impugnada a decisão de facto, o certo é que a pretensão do recorrente é no sentido do aditamento de factos e não da eliminação e/ ou da alteração dos factos do probatório.

O Direito
O presente recurso tem por objeto a sentença proferida na presente ação administrativa, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português, por violação do direito a obter justiça em prazo razoável no processo nº 2153/08.0TVLSB, na parte em que julgou improcedentes os pedidos indemnizatórios por danos patrimoniais, resultantes das custas judiciais, dos serviços de advocacia, dos serviços conexos (como traduções de documentos) e do crédito do autor sobre a E...Financial Group, S.A. naquele processo.
O autor intentou a ação nº 2153/08.0TVLSB, declarativa de condenação, de natureza não urgente, no Tribunal de Comarca de Lisboa, em 25.7.2008, contra a E...Financial Group, S.A., sociedade de direito Luxemburguês, com sede no Luxemburgo. A ação terminou com decisão de extinção da instância, por inutilidade da lide, transitada em julgado a 19.9.2018, em virtude da ré E... ter sido declarada insolvente em 10.10.2014.
Nessa lide, o autor peticionou o pagamento duma parcela variável da sua remuneração, devida ao abrigo de contrato de prestação de serviços celebrado com a ré, tendo por objeto consultoria e assessoria económica e financeira a uma operação de reestruturação global do Grupo E...(incluindo a E... e o B...), acordado com o C..., S.A., que se concretizou em 2006.
O tribunal recorrido reconheceu que, no caso concreto, a duração total do processo, contado desde a data da propositura da petição inicial até ao momento da sua extinção, de cerca de 10 anos (mesmo tendo em consideração os períodos de duração não imputáveis ao tribunal), implicou, globalmente, a ultrapassagem do prazo razoável.
E, assim, julgou verificado o pressuposto do facto ilícito por atraso na realização da justiça por parte do réu, especificamente, por força da demora ocorrida na sua fase instrutória do processo nº 2153/08, com a inquirição particularmente morosa de testemunhas residentes em França e no Reino Unido.
O recorrente, começa por invocar, como fundamento do recurso, erros de julgamento de direito atinentes à amplitude do ato ilícito imputável ao Estado Português.
E imputa ainda à sentença recorrida erros no julgamento da matéria de facto e de direito a respeito da verificação do nexo causal entre o ato ilícito e os danos patrimoniais.
Efetivamente, o tribunal recorrido apenas condenou o réu no pagamento ao autor de indemnização, por atraso na decisão judicial do processo nº 2153/08, por danos não patrimoniais.

Erro de julgamento de direito relativamente à amplitude do ato ilícito.

O autor/ recorrente alega que o tribunal recorrido errou no julgamento da amplitude do ato ilícito imputável ao Estado Português, quanto ao grau de complexidade do processo nº 2153/08, à conduta processual do recorrente e ao cômputo da duração razoável do processo nº 2153/08, cerca de 6 anos.

O tribunal decidiu a respeito do grau de complexidade do processo nº 2153/08 o seguinte: Pode dizer-se, nomeadamente em função da sua extensão/dimensão (muito elevada), dificuldade técnica (média-alta), tramitação necessária (muito intensa), valor (significativo) e elementos de conexão com o estrangeiro (diversos), que o processo revelava uma elevada complexidade.

O recorrente discorda deste julgamento, por nas suas palavras, a apreciação da sua pretensão na ação cível nº 2153/08 revestia um grau de complexidade reduzido ou, ainda que assim não se entendesse, sempre se deveria considerar demonstrado que esse processo não tinha um grau de complexidade superior à média. Pois, implicava simplesmente a interpretação de uma cláusula do contrato de prestação de serviços celebrado entre o mesmo e a E..., na qual se previa a remuneração variável devida por serviços de assessoria económica e financeira a uma operação unitária de reestruturação societária. Sendo certo que a celebração do referido contrato e a prestação dos correspondentes serviços pelo Recorrente havia sido confessada pela E... na contestação, e que os meios de prova juntos com os articulados permitiriam, como veremos, uma decisão de mérito em sede de saneador-sentença. Não tendo sido proferido esse despacho saneador-sentença, poderia apenas, eventualmente, restar como controvertido o facto de esses serviços terem incidido sobre a operação societária no seu todo e sobre o acordo global entre a E... e o C... que determinou cada um dos aspetos parcelares da mesma operação, e não apenas sobre uma parte dessa operação, como infundadamente pretendeu a E....

A orientação firmada na jurisprudência europeia, seguida pela jurisprudência nacional, incluindo a sentença sob recurso, é que a duração razoável de um processo deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso, com ajuda de quatro critérios principais: a complexidade do litígio, a conduta das partes, a conduta das autoridades competentes e a relevância da causa para o interessado (cfr. entre muitos outros os acórdãos proferidos pelo TEDH em 6.4.2000, processo nº 35382/97, Comingersoll S.A. v. Portugal e em 8.6.2006, processo nº 75529/01, Sürmeli v. Germany e acs do STA de 28.11.2007, processo nº 308/07, de 9.10.2008, processo nº 319/08, e de 11.5.2017, processo nº 1004/16).

Ora, a jurisprudência do TEDH e a do STA, para além de referir que a ponderação da razoabilidade da duração deve ter em conta a complexidade do processo, afirma especificamente que, na avaliação desta complexidade haverá que considerar, entre outras circunstâncias, que tipos de prova foram produzidos, destacando, em especial, a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional.

Contrariamente ao que o recorrente repete no presente recurso, a ação nº 2153/08 não era de simples resolução e que se pudesse decidir no saneador. Nem era uma ação cuja prova e decisão se pudesse bastar com documentos (aliás, muitos, dezenas foram apresentados e em diversas fases do processo, carecidos de tradução para português ou para outras línguas).

A elevada complexidade da ação entendida pelo tribunal, como defende o réu na contestação, resulta desde logo dos termos da petição, contestação e demais articulados. Longe de se tratar de um mero reconhecimento de dívida, a demanda em causa implicava o conhecimento e interpretação de contratos empresariais de avultada dimensão, envolvendo pessoas singulares e coletivas em vários países, e comissões variáveis em função de negócios cuja opacidade resulta bem dos termos da petição inicial da presente lide. A ré E... era uma pessoa coletiva sediada em país estrangeiro, o que logo de per si suscita dificuldades processuais aptas a elevar a complexidade do processo, assim como algumas das testemunhas arroladas não residiam em Portugal, mas em França e Reino Unido, que motivaram dificuldades várias na sua inquirição. Uma testemunha residente em França foi ouvida diretamente por tribunal francês.

O recorrente tenta desqualificar a complexidade do processo 2153/08, no que se refere à extensão das diligências de prova, com a alegação de factos como: o tribunal, na fase do saneamento, demitiu-se inexplicavelmente de extrair qualquer consequência da documentação já junta e não ordenou à E... que apresentasse a documentação relevante em sua posse/ o tribunal formulou uma base instrutória desmesuradamente extensa … alheando-se dos elementos de prova já ao seu dispor/ a extensão, maior ou menor, da fase de instrução foi em grande parte consequência da atuação negligente do tribunal… sendo fruto do incumprimento dos seus deveres de seleção da matéria de facto/ a fase de instrução da causa sofreu ainda de atrasos substanciais devido a sucessivos erros e irregularidades. Estas transcrições das alegações de recurso repetem o que no despacho saneador, proferido em 29.9.2020 e transitado em julgado, o tribunal disse respeitar a erro judiciário, por uma alegada tramitação processual que o recorrente considera errada. Estes factos, nos quais o recorrente volta a apontar erros judiciários praticados pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, pertencente à jurisdição comum, não podem ser conhecidos e apreciados pela jurisdição administrativa, por impedimento legal, do art 4º, nº 4, al a) do ETAF. O tribunal recorrido declarou a incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer dos factos e do direito alegados pelo autor que se subsumam a erros judiciários cometidos no processo nº 2153/08. Por conseguinte, em respeito pelo caso julgado, «os pressupostos da responsabilidade civil advenientes da violação do dever de proferir uma decisão em prazo razoável, em concreto e agora, o pressuposto da ilicitude vai analisado face à tramitação efetivamente ocorrida no processo demorado, abstraindo de eventuais erros cometidos na ação».

Ou seja, a alegação do recorrente não demonstra que o processo nº 2153/08 tinha um grau de complexidade reduzido ou não superior à média.

Motivo pelo qual julgou bem o tribunal recorrido ao decidir que o processo nº 2153/08 revelava uma elevada complexidade.

E, como passamos a explicar, também é de manter a sentença recorrida quando, para aferir da ilicitude, ponderou ainda o comportamento das partes (autor e ré), das autoridades do Reino Unido e da França, do Tribunal de Justiça da União Europeia no processo nº 2153/08 e concluiu que a ação pautou-se por uma atuação beligerante das partes e teve elementos de conexão com o estrangeiro que impactaram no tempo de duração do processo.

Designadamente, o tribunal identificou variadas ocasiões em que a postura adotada pelo autor, aqui recorrente, impactou, mais direta ou indiretamente, no andamento do processo, o que aconteceu, por exemplo, com os diversos pedidos de prorrogação de prazo para junção de documentos ou suas traduções, ou com as variadas intervenções processuais por si dirigidas à ação que vieram a ser indeferidas ou julgadas improcedentes. Assim, assumindo existirem outras, referiu as situações mais significativas, como:

i. O A. não juntou de imediato as traduções dos documentos em língua estrangeira apresentados com a petição inicial e com a réplica, mesmo quando tal lhe foi determinado por despacho (de 4 de fevereiro de 2009), o que apenas veio a fazer (após prorrogações de prazo e correções das traduções) em 14 de agosto de 2009, implicando que o processo permanecesse estagnado por um período superior a 6 meses;

ii. Também o A. motivou a que a realização da audiência preliminar tivesse que ser adiada em 18 de março de 2010 e em 23 de junho de 2010, por os seus mandatários já terem compromissos judiciais agendados, o que significou uma estagnação do processo superior a 1 mês;

iii. Sendo que, a requerimentos do próprio A. (conjuntos com a E...), a instância esteve suspensa de 8 de julho de 2010 a 23 de novembro de 2010, numa paragem superior a 4 meses;

iv. Sendo que o A., fazendo uso dos direitos processuais que lhe cabiam, mas infrutiferamente, não hesitou em reclamar da seleção da matéria de facto (em 28 de janeiro de 2011, desatendida em 31 de março de 2011), impactando na duração do processado em mais de 2 meses;

v. O A. só em 11 de março de 2013 apresentou, de forma correta, as traduções dos documentos que lhe foram determinadas em 23 de janeiro de 2013, isto é, num período superior a 1 mês;

vi. Bem como o A., mais uma vez utilizando os meios processuais ao seu dispor, e debalde, arguiu nulidades em 23 de maio de 2013, recorrendo do despacho que as indeferiu e reclamando para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho que não admitiu tal recurso, motivando decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que desatendeu tal reclamação e que foi proferida em 20 de dezembro de 2013, num total de cerca de 7 meses (reclamação que subiu em separado, não sendo mais uma vez viável quantificar, em concreto, o impacto de tais atos em termos de duração processual);

vii. E, novamente, arguindo nulidades em 23 de setembro de 2013, que vieram a ser indeferidas por despacho de 14 de outubro de 2013, ou seja, cerca de 20 dias depois;

viii. Assim como, em 29 de novembro de 2013, o A. apresentou extenso requerimento, juntando 68 documentos, alguns deles redigidos em língua estrangeira, cujas traduções lhe foram determinadas por despacho de 5 de dezembro de 2013 e que apenas vieram a ser apresentadas no dia 20 de janeiro de 2014, ou seja, mais de 1 mês depois;

ix. O A. só em 5 de junho de 2014 apresentou, de forma correta, as traduções dos documentos que lhe foram determinadas em 12 de março de 2014, isto é, num período superior a 2 meses;

E, já após a declaração de insolvência da E... e a prolação de sentença em 1.ª instância:

x. Em 2 de fevereiro de 2016, o A. invocou, já em sede de recurso, esterilmente, a extemporaneidade das contra-alegações de recurso apresentadas pela E..., o que veio a ser indeferido em 17 de maio de 2016, ou seja, mais de 4 meses depois;

xi. Em 3 de junho de 2016, o A. deduziu reclamação para a conferência do Tribunal da Relação de Lisboa do despacho proferido pelo relator em 17 de maio de 2016 que considerou tempestivas as contra-alegações de recurso e indeferiu as nulidades apontadas pelo A., a qual veio a ser indeferida em 7 de julho de 2016, isto é, mais de 1 mês depois.

O comportamento das partes pode efetivamente contribuir e neste caso contribuiu, tanto por parte do autor como por parte da ré, para a delonga na tramitação do processo judicial.

O TEDH exige que as partes, entre elas, o queixoso tenha tido uma diligência normal no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes.

Assim é de facto e, apenas, no cômputo do prazo global do processo foram considerados os (três) recursos, a reclamação da seleção da matéria de facto, a invocação de nulidades processuais e outros requerimentos apresentados pelo autor e também pela ré.

Mas, ainda assim, não podemos esquecer que o autor, além de apresentar extensos articulados e muitos requerimentos, reiterou a conduta, ilegal, de juntar aos autos documentos em língua estrangeira, não só com a petição inicial como no curso da tramitação do processo, sendo linear das regras do processo civil, arts 133º e 134º do CPC, que no processo judicial português se usa apenas a língua portuguesa, e o processo teve de aguardar as traduções certificadas e, após contraditório, devidamente corrigidas/ retificadas. Também a indicação e a inquirição de testemunhas no estrageiro exigiram a tradução de documentação de língua estrangeira para português e vice-versa para instruir os pedidos de audição feitos às Justiças Inglesas e Francesas das testemunhas. A questão das traduções dos documentos apresentados foi um dos problemas da instrução do processo demorado, a que a ré não foi alheia (a tradução da decisão de insolvência da ré e de legislação luxemburguesa levou mais de 5 meses a ser junta ao processo demorado), mas não a ponto de ser a responsável pela entrega de documentos em língua estrangeira pelo autor no processo ou sequer pelas incorreções nas traduções que foram sendo juntas ao referido processo.

Portanto, a alegada diligência que o recorrente refere na sua atuação com as traduções dos documentos, por contraponto com a postura desleal da ré no processo demorado, não resultou demonstrada.

Por fim, em decorrência dos erros de julgamento que aponta aos parâmetros de determinação do prazo de duração razoável do processo, o recorrente discorda da figurada duração razoável atribuída pelo tribunal ao processo nº 2153/08, que interpreta como de praticamente 6 anos, tendo como termo inicial a instauração do mesmo em 25.7.2008 e como termo final a data de 12.7.2014 (4 anos antes do fim do processo). O recorrente defende, atento o grau de complexidade atribuível ao processo – reduzido ou não acima da média – e à respetiva conduta processual – pautada pela boa fé – em conjugação com a demora ilícita na administração da justiça, deve a duração razoável do processo em 1ª instância ser fixada em 2 anos, até 25.7.2010, ou, em qualquer dos casos, nunca superior a 3 anos, até 25.7.2011. Defendendo ainda que a fase do recurso não deve ser considerada relevante para o cômputo da duração razoável do processo ou a sê-la não deveria ter sido superior a 1 ano. Em suma, para o recorrente, no máximo, a duração razoável do processo nº 2153/08 teria sido de 4 anos.

Não lhe assiste razão.

Desde logo porque vimos de confirmar o julgamento do tribunal recorrido quanto à complexidade do litígio – elevada complexidade - e à conduta do autor.

Depois, não só a atuação do autor como a da ré foi muito intensa, tendo sido apresentados em juízo, como refere a sentença, mais de uma centena de requerimentos e de documentos, muitos deles carecidos de tradução de cariz técnico, pois discutia-se o cumprimento de um contrato de assessoria e consultoria económico-financeira.

A atuação empreendida pelo tribunal foi, em geral, atempada e cumpridora dos prazos concretos determinados por lei, sem prejuízo das ostensivas dificuldades ocorridas com a inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro.

A relevância do processo para os interessados – em especial, para o A. – pode reputar-se de significativo, desde logo atendendo ao valor reclamado pelo A. à E....

O que significa que nunca o prazo razoável para o processo nº 2153/08 tramitar em 1ª instância podia ser de 2 anos, como pretende o recorrente. Pelo que sempre teria de se considerar, pelo menos, a duração de 3 anos em 1ª instância.

Ainda, no processo foram interpostos 3 recursos – em 16.9.2013, em 14.3.2015 e em 6.7.2015 - pelo que o número de instâncias processuais foi num total de 3, uma vez que a sentença que pôs fim ao processo teve recurso até ao STJ, a que acresce o pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Portanto, inexiste fundamento para a duração do processo em causa durante a fase de recurso não dever ser considerada como relevante para o cômputo da duração razoável do processo.

Como identifica Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas (cf. da Autora, «Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08», em CJA, Braga, Cejur, nº 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).

Pelo exposto, em face das circunstâncias do caso concreto, a duração razoável do processo nº 2153/08 deve ser computada, como aponta a sentença recorrida sem o quantificar expressamente, num período que vai de 4 a 6 anos.

Com efeito, o tribunal recorrido para aferir da ilicitude decorrente do atraso na decisão judicial do processo nº 2153/08, primeiro, procedeu à apreciação concreta das situações que influenciaram o tempo de duração do processo – atuação do tribunal, do autor, da ré, das autoridades do Reino Unido e da França, do Tribunal de Justiça da União Europeia – e em jeito de raciocínio aritmético sobre o que vem sendo expendido (mas sublinhando-se que nem todos os períodos acima referidos impactaram na duração do processo do mesmo modo e na sua integralidade), e buscando, assim, de algum modo, computar o tempo de duração do processo que não se afigura imputável ao R., pode considerar-se que ao período de duração global do processo devem ser deduzidos pelo menos cerca de 4 anos.

De seguida, procedeu à apreciação da duração total do processo, contado desde a data da propositura da petição inicial até ao momento da sua extinção, de cerca de 10 anos (e mesmo tendo em consideração os períodos de duração não imputáveis ao Tribunal), implicou, globalmente, a ultrapassagem do prazo razoável, atendendo às circunstâncias do caso concreto.

Deste modo, considerando o grau de complexidade do processo, o facto do mesmo haver percorrido três instâncias com reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia e o prazo que decorreu desde a apresentação da petição inicial (25.7.2008) até ao trânsito em julgado da decisão final (19.9.2019), é inequívoco que efetivamente se violou o prazo razoável de acordo com o disposto no artº 6º da Convenção dos Direitos do Homem e jurisprudência que tem sido fixada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo que este prazo se deve fixar no máximo de 5 anos.

Ora, tendo em consideração que o processo esteve em tramitação cerca de 10 anos, 1 mês e 25 dias, mostra-se assim excedido o prazo razoável para o autor obter uma decisão em tempo razoável que se fixa em 5 anos, 1 mês e 25 dias, como aliás aponta a sentença recorrida (que indica o tempo de duração do processo não imputável ao réu em pelo menos cerca de 4 anos). No entanto, ao contrário do que defende o recorrente, não podemos dizer o dia, mês e ano a partir do qual se considera o processo com duração excessiva, porque as circunstâncias que influenciaram a marcha do processo verificaram-se ao longo da duração total do processo e são imputáveis a diversos agentes.

Ainda assim, o atraso/excesso ficou também (não apenas) a dever-se ao funcionamento anormal dos Tribunais por onde o processo tramitou (art 7º, nº 4 da Lei nº 67/2007, de 31.12).

Pelo que, verifica-se a ilicitude no caso concreto dos autos nos termos definidos pela sentença recorrida.

Improcedendo o erro de julgamento de direito, por violação do disposto no art 20º, nº 4 da CRP, art 6º da CEDH e art 2º, nº 1 do CPC, que lhe vem imputado.


Erro de julgamento de facto quanto aos danos patrimoniais e ao nexo causal.
O recorrente, a propósito do dano por perda de chance: da probabilidade real e séria de procedência do pedido formulado pelo recorrente no processo nº 2153/08, nos termos do disposto nos artigos 640º nº 1, al c) e 662º, nº 1 do CPC, pretende o aditamento de factualidade tida por si como relevante para a apreciação da causa e que enuncia na conclusão LXIX. A saber:
1. A ação intentada pelo Recorrente contra a E... fundava-se num contrato de prestação de serviços celebrado entre o Autor e a E...;
2. O Recorrente prestou, ao abrigo desse contrato, serviços de consultoria e assessoria económica a uma operação de reestruturação global, acordada entre a E... e o C..., quanto a um conjunto de sociedades detidas em conjunto por essas duas entidades, no qual se incluía o B... e a C..., a qual se concretizou em 2006.
3. A operação societária globalmente assessorada pelo Recorrente materializou-se na venda de um conjunto de ativos titulados pela E..., a saber:
i) a totalidade do capital social da C..., pelo valor de € 950.000.000,00 (novecentos e cinquenta milhões de euros), a favor do C... na proporção de 50% e a favor do B... na proporção de 50%; de referir que, de acordo com o mesmo documento, uma parte do capital social da C... que iria ser transacionada, correspondente a 9,5%, era à data titulada por uma sociedade veículo sediada no offshore de Jersey;
ii) metade do capital social da E...Companhia de Seguros, S.A., pelo valor de € 40.000.000,00 (quarenta milhões de euros),
iii) tudo num valor agregado de € 990.000.000,00 (novecentos e noventa milhões de euros).
4. A ação intentada pelo Recorrente contra a E... visava a condenação desta no pagamento de um parcial da remuneração variável no valor de € 2.854.839,43, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, correspondente a 0,4% do referido valor agregado de € 990.000.000,00 recebido pela E..., em conformidade com a cláusula 3.º do contrato de prestação de serviços.
5. Ficou comprovado na ação intentada pelo Recorrente contra a E... que aquele prestou efetivamente à E... os serviços de assessoria contratados por esta.
6. Ficou aí igualmente demonstrado que a operação societária assessorada pelo Recorrente resultou de negociações entre os dois Grupos Económicos em presença: de um lado, o Grupo E...(encabeçado pela holding E...), e de outro lado o Grupo C....
7. E que todos os aspetos – mormente, todas as transferências de ativos – que compõem a transação final em que se materializaram essas negociações foram decorrência direta e exclusiva do acordo, da concertação de interesses, alcançada entre a E..., por um lado, e o C..., por outro lado.
8. Verifica-se um elevado grau de probabilidade de condenação da E... no pedido formulado pelo Autor no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, com base numa apreciação crítica do que ficou alegado e dos elementos de prova documental juntos a esses autos.
O recorrente alega estar esta matéria comprovada a partir da apreciação crítica dos elementos documentais juntos a esta ação.
O facto nº 1 diz resultar provado do doc nº 1 junto com a petição inicial.
Os factos nº 2 e 5 diz terem sido genericamente admitidos nos arts 33 e segs da contestação da ré na ação nº 2153/08, que está junta como doc nº 4 da pi da presente ação.
O facto nº 3 diz resultar provado dos docs nº 1 (do doc nº 4 da pi junta como doc nº 1) e 26 juntos com a petição inicial.
O facto nº 4 diz resultar provado do doc nº 1 junto à pi da ação nº 2153/08 que por sua vez foi junta como doc 1 com a petição inicial da presente ação.
Os factos nº 6 e 7 diz resultarem provados dos documentos juntos, ou requeridos, na petição inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB, a saber:
i) o “Acordo Preliminar”, cujo instrumento constitui documento n.º 4 da Petição Inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB, junta à PI como documento n.º 1, e cuja versão assinada é junta ao requerimento apresentado pela E... em 2/5/2011 nesses autos, cuja cópia é junta à PI como documento n.º 26;
ii) o subsequente “Term Sheet”, cujo instrumento constitui documento n.º 5 da Petição Inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB, junta à PI como documento n.º 1, e cuja versão assinada é junta ao requerimento apresentado pela E... em 2/5/2011 nesses autos, cuja cópia é junta à PI como documento n.º 26;
iii) o “Acordo-Quadro Definitivo”, cuja versão assinada integra o requerimento apresentado pela E... em 2/5/2011, cuja cópia é junta à PI como documento n.º 26;
iv) Comunicações ao mercado do B... e da C... (junta à petição inicial do processo n.º 2153/08.0TVLSB como documento n.º 15) e da Ré E... e do CAS (junta como documento n.º 9 à Réplica do processo n.º 2153/08.0TVLSB, que por sua vez é junta à PI destes autos como documento n.º 5) que tornaram pública a operação societária em causa;
v) O relatório anual de 2006 da Ré E... (junto como documento n.º 12 à Réplica do processo n.º 2153/08.0TVLSB), que evidencia que a operação global e unitária assessorada pelo Recorrente foi feita nos precisos termos do sobredito “Acordo Preliminar”, plasmados e regulados no subsequente “Term Sheet” e transpostos para o “Acordo-Quadro Definitivo”.
Para o facto nº 8 o recorrente não indica prova, nem tinha de o fazer, adianta-se, por não conter matéria de facto, tratando-se de uma conclusão do recorrente.
Relativamente ao facto nº 1, adiantamos, o mesmo já consta da matéria de facto provada na sentença, sob os nº 1 e 2 do probatório.
Por conseguinte, desde já se indefere a pretensão do recorrente de ver os factos nº 1 e 8 ser aditados à matéria de facto provada, por o nº 1 já fazer parte do probatório fixado pelo tribunal recorrido e o nº 8 se tratar de mera conclusão.
Importa então que nos ocupemos dos factos nº 2 a 7 que o recorrente pretende sejam aditados à matéria de facto provada.
Os elementos de prova documental que o recorrente indica como essenciais e determinantes para demonstrar os factos nº 2 a 7 brigam com o facto de a dívida/ o pagamento parcial da remuneração variável pela operação de reestruturação pedido na ação nº 2153/08, não obstante tal documentação, ser controvertido.
Como o recorrente refere, na conclusão LIII, a ré E... contestou a ação nº 2153/08, designadamente o modo de cálculo e o, consequente, valor da remuneração variável a pagar. Assim sendo, a minuta de declaração de quitação, que o recorrente aponta como prova determinante da dívida reclamada, salvo o devido respeito, por si só, não é suficiente para prova da dívida da quantia de €: 2.854.839,43 acrescida de juros moratórios.
Mais se entende que o recorrente não cumpre o ónus que o art 640º, nº 1, al b) e nº 2 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA lhe impõe, porque não indica com precisão as passagens dos documentos, nomeadamente com transcrições, em que sustenta a decisão sobre a matéria de facto pretendida, limitando-se a remissões para os articulados da ação nº 2153/08 e para documentos extensíssimos e de cariz técnico-financeiro, de que, na verdade, os factos a aditar são a súmula da interpretação que o recorrente faz de tais documentos e da contestação da ré.
Pelo que não se antevê motivo justificativo para aditar, ainda que mesmo parcialmente, o probatório fixado em 1ª instância nos termos elencados na conclusão LXIX.

A propósito do dano da frustração do crédito sobre a E..., o recorrente pretende também o aditamento da matéria de facto provada para dela passar a fazer parte os seguintes factos:
1. Não há qualquer expectativa plausível de que o crédito do autor sobre a E... venha a ser satisfeito, sequer parcialmente, em virtude da situação de insolvência desta.
2. A duração excessiva do processo nº 2153/08.0TVLSB foi causa relevante da frustração do crédito do autor sobre a E....
Salvo o devido respeito, não estamos aqui perante um facto. Temos para nós que os factos a dar como provados devem comportar um juízo de natureza cognoscitiva, formulado sobre a ocorrência ou não de determinado acontecimento histórico – identificação de uma concreta ocorrência da vida - sem incluírem um juízo de natureza valorativa e que encerra já um determinado sentido conclusivo-normativo. É que as proposições conclusivas, que exprimem uma valoração jurídico-subsuntiva essencial na discussão da causa, constituem, por isso, uma conclusão sobre factos e não um facto em si mesmo. Os factos não se confundem com as ilações que dos mesmos se extraem para efeitos de aplicação da norma jurídica e não podem essas ilações/conclusões que comportam conceitos normativos, que não são factos, constarem da decisão sobre a matéria de facto.
Aliás, considerando que a alegação consubstancia um facto, o recorrente incumpre o ónus que o art 640º, nº 1, al b) e nº 2 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA lhe impõe, porque não indica qualquer meio de prova, constante do processo, que justifique o aditamento pretendido.
O que determina a rejeição ou não conhecimento desta pretensão recursiva.

O recorrente, a propósito dos danos decorrentes do pagamento de despesas com custas judiciais, traduções e honorários a Advogado com o processo nº 2153/08 e respetivo nexo causal, nos termos do disposto nos artigos 640º nº 1, al c) e 662º, nº 1 do CPC, pretende o aditamento de factualidade tida por si como relevante para a apreciação da causa e que enuncia nas conclusões XCV e XCVII. A saber:
1. A duração excessiva do processo n.º 2153/08.0TVLSB foi causa relevante e atendível da frustração dos investimentos de confiança realizados pelo Autor em vista da apreciação do mérito dessa causa, correspondentes ao valor das custas judiciais, dos serviços de patrocínio forense e de traduções de documentos.
2. O Autor pagou custas processuais a título de taxa de justiça no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, em montante a determinar em sede de execução de sentença.
3. O Autor pagou € 76.148,01 a título de honorários por serviços de patrocínio forense no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB.
4. O Autor pagou € 16.382,54 por serviços de tradução e retroversão de documentos apresentados no âmbito do processo n.º 2153/08.0TVLSB, em conformidade com o aí ordenado pelo Tribunal.
Em primeiro lugar cumpre dizer que o aditamento pretendido quanto aos factos 3 e 4 é para improceder por tais factos constarem dos nº 338 e 339 da matéria de facto provada da sentença recorrida.
Quanto ao mais, como tem sido reiteradamente salientado (entre muitos outros, os Acs do TCAN, de 22.5.2015, processo nº 1224/06 e de 22.10.2015, processo nº 1369/04), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140º, nº 3 do CPTA, nos artigos 640º e 662º do CPC, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, pág 130).
Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados.
No caso em apreço e nestes factos, o recorrente volta a não cumprir este ónus de impugnação da matéria de facto, pois não indica, omite pura e simplesmente, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados, quais os concretos meios de prova, designadamente documentos (e respetivas passagens) dos quais retira a conclusão avançada.
O que determina, sem necessidade de outros desenvolvimentos, a rejeição ou não conhecimento do recurso nesta parte (art 640º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA).


Erros de julgamento de direito relativamente à verificação de danos patrimoniais e, mais precisamente, do nexo causal entre o ato ilícito e os danos patrimoniais invocados pelo recorrente.

Perda de chance processual – frustração das expectativas de cobrança do crédito do autor sobre a E....

O tribunal decidiu que no caso sub judicio, a frustração dos direitos de crédito invocados pelo A. à E... também não resulta conexionada com o atraso na prolação da decisão judicial no processo n.º 2153/08.0TVLSB. Pela seguinte ordem de razões:

… em primeiro lugar, importa dizer que foi a declaração de insolvência da E... que impediu o A. de ver reconhecidos os seus créditos no seio do processo n.º 2153/08.0TVLSB, não os atrasos ocorridos na prolação da decisão judicial.

No entanto, nem a declaração de insolvência da E..., nem a decisão de inutilidade superveniente da lide, nem, muito menos, o atraso na prolação da decisão judicial na ação n.º 2153/08.0TVLSB, subtraíram ao A. a possibilidade de ver reconhecido o seu direito de crédito sobre a E... porquanto, após ter tomado conhecimento de que a E... havia sido declarada insolvente, o A. manteve a possibilidade de reclamar tais créditos junto do respetivo processo de insolvência.

Em segundo lugar, é de salientar que a declaração de insolvência da E... ocorreu no dia 10 de outubro de 2014 (isto é, após cerca de 6 anos e 2 meses após a data da propositura da ação); e que, atendendo aos diversos períodos de tempo decorridos não imputáveis ao Tribunal até essa data, já acima explicitados em sede de análise ao pressuposto da ilicitude, não é sequer possível concluir que, em 10 de outubro de 2014, já tivesse sido ultrapassado o prazo razoável para prolação da decisão, com trânsito em julgado (sendo esta, e não outra, a circunstância que determina a ocorrência do facto ilícito).

Em terceiro lugar, importa sublinhar que o processo n.º 2153/08.0TVLSB correspondia a uma ação de natureza declarativa e que nada indicia (manifestamente, o A. não o provou) que mesmo que a E... ali viesse a ser condenada (ainda antes da declaração de insolvência) nos termos peticionados pelo A. teria procedido aos pagamentos que lhe eram devidos.

Em quarto e último lugar, como é ostensivo – e é até reconhecido pelo A. – não era de todo razoável esperar que a demora na prolação da decisão judicial no processo n.º 2153/08.0TVLSB fosse suscetível, em abstrato, e normalmente, de impactar sobre os créditos que este reclamava da E.... Com efeito, e como é do conhecimento geral, a E... era uma das entidades comummente tidas como too big to fail. … quer o B..., quer a E... não eram encarados, pelo cidadão comum, pelo homem médio, como instituições suscetíveis de falência e liquidação judicial nos mesmos moldes de qualquer outra sociedade comercial. Mas sim como instituições cuja dimensão e importância representava especiais garantias de credibilidade, solvabilidade e de resistência a conjunturas económicas adversas.

Pelo que, sem a necessidade de apreciar qual o grau de probabilidade de a ação n.º 2153/08.0TVLSB ser julgada procedente, conclui-se que inexiste ligação entre o facto ilícito e os danos sob escrutínio.

O recorrente discorda da decisão de desnecessidade de o tribunal apreciar qual o grau de probabilidade de a ação n.º 2153/08.0TVLSB ser julgada procedente, porque advoga a probabilidade real e séria de procedência do pedido por si formulado no processo nº 2153/08.

Analisemos.

A qualificação da perda de chance como um dano em si mesmo, desde que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados, terá de se reconhecer que constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado.

Com efeito, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo.

Assim, a chance perdida merece a tutela do direito.

Na situação vertente, tudo está em saber se a decisão (de mérito da pretensão material deduzida pelo autor na ação declarativa de condenação nº 2153/08) que tardou foi, em concreto, causa do prejuízo, atenta a séria probabilidade de que, correndo o processo em prazo razoável, a sentença seria favorável ao autor.

Embora nunca se possa afirmar que fosse certo e seguro que o autor obtivesse um resultado favorável, importa indagar se ele teria uma chance real de consecução da finalidade esperada – de lhe ser pago o parcial da remuneração variável que peticionou na ação demorada.

O mesmo é dizer que a perda de oportunidade na decisão do mérito da ação só poderá afastar indemnização se, para além da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, reconhecermos uma elevada probabilidade daquela ação nº 2153/08 vir a ser julgada procedente.

Trata-se de indagar se a atuação omissiva da Administração da justiça, que causou perda de chance ao autor com a preterição do conhecimento do mérito da causa, frustrou, com seriedade e consistência, as probabilidades de êxito da ação.

O dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser de elevado grau de certeza.

Adiantamos que se nos afigura improvável que o autor lograsse obter êxito na ação que instaurou contra a ré E... (declarada insolvente no decurso da ação).

Como defende o réu Estado Português, no art 224º da contestação, o presente caso está nos antípodas do elevado grau de possibilidade de decisão judicial que é apanágio nos casos de perda de chance, desde logo pelo facto da dívida reclamada pelo autor ser controvertida.

E, sendo controvertida, como vimos quando decidimos pela improcedência da impugnação da matéria de facto, como verteu o réu, no art 218º da contestação, não será seguramente este foro administrativo a ir produzir prova e ouvir as testemunhas para julgar o mérito das comissões que eram devidas ao autor a título de remuneração variável no contrato de prestação de serviços que celebrou com a E....

Pelo que, a perda de chance de não ver decidida a ação nº 2153/08 em prazo razoável não poderá, a nosso ver, ser fundamento da imputação ao réu da responsabilidade pelos prejuízos que o autor sofreu na sua esfera jurídica em consequência da falta da decisão de mérito daquela ação.

Com efeito, ao contrário do que alega o recorrente, inexiste, por falta de prova, a probabilidade séria e consistente de que, caso o processo tivesse tido uma duração «normal», o respetivo desfecho seria favorável à pretensão do ora recorrente ou, nas suas palavras, se cifra em 100% ou sequer em valor superior a 50%.
A ser assim, concluiu-se que a circunstância de não ter sido emitida uma decisão atempada e num tempo adequado e razoável não foi causal dos danos sofridos pelo autor/ recorrente.

Dano da frustração do crédito sobre a E... e respetivo nexo causal.

O recorrente começa por fazer uma afirmação sem sustento fáctico, concluindo que a declaração de insolvência da E... gerou uma situação de impossibilidade prática de o recorrente ver satisfeito o seu crédito. Isto porque desconhece-se se o recorrente reclamou o crédito peticionado na ação nº 2153/08 no processo de insolvência da E..., que sabemos ter sido declarada em 10.10.2014. E mais se desconhecem que créditos foram reclamados no referido processo de insolvência, para que o recorrente vingue na alegação de que, em todo o caso, o seu crédito entraria no concurso de credores em posição de manifesta desvantagem, porquanto não lhe assiste qualquer garantia ou privilégio. A matéria fática sobre a insolvência do universo da família B..., pese embora a publicidade, nos media, que lhe é dedicada, não é um facto notório, bem pelo contrário, constitui uma questão de facto e de direito complexa, carecida de alegação e prova. Por conseguinte, retirarmos a impossibilidade de o recorrente cobrar o respetivo crédito no processo de insolvência da E..., sem mais, não é um facto que possamos ter como certo.

Acresce que, antes da frustração do crédito do recorrente sobre a E..., em virtude da declaração de insolvência da ré, considerámos não existir, no caso, a probabilidade séria e consistente de que, caso o processo nº 2153/08 tivesse tido uma duração «normal», o respetivo desfecho seria favorável à pretensão do ora recorrente.

Ora, frustrando-se o dano da perda de oportunidade de vencer a ação nº 2153/08, é irrelevante, para a economia da presente ação, o alegado dano da frustração do crédito do recorrente sobre a E... em virtude da sua situação de insolvência. Tanto mais que ficou sobejamente provado que a delonga do processo judicial nº 2152/08 não foi imputável apenas ao tribunal, mas também ao autor, à ré, às autoridades do Reino Unido e da França, ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Com efeito, se tivesse sido emitida uma decisão em prazo razoável não existia um elevado grau de certeza do sentido favorável da decisão judicial devida e, em resultado, não seria permitido ao autor garantir e fazer valer/realizar os seus direitos creditícios de modo pleno, nomeadamente, instaurando execução de sentença para pagamento de quantia certa antes da declaração de insolvência ou reclamando o crédito no processo de insolvência, por não ser titular do direito de crédito.

De todo o modo, como fundamenta a sentença, não era de todo razoável esperar que a demora na prolação da decisão judicial no processo nº 2153/08.0TVLSB fosse suscetível, em abstrato, e normalmente, de impactar sobre os créditos que o autor/ recorrente reclamava da E..., porque se tratava de um dos grupos económicos Portugueses mais antigos e com maior dimensão e importância, mormente no contexto da economia Portuguesa e, quer o B..., quer a E..., não eram encarados, pelo homem médio, como instituições suscetíveis de falência e liquidação judicial nos mesmos moldes de qualquer outra sociedade comercial, mas sim como instituições cuja dimensão e importância representava especiais garantias de credibilidade, solvabilidade e de resistência a conjunturas económicas adversas.

Assim, de harmonia com o exposto, a atuação ilícita e culposa do réu não teve aptidão para originar os danos peticionados, isto é, de que foi sua condição, pelo que não se verifica o nexo causal entre o comportamento do réu e a perda de chance do provimento da ação nº 2153/08 e da frustração do crédito do autor sobre a E....

Improcedendo assim este fundamento do recurso.


Custas judiciais do processo demorado.
Honorários do advogado no processo demorado.
Serviços conexos - traduções no processo demorado.
O tribunal decidiu, sobre estas despesas, o seguinte:
… as despesas invocadas em sede de custas judiciais, de serviços de advocacia e de serviços conexos (como traduções), não estão, manifestamente, conexionados com o atraso na prolação da decisão judicial no processo n.º 2153/08.0TVLSB.
Pois que, quer no plano concreto, quer no plano abstrato, e nos termos do disposto no artigo 563.º do CC, mesmo que o facto ilícito consubstanciado no atraso na prolação da decisão judicial não tivesse ocorrido, ainda assim, sempre o A. teria de suportar tais despesas.
Com efeito, não só não foi a demora na prolação da decisão judicial que implicou, concretamente, que o A. suportasse despesas com custas judiciais, serviços de advocacia e serviços conexos (como traduções), como tal demora não é suscetível de, em abstrato, e normalmente, provocar tais despesas – veja-se que, por exemplo, o A. não alegou suportar qualquer custo em razão do tempo despendido com o processo (v.g., um contrato de avença com serviços de advogados, que o fizesse suportar mensalmente uma determinada quantia).
Tal como exposto no recente Ac. do TCA Sul, de 10-12-2020, proferido no processo n.º 425/16.0BELLE, disponível em www.dgsi.pt, e cuja fundamentação se acompanha, os danos patrimoniais não se presumem e carecem de prova, inclusivamente no que respeita ao requisito do nexo de causalidade.
O recorrente aponta erro a este julgamento, por a inutilidade superveniente da lide declarada no processo demorado, imputável ao recorrido a título de responsabilidade civil, significar o total desaproveitamento das despesas com custas judiciais, traduções e honorários de Advogado. Assim o ato ilícito imputável ao recorrido causou também que o processo nº 2153/08 não pudesse ter uma decisão de mérito, isto é, não pudesse cumprir a sua finalidade primária o que redundou numa impossibilidade definitiva de realização do direito de ação, imputável ao recorrido. E assim essa impossibilidade culposa causou uma inutilização superveniente do investimento financeiro do recorrente no referido processo.
Não cremos assistir razão ao recorrente.
Efetivamente, as despesas com o pagamento de custas judiciais, traduções de documentos e de honorários de advogado são custos e como tais danos indemnizáveis.
Contudo, os danos materiais em causa serão apenas e somente os resultantes da necessidade de prolongar o processo demorado por motivo imputável ao anormal funcionamento da justiça.
Ora, neste caso, a demora do processo nº 2153/08 não é imputável apenas ao tribunal. Sabemos que a demora do processo em causa também é imputável ao autor, aqui recorrente, à ré, às autoridades do Reino Unido e da França, ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Ainda assim, as despesas com custas judiciais, com traduções de documentos e com honorários de advogado apenas são suscetíveis de consubstanciar um dano indemnizável quando o seu valor aumente devido à delonga do processo judicial e na medida desse prolongamento excessivo.
Pois bem, no caso dos autos, não resultam alegados nem provados quaisquer factos que permitam concluir que o autor/ recorrente suportou despesas com custas judicias, traduções de documentos e honorários de advogado superiores aos que suportaria se o processo nº 2153/08 não tivesse sofrido os atrasos apurados na presente ação.
Com efeito, a fixação do valor da indemnização devida pelas despesas com custas judicias, traduções de documentos e honorários suportados em excesso no processo demorado pressupunha que o aqui recorrente tivesse provado que pagou tais despesas em valor superior àquele que seria caso aquele processo não tivesse sofrido atraso imputável ao ora recorrido, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.
Na verdade, entendemos que apenas nesta medida seriam indemnizáveis os danos invocados pelo recorrente e não como pretende uma indemnização pela frustração do investimento de confiança que o mesmo fizera no processo nº 2153/08, em custas processuais, serviços de patrocínio forense e serviços de tradução de documentos.
Pelo exposto, improcede este fundamento do recurso.

A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça
O recorrente solicita a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do art 6º, nº 7 do RCP.

Nos termos do disposto no art 6º, nº 7 do RCP nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Ou seja, sempre que a ação ou o recurso exceda o valor de €: 275.000,00, as partes apenas terão de efetuar o pagamento da taxa correspondente a esse valor, sendo o remanescente contabilizado a final, nos termos do nº 7, a não ser que o juiz dispense esse pagamento mediante a prévia ponderação da especificidade da situação, da complexidade da causa e da conduta das partes o justificarem.

No presente caso a ação ultrapassa o valor de €: 275.000,00, verificando-se que as questões colocadas, nos concretos termos em que o foram, não se afiguraram de resolução demasiado complexa, pese embora o processo tenha sido decidido após audiência final. Quanto à conduta processual das partes, compulsados os autos, considera-se que as partes tiveram uma conduta normal de litigantes sem que se encontre qualquer conduta censurável.

Assim sendo, à luz do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça, atendendo ao comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final, como requerido pelo autor/ recorrente.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e dispensar o recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do decidido quanto ao seu pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Registe e notifique.
*

Lisboa, 2022-05-05,

(Alda Nunes),

(Lina Costa),

(Catarina Vasconcelos).