Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 940/11.1BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 03/16/2023 |
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Relator: | VITAL LOPES |
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Descritores: | INSCRIÇÕES MATRICIAIS RECLAMAÇÃO CORRECÇÃO EFEITOS DA DECISÃO REVISÃO DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS IMPROPRIEDADE DO PROCEDIMENTO |
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Sumário: | I - A revisão oficiosa dos actos tributários prevista no art.º 78.º da LGT não é o meio procedimental próprio para tutela do pedido de correcção de inscrições matriciais por erro na determinação das áreas privativa e dependente de um prédio urbano; II - A revisão oficiosa prevista naquela disposição apenas tem por objecto a revisão de actos tributários em sentido estrito, abrangendo a liquidação e a fixação da matéria colectável quando não dê lugar a qualquer liquidação, ali não se compreendendo a revisão de actos de fixação de valores patrimoniais nem de inscrições matriciais, estes últimos actos administrativos em matéria tributária. III - Mostra-se próprio para a correcção das inscrições matriciais o meio procedimental de reclamação da matriz (artigos 130.º do CIMI e 134.º, nºs 3 e 5, do CPPT). IV - A decisão administrativa de correcção das inscrições matriciais, mesmo por erro dos serviços, produz efeitos à data do pedido (art.º 130/7 do CIMI), não produzindo efeitos para pretérito, de modo a abranger todas as colectas de montante superior ao devido resultantes das incorrecções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais. |
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Votação: | Unanimidade |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por R… e C… contra o acto de indeferimento do pedido de retroacção a 2005 do valor patrimonial tributário, bem como isenção de IMI, relativamente ao imóvel em que residem. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões: « A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. B. No caso em apreço, não pode a Fazenda Pública concordar com o entendimento do douto Tribunal, que decidiu que a AT, ao ter constatado que existia erro dos serviços ao estabelecer o VPT inicial, deveria ter feito retroagir os efeitos do novo VPT calculado em 2010 e corrigido as liquidações de IMI, até ao limite dos quatro anos anteriores ao do pedido. C. Salvo o devido respeito, que é muito, o douto Tribunal, fez tábua rasa ao preceito legal aplicável no caso apreço, nomeadamente o n.º 8 do artigo 130.º do CIMI, que expressamente proíbe o efeito retroativo das alterações do VPT. D. Salvo melhor entendimento, o legislador tentou impedir o efeito retroativo quanto às liquidações já realizadas, no que concerne às alterações às matrizes, resultantes das reclamações feitas nos termos do artigo 130.º do CIMI. E. Por sua vez, determina o n.º 1 do artigo 9.º do CC, que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. F. O n.º 2 do mesmo artigo estipula que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. G. Salvo a devida vénia, o douto Tribunal, ao decidir como decidiu, foi além da letra da lei, tentando “abrir uma porta” para que as liquidações nunca se consolidem, bastando, uma qualquer alteração ao VPT, para que todas as liquidações anteriores sejam alteradas, pondo em causa, o princípio da segurança jurídica. H. Ao decidir como decidiu, o douto Tribunal violou o artigo 130.º n.º 8 do CIMI, o artigo 9.º do CC bem como o princípio da segurança jurídica. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!». Os Recorridos apresentaram contra-alegações, que terminam com as seguintes e doutas conclusões: « 1. Salvo melhor opinião, o recurso sob resposta carece na sua integralidade de qualquer fundamento. 2. Com efeito, importa notar que os impugnantes não deduziram qualquer reclamação, nem tão pouco tal meio de reação consta dos factos dados como assentes na sentença proferida pelo tribunal a quo, como se alcança dos pontos 14 a 16 da matéria de facto dada como provada, 3. nem sequer da prova documental arrolada nos autos, como se prova nomeadamente do teor do doc. 5 junto com a impugnação judicial deduzida pelos impugnantes, e do qual se constata que estes apenas se limitaram a solicitar o reembolso do IMI pago excesso, bem como requereram a isenção do mesmo imposto, 4. não podendo assim, salvo melhor opinião, tal ser qualificado como uma reclamação nos termos e para os efeitos do artigo 130.º do CIMI. 5. Na verdade, o pedido formulado pelos impugnantes, consubstancia-se num pedido de revisão dos actos tributários, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º da LGT, tendo igualmente previsão no artigo 115.º do CIMI, 6. ao abrigo do qual, os impugnantes solicitaram a revisão oficiosa do acto tributário na prerrogativa que lhes assiste, e consubstanciada no prazo de quatro anos após a liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, 7. sendo que, é absolutamente pacifico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que só o pedido de revisão do acto tributário feito no prazo de uma reclamação administrativa é que é qualificado como uma verdadeira reclamação, e não a que é solicitada a pedido do contribuinte, como foi o caso dos presentes autos. 8. Acresce que, delimitando o legislador no CIMI os institutos da revisão oficiosa e da reclamação, forçoso será concluir que estamos perante duas realidades jurídicas distintas, cujos efeitos da reclamação não são aplicáveis à revisão oficiosa. 9. Por tal motivo, não recai sobre o regime jurídico previsto nos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI qualquer inibição de se restituir verbas indevidamente pagas a título de liquidação de impostos. 10. Acresce ainda que, aquando da elaboração da informação n.º 75/11 da Direcção de Serviços de Avaliações, na qual a impugnada não deferiu o pedido de reembolso do IMI pago indevidamente pelos impugnantes, encontrava-se em vigor a redação anterior à Lei n.º 64-B/2011 - 30/12, na qual não se considerava reclamação as correções promovidas pelo chefe do serviço de finanças competente. 11. Por conseguinte, reconhecendo a impugnada que os seus serviços tinham laborado em erro na fixação do VPT inicial, e tendo recebido quantias indevidas, tal, para além, de constituir uma situação de enriquecimento sem causa, obrigava a Autoridade Tributária a rever esse acto, mesmo que depois de expirado o prazo de reclamação graciosa, 12. atento os princípios da legalidade, justiça e igualdade que sobre a impugnada recaem, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa. 13. Por tal motivo, e com respaldo no regime da revisão oficiosa, impunha-se, pois, não só que a impugnada restituísse o indevidamente pago, mas também que revogasse para o futuro os efeitos do acto de liquidação. Nestes termos, e nos mais de direito, deverá o recurso sob resposta ser julgado improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo ser de manter o julgado, por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir ser a revisão oficiosa o meio próprio para se obter a correcção das inscrições matriciais dos valores patrimoniais, ou, para impugnar a legalidade das liquidações com fundamento em erro na fixação de valores patrimoniais. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão: 1. Em 24/02/2005 a sociedade M… – Investimentos Imobiliários, Lda., procedeu à entrega da Declaração modelo 1 de IMI, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana provisória sob o artigo P5…, concelho de Sintra, freguesia de Algueirão, indicando que o mesmo é constituído por quatro fracções autónomas, e indicando a Área Bruta privativa de 228,000m2 e Área bruta dependente de 228,000m2, juntando onze plantas do edifício (cfr. doc. de fls. 108 a 112 do doc. de fls. 336 do SITAF); 2. Em 22/05/2005 foi elaborada a Ficha de Avaliação nº 5… referente ao prédio prédio urbano sito em Almaragem do Bispo, inscrito na matriz predial urbana provisória sob o artigo P5…, fracção C, da qual consta a indicação da Área Bruta privativa de 228,000m2 e Área bruta dependente de 228,000m2, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 232.900,00 (cfr. doc. de fls. 13 e 14 do doc. de fls. 178 do SITAF); 3. Da Ficha de Avaliação identificada no ponto anterior consta ainda que foram entregues onze plantas do imóvel, que a data de conclusão da obra foi o dia 30/09/2004 e a data da licença de utilização é de 24/02/2005 (cfr. doc. de fls. 13 e 14 do doc. de fls. 178 do SITAF); 4. Por ofício de 22/06/2005 foi a sociedade M… – Investimentos Imobiliários, Lda. notificada da avaliação do imóvel melhor identificado no ponto 1 (cfr. doc. de fls. 127 do doc. de fls. 178 do SITAF); 5. Os impugnantes adquiriram o imóvel melhor identificado no ponto 2 deste probatório em 28/06/2005 (admitido); 6. Com data limite de pagamento de Junho de 2006, referente ao exercício de 2005, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 1.164,50, tendo por base o VTP de € 232.900,00 (cfr. doc. de fls. 39 do doc. de fls. 178 do SITAF); 7. Com data limite de pagamento de Abril de 2007, referente ao exercício de 2006, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 582,25, tendo por base o VTP de € 232.900,00 (cfr. doc. de fls. 37 do doc. de fls. 178 do SITAF); 8. Com data limite de pagamento de Setembro de 2007, referente ao exercício de 2006, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 582,25, tendo por base o VTP de € 232.900,00 (cfr. doc. de fls. 38 do doc. de fls. 178 do SITAF); 9. Com data limite de pagamento de Abril de 2008, referente ao exercício de 2007, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 524,03, tendo por base o VTP de € 232.900,00 (cfr. doc. de fls. 35 do doc. de fls. 178 do SITAF); 10. Com data limite de pagamento de Setembro de 2008, referente ao exercício de 2007, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 524,03, tendo por base o VTP de € 232.900,00 (cfr. doc. de fls. 36 do doc. de fls. 178 do SITAF); 11. Com data limite de pagamento de Abril de 2009, referente ao exercício de 2008, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 483,27, tendo por base o VTP de € 241.633,75 (cfr. doc. de fls. 34 do doc. de fls. 178 do SITAF); 12. Com data limite de pagamento de Setembro de 2009, referente ao exercício de 2008, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 483,27, tendo por base o VTP de € 241.633,75 (cfr. doc. de fls. 33 do doc. de fls. 178 do SITAF); 13. Com data limite de pagamento de Abril de 2010, referente ao exercício de 2009, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 483,27, tendo por base o VTP de € 241.633,75 (cfr. doc. de fls. 31 do doc. de fls. 178 do SITAF); 14. Em 26/08/2010 a impugnante C… procedeu à entrega duma declaração para actualização de prédios urbanos da qual consta que o imóvel melhor identificado em 1, fracção C, solicitando a avaliação do mesmo e indicando com Área bruta privativa 197,600 m2 e Área bruta dependente 40,5500m2 (cfr. doc. de fls. 96 e 97 do doc. de fls. 336 do SITAF); 15. Em 08/09/2010 os impugnantes requereram a isenção de IMI relativamente à fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 5… C, sito na Rua T…, nº 1, Condomínio V…, Vivenda …, Almaragem do Bispo (cfr. doc. de fls. 21 do doc. de fls. 178 do SITAF); 16. Em 10/09/2010 os impugnantes dirigiram um pedido de reembolso de IMI e futura isenção, relativamente ao imóvel melhor identificado no ponto anterior, no sentido de ser considerado o erro que resultou da primeira avaliação do imóvel e, consequentemente, lhe serem devolvidos os montantes pagos a mais de IMI e lhes ser concedida a isenção a que teriam direito se não tivesse ocorrido o erro (cfr. doc. de fls. 22 a 25 do doc. de fls. 178 do SITAF); 17. Com data limite de pagamento de Setembro de 2010, referente ao exercício de 2009, foram os impugnante notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 483,27, tendo por base o VTP de € 241.633,75 (cfr. doc. de fls. 30 do doc. de fls. 178 do SITAF); 18. Em 29/09/2010 foi elaborada a ficha de avaliação nº 3… do imóvel identificado no ponto anterior da qual consta Área bruta privativa 197,600 m2 e Área bruta dependente 40,5500m2 e um VTP de € 134.180,00 (cfr. doc. de fls. 14 e 15 do doc. de fls. 336 do SITAF) 19. Por ofício de 05/10/2010 foram os impugnantes notificados da avaliação que foi efectuada sobre a fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 5615 C (cfr. doc. de fls. 20 do doc. de fls. 178 do SITAF); 20. Por ofício de 12/01/2011 foram os impugnantes notificados de que lhe havia sido concedida a isenção de IMI pelo período de dois anos (cfr. doc. de fls. 28 do doc. de fls. 178 do SITAF); 21. Em 30/03/2011 foi elaborada a Informação nº 75/11 da Direcção de Serviços de Avaliações da qual consta, com interesse para a decisão, o seguinte: “(…) «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» (cfr. doc. de fls. 16 a 19 do doc. de fls. 178 do SITAF); 22. Por despacho de 15/04/2011 foi indeferida a reclamação apresentada pelos impugnantes (cfr. doc. de fls. 16 do doc. de fls. 178 do SITAF); 23. Por oficio cuja data se desconhece foi o impugnante R… notificado do indeferimento da reclamação por si interposta e melhor identificada no ponto16 deste probatório (cfr. doc. de fls. 15 do doc. de fls. 178 do SITAF); 24. Com data limite de pagamento de Abril de 2011, referente ao exercício de 2010, foram os impugnantes notificados para proceder ao pagamento do IMI no valor de € 268,36, tendo por base o VTP de € 134.180,00 (cfr. doc. de fls. 29 do doc. de fls. 178 do SITAF); *** DOS FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram outros factos com relevância para a decisão. *** A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.». B.DE DIREITO Mostram os autos e o probatório que os impugnantes, aqui recorridos, em 28/06/2005 adquiriram para sua residência a moradia “C” do artigo 5… da freguesia de Almargem do Bispo, em Sintra. Em 23/08/2005, apresentaram no competente serviço de finanças pedido de isenção de IMI, o qual foi indeferido porque o VPT atribuído de 232.900,00 euros era superior ao limite de isenção previsto de 225.000,00 euros. Em 14/08/2010, os impugnantes tiveram conhecimento de que a outras fracções com as mesmas características tinha sido atribuído um valor patrimonial mais baixo, o que conferiu aos respectivos proprietários direito à isenção de IMI, porquanto, nesses outros casos, tinha sido corrigido o valor da área bruta privativa e dependente no valor de 228,00 m2, declarado pela empresa construtora. Em 10/09/2010, os impugnantes requereram à Administração tributária a correcção da avaliação e que o valor patrimonial da fracção resultante dessa avaliação fosse reportado à data da primeira e anterior avaliação. A AT deu seguimento ao pedido como reclamação da matriz se tratasse, procedimento previsto no art.º 130.º do Código do IMI, em que viria a validar a área bruta privativa de 197,60 m2, e a área bruta dependente de 40,55 m2, resultando agora um VPT de 134.180,00 euros, mas indeferiu o pedido de retroacção dos efeitos à data da primeira avaliação, com base no disposto no n.º 7 do referido art.º 130.º do Código do IMI, segundo o qual, “Os efeitos das reclamações efectuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo só se produzirão na liquidação respeitante ao ano em que o pedido for apresentado”. Embora nas alegações de recurso a Fazenda Pública, reiterando posição da Administração tributária, venha apontar à sentença erro de julgamento na interpretação do art.º 130.º do CIMI, o qual limita de modo expresso, os efeitos das correcões matriciais à data do pedido (no caso, 2010), a verdade é que a sentença reconduziu e apreciou o pedido dos impugnantes dirigido à AT como pedido de revisão oficiosa, procedimento previsto no art.º 78.º da Lei Geral Tributária. Assim, a primeira questão que se coloca consiste em saber se houve efectivamente erro da AT na forma do procedimento ao tratar o pedido dos impugnantes como de reclamação da matriz, procedimento previsto no art.º 130.º do CIMI, se tratasse. Ora, salvo o devido respeito, a sentença incorreu, de facto, em erro de julgamento ao reconduzir o pedido dos impugnantes – de correcção dos elementos matriciais relativos às áreas (privativa e dependente) do prédio urbano – a um pedido de revisão oficiosa, previsto no art.º 78.º da LGT, porquanto, este procedimento apenas tem por objecto os “actos tributários” em sentido estrito, aqui se incluindo os actos de liquidação e de alteração da matéria colectável quando não dê lugar a qualquer liquidação, não abrangendo os actos administrativos em matéria tributária, como são as inscrições matriciais e os actos de fixação de valores patrimoniais (art.º 97.º, n.º 1, alíneas a), b) e f), do CPPT). Como assinalam Diogo Leite Campos e Outros, “LGT – Anotada e Comentada”, 4.ª ed. 2012, a pág.702, estarão abrangidos pela expressão «actos tributários» que consta da epígrafe do artigo 78.º quer os actos de liquidação, quer os de fixação da matéria tributável, se ela tiver autonomia. No mesmo sentido já foi decidido no ac. deste Tribunal de 10/31/2019, tirado no proc.º 2765/12.8BELRS, em que se consignou o seguinte: «O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei. Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo» (fim de cit.). Por outro lado, note-se, mesmo a entender-se que o pedido dos impugnantes dirigido à AT consubstancia um pedido de revisão da liquidação de IMI com fundamento em erro de avaliação, o mesmo não tem condições de procedibilidade uma vez que, em desvio à regra da impugnação unitária (art.º 54.º do CPPT), os actos de fixação de valores patrimoniais e de inscrições matriciais são objecto de impugnação autónoma, nos termos previstos no art.º 134.º do CPPT, na redacção aplicável, anterior à da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro (vd. recentíssimo ac. do STA (Pleno do CT), de 02/23/2023, proferido no proc.º 0102/22.2BALSB). Restringida a revisão oficiosa do art.º 78.º da Lei Geral Tributária aos actos tributários em sentido estrito, não descortinamos erro de procedimento no tratamento do pedido dos impugnantes de correcção dos elementos matriciais relativos às áreas (privativa e dependente) da fracção habitacional como reclamação da matriz do art.º 130.º do CIMI. E nesta linha de entendimento, não se suscitam dúvidas interpretativas quanto à limitação dos efeitos da decisão de correcção à data do pedido (2010) – art.º 130.º, n.º 3 al. n) e n.º 7 e art.º 40.º, ambos do Código do IMI. Não olvidamos que, para além do art.º 78.º da LGT, em vários Códigos tributários e, nomeadamente, no Código do IMI, prevêem-se situações de revisão dos actos tributários a favor do contribuinte, com e sem fundamento em erro imputável aos serviços, bem como situações de restituição de tributos independentemente de anulação do acto tributário. Com efeito, dispõe o art.º 115.º do CIMI: «Artigo 115.º Revisão oficiosa da liquidação e anulação 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas: a) Quando, por atraso na actualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago; b) Em resultado de nova avaliação; c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; d) Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção. 2 - A revisão oficiosa das liquidações, prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, é da competência dos serviços de finanças da área da situação dos prédios. 3 - Não há lugar a qualquer anulação sempre que o montante do imposto a restituir seja inferior a (euro) 10». É certo que, em bom rigor, por erro da AT e que a própria, aliás, reconhece ser do seu “Perito Local”, resultou para os contribuintes aqui recorridos uma colecta superior à legalmente devida relativamente a anos anteriores desde 2005. No entanto, uma interpretação sistemática do disposto naquela al. c) do n.º 1 do art.º 115.º do CIMI, isto é, lida a norma no contexto das demais normas do Código, somos levados a concluir que as situações de excesso de colecta passiveis de revisão oficiosa para pretérito, relativamente à data do pedido, não compreendem as decisões de correcção das inscrições matriciais, quando tenham por fundamento situações previstas nas alíneas do n.º 3 do art.º 130.º do CIMI, por expressa determinação do n.º 7 deste último preceito, o que se explica por razões de segurança jurídica, que se apresentam equilibradas no contexto da inércia dos contribuintes no exercício oportuno dos meios de defesa que a lei contempla quer em sede de procedimento, quer de processo tributário. A sentença recorrida incorreu, pois, em erro de julgamento ao concluir que a AT ao decidir a correcção das inscrições matriciais das áreas privativa e dependente da fracção em sentido favorável aos contribuintes e, consequentemente alterar o VPT que lhe estava atribuído, deveria ter feito retroagir os efeitos da decisão para pretérito, de modo a abranger a colecta e consequente liquidação de anos anteriores ao pedido. O recurso merece provimento. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente improcedente. Condena-se os Recorridos em custas. Lisboa, 16 de Março de 2023 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Tânia Meireles da Cunha |