Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:111/06.9BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:CONCURSO DE RECRUTAMENTO;
PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DIREITO À IGUALDADE.
Sumário:I- Tendo o Tribunal a quo, no despacho saneador, declarado a caducidade do direito de ação quanto a algumas das ilegalidades imputadas ao ato impugnado (falta de audiência prévia, falta de fundamentação do ato e violação do disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro), o Tribunal de apelação, no recurso interposto da sentença final, não pode rever o julgado no despacho saneador, nem conhecer do mérito daquelas apontadas ilegalidades, se o despacho saneador não tiver sido, ele próprio, objeto de recurso jurisdicional.
II- Em sede de invocação da violação do conteúdo essencial de um direito fundamental por referência ao disposto no art.º 13.º da Constituição da República Portugusa, importa não confundir a vertente principiológica com a vertente garantística, ou seja, o princípio da igualdade com o direito à igualdade.
III- O princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e vantagens devem beneficiar a todos; e os deveres e encargos devem impender sobre todos, concretizando-se, essencialmente, na proibição do arbítrio, na proibição de discriminações- mormente em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual- e na obrigação de diferenciação.
IV- A função administrativa encontra-se, obviamente, vinculada ao princípio da igualdade, cujos momentos relevantes são os seguintes: proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coativas desiguais na esfera jurídica dos cidadãos, exigência de igualdade de benefícios ou prestações concedidas pela Administração, autovinculação da Administração no âmbito dos seus poderes discricionários e direito à compensação de sacrifícios.
V- Por conseguinte, a violação do princípio da igualdade perpetrada por um ato administrativo não corresponde automaticamente à violação de um direito fundamental, mas sim e apenas à violação de um princípio. O que significa que, em bom rigor, a violação do princípio da igualdade é geradora da mera anulabilidade do ato administrativo, não o inquinando de nulidade.
VI- A apresentação de candidatura a um procedimento concursal, para recrutamento e/ou promoção de pessoal, não encerra ou acarreta, a priori, qualquer garantia de seleção ou graduação do candidato em primeiro lugar, sendo, aliás, natural e normal que haja candidatos não selecionados, nem graduados em primeiro lugar, ou graduados em lugar que não permite o provimento na vaga concursada.
VII- A circunstância de um candidato não ser selecionado ou graduado em primeiro lugar constitui uma vicissitude perfeitamente expectável, que não traduz, por si só, qualquer menorização ou demérito dos candidatos não selecionados, nada tendo a ver com o direito à imagem, reputação, bom nome e ao direito à carreira na Administração Pública.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
M......................................................(Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra em 25/01/2009, que julgou improcedente a ação administrativa especial proposta contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública (Recorrido).
Inconformada, a Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo, clamando pela de nulidade do acórdão, bem como pela subsistência de erros de julgamento que, no seu entendimento, ditarão a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a revogação da decisão em crise.

As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
A douta sentença considerou improcedente a alegação de que o acto sindicado ofendia o conteúdo essencial de um direito fundamental consagrado nos arts 12°, 13° e 26° da CRP.
Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na CRP.
O direito à carreira está intrinsecamente ligado ao direito de acesso à função pública regra geral por via de concurso.
O direito à carreira concretiza-se pelo reconhecimento do esforço e dedicação ao serviço público através da progressão e promoção nas categorias em que os funcionários estão investidos.
O direito à promoção na carreira viabiliza-se através de concurso.
6ªOs concursos para selecção de pessoal pressupõe iniludivelmente que a Administração seja justa e imparcial e trate de igual modo as situações que são essencialmente iguais e de modo diferente as que são essencialmente diferentes.
A violação do princípio da igualdade, no caso sub judice, concretizou-se pela duplicidade de critérios na avaliação dos curriculuns dos vários candidatos beneficiando claramente um candidato - o candidato escolhido - em detrimento e prejuízo evidente da recorrente.
8a A recorrente sempre exerceu funções ligadas directa e indirectamente à área da formação, requereu a sua candidatura apresentando uma proposta de plano de acção evidenciou as numerosas qualificações que obteve ao longo da sua carreira ligadas à formação, é formadora credenciada e viu a sua candidatura preterida a favor de uma outra que não apresenta qualquer experiência na área da formação.
A recorrente sentiu-se humilhada, pessoal e profissionalmente, viu a sua carreira depreciada e desvalorizada - a sua dignidade profissional foi gravemente desrespeitada.
10ª Verifica-se, pois, a violação da essência de princípios fundamentais de direito constitucionalmente protegidos.
11ª Razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, sob pena de se dar acolhimento à violação dos art.s 12°, 13° 26° 47°-2 E 268° da CRP bem como da Lei 2/2004.
12a Com o devido respeito, a douta sentença apreciou e decidiu erradamente as violações invocadas pela A. ao não ter considerado que estava em causa o núcleo essencial das normas e princípios desrespeitados.
13a A sentença devia de ter seguido a jurisprudência existente e decidido pela nulidade do acto administrativo em crise por violação de direitos e princípios fundamentais.
14a E deverá ser declarada nula e revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que determine o prosseguimento dos autos em primeira instância louvando as normas violadas e para conhecimento dos restantes vícios invocados pela recorrente, assim sendo feita a
COSTUMADA JUSTIÇA”

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando, em suma, pela manutenção do julgado na Instância a quo.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer, pugnando, em suma, pelo não provimento do vertente recurso e pela consequente manutenção do acórdão recorrido.
Estriba a sua posição, em síntese, no argumento de que a Impetrante desenvolve um ataque que se reconduz à discussão do mérito dos candidatos e não à violação do princípio da igualdade, sendo certo que o conhecimento desta patologia do ato em causa encontra-se arredada da presente discussão em virtude da decisão de extemporaneidade proferida no despacho saneador.
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Foram colhidos os vistos dos Venerandos Adjuntos.
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Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se o acórdão a quo padece:
A) de nulidade por omissão de pronúncia;
B) de erro de julgamento no que concerne à apreciação da violação do núcleo essencial dos direitos e princípios fundamentais inscritos nos “art.s 12º, 13º, 26º, 47º-2 e 268º da CRP bem como da Lei 2/2004".

II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra assentou a seguinte factualidade, que entendeu provada, a qual se reproduz ipsis verbis:
A) Através de anúncio publicado no Jornal Expresso, de 18 de Setembro de 2004, com o título “Recrutamento e Selecção de 7 Directores de Serviço para a DGAP”, a Autora teve conhecimento de que “A DGAP pretende seleccionar, em regime de comissão de serviço, pelo período de 3 anos, de acordo com os n°s 2 e 3 do art° 21° da Lei 2/2004, de 15 de Janeiro, 7 directores de serviço, cargos de direcção intermédia de 1° grau, do grupo de pessoal dirigente, do quadro de pessoal desta Direcção Geral, correspondentes às seguintes unidades orgânicas:
(...) Ref. C) Departamento de Estudos Profissionais e de Coordenação da Formação (DEPCF) - um lugar”. - Documento n.° 1 junto à petição inicial;
B) A Autora apresentou a sua candidatura ao procedimento de recrutamento e selecção referido em A), juntando todos os documentos exigidos. - Documento n.° 4 junto à petição inicial e admitido por acordo;
C) Em 4 de Fevereiro de 2005, ao tomar conhecimento de que não tinha sido seleccionada, a Autora requereu a consulta de todo o processo de selecção. - Documento n.° 2 junto à petição inicial e documento a fls. 121 do Processo Administrativo;
D) Em 1 de Março de 2005, como não lhe tinha sido dada resposta ao requerimento de 4 de Fevereiro de 2005, entregou novo requerimento a insistir na resposta. - Documento n.° 3 junto à petição inicial e admitido por acordo;
E) Em 14 de Março de 2005 a Autora recebeu fotocópias autenticadas do processo de selecção em causa. - Documento n.° 4 junto à petição inicial;
F) Dado que os documentos enviados não correspondiam a todo o processo de selecção, no que dizia respeito às candidaturas para a Ref3 C, fez novo pedido de documentos os quais lhe foram entregues em 17 de Março de 2005. - Documentos n.°s 5 e 6 juntos à petição inicial;
G) O candidato seleccionado, Dr J. .........................., foi nomeado e foi feita a respectiva publicação no Diário da República, II Série, n.° 53, de 16 de Março de 2005. - Documentos n.°s 4,6 e 7 juntos à petição inicial;
H) Em 15 de Abril de 2005 foi elaborado por Assessor Jurídico Principal, do Gabinete Jurídico e do Contencioso, da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças e da Administração Pública, o Parecer n.°46/05/AM, com o seguinte teor:
Assunto: Pedidos formulados pela Sr3 Dr.a M................relativamente ao recrutamento para 7 directores de serviços do quadro de pessoal da Direcção Geral da Administração Pública
Senhor Secretário de Estado da Administração Pública
1. A funcionária acima identificada, vem solicitar a V. Exa. uma averiguação à actual Direcção da DGAP acerca do Aviso de abertura de concurso que aquele serviço público fez publicar no jornal expresso de 18 de Setembro de 2004 identificado como: “Recrutamento e Selecção de 7 directores de Serviço, cargos de direcção intermédia de 1o grau, do grupo de pessoal dirigente, do quadro de pessoal daquela Direcção Geral. (...)
3. Apreciando
3.1 O pedido que a requerente formula, afigura-se-nos anómalo já que não está previsto em qualquer diploma legal
3.2 Com efeito, acaso sejam verdadeiras algumas afirmações por si feitas, então os factos respeitantes a tais afirmações seriam objecto de reclamação para o autor do acto (art.° 58° n.° 2 alínea a) do CPA) ou de recurso hierárquico para o superior hierárquico nos termos da alínea b) do mesmo preceito legal. Ora a Requerente nada disto fez, limitando-se a formular um pedido de averiguação que não conseguimos descortinarem que consista.
3.4 Estará a Requerente a querer significar que a actuação do júri do concurso e da Senhora Directora Geral é susceptível de enquadramento em ilícito disciplinar?
3.5 Não nos parece, pois, duma forma geral, a ponderação dos “curricula” dos candidatos a um concurso de pessoal pelos membros do júri e os argumentos tecidos em tal sede para classificar e ordenar os candidatos, não podem ser considerados como ofensa á pessoa e á vida profissional dos funcionários.
3.4 Na verdade, as afirmações da Requerente nomeadamente quando refere que o candidato escolhido não tem perfil adequado para o cargo posto a concurso e que os comentários acerca da sua vida profissional, omitindo o seu curriculum na área da investigação e da formação, são a nosso ver factos susceptíveis de ser impugnados por via hierárquica ou contenciosa, mas não constituem factos ilícitos que possam desencadear no futuro qualquer processo disciplinar.
3.5 Razão pela qual sugerimos o arquivamento deste processo com conhecimento à interessada.
Em tempo:
3. Já depois de apreciarmos o pedido a que aludimos, foi-nos enviado outro em que a Requerente solicita, para que não seja dada posse ao candidato seleccionado Dr.J. ........................... e que seja impedida a abertura dum concurso para preencher cargos de chefe de divisão, porque tais cargos irão ser preenchidos por amigos da Sr.a Directora da DGAP.
4.1 Acerca do primeiro caso, é impossível impedir o provimento do funcionário posicionado em 1o lugar num concurso, excepto se houver recurso hierárquico.
4.2 Que era o que a Requerente deveria ter feito e não o fez; tentando provar em sede própria os vícios que pessoalmente imputa ao recrutamento daquele funcionário.
4.3 Quanto ao pedido de impedimento de abertura de concurso para cargos de Chefe de Divisão, tal pedido afigura-se-nos despropositado ao lançar-se suspeita sobre pessoas que nem sequer se sabe se farão parte do júri do concurso.
4.4 0 preenchimento de cargos por concurso, ficará a cargo do júri nomeado para o efeito e com ele visa-se a aplicação dos princípios da imparcialidade e da igualdade de oportunidades.
4.5 Só depois de concluído o concurso se poderá aquilatar da objectividade ou subjectividade como o mesmo decorreu e da salvaguarda ou não daqueles princípios.
4.6 Não se pode é impugnar anormal actividade da administração por suspeitas imputadas à Senhora Directora Geral da DGAP, como a Requerente o faz.
Nestes termos, devem indeferir-se os pedidos da Recorrente por falta de suporte legal mínimo em que se alicercem. - Documento n.° 10 junto à petição inicial;
I) “Ao abrigo do art. 166° e seguintes do C.P.A.” a ora Autora interpôs, em 20 de Abril de 2005, recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças e da Administração Pública - Documento n.° 8 junto à petição inicial e admitido por acordo;
J) Sobre o parecer referido na alínea H) foi exarado em 23 de Abril de 2005, pelo Secretário de Estado da Administração Pública, o despacho n.° 110/2005/SEAP com o seguinte teor:
“1. Concordo.
2. Indefiro.
3. Arquive-se.
4. Dê-se conhecimento à autora (…)”- Documento n.º 10 junto à petição inicial;
K) Em 26 de Abril de 2005, a Autora endereçou nota informativa e pedido de averiguação ao Secretário de Estado da Administração Pública. - Documento n.° 9 junto à petição inicial;
L) A Autora foi notificada do parecer referido na alínea H) e do despacho referido na alínea J) pelo Ofício n.° 1157, de 27 de Abril de 2005, do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Pública - Documento n.° 10 junto à petição inicial;
M) Em 6 de Julho de 2005 a ora Autora requereu ao Ministro de Estado, das Finanças e da Administração Pública que fosse “passada certidão ou informação escrita com valor de certidão, no prazo legal de 10 dias, da decisão proferida no dito recurso bem como da data da mesma e respectiva fundamentação, ou, se ainda não tiver sido proferida qualquer decisão, lhe seja prestada informação sobre a fase em que encontra o respectivo processo decisório, sob pena de não havendo resposta no prazo legal se proceder a intimação judicial nos termos do art° 104° e segts, do Cód. Processo dos Tribunais Administrativos - Documento n.° 11 junto à petição inicial;
L) Notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 172.° do Código do Procedimento Administrativo, do recurso hierárquico interposto pela Autora a Directora-Geral da Administração Pública, Dr.a M..............., pronunciou-se da seguinte forma:
“(...) consideramos que o acto de escolha do titular do cargo de director de serviços do DEPCF praticado pela Directora-Geral da Administração Pública caberá unicamente recurso contencioso nos termos do CPTA, não havendo lugar a impugnação graciosa necessária ou facultativa.
4.16. Neste contexto, deverá o recurso apresentado pela candidata ser rejeitado nos termos do disposto na alínea b) do artigo 173° do CPA.
5. Caso assim não se entenda, o que por elementar dever de cautela se equaciona, impugnam- se especificadamente os argumentos apresentados pela recorrente nos seguintes termos:
5.1. Refere a recorrente que o candidato escolhido não apresentou qualquer comprovativo da posse das habilitações literárias e profissionais exigidas, assim como não juntou ao processo a declaração do serviço de origem com a indicação do tempo de serviço na categoria, carreira e função pública.
De facto, o candidato escolhido não juntou ao seu requerimento de candidatura tais documentos, tendo, contudo, anexado ao seu Currículum Vitae uma declaração sob compromisso de honra afirmando que todas as declarações dele constantes correspondiam à verdade, comprometendo-se a apresentar os respectivos comprovativos logo que solicitados.
Como bem se sabe, o processo de selecção constante do artigo 21° da Lei n.° 2/2004, de 15 de Janeiro, não é um procedimento de concurso mas sim um processo célere e flexível que tem como objectivo a escolha do candidato que melhor corresponda ao perfil pretendido pelo serviço.
Neste sentido, o legislador apenas fixou os requisitos mínimos a respeitar no procedimento, permitindo que cada serviço o complemente e adapte à sua própria realidade. A lei deixou, ainda, na discricionariedade do dirigente máximo do serviço a decisão sobre quem procede e a forma como se procede à análise das candidaturas apresentadas.
No caso em apreço foi entendido que a referida declaração sob compromisso de honra seria suficiente para a aplicação dos critérios de selecção ao candidato, relegando para momento posterior, se fosse caso disso, a entrega da mencionada documentação.
Foi o que, de facto, aconteceu, constando do processo do candidato escolhido uma declaração emitida pelos serviços competentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que confirma os dados carreados para o processo por parte do candidato.
Não se encontra, assim, qualquer Ilegalidade no procedimento adoptado.
5.2 Alega também a recorrente que a nota relativa ao currículo académico e profissional do candidato escolhido publicado em Diário da República na sequência da sua escolha para o referido cargo, não corresponde integralmente ao descrito no currículo apresentado aquando da candidatura.
Ora, de acordo com o estabelecido no n.° 5 do artigo 21. ° da Lei n.° 2/2004, o despacho de nomeação do candidato escolhido é publicado no Diário da República juntamente com uma nota relativa ao seu currículo académico e profissional.
A lei exige, assim, a publicação de uma nota curricular e não a publicação integral do currículo do nomeado.
No caso concreto, foi publicada no Diário da República, em anexo ao despacho de nomeação, uma síntese curricular e não todo o currículo do funcionário nomeado, razão pela qual tal nota poderá não ser exaustiva - ainda que refira, ao contrário do que a recorrente alega, que o candidato escolhido participou na gestão do programa PROFAP no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Nesta conformidade, não se entende em que é que tal facto possa inquinar o acto recorrido.
5.3 Por outro lado, alega a ora recorrente que o acto de escolha do candidato não está devidamente fundamentado, assim como o não está a sua própria exclusão. Tal facto consubstancia, em seu entender, violação da alínea a) do n.° 1 do artigo 124.° e do artigo 125. ° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
(...) No que concretamente respeita ao processo de selecção tendente à escolha do titular do cargo de director de serviços do DEPCF, desta Direcção-Geral, a oferta de emprego que o publicitou fixou atempadamente os requisitos legais de recrutamento, as áreas de actuação e o perfil pretendido para o exercício do cargo, definindo quais os critérios de selecção a utilizar, encontrando-se a decisão final devidamente fundamentada.
Com efeito, no âmbito do processo de selecção a que se refere o artigo 21° da Lei n.° 2/2004, deve ser assegurada aos candidatos a liberdade de acesso através da publicitação da vaga; a possibilidade de qualquer funcionário apresentar a sua candidatura, desde que preencha os requisitos necessários, não podendo, em última análise, nenhum candidato ser preterido por outro que não seja possuidor desses mesmos requisitos.
A escolha, como a própria lei refere, deverá recair no candidato que melhor corresponda ao perfil pretendido para prosseguir as atribuições e objectivos do serviço, e neste sentido, a Administração deverá escolher o candidato que seja garante de uma melhor prossecução do interesse público.
A fundamentação da escolha teve por base o perfil delineado para o cargo em concreto e os currículos apresentados pelos candidatos. Foi, portanto, do confronto entre o perfil concretamente traçado e os elementos que os candidatos carrearam para o processo - quer os elementos escritos que apresentaram, quer os que resultaram da entrevista efectuada para discussão do currículo - que se pôde construir um juízo de adequação do perfil do candidato para o desempenho do cargo.
Dito de outra forma, a liberdade conferida ao dirigente máximo do serviço para escolher o candidato que melhor corresponda ao perfil pretendido para prosseguir as atribuições e objectivos do serviço apenas está limitada por três factores: pela apresentação de candidatura por parte do interessado; pela verificação dos requisitos legais e pelo perfil previamente fixado.
Ainda assim, no caso vertente, entendeu o júri ad hoc fazer constar de um Memorando a apreciação final sobre cada um dos candidatos, optando, assim, não só por fundamentar expressamente a escolha do candidato que melhor correspondeu ao perfil fixado, mas também por fazer uma apreciação geral sobre os restantes candidatos, mencionando, a respeito de cada um deles, quais as razões que levaram a que não fossem escolhidos.
Acresce referir a este respeito que qualquer acto administrativo se considera devidamente fundamentado não só quando tal fundamentação é feita de forma directa, como no caso vertente, mas também quando resulte de remissões ou referências a outros documentos constantes do processo e com base nos quais se procedeu à ponderação determinante do resultado concreto, como será o caso dos currículos profissionais.
(...) Ante o exposto, deverá considerar-se que a escolha do titular do cargo de director de serviços do DEPCF se encontra devidamente fundamentada, negando-se provimento ao alegado pela recorrente nesta matéria.
5.4 Por último, considera que, estando o procedimento em apreço sujeito ao Código do Procedimento Administrativo, deveria ter sido notificada para se pronunciar no âmbito do direito de participação dos interessados (artigo. 100.° e seguintes do CPA), o que não aconteceu.
No que concerne à necessidade de realização de audiência de interessados, importa anotar que, desde sempre se tem considerado que, prevendo o artigo 21° da Lei n.° 2/2004, um processo de selecção tendente à escolha do funcionário que melhor corresponda ao perfil pretendido, não haverá lugar ao exercício do direito de participação dos interessados.
Com efeito, a própria natureza da escolha, enquanto forma de recrutamento, dificilmente se coaduna a realização da audiência de interessados: se, por um lado, a escolha atribui, por definição, uma vasta margem de liberdade, no caso, ao dirigente máximo do serviço, o que lhe permite fazer uma apreciação pessoal sobre adequação dos vários candidatos ao perfil fixado, apreciação esta que não é passível de impugnação, sequer contenciosa; por outro, a audiência de interessados tem como finalidade transportar para um determinado procedimento, a possibilidade de os interessados apresentarem a sua versão dos factos, ou seja, a possibilidade de participarem nas decisões da Administração.
Sendo certo que a apreciação pessoa que o dirigente máximo do serviço faz do currículo de cada candidato, das suas características pessoais e dos factores que considera decisivos para o bom desempeno do cargo não são passíveis de impugnação, conforme jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo.
Acresce ainda referir que o n.° 4 do mesmo artigo 21° estabelece que o provimento dos cargos de direcção intermédia é feito por urgente conveniência de serviço.
A atribuição do carácter de urgência ao provimento dos referidos cargos indicia claramente que a decisão de escolha é uma decisão urgente. Apontam também neste sentido a estipulação de um prazo máximo para o exercício de funções em regime de gestão corrente (90 dias); a redução do prazo de exercício dos cargos dirigentes em regime de substituição em caso de vacatura do lugar de 6 meses (lei n.° 49/99, de 22 de Junho) para 60 dias e o desaparecimento da figura da suspensão da comissão de serviço.
Neste sentido, entende-se que é a própria lei que, ao qualificar como urgente a decisão de escolha do candidato, considera desde logo verificada a situação constante da alínea a) do n.°1 do artigo 103. ° do CPA.
Não assiste assim, razão à recorrente quando alega a necessidade de realização de audiência dos interessados.
5.5 A recorrente conclui arguindo a nulidade de todo o processo, por considerar que os actos carecem em absoluto de forma legal - por violação do artigo 21° da Lei n. 2/2004, de 15 de Janeiro, e dos artigos 8.°, 124° e 125° do CPA e 267° da Constituição da República Portuguesa -, nos termos do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo, requerendo a sua repetição com respeito pelas normas violadas.
Ora, para além de não se entender o alcance das palavras da recorrente, que ao longo da petição de recurso reconduz os eventuais vícios indistintamente à sanção de anulabilidade e de nulidade, parece-nos manifesto que a recorrente também não especifica, qual ou quais os procedimentos preteridos ou quais as razões que levam a afirmar que o acto não reveste a forma legalmente exigida.
Repare-se que, como se infere do exposto, foram observadas todas as regras procedimentais:
· A oferta de emprego foi publicitada em órgão de imprensa de expansão nacional assim como na Bolsa de Emprego Público;

· Foi fixada a área de actuação do cargo, os requisitos legais de provimento e o perfil pretendido;

· Foram fixados os critérios que presidiram à escolha do titular: a avaliação do currículo e a sua discussão numa entrevista;

· O acto de escolha do candidato que melhor correspondeu ao perfil pretendido foi devidamente fundamentado - assim como a “não escolha" dos restantes candidatos - constando tal fundamentação de Memorando do júri ad hoc constituído pela Directora-Geral da Administração Pública e pelos Subdirectores-Gerais;

· Todos os candidatos tiveram acesso ao processo, sempre que o solicitaram;

· Todos os candidatos foram notificados da escolha efectuada por ofício registado;

· O candidato escolhido foi provido por despacho da Directora-Geral da Administração Pública, de acordo com o n.° 3 do artigo 21. ° da Lei n.° 2/2004, de 15 de Janeiro;

· O despacho de nomeação devidamente fundamentado foi publicado no Diário da República juntamente com a nota relativa ao currículo académico e profissional do nomeado.
Neste contexto, não se entende como pode a recorrente alegar que o acto recorrido está ferido de nulidade!
Anote-se a este propósito que os vícios que determinam nulidade são excepcionais, estando legalmente previstos, como resulta expressamente do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo, sendo subsumíveis na alínea f) do n.° 2 do artigo 133° do CPA situações como a da prática de um acto administrativo sem procedimento nos casos em que a lei o exija ou a prática de um acto pela forma oral quando a lei exige forma escrita.
O que não é manifestamente o caso!
Em face do exposto, impõe-se concluir que o acto recorrido não está, contrariamente ao que defende a recorrente, inquinado de qualquer vício gerador da sua nulidade.
Em conclusão, está o acto recorrido, nem o processo que a este está subjacente, inquinado com qualquer vício gerador da sua nulidade ou sequer anulabilidade pelo que, após a análise do recurso apresentado pela recorrente, só poderá concluir-se pelo seu indeferimento, mantendo-se o acto recorrido. (...)"- Documento n.° 12 junto à petição inicial;
O)Em 22 de Junho de 2005 foi elaborado por Assessor Jurídico Principal, do Gabinete Jurídico e do Contencioso, da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças e da Administração Pública, o Parecer n.° 85/2005, no qual se conclui “(...) deverá negar-se provimento ao recurso hierárquico com os fundamentos que constam do parecer subscrito pela Senhora Directora-Geral da Administração Pública o qual se aqui dá por inteiramente reproduzido”. - Documento n.° 12 junto à petição inicial;
P) Em 14 de Outubro de 2005 foi proferido pelo Secretário de Estado da Administração Pública o Despacho n.° 649/2005-SEAP no qual se conclui e decide: “(...) 5. Da análise de todo o processo resulta não terem sido apresentados quaisquer fundamentos que determinem a declaração de nulidade nem foram detectados quaisquer vícios geradores de anulabilidade do acto administrativo recorrido.
6. Assim, ao abrigo da competência que me foi delegada pelo Despacho n.° 19.665, de 27 de Julho de 2005, publicado no Diário da República, 2.a série, n.° 175, de 12 de Setembro de 2005, e nos termos do artigo 174° do CP A, e louvando-me no Parecem.0 85./2005, de 22 de Junho, do Gabinete Jurídico e do Contencioso, da Secretaria-Geral deste Ministério, e nas alegações apresentadas pela Autora do acto, os quais fazem parte integrante deste despacho, indefiro o presente recurso, confirmando o acto recorrido. (...)”- Documento n.° 12 junto à petição inicial;
Q) Pelo ofício n.° 100/DGAR/ 2005, da Direcção-Geral da Administração Pública, a ora Autora foi notificada, em 28 de Outubro de 2005, “do despacho n.° 649/2005 - SEAP, de S. Ex.a o Secretário de Estado da Administração Pública sobre o parecer n° 85/2005, de 22 de Junho de 2005, elaborado pelo Gabinete Jurídico e do Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças e da Administração Pública (...).”- Documento n.° 12 junto à petição inicial;

Nenhum outro facto com relevância para a decisão da causa ficou provado.”

III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
A Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra a presente ação administrativa especial contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, peticionando, em suma, a “anulação do acto administrativo de indeferimento do recurso hierárquico”, a “anulação do acto de exclusão” da ora Recorrente, e a condenação do Recorrido “na repetição do processo de recrutamento em respeito das normas violadas”, na “prática do acto devido de nomeação” da Recorrente, “na reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado” e “no pagamento de uma indemnização a liquidar posteriormente”.
A Recorrente estriba as suas pretensões na alegação, em síntese, de que o ato de indeferimento do recurso hierárquico é ilegal, em virtude de falta de fundamentação, de violação do direito a audiência prévia, de violação do disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, e de violação do conteúdo essencial de direito fundamental, consagrado nos art.ºs 12.º, 13.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP, em diante).
Na contestação oferecida pelo agora Recorrido, este invocou a intempestividade da vertente ação.
Em 10/05/2007, o Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra proferiu despacho saneador, nos termos do qual julgou procedente a intempestividade desta ação no tocante à ilegalidades referentes à falta de fundamentação, à violação do direito a audiência prévia, e à violação do disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, por tais ilegalidades inquinarem o ato impugnado de anulabilidade, o que implica que, no momento em que a presente ação foi proposta, já tinha decorrido inteiramente prazo de três meses para propositura da mesma. Mais determinou o Tribunal a quo o prosseguimento dos presentes autos para apreciação e julgamento da invocada violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, por tal patologia, a verificar-se, ser conducente à declaração de nulidade do ato impugnado, declaração esta que pode suceder a todo o tempo.
Nessa senda, o Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra proferiu acórdão em 25/01/2008, nos termos do qual julgou a ação administrativa improcedente e, em consequência, absolveu o Recorrido dos pedidos.
Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe nulidade e erros de julgamento.

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Delimitação prévia do objeto do recurso
A Recorrente, na conclusão 14.ª do seu recurso, clama pela declaração de nulidade da decisão recorrida, peticionando que a mesma seja “substituída por decisão que determine o prosseguimento dos autos em primeira instância louvando as normas violadas e para conhecimento dos restantes vícios invocados pela recorrente”.
Ora, o teor da referenciada conclusão 14.ª apresenta-se confuso e equívoco, razão pela qual importa, antes de tudo o mais, clarificar o objeto desta impetração.
Com efeito, quer na conclusão 1.ª, quer no demais corpo alegatório vertido nas alegações deste recurso, verifica-se que a Recorrente apenas indica o acórdão prolatado em 25/01/2008 como sendo a “sentença recorrida”, percecionando-se claramente o facto de a Recorrente não dirigir ataque a qualquer outra decisão proferida nestes autos.
Sendo assim, cumpre ressaltar que o despacho saneador permanece incólume, pois que a Recorrente não disputa, nesta sede recursiva, o acerto do julgamento realizado pelo Tribunal a quo no que tange à caducidade do direito de ação da Recorrente quanto aos vícios potencialmente inquinadores do ato impugnado com a anulabilidade. Por conseguinte, e como bem patenteou o despacho saneador, os presentes autos apenas prosseguiram para apreciação e julgamento da imputada violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Do que vem de expender-se, bem como da análise do acórdão agora sob escrutínio, decorre que este procedeu ao julgamento da aludida violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, nada referindo ou decidindo quanto aos vícios de falta de fundamentação, de violação do direito a audiência prévia e de violação do disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro.
Deste modo, não tendo a Recorrente deduzido impugnação recursiva atempada no que concerne ao despacho saneador, é mister concluir que sobre a matéria decidida no mesmo ocorre caso julgado, circunstância esta impeditiva da revisão, nesta oportunidade, da sobredita decisão de procedência de caducidade do direito de ação no tocante às ilegalidades invocadas de falta de fundamentação, de violação do direito a audiência prévia e de violação do disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro.
Destarte, o presente recurso apenas incidirá sobre o julgamento contido no acórdão promanado em 25/01/2008.
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Debrucemo-nos, então, sobre o acórdão objeto do vertente recurso jurisdicional.

A) Quanto à nulidade
Na já citada conclusão 14.ª das alegações de recurso, a Recorrente vindica a declaração de nulidade do acórdão a quo, rogando que o mesmo seja “substituída por decisão que determine o prosseguimento dos autos em primeira instância (…) e para conhecimento dos restantes vícios invocados”.
Não subsistindo no corpo alegatório outros indícios que auxiliem na compreensão do exato conteúdo e fundamento do pedido de declaração de nulidade do acórdão, impõe-se, por cautela, apreciar esta pretensão assumindo, para tanto, que a Recorrente assaca ao acórdão recorrido omissão de pronúncia, em virtude da formulação consignada no que se refere ao pedido de “prosseguimento dos autos em primeira instância (…) e para conhecimento dos restantes vícios invocados".

O art.º 668.º, n.º 1, al. b) do CPC (na versão anterior à conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), aplicável ao contencioso administrativo por força da consagração contida no art.º 140.º do CPTA (também na redação anterior o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro), estipula que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Esta sanção é dimanante da violação do dever de fundamentação das decisões, dever este imposto, entre o mais, pelo art.º 154.º do CPC, que estatui que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, sendo que a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
Sucede, todavia, que não lhe assiste razão.
Ora, o art.º 95.º, n.º 1 do CPTA (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) prescreve que o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, mais acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que, nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas. Esta disposição transpõe para o contencioso administrativo o que é um princípio processual de longa tradição, vertido no art.º 660.º, n.º 2 do CPC (na versão anterior à conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), aplicável ao contencioso administrativo por força da consagração contida no art.º 140.º do CPTA (também na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) e que estabelece que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O desrespeito deste dever imposto ao Juiz contamina a sentença com uma patologia genética, conducente ao mais grave desvalor, ou seja, à nulidade, nos termos que se encontram plasmados no art.º 668.º do CPC, por força do estatuído no art.º 140.º do CPTA. Assim, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC). A nulidade consubstancia, pois, a sanção da infração ao dever que impende sobre o Tribunal de, em decorrência do princípio da disponibilidade objetiva, resolver todas as pretensões/questões que as partes tinham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estivesse ou ficasse prejudicada pela solução dada a outras ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado. Daí que a nulidade da decisão judicial ocorra no âmbito da respetiva validade formal, e pressuponha que o concreto ato jurisdicional tenha desrespeitado as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou violado o conteúdo e limites do poder à sombra da qual foi decretado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/09/2018, no processo 01411/16).
O problema que se coloca neste contexto é o de, em determinadas situações, destrinçar as questões dos argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas a ausência de apreciação e julgamento das primeiras é suscetível de inquinar de nulidade a decisão objeto de recurso. Realmente, a não ponderação ou apreciação, por banda do tribunal, da totalidade do elenco argumentativo apresentado pelas partes é conducente, quando muito, ao erro de julgamento, mas não à nulidade da decisão. E tal sucede porque o tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade dos argumentos oferecidos pelas partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes.
Deste modo, deve entender-se que questões são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes. “Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, (…) sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/12/2018 no processo 930/12.7BALSB).
Do que vem de se exprimir decorre, portanto, que somente existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art.º 660.º, n.º 2, do CPC, “proferir uma decisão de fundabilidade ou infundabilidade das exceções e da pretensão [causa de pedir/pedido] sem apreciar os problemas/questões fundamentais objeto do litígio” (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26/04/2018 no processo 01002/16, de 30/05/2018, no processo 0986/14, de 20/06/2018 no processo 0209/14, de 14/11/2018 no processo 0829/12.7BELRA e de 20/12/2018 no processo 0229/17.2BELSB e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/11/2018 no processo 942/14.6BELLE).
Dito doutro modo, “a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocadas pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado.((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.)
É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/10/2018, no processo 01096/11.5BELRA).
Finalizando, e como se consignou no Aresto deste Tribunal Central Administrativo proferido em 06/12/2018, no processo 79/18.9BCLSB, “quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, não usar de razões ou fundamentos jurídicos ou factuais invocados pelas mesmas partes, não está a omitir o conhecimento de questões de que devia conhecer com suscetibilidade do cometimento de nulidade; independentemente da maior ou menor validade daquela argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia se não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso, a atinente à imputação das condutas descritas aos arguidos.”
Realizado este périplo jurisprudencial, importa reverter ao caso versado.

O escrutínio do articulado inicial da Recorrente, especialmente, o exame do petitório final, permite assumir que, efetivamente, a Recorrente deduziu pretensões anulatórias com fundamento na ocorrência de vícios de violação de lei, violação do dever de audiência prévia, falta de fundamentação e violação do conteúdo essencial de um direito fundamental. A procedência das pretensões anulatórias constitui condição de sucesso quanto ao desfecho das demais pretensões, estas de natureza essencialmente condenatória, especificamente, na condenação à prática de ato devido, nomeação da Recorrente, reconstituição da situação que existiria se o ato impugnado não tivesse sido emitido e pagamento de indemnização.
Ora, examinada a decisão a quo, verifica-se que a mesma, efetivamente, não se debruça sobre todas as ilegalidades invocadas, mas apenas sobre a imputação de violação do conteúdo essencial de um direito fundamental. Mas a verdade é que não tinha de o fazer.
É que a presente ação, no que concerne às ilegalidades atinentes à falta de audiência prévia e de fundamentação e violação do art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, soçobrou em momento processual lógico-racionalmente anterior ao julgamento do mérito da causa, o que implicou que o julgamento quanto às ditas ilegalidade tenha ficado prejudicado.
Expliquemos melhor.
Como dimana do despacho saneador proferido em 10/05/2007, o Tribunal a quo julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação no que concerne a três das quatro ilegalidades apontadas pela Recorrente ao ato impugnado- ato de indeferimento do recurso hierárquico proferido em 14/10/2005.
Quer isto significar que, em sede de escrutínio da verificação dos pressupostos, o Tribunal a quo concluiu que a presente ação não reunia a totalidade das condições processuais imprescindíveis para acesso ao mérito da causa no que tange à totalidade da causa de pedir que estriba os pedidos formulados pela Recorrente. Ora, a ausência destas condições desemboca necessariamente na extinção parcial da instância, pelo que, extinta a instância, cessa parcialmente o litígio processual ao abrigo do qual seria emitida a pronúncia judicial de mérito.
Com efeito, não resta qualquer dúvida de que a tempestividade da propositura da ação configura uma pressuposto processual, pelo que, a caducidade do direito de ação constitui um fundamento obstativo ao prosseguimento do processo, de acordo com o previsto no art.º 89.º, n.º 1, al. h) do CPTA. O que significa que a não verificação do mencionado pressuposto processual é conducente à absolvição do demandado da instância, consonantemente com o prescrito no art.º 89.º, n.º 1 do CPTA e nos art.ºs 493.º, n.ºs 1 e 2 e 288.º, n.º 1, al. e) do CPC, aplicáveis ao caso posto por força do preceituado no art.º 1.º do CPTA.
Perante tal, não pode o Tribunal prosseguir para apreciação do mérito da causa no tocante às ilegalidades atinentes à falta de audiência prévia, falta de fundamentação e violação do art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, uma vez que o julgamento destas questões encontra-se prejudicado pela solução que o Tribunal concedeu ao caso concreto no que se refere ao labor verificativo da presença dos pressupostos processuais.
Sendo assim, e por apelo ao disposto no art.º 608.º, n.º 2 do CPC, impera assumir que, no caso que agora se decide, não foi violado o princípio da disponibilidade objetiva, até porque, o conhecimento e julgamento das questões processuais precede obrigatoriamente o julgamento do fundo da ação, nos termos consagrados no n.º 1 do mencionado art.º 608.º.
Resta mencionar que, no que se refere a esta temática, a Jurisprudência é profícua e sólida no sentido que vem de se relatar, destacando-se, entre muitos outros, o Acórdão promanado pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo em 06/12/2018, no processo 0930/12.7BALSB, no qual se exarou, para o que agora interessa, o seguinte discurso:
“(…)
27. Ora na situação vertente temos que, desde logo, a pronúncia contida na decisão objeto da presente reclamação não padece de qualquer omissão em face do que constituíam as questões suscitadas (…), já que, pese embora figurassem no elenco das questões suscitadas em sede recursiva, tal enunciação mostra-se sempre feita no pressuposto de que o seu conhecimento não venha, entretanto, a ficar ou a tornar-se prejudicado ou precludido com julgamento que haja recaído sobre antecedente questão objeto de julgamento.
28. E foi o que in casu ocorreu, já que mercê da procedência da exceção de falta superveniente de objeto ao recurso contencioso fundada na ocorrência de ratificação-sanação e que implicou a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide [cfr. art. 287.º, al. e), do CPC ex vi do art. 01.º da LPTA], o julgamento e conhecimento de todas as demais questões e do objeto do recurso jurisdicional sub specie ficou prejudicado pela solução que havia sido dada àquela anterior questão, inexistindo, assim, qualquer nulidade por omissão de pronúncia [cfr. arts. 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC].
29. Para além disso, não se vislumbra procedência na demais argumentação expendida pelos reclamantes em sede de nulidade por omissão de pronúncia já que a discordância dos mesmos quanto ao juízo de procedência firmado em sede de análise da referida exceção e daquilo que seja o alcance e suas consequências processuais quanto aos poderes e âmbito de pronúncia não integram questão subsumível na previsão de nulidade de decisão em análise, mas antes uma questão de erro no juízo ou na pronúncia que foi proferido.
30. Refira-se, ainda, que lida devidamente a decisão reclamada não procedem as críticas de omissão que se lhe mostram apontadas, pois a mesma apreciou as questões que tinha que decidir com estrito respeito e observância do pedido, objeto e pretensão impugnatória formulada e daí extraiu aquilo que, no seu juízo, eram as consequências para o objeto do processo que advinham, num plano meramente processual e adjetivo, da procedência da defesa por exceção deduzida, juízo esse que, por impossibilidade lógica, não envolve ou implica um qualquer juízo substantivo de mérito ou de demérito das posições em confronto.
31. Se os termos e fundamentos em que a decisão judicial impugnada se estriba no juízo firmado são ou não os corretos, e se os reclamantes discordam de tal juízo, tal envolverá eventual erro de julgamento, mas nunca nulidade de decisão por omissão de pronúncia.
(…)”.
Em concomitância, anote-se que este Tribunal Central Administrativo já cristalizou entendimento quanto à mesma temática, mormente- e a título ilustrativo- no Acórdão proferido em 16/03/2017, no processo 107/14.7BEBJA, em que se sumariou, além do mais, o que se segue:
“(…)
IV) Daí, também, que a sentença não sofra de omissão de pronúncia por não ter apreciado as questões postas na petição já que, declarado o erro na forma do processo, bem como a impossibilidade de convolação por extemporaneidade, ficou prejudicada a apreciação dos pedidos formulados na petição e, consequentemente de todos os fundamentos justificativos dos mesmos, incluindo a alegada incompetência do autor do acto. Dito de outro modo: inexistia instância válida para conhecer de toda e qualquer questão, pelo que não é sequer concebível o vício decisório da nulidade por omissão de pronúncia.
(…)”.
Finalmente, este mesmo Tribunal teve o ensejo de afirmar, no Acórdão proferido em 28/09/2017, no processo 1418/17.5BELRS, que “Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.
Do que vem de dizer-se decorre, com clareza, que no caso versado não subsiste omissão de pronúncia por banda da decisão a quo. Realmente, no acórdão recorrido não se conheceu e julgou da falta de audiência prévia e de fundamentação, bem como da violação do art.º 21.º da aludida Lei n.º 2/2004, mas, como se viu, a verdade é que não tinha de se conhecer, em virtude da decisão positiva de verificação da exceção constituir uma causa inutilizadora da pertinência da apreciação das elencadas ilegalidades.

Deste modo, e face ao exposto, é manifesto que não existe omissão de pronúncia, assomando a procedência do vertente recurso jurisdicional, nesta parte, como totalmente inviável.
Em suma, improcede em absoluto o alegado pela Recorrente na conclusão 14.ª das alegações e, bem assim, improcede o presente recurso jurisdicional no que concerne à imputação de nulidade à decisão a quo.
*
B) Quanto ao erro de julgamento
A Recorrente, na conclusão 1.ª do seu recurso, expressa o seu clamor de que o acórdão a quo padece de erro de julgamento no que concerne à apreciação e julgamento realizado quanto à violação, pelo ato impugnado, dos “arts 12°, 13° e 26° da CRP”.
Com efeito, e concretizando a sua discordância quanto ao dispositivo consignado no acórdão recorrido, sufraga o Recorrente, em suma, que, foi violado o seu direito à carreira e ao reconhecimento do seu mérito profissional, pois que, em desrespeito do princípio da igualdade, verifica-se ocorrer “duplicidade de critérios na avaliação dos curriculuns dos vários candidatos beneficiando claramente um candidato - o candidato escolhido - em detrimento e prejuízo evidente da recorrente”, dado que, a “recorrente sempre exerceu funções ligadas directa e indirectamente à área da formação, requereu a sua candidatura apresentando uma proposta de plano de acção evidenciou as numerosas qualificações que obteve ao longo da sua carreira ligadas à formação, é formadora credenciada e viu a sua candidatura preterida a favor de uma outra que não apresenta qualquer experiência na área da formação”. Entende, por isso, que o acórdão recorrido “apreciou e decidiu erradamente as violações invocadas pela A. ao não ter considerado que estava em causa o núcleo essencial das normas e princípios desrespeitados”, “razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, sob pena de se dar acolhimento à violação dos art.s 12°, 13° 26° 47°-2 E 268° da CRP bem como da Lei 2/2004”.
Vejamos, então, se a o argumentório da Recorrente merece acolhimento..

O discurso fundamentador do acórdão recorrido consagra o que se segue:
“(…)
De acordo com o que ficou decidido no despacho saneador não cabe conhecer dos vícios imputados, pela Autora, ao acto sindicado, geradores de anulabilidade por, quanto a estes, ter caducado o direito de acção.
Assim sendo, cumpre apenas conhecer da invocada “violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, consagrado nos artigos 12°, 13°e 26°da CRP, a qual, nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 133° do CPA, constitui vício gerador de nulidade”.

Da violação do conteúdo essencial de um direito fundamental
Na petição inicial a Autora alega que a discriminação de que foi alvo e o desrespeito pelo seu direito à imagem e à carreira e a ver reconhecido o seu mérito ofensivas do conteúdo essencial de um direito fundamental consagrado nos artigos 12.°, 13.° e 26.° da Constituição da República Portuguesa, são violações cominadas de nulidade, de acordo com o artigo 133.° do Código do Procedimento Administrativo, alínea d).
Alega, ainda, que se sentiu humilhada e fortemente atingida na sua dignidade profissional, pois tem uma larga experiência na área da formação e sempre foi empenhada e dedicada à sua actividade profissional.
E que se sente discriminada porquanto era a candidata da DGAP e a que tinha mais qualificações específicas para o Departamento em questão, sendo que todos os candidatos da DGAP que concorreram a outros Departamentos foram seleccionados.
Em sede de alegações, alega que no seu curriculum testemunhou as suas habilitações, competências e experiência para a candidatura em apreço, em tudo superando os demais candidatos. Sendo certo que detém habilitações e experiência superior à do candidato escolhido para ocupar o lugar posto a concurso.
Alega, também, que os princípios plasmados na Constituição da República Portuguesa, artigos 12.°, 13.° e 26.° foram violados no seu núcleo essencial com a decisão da Administração que desatendeu o direito da Autora a ocupar o lugar posto a concurso.
Alega, ainda, que tal violação verificou-se clara e ostensivamente ao ser beneficiado um funcionário em detrimento de outro, uma vez que o prejudicado reunia mais competências para o desempenho do cargo posto a concurso.
Com a preterição da ora Autora na ocupação do lugar posto a concurso a Administração violou ostensiva e injustificadamente os princípios da igualdade e da imparcialidade constitucionalmente consagrados.
Vejamos.
Da análise das alegações, acima transcritas, resulta que a Autora sustenta a nulidade do acto, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, no facto da escolha do titular do cargo de director de serviços, do grupo de pessoal dirigente, do quadro de pessoal da Direcção-Geral da Administração Pública, correspondente ao Departamento de Estudos Profissionais e de Coordenação da Formação (DEPCF), não ter recaído sobre o candidato que detinha as melhores qualificações para o desempenho dessas funções.
Entende a Autora que devia ter sido ela a escolhida para titular do cargo, pois reúne mais competências para o seu desempenho, na medida em que detém habilitações e experiência superiores às do candidato escolhido.
Esta alegação - de que não foi escolhido para titular do cargo o candidato que reunia as melhores condições - não configura uma eventual violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, susceptível de gerar a nulidade do acto, reconduz-se, sim, à alegação de um vício de violação de lei.
Na verdade, estabelece o n.° 2 do artigo 21.° da Lei n.° 2/2004, de 15 de Janeiro, que a escolha do titular de um cargo de direcção intermédia deverá recair no candidato que em sede de apreciação das candidaturas melhor corresponda ao perfil pretendido para prosseguir as atribuições e objectivos do serviço.
Assim, o que a Autora vem alegar é que foi violada esta norma, porquanto entende que a escolha do titular do cargo de direcção intermédia não recaiu no candidato que, em sede de apreciação das candidaturas, melhor correspondia ao perfil pretendido para prosseguir as atribuições e objectivos do serviço.
Ora, o vício de violação de lei, gera a anulabilidade do acto, pelo que, como ficou decidido no despacho saneador, não pode ser por este Tribunal conhecido.
Na verdade, a Autora alega que a discriminação de que foi alvo, violou o conteúdo essencial do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa.
Fundamenta, no entanto, essa violação no facto de ter sido beneficiado um funcionário em detrimento de outro, uma vez que o prejudicado, a Autora, reunia mais competências para o desempenho do cargo posto a concurso.
Assim, embora a Autora invoque o “nomen júris” (princípio da igualdade) o certo é que, em concreto, apenas imputa ao acto erro na avaliação do mérito dos candidatos, ou seja, o vício de violação de lei.
Acresce que, a simples violação do princípio da igualdade, pelo conteúdo ou motivação do acto ou no procedimento, gera anulabilidade do acto administrativo, e não nulidade.
A violação do "direito fundamental de igualdade", extraído do princípio consagrado o artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, (para efeitos do disposto na alínea d) do n.° 2 do artigo 133.° do Código do Procedimento Administrativo), só se verifica se acto administrativo tiver por motivo ou conteúdo um tratamento desigual assente nas categorias que o n.° 2 do artigo 13° expressamente refere como factores de discriminação constitucionalmente ilegítimos (ou outras categorias subjectivas constitucionalmente enumeradas como "direitos especiais de igualdade") ou se for descaracterizador da ordem de valores que a Constituição consagra, ou seja, se o ofender chocante e gravemente.
A invocação da violação do princípio da igualdade, no presente caso, não se reconduziria, pois, à ofensa do conteúdo essencial deste direito fundamental, geradora de nulidade, pois a discriminação invocada não se fundamenta na afronta a qualquer dos índices discriminatórios constitucionalmente proibidos (designadamente os do n.° 2 do art. 13° da Constituição da República Portuguesa), nem na descaracterização da ordem de valores que a Constituição consagra, podendo (quando muito) ser reconduzida à violação da igualdade vista, em geral, como proibição do arbítrio.
A Autora alega, ainda, que o desrespeito pelo seu direito à imagem e à carreira e a ver reconhecido o seu mérito é ofensivo do conteúdo essencial de um direito fundamental, consagrado no 26.° da Constituição da República Portuguesa,
Dispõe o n.° 1 do artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
A arguição de um vício só se considera adequadamente efectuada quando se especificam as razões pelas quais se sustenta que o acto impugnado violou determinada disposição legal, pelo que, se se invocar a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, cabe indicar os factos ou razões que sustentam esse tipo de violação.
Ora, a Autora não concretiza suficientemente as razões pelas quais considera ter sido desrespeitado o seu direito à imagem, nem em que medida foi ofendido o conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no 26.° da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que, o direito à carreira e a ver reconhecido o seu mérito - em si mesmos - não são direitos fundamentais para efeitos da alínea d) do n.° 2 do artigo 133.° do Código do Procedimento Administrativo.
Não se pode invocar “o conteúdo essencial” do direito à carreira e a ver reconhecido o mérito como sendo um bem jurídico cuja lesão gere nulidade.
Face a todo o exposto, improcede a alegação de que o acto sindicado ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental consagrado nos artigos 12.°, 13.° e 26.° da Constituição da República Portuguesa.
(…)”.
Perscrutando o raciocínio presente na decisão recorrida, bem como a posição exarada pela Recorrente nas suas alegações de recurso, desde já se adianta que a impetração agora em apreciação está votada ao fracasso.
A primeira razão para tanto reside no facto de a Recorrente, em bom rigor, não apontar diretamente ao acórdão recorrido qualquer patologia própria, mas sim reiterar e manter as suas alegações referentes à ilegalidade do ato administrativo impugnado, sendo certo que, no que toca à decisão recorrida, apenas afirma de modo conclusivo que a dita padece de erro de julgamento, sem que seja possível apreender de que modo é que a mesma erra.
Na verdade, bem analisado o recurso jurisdicional da Recorrente, o que decorre é que a mesma não se conforma com a decisão recorrida, na exata medida em que não se conforma com o facto de não ter sido selecionada para ocupar, em regime de comissão de serviço por três anos, a vaga de diretor de serviço no Departamento de Estudos Profissionais e de Coordenação da Formação- referência C) do procedimento de recrutamento.
Em segundo lugar, examinada a petição inicial, constata-se que a Recorrente apenas dedica os pontos 45 e 46 desse articulado à invocação da violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, pois que, as restantes alegações da citada peça processual dirigem-se à substanciação das imputadas ilegalidades atinentes à falta de audiência prévia, à falta de fundamentação do ato e à violação do disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro.
Ora, como bem exarou o acórdão recorrido, “não cabe conhecer dos vícios imputados, pela Autora, ao acto sindicado, geradores de anulabilidade por, quanto a estes, ter caducado o direito de acção”, como foi julgado no despacho saneador proferido nos presentes autos em 10/05/2007. E, quanto ao despacho saneador, a Recorrente não reagiu do mesmo, reclamando ou apresentando recurso jurisdicional, fosse na altura da prolação do sobredito despacho saneador, fosse neste presente recurso jurisdicional.
De resto, em sede de delimitação do objeto do deste recurso jurisdicional, explicitamos, precisamente, que quanto à referida caducidade do direito de ação para apreciar e julgar do mérito daquelas ilegalidades ocorre caso julgado. O que significa que, para todos os efeitos, este Tribunal de apelação não pode rever o julgado no despacho saneador, nem conhecer do mérito daquelas apontadas ilegalidades (de falta de audiência prévia, falta de fundamentação do ato e violação do disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro).
Sendo assim, e atentando no alegado pela Recorrente nos pontos 46 e 46 da sua petição inicial, não pode deixar-se de concluir, acompanhando o acórdão recorrido, que a Recorrente “não concretiza suficientemente as razões pelas quais considera ter sido desrespeitado o seu direito à imagem, nem em que medida foi ofendido o conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no 26.° da Constituição da República Portuguesa”, assim como, muito “embora a Autora invoque o “nomen júris” (princípio da igualdade) o certo é que, em concreto, apenas imputa ao acto erro na avaliação do mérito dos candidatos, ou seja, o vício de violação de lei”. E, quanto a este vício, a que respeita o disposto no art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, sendo o mesmo conducente à eventual mera anulabilidade do ato, não poderia ser apreciado no acórdão recorrido, em virtude da caducidade do direito de ação declarada no despacho saneador.
A terceira razão para rechaçar o presente recurso jurisdicional prende-se com o correto julgamento que foi efetuado na decisão recorrida.
Com efeito, e para além da evidente insuficiência alegatória que se regista na petição inicial no que concerne ao vício de violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, a verdade é que o que emerge claramente da aludida peça processual, bem como do corpo alegatório contido no articulado recursivo, é que a Recorrente labora em equívoco no que tange à interpretação e aplicação que realiza dos normativos constitucionais que convoca, confundindo claramente, a propósito do art.º 13.º da Constituição, a vertente principiológica com a vertente garantística, esta atribuída em termos de direito fundamental. Ou seja, a Recorrente confunde o princípio da igualdade, com o direito à igualdade.
É que, como assinalam J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, janeiro, 2007, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, p. 338), “o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e vantagens devem beneficiar a todos; e os deveres e encargos devem impender sobre todos”, concretizando-se, essencialmente, na proibição do arbítrio, na proibição de discriminações- mormente em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual- e na obrigação de diferenciação.
A função administrativa encontra-se, obviamente, vinculada ao princípio da igualdade, cujos momentos relevantes são os seguintes: proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coativas desiguais na esfera jurídica dos cidadãos, exigência de igualdade de benefícios ou prestações concedidas pela Administração, autovinculação da Administração no âmbito dos seus poderes discricionários e direito à compensação de sacrifícios (para melhor desenvolvimento, designadamente, J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pp. 333 a 350).
Por conseguinte, a violação do princípio da igualdade perpetrada por um ato administrativo não corresponde automaticamente à violação de um direito fundamental, mas sim e apenas à violação de um princípio. O que significa que, em bom rigor, a violação do princípio da igualdade é geradora da mera anulabilidade do ato administrativo, não o inquinando de nulidade, conforme, aliás, bem explicam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM (Código do Procedimento Administrativo, Comentado, maio, 2001, 2.ª ed., Almedina, pp. 103, 646 e 647).
E o mesmo ocorre no que concerne à violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, que conduzem somente à anulabilidade do ato administrativo e não já à nulidade do mesmo.
Aliás, é de salientar que, essencialmente, toda a constelação argumentativa da Recorrente para efeitos de destruição do ato impugnado reconduz-se, fundamentalmente, à comparação do mérito das candidaturas apresentadas pela mesma e pelo contrainteressado, bem como à valorização dos respetivos curricula tendo em atenção a concreta função a que se destina a vaga concursada no procedimento de recrutamento. Ora, esta problemática enxerta-se, em termos de patologia do ato administrativo, na ocorrência de erro quantos aos pressupostos fáctico-jurídicos do ato administrativo, nada tendo a ver com a violação de um qualquer direito fundamental, ou mesmo, com o princípio da igualdade.
Destarte, o que vem de se expor é bastantemente demonstrativo de que, no que concerne ao princípio da igualdade e art.º 13.º da Constituição, bem assim como no que tange aos princípios inscritos nos art.ºs 5.º, 6.º e 6.º-A do CPA, o acórdão recorrido efetuou um julgamento correto e adequado do caso posto, nada havendo de negativo a apontar ao dito.
A Recorrente ataca, também, o julgado pelo Tribunal a quo no que se refere à inexistência de violação dos direitos fundamentais previstos nos art.ºs 26.º e 47.º, n.º 2 da Constituição.
Contudo, não lhe assiste razão.
Esta asserção é suportada, primeiramente, pelo facto de, em boa verdade, a Recorrente não substanciar fáctica e juridicamente a violação dos aludidos preceitos constitucionais.
Adicionalmente, no que se refere à invocação da violação do preceituado no citado art.º 47.º, n.º 2 da Constituição, assinale-se que a Recorrente introduz esta problemática no presente recurso jurisdicional, não se registando qualquer oportunidade processual anterior em que tenha assacado esta inobservância ao ato impugnado. Assim, porque está em causa uma questão nova, cujo conhecimento não é oficioso, grassa à evidência que está vedado a este Tribunal o conhecimento e julgamento da assacada violação do preceituado no art.º 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Seja como for, cumpre referir que a apresentação de candidatura a um procedimento concursal, para recrutamento e/ou promoção de pessoal, não encerra ou acarreta, a priori, qualquer garantia de seleção ou graduação do candidato em primeiro lugar, sendo, aliás, natural e normal que haja candidatos não selecionados, nem graduados em primeiro lugar, ou graduados em lugar que não permite o provimento na vaga concursada.
Quer isto significar, pois, que a circunstância de um candidato não ser selecionado ou graduado em primeiro lugar constitui uma vicissitude perfeitamente expectável, que não traduz, por si só, qualquer menorização ou demérito dos candidatos não selecionados, nada tendo a ver com o direito à imagem, reputação, bom nome e ao direito à carreira na Administração Pública.
Em suma, não se descortina nas alegações recursivas da Recorrente qualquer argumento ou fundamento suscetível de abalar o julgado pelo Tribunal a quo. Pelo contrário. O exame de todo o processado e, essencialmente, do acervo argumentativo da Recorrente- quer na petição inicial, quer no presente recurso-, a consideração da caducidade do direito de ação julgada no despacho saneador- quanto às ilegalidades atinentes à falta de audiência prévia e de fundamentação e à violação do art.º 21.º da Lei n.º2/2004-, e o escrutínio da fundamentação exarada no acórdão recorrido, conduzem-nos à segura conclusão de que não subsiste motivo para censurar o acórdão sob recurso, pois que, o mesmo contém um julgamento correto e adequado, face à factualidade provada e à causa de pedir enunciada pela Recorrente que cumpria apreciar.

Destarte, em face do exposto, o acórdão recorrido não merece censura, por não padecer de nulidade nem dos erros de julgamento imputados, impondo-se, por isso, negar provimento ao presente recurso e confirmar o acórdão a quo.

IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.


Custas a cargo da Recorrente.



Lisboa, 6 de junho de 2019,


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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Cristina dos Santos