Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1136/16.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:DÍVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL. PRESCRIÇÃO. DOCUMENTO ELECTRÓNICO
Sumário:1)O prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social é de cinco anos a contar da data da exigibilidade da dívida.
2)O documento electrónico é aquele que é elaborado mediante processamento electrónico de dados.
3)O valor probatório de documento electrónico sem assinatura certificada é o mesmo da reprodução mecânica.
4)Os actos praticados na execução e notificados à executada carecem de prova suplementar, a realizar pelo exequente, não sendo suficiente para o efeito a junção de documento electrónico, que não preenche os requisitos legais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório.
“A. P. do C., Lda.”, interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 79/83, que julgou parcialmente procedente a reclamação deduzida contra a decisão da Directora da Direcção de Recuperação Executiva do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, de 12.09.2014, que, entre o mais, indeferiu o requerimento por si formulado no sentido da declaração da prescrição das dívidas relativas aos processos de execução fiscal com os n.ºs 110120060212…., 110120070120…., 110120070120…. e 110120080118…..
Nas alegações de recurso de fls. 89/97, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 17 de Julho de 2017, que indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente na parte relativa ao reconhecimento da prescrição de dívidas.
2) Neste âmbito, o tribunal a quo deveria ter diligenciado no sentido de apurar a verdade sobre todos os factos alegados pela recorrente, com interesse para a decisão.
3) Da sentença recorrida resulta uma insuficiência da matéria de facto dada como provada, uma vez que a recorrente alegou que nunca tinha sido citada no âmbito do PEF n.º 110120060212.... e apensos, e, assim, estes processos encontravam-se prescritos.
4) A não apreciação deste tema impede que a solução de direito plasmada na sentença (2.º e 3.º parágrafos do enquadramento jurídico da mesma), se encontre devidamente fundamentada ou seja inteligível.
5) Pois o tribunal considerou a recorrente como devidamente citada, sem ter feito constar da factualidade assente menção a essa citação – a qual não se mostra realizada e competia à Segurança Social comprovar, nas regras de repartição do ónus probatório.
6) Considerando, a final, que todos os factos que não constam da factualidade dada como provada, são considerados como provados, também sem qualquer fundamentação ou explicitação que torne perceptível o itinerário cognoscitivo do tribunal recorrido.
7) Mas, num volte face mais adiante, o tribunal a quo considera que a prescrição foi interrompida pela citação.
8) Que o tribunal não apurou se de facto existiu e, a existir, se cumpriu com os fundamentos exigidos por lei.
9) Pois verificaria que tal citação nunca existiu.
De facto,
10) O Tribunal não deu como provados quaisquer factos suficientes para julgar improcedente o pedido de verificação e declaração de prescrição de alegadas dívidas, formulado na reclamação dos autos.
11) A recorrente alegou e demonstrou que:
- O PEF n.º 110120060212…. e apensos reportam-se a alegadas dívidas relativas a contribuições e cotizações para a Segurança Social, entre 1992 e Fevereiro de 2008;
- A recorrente não foi citada no âmbito do PEF n.º 110120060212…. e apensos;
- A recorrente apenas teve conhecimento destes PEF aquando do “suposto” deferimento.
12) Pelo que o tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos supra enunciados.
13) Porém, sendo o alegado apenas susceptível de prova por documentos (artigos 364.º, n.º 1, do Código Civil) e não foram juntos documentos que comprovem a efectivação das citações;
14) Devem as mesmas ter-se por não realizadas.
Porquanto,
15) O conhecimento da prescrição é de conhecimento oficioso, o que significa que não se encontra sujeita ao ónus de alegação e prova pela parte a quem aproveita (artigo 5.º, n.º 2, do CPC).
16) Sobre o tema do ónus da prova, veja-se o Acórdão do STJ, de 12.11.2004,
"Como ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. l, 3g edição, pág. 304.), «O significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto»
A regra do ónus probandi no direito português sobressai, assim, quando o juiz é confrontado com a dúvida insanável sobre os factos e não lhe é permitido abster-se de julgar a causa; aí a causa será julgada em sintonia com as regras substantivas sobre qual das partes incumbe o ónus de tais factos. O non liquet do julgador converte-se contra a parte que tem o ónus de prova, de acordo com o dever de decisão que lhe é imposto pelo artigo 8.º, nº l, do Código Civil.
Neste conspecto, resta-nos concluir, como se concluiu no acórdão fundamento, que não vindo dada como assente a ocorrência, no período de 5 anos contado a partir da entrada em vigor da Lei 17/2000, de qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança das dívidas exequendas, se verificou a prescrição destas dívidas.” (sublinhado nosso).
17) Pelo que, não tendo a Segurança Social demonstrado que de facto citou a ora Recorrente, não poderia nunca o tribunal a quo considerar que o prazo de prescrição se suspendeu com uma citação que nunca se provou que aconteceu.
18) A Recorrente apenas teve conhecimento do PEF n.º 110120060212…. e apensos, mormente, os PEF n.ºs110120060212….,110120070120….,110120070120….. e 110120080118…. aquando da notificação do "deferimento" do plano prestacional (supostas dívidas cujos períodos se situam entre 1992 e fevereiro de 2008).
19) Plano prestacional esse que, inclusivamente, o tribunal a quo reconheceu que não deveria integrar as dívidas incluídas no PEF supra mencionado porquanto "as mesmas não tinham sido indicadas no requerimento a que alude o artº 196º e 198º todos do CPPT, nem o contribuinte havia sido notificado da sua apensação ao dito processo principal (...)".
20) A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento a alguém de que, contra si, foi proposta determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. artigo 219.º do CPC, art. º 35.º n.º 2 e 189.ºdo CPPT).
21) Dada a importância que reveste para o processo, como expressão inicial do princípio do contraditório, o ato da citação requer especiais cuidados na sua realização, plasmados nas normas legais que a regulam pormenorizadamente, existem requisitos que a lei obriga a cumprir.
22) Esta garantia fundamental dos cidadãos tem consagração expressa nos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro.
23) Igualmente, o CPC dá acolhimento ao mesmo princípio nos seus artigos 3.º e 4.º
24) De acordo com o artigo 246.º do CPC, na citação de pessoas coletivas, a carta registada com aviso de receção, deve ser dirigida ao demandado e endereçada para a sede da citando inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
25) Ademais, atendendo ao montante da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal sub judice e ao valor da UC (unidade de conta) que se cifra em €102,00, a citação deveria ter sido efetuada mediante carta registada com aviso de receção (vide artigo 192.º, n.º 2 e art.º 191.º, n.º l a contrario).
26) Porém, não consta do processo qualquer citação.
27) Nem poderia, pois de facto ela nunca teve lugar.
28) De acordo com o artigo 851.º do CPC "Se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado invocar a nulidade da citação a todo o tempo".
29) Pelo que a Recorrente arguiu essa nulidade perante o órgão de execução fiscal através de reclamação, nos termos do artigo 276.º do CPPT.
30) Não obstante a arguição da prescrição por falta de citação, o tribunal a quo deu a citação da Recorrente como provada, ainda que sem constar dos autos qualquer citação, como se exigia.
31) No tocante à prescrição, o Tribunal a quo entendeu existir uma interrupção na contagem do prazo.
32) O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que o Executado teve, através da citação, de que o credor tributário pretende exercer o direito à contribuição em dívida através de um processo de execução.
33) Atendendo ao teor do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12/01/2017, no processo n.º 00839/06.3BEBRG, "1. De acordo com o n.º3 do art.º 63.º da Lei n.º17/2000, «A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida»;
2.«Diligências administrativas», com virtualidade interruptiva da prescrição, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide);
3. Não se cumpre a exigência legal decorrente do n.º3 do art.º 63.º da Lei n.º17/2000, quanto ao conhecimento da diligência administrativa pelo responsável pelo pagamento para que a mesma tenha virtualidade interruptiva, se as notificações dessas diligências não chegaram ao conhecimento efectivo do responsável pelo pagamento da dívida".
34) Destarte, no caso que aqui se discute, o tribunal a quo considerou que a citação do executado no âmbito dos processos executivos interrompeu o prazo de prescrição.
35) Processo esse que esse mesmo tribunal veio depois a anular. Ora,
36) De acordo com o douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 13/05/2004, proferido no âmbito do processo n. º 04B1082, "A anulação de um acto processual civil projecta-se para os actos processuais posteriores que dele dependam, e não para trás, para os actos anteriores".
37) Significa isto que, o tribunal recorrido não pode considerar que após a Recorrente ter sido notificada do deferimento do plano prestacional relativamente a processos que não havia indicado no seu requerimento de pagamento em prestações das dívidas tributárias, os atos praticados no sentido de esclarecer este equívoco, subsumam a forma de citação.
38) Tanto mais que à data, a Recorrente peticionou igualmente pela verificação da prescrição e pela falta de citação.
39) Nem tampouco pela notificação de 27/09/2014 por parte da Exma. Senhora Diretora da Direção de Recuperação Executiva, na qual transmitiu o incumprimento de um plano prestacional.
40) Pois esta notificação foi inclusivamente anulada na decisão recorrida.
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A fls. 122/127, o recorrido proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Formula as conclusões seguintes:
A - São de aplicar ao instituto da prescrição de dívidas fiscais e parafiscais o disposto no Art. 175º do CPPT, bem como o constante do Arts. 48º, nº l e 49º, nºs 3 e 4 da LGT. Sendo que, no caso concreto das dívidas à Segurança Social, há ainda que ter conta o disposto no Art. 49º da Lei nº 32/2002 e no Art. 60º, n.º 3 da Lei nº 4/2007, na redação dada pela Lei n.º 83-A/2013 de 30 de dezembro.
B - Não obstante, na parte não legislada por qualquer um dos preceitos supra mencionados, bem como no auxílio interpretativos dos mesmos, deverão aplicar-se todos os diplomas legais de caráter geral que, até por força das leis supra mencionadas são elas próprias aplicáveis subsidiariamente em todos os casos que a lei especial não regule.
C - Desta forma, e no caso em apreço, será de aplicar o disposto nos Arts. 326º e 327º do Código Civil, os quais determinam que dos diversos factos passíveis de interromper a contagem do prazo de prescrição (inutilizando todo o tempo até aí decorrido), apenas o primeiro o interrompe efetivamente, sendo porém, que tal facto tem um caráter duradouro que impede o (re)início da contagem do prazo prescricional enquanto não se verificar o trânsito em julgado de decisão que ponha termo ao processo executivo.
D - Nesta senda veja-se ainda as doutas palavras reproduzidas no âmbito do processo de recurso nº 558/07.3BEALM do TCA Sul e no acórdão do STA de 13.07.2016, no âmbito do Processo nº 0823/16.
E - Uma vez mais e sem prescindir do supra argumentado, sempre se dirá que, mesmo que não se recorra ao auxílio interpretativo constante do disposto nos Arts. 326º e 327º do Código Civil,
F - dos quais resulta que, para efeitos de interrupção da contagem do prazo prescricional apenas conta o primeiro facto interruptivo, o qual tem um carácter duradouro que impede o (re)início da contagem do prazo prescricional enquanto não se verificar o trânsito em julgado de decisão que ponha termo ao processo executivo,
G - sempre terá que se analisar a contagem dos prazos prescricionais, contando para o efeito com cada uma das interrupções levadas a cabo pela Executada/Recorrente, as quais foram passíveis de ir interrompendo sucessivamente a prescrição, impedindo que a mesma tivesse ocorrido.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 409/416), no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida deu como provada seguinte matéria de facto:
1) A reclamante formulou dois pedidos de pagamento em prestações das dívidas de quotizações à Segurança social nos processos de execução nºs 110120140028…. e aps. nº 110120140028…. e nº 110120140028…. e para o processo de execução nº 110120130065…. e nº 110120130011….. – cfr. ofícios de citação, de fls. 22 a 26, e requerimento de fls. 27 e 28, dos autos.
2) O requerimento supra mereceu uma decisão de deferimento prestacional reportado ao processo nº 110120060212…. e aps. o qual compreendia dois processos em que havia requerido o pagamento faseado, o processo nº 110120130065…. e nº 110120130011…., perfazendo o total de € 823.970,85. – cfr. "Notificação de deferimento de Plano Prestacional e dos Valores em Dívida", de fls. 29 a 32, dos autos.
3) Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de pagamento das dívidas relativas aos processos de execução nº 110120100198…., nº110120100251…. e nº 110120120029…. apensos ao referido processo nº110120060212…..- cfr. doc. de pagamento de fls. 36 a 46, dos autos.
4) Em 17.06.2014, a reclamante apresentou requerimento junto dos serviços daquele I.G.F.S.S., I.P., no sentido de considerar apenas os pedidos de pagamento em prestações das dívidas referidas em l, tendo solicitado o reconhecimento da prescrição da dívida nos processos nº 110120060212…., nº 110120070120…. e nº 110120080118…., considerando a interrupção da mesma com a sua citação, tendo ainda invocado que, quanto aos demais processos apensados àqueles autos principais, desconhece qualquer decisão de apensação, nada tendo requerido em relação aos mesmos - cfr. requerimento de fls. 47 a 56, dos autos.
5) Em 12.09.2014, foi elaborado uma notificação de incumprimento do plano prestacional, com a cominação de rescisão do acordo no prazo de 30 dias após aquela notificação, em caso de falta de regularização das dívidas, as quais se reportam aos processos nº110120060212…. e aps., e aos processos nº 110120140001…. e 110120130044…., sendo que as duas últimas se encontram pagas relativamente às prestações vencidas até Agosto de 2016 – cfr. artº 55º da p.i. e ofício de fls. 57 e 58, dos autos e autos de execução apenso aos presentes autos.
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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«Factos não provados
Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita.
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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».
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A recorrente censura a decisão da matéria de facto, no que respeita à asserção de que terá sido citada para os termos dos processos nº 110120060212…., nº 110120070120…. e nº 110120080118…., em relação aos quais solicitou a declaração de prescrição; a invocada citação para os termos da execução não corresponde à realidade, sustenta.
Compulsados os autos e PEF apenso, verifica-se que assiste razão à recorrente. Asserção que é confirmada pelo recorrido [“não foi possível confirmar a recepção da mencionada citação por parte da executada” – pontos A) e B), das contra-alegações].
Em face do exposto, impõe-se reformular o n.º 4 do probatório, nos termos seguintes:
«Em 17.06.2014, a reclamante apresentou requerimento junto dos serviços daquele I.G.F.S.S., I.P., no sentido de considerar apenas os pedidos de pagamento em prestações das dívidas referidas em l, tendo solicitado o reconhecimento da prescrição da dívida nos processos nº 110120060212…., nº 110120070120…. e nº 110120080118…., tendo invocado que, quanto aos demais processos apensados àqueles autos principais, desconhece qualquer decisão de apensação, nada tendo requerido em relação aos mesmos - cfr. requerimento de fls. 47 a 56, dos autos».
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
*
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1,do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
6) Após reanálise da conta corrente da executada pelo recorrido, foram anulados por pagamento todos os tributos até Dezembro de 2004, inclusive – fls. 247/268 e acordo.
7) Em 17.06.2014, por meio de requerimento dirigido ao Presidente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, Secção de Processos de Lisboa [IGFSS], referido em 4., a recorrente solicitou que «seja declarada a extinção dos processos n.ºs 1101200602120895, 110120070120…., 110120070120…. e 110120080118….» – fls. 47/56.
8) Por meio de ofício, com data de 12.09.2014, do IGFSS, referida em 5., a recorrente foi notificada para proceder ao pagamento das prestações em atraso, entre o mais, da dívida relativa ao PEF n.º 110120060212…. – fls. 57/58.
9) Dos elementos internos do recorrido resulta que as dívidas correspondentes ao PEF n.º 110120060212…. e apensos, os quais são objecto de oposição à execução fiscal, são, em 28.11.2017, as seguintes (fls. 153/152):
Quantia exequenda: €883.316,99
Juros de mora: €221.968,53
Custas: €8.693,15
Total: €1.113.979,15
O PEF n.º 110120060212…., com dívidas de contribuições de 1992/04 a 2005/10, no montante global de €145.574,53.
O PEF n.º 110120070120…., com dívidas de contribuições de 2005/11 a 2006/12, no montante global de €136.805,74.
O PEF n.º110120070120…., com dívidas de contribuições de 2006/12 a 2007/02, no montante global de €27.143,53.
O PEF n.º110120080118…., com dívidas de contribuições de 2007/10 a 2008/02, no montante global de €36.864,32.
10) Em 26.03.2011, a recorrente informou o recorrido de que requereu no IAPMEI o início do procedimento extrajudicial de conciliação, em 10.03.2011, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 201/04, de 18 de Agosto – fls. 271 e fls. 407/424.
11) O requerimento referido na alínea anterior inclui as dívidas da recorrente ao recorrido subsistentes à data – fls. 272/274.
A matéria de facto aditada resulta dos elementos juntos aos autos pelo recorrido, na sequência de determinação do tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 288.º/1, do CPPT. A mesma resulta dos documentos juntos aos autos, bem como da análise da posição das partes no processo.
Os n.ºs 6 e 9 resultam dos documentos juntos pelo recorrido. O facto de se tratar de cópia de documento electrónico não lhe retira o valor de prova próprio das certidões de teor – artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (regime da validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos - RJDE) e artigos 368.º e 387.º/1, do CC. Recorde-se que “documento electrónico” é “o documento elaborado mediante processamento electrónico de dados” – artigo 2.º/a), do RJDE. O documento electrónico é aquele em que intervém um computador ou dispositivo equiparável. «Quando um documento se apresente num suporte digital, seja ele ótico, magnético ou simplesmente eletrónico, teremos um documento eletrónico em sentido estrito e próprio. Quando assim não for e o documento se ache em suporte papel, ou equivalente, mas tenha sido produzido, na sua forma definitiva, por um computador, continuará a ser um documento eletrónico mas apenas em sentido amplo. (1)

O valor probatório dos documentos em causa não foi impugnado, de forma concreta, por parte da recorrente, quanto ao conteúdo dos mesmos.

Nada mais se logrou provar nos autos, dado que o recorrido não demonstrou a efectividade da notificação dos actos alegadamente praticados na execução.

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2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 79/83, que julgou parcialmente procedente a reclamação deduzida contra a decisão da Directora da Direcção de Recuperação Executiva do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, de 12.09.2014, que, entre o mais, indeferiu o requerimento formulado em 17.06.2014, no sentido da declaração da prescrição das dívidas relativas aos processos de execução fiscal com os n.ºs 110120060212…., 110120070120…., 110120070120…. e 110120080118…..
A sentença julgou procedente a reclamação, no que respeita à decisão de incumprimento de dívidas não incluídas no plano de pagamento em prestações, e julgou improcedente a reclamação, no que respeita ao requerimento de declaração da prescrição de dívidas.
É o último segmento decisório que constitui o objecto da presente intenção recursória.
2.2.2. A recorrente censura a sentença recorrida por assentar no entendimento de que ocorreu a sua citação na execução em relação aos processos n.ºs 110120060212…., 110120070120…., 110120070120…. e 110120080118…., o que constituiria facto interruptivo, susceptível de precludir o esgotamento do prazo de prescrição. A falta de ocorrência da citação invocada todavia na sentença configura erro de apreciação da matéria de facto assente, defende.
O valor probatório dos documentos em causa não foi impugnado, de forma concreta, por parte da recorrente, quanto ao conteúdo dos mesmos.
Nada mais se logrou provar nos autos, dado que o recorrido não demonstrou a efectividade da notificação dos actos alegadamente praticados na execução.
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2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 79/83, que julgou parcialmente procedente a reclamação deduzida contra a decisão da Directora da Direcção de Recuperação Executiva do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, de 12.09.2014, que, entre o mais, indeferiu o requerimento formulado em 17.06.2014, no sentido da declaração da prescrição das dívidas relativas aos processos de execução fiscal com os n.ºs 110120060212…., 110120070120…., 110120070120…. e 110120080118…..
A sentença julgou procedente a reclamação, no que respeita à decisão de incumprimento de dívidas não incluídas no plano de pagamento em prestações, e julgou improcedente a reclamação, no que respeita ao requerimento de declaração da prescrição de dívidas.
É o último segmento decisório que constitui o objecto da presente intenção recursória.
2.2.2. A recorrente censura a sentença recorrida por assentar no entendimento de que ocorreu a sua citação na execução em relação aos processos n.ºs 110120060212…., 110120070120…., 110120070120…. e 110120080118…., o que constituiria facto interruptivo, susceptível de precludir o esgotamento do prazo de prescrição. A falta de ocorrência da citação invocada todavia na sentença configura erro de apreciação da matéria de facto assente, defende.
Compulsados os autos, assiste razão à recorrente, dado que não consta do probatório, nem dos elementos coligidos nos autos, a ocorrência da mencionada citação. (2)

Ao julgar em sentido diverso do referido, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que aprecie a prescrição das dívidas em causa sem atender à citação referida.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3.1. A recorrente considera que deve ser declarada a prescrição das dívidas relativas aos processos n.ºs 110120060212…., 110120070120…., 110120070120…. e 110120080118….. A sua recusa por parte da sentença recorrida configura erro de julgamento, sustenta.
Vejamos o enquadramento legal.
O Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio (artigo 14.º), estabelece que as «contribuições e respectivos juros de mora prescrevem no prazo de dez anos».
A Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto (artigo 53.º), estabelece que as «contribuições prescrevem no prazo de 10 anos».
A Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (artigo 63.º), (início de vigência em 04.02.2001) introduziu um regime especial de prescrição dos créditos da Segurança Social derivados de cotizações e contribuições, nos seguintes termos:
«1 -A cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições é efectuada através de processo executivo e de secção de processos da segurança social.
2 - A obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
3 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida».
A Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, manteve este regime no seu artigo 49.º. A Lei n.º 4/2007, manteve o mesmo regime no seu artigo 60.º.
O Código Contributivo dos sistemas previdenciais da Segurança Social estabelece o seguinte (artigo 187.º - início de vigência em 01 de Janeiro de 2011):
«1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2 - O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.
3 - O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral».
Pontos firmes sobre o regime jurídico em apreço são os seguintes.
«Este regime de prescrição de créditos da Segurança Social derivados de cotizações e contribuições regula apenas alguns dos pontos relativos à prescrição:
- o prazo que é [desde 04 de Fevereiro de 2001], de cinco anos, pelo que fica afastado o prazo subsidiário de oito anos para as obrigações tributárias previsto no art.º 48.º, n.º 1, da LGT.
- o início do prazo, que é a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida;
os factos interruptivos da prescrição, que são quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança coerciva, ficando, consequentemente, afastada a relevância interruptiva da reclamação, recurso hierárquico, da impugnação e do pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, que é atribuída pelo art.º 49.º, n.º 1, da LGT, à generalidade das obrigações tributárias. (3)

2.2.3.2. Contagem do prazo de prescrição
Estão em causa dívidas à Segurança Social de Janeiro de 2005 a Fevereiro de 2008. As dívidas constituídas até Dezembro de 2004 mostram-se anuladas por pagamento (n.º 6 do probatório).
O prazo de prescrição é de cinco anos a contar da data da exigibilidade da dívida. Para além do requerimento do procedimento extrajudicial de conciliação, referido em 10. e 11. do probatório, do mesmo não resulta que existam outras causas interruptivas da prescrição.
Recorde-se que, «[a]ntes da entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos da Segurança Social, ocorrida no passado dia 1 de Janeiro de 2011, a apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação não constituía facto interruptivo da prescrição, pois que a lei até então vigente não atribuía a tal requerimento qualquer efeito sobre o prazo de prescrição (ao contrário do que hoje sucede – cfr. o n.º 2 do artigo 187.º do Código Contributivo), ao reconhecimento da dívida não atribui o legislador efeitos quanto ao prazo de prescrição e a apresentação de tal requerimento não se consubstancia na realização de uma “diligência administrativa” tendente à liquidação ou cobrança (artigos 63.º n.º 3 da Lei n.º 17/2000, 49.º n.º 2 da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e 60.º n.º 4 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro)» (4)

De onde resulta que as dívidas exigíveis de Janeiro de 2005 a Fevereiro de 2008 mostram-se prescritas. Por seu turno, as dívidas constituídas até Dezembro de 2004 foram anuladas, por pagamento, pelo que não podem ser exigidas.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter nesta parte.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte impugnada, declarar extintas as dívidas referidas em 2.2.3.2., com a consequente extinção da execução, nesta parte.
Custas pelo recorrido.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)



(1ª. Adjunta – Cristina Flora)



(2ª. Adjunta – Ana Pinhol)

1) Pedro Lacerda, A prova por documentos eletrónicos, in Direito Privado, n.º 54, Abril/Junho 2016, pp. 11/28, máxime, p. 16.
2) N.º 4 do probatório
3) Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da obrigação tributária, notas práticas, 2010, pp. 125/127
4) Acórdão do STA, de 22.03.2011, P. 0165/11