Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:418/08.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRC
INDISPENSABILIDADE DOS CUSTOS – 23º CIRC
CONCRETA ACTIVIDADE SOCIETÁRIA
Sumário:I - A indispensabilidade de um custo é um conceito que reclama um preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
II - Os custos em análise referem-se a investimentos relacionados com reparações no Solar … e respeitam ao projecto de Turismo de Habitação Rural, cuja ocorrência em si, a sua materialidade, a AT não põe em causa.
III - Um custo incorrido pode, e muitas vezes isso acontece, não dar origem a um proveito e nem por isso deixa de ser aceite como custo fiscalmente dedutível.
IV – No caso, mesmo com actividade suspensa, a impugnante teve de realizar investimentos para manter em boas condições (nomeadamente com vista à retoma da actividade que, aliás, se demostra que prosseguiu) as instalações do Solar …. São esses os investimentos que agora estão questionados, pela via da não aceitação dos custos correspondentes às amortizações.
V – Ora, num sector como o que está em causa, de turismo rural de habitação, levado a cabo num solar inserido numa herdade, as exigências de qualidade e conformo proporcionadas aos hóspedes são essenciais, não se compadecendo com acessos intransitáveis ou muito difíceis, grandes obras em redor, pó e barulho, numa pequena aldeia. Neste sector de alojamento, o que os hóspedes procuram não é apenas dormida; é, sobretudo, uma experiência de descanso e lazer, inserida na natureza, longe do bulício da cidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela S..., SA, contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa, apresentada contra a liquidação adicional nº 2008 83..., relativa ao exercício de 2006, no montante de € 31.771,76, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A Fazenda Pública formula, para tanto, as seguintes conclusões:

I - Como bem apreciou a Douta Sentença recorrida, o art.º 47.º do CIRC contém a regra geral sobre o reporte de prejuízos: os apurados em exercícios anteriores são dedutíveis aos lucros tributáveis apurados em um ou mais dos exercícios posteriores, até ao limite de seis;

II - E nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRC, “a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes, dos montantes correspondentes a 1) Prejuízos fiscais nos termos do art.º 47.º”;

III - Por outro lado, dispunha o art.º 16.º do CIRC, no seu n.º 1, que “A matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal”;

IV - Não tendo o contribuinte apresentado Declaração válida para o exercício de 2004, não pode deduzir aquele prejuízo à matéria coletável do exercício de 2006, pois o resultado fiscal de 2004 não foi validado pela administração fiscal.

V - Considerou ainda, a Douta Sentença recorrida, que a Autoridade Tributária – ao desconsiderar custos declarados pela sociedade Impugnante, no ano de 2003 (leia-se, 2006, exercício aqui em causa), por considerar que a mesma não apresentou proveitos relacionados com a atividade de turismo de habitação, pelo facto de não a exercer - recorreu ao critério mais limitativo de custo, o da necessidade, que tende a só considerar dedutíveis os gastos sem os quais os proveitos não poderiam ser obtidos;

VI - Não afasta, a jurisprudência dos Tribunais superiores, a desconsideração de custos quando os mesmos não estão diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pela empresa ou que não se relacionem diretamente com o processo produtivo (cfr. Acórdão STA de 30.11.2011, processo n.º 0107/11), ou que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa (Acórdão TCA Sul, de 27.03.2012, processo n.º 05312/12), ou ainda considerando que o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, pelo que a Administração pode excluir gastos incorridos para além do objeto social ou, ao menos, com nítido excesso, desviante face às necessidades e capacidades objectivas da empresa (Acórdão STA de 21.04.2010, processo n.º 0774/09);

VII - Considerar que a indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, subjuga este Direito aos enquadramentos realizados pela atividade societária, entendimento sem qualquer respaldo na lei e, muito menos, no art.º 23.º do CIRC;

VIII - Ao decidir, como decidiu, violou a Douta Sentença recorrida, o disposto no art.º 3.º, 17.º, 47.º e 23.º do CIRC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.


*

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) A Impugnante dedica-se a exploração agrícola, florestal e pecuária, em terras próprias ou arrendadas para esse fim, o exercício da indústria de turismo, rural ou cinegético

B) A escrita da Impugnante do exercício de 2006, foi inspeccionada;

C) Do relatório elaborado em 2008.04.14 (cf. fls. 147 ss dos autos), que aqui se dá por reproduzido, extracta-se:

a. I – Descrição Sucinta das Conclusões da Acção de Inspecção:

i. Conforme descrito [infra - no ponto III.6. do presente relatório], concluiu-se que o sujeito passivo não exerce a actividade de turismo rural, pelo que, não são aceites, para efeitos fiscais, os custos contabilizados relacionados com essa actividade, nos termos do n.º 1 do art. 23º do CIRC, e retira-se o direito à dedução nos termos do art. 20º do CIVA, tendo, por esse facto, dado origem às seguintes correcções:

1. A – Imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas

a. O sujeito passivo tinha deduzido ao lucro tributável prejuízos fiscais apurados no regime de tributação pelo lucro consolidado (RTLC) /regime especial de tributação de grupo de sociedades (RETGS), mas de acordo com o artigo. 65º do CIRC e pelo descrito no ponto III.3. deste relatório, terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou;

b. Assim, não foram aceites prejuízos fiscais no montante de € 246.803,38 e € 33.451,28, em 2003 e 2006, respectivamente;

2. B – Imposto sobre o valor acrescentado

a. (...);

ii. II – Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção de Inspecção

1. II. 1. (...);

2. II. 2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal

a. A presente acção inspectiva, com o PNAIT 221.34, tem âmbito parcial em IRC para o ano de 2003 e 2006.

b. A presente acção inspectiva foi desencadeada pelo facto do sujeito passivo estar enquadrado no regime geral de tributação de IRC e ter reportado prejuízos gerados no âmbito da tributação pelo regime consolidado e pelo RETGS.

3. II. 3. Outras Situações

a. (...);

b. II.3.1. Caracterização da Empresa

i. (...);

c. II.3.1.1. Enquadramento Fiscal

i. A actividade da empresa enquadra-se, em sede de IRC, no regime geral, tendo sido tributada pelo RTLC/RETGS de 1999 a 2001, pela actividade de “Outras Culturas Temporárias, N.E.” a que corresponde o CAE 001192.

ii. (...);

iii. III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

1. III.1. Introdução

2. Conforme já foi referido a presente acção inspectiva foi despoletada pelo facto do sujeito passivo ter deduzido, aos respectivos lucros tributáveis, prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que se aplicou o Regime Especial de tributação do Grupo de Sociedades.

3. Da análise à contabilidade da sociedade e demais documentos que dela fazem parte, verificamos existirem outras situações que precisavam de ser esclarecidas pelo sujeito passivo, nomeadamente, no que se refere ao projecto de investimento de Turismo Habitação, dos subsídios atribuídos pelo então INGA e IFADAP e da exploração cinegética, entre outros.

4. (...);

iv. (...);

v. III.3. Análise aos prejuízos fiscais

1. 1 - Exercício de 2003

2. (...);

3. 2 - Exercício de 2006

a. O sujeito passivo deduziu os prejuízos fiscais apurados no exercício de 2004, como se segue:

b. Em 2005, a dedução de prejuízos foi corrigida oficiosamente pelos serviços tendo passando de € 81.939,12 para € 0,00, tendo a matéria colectável passado de € 0,00 para € 81.939,12.

c. No exercício de 2006, o sujeito passivo deduziu parte restante dos prejuízos fiscais apurados no exercício de 2004 (€ 33.451,28).

d. Da consulta ao sistema informático da DGCI, verificou-se que em 2004 o sujeito passivo apresentou a declaração do IRC mod. 22 assinalando o Regime Especial de Tributação dos Grupos Sociedades, e, de acordo com a alínea b) e c) do n.º 1 do art. 65.º do CIRC, os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada exercício do período de aplicação do regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo e terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou.

e. Assim, a sociedade não pode deduzir os prejuízos fiscais aos seus lucros tributáveis, pelo que será alvo de correcção no ponto III.6. deste relatório.

4. III.4. Análise ao Projecto de Turismo Habitação Rural

a. Da análise efectuada à contabilidade da sociedade, bem como dos documentos que serviram de base à elaboração da mesma, constatou-se que foram efectuados investimentos relacionados com reparações no Solar de P..., que de acordo com a descrição efectuada no mapa do imobilizado, e nas declarações do sujeito passivo, referem-se ao projecto de Turismo de Habitação Rural;

b. No mapa de amortizações, encontram-se listados diversos elementos do activo imobilizado relacionados com o projecto de Turismo Habitação Rural (...), cujos valores ascendem aos seguintes montantes:

c. Tendo em conta o investimento efectuado pela sociedade e a especificidade desta actividade, notificou-se o sujeito passivo, no dia 11-02-2008, (...) para explicar qual o plano de investimento da sociedade, para o projecto de turismo de habitação, ano de conclusão do projecto, início de funcionamento e respectiva licença para o exercício desta actividade, bem como, referência aos exercícios em que foram obtidos proveitos provenientes desta actividade e respectivos documentos comprovativos.

d. Na resposta à nossa notificação (...), o sujeito passivo referiu o seguinte: “Turismo de habitação é essencialmente turismo integrado numa certa família/casa familiar e, como tal, o dito projecto consistiu em reconstruir a casa onde viviam os antepassados do Administrador da sociedade e onde habita actualmente com a família;

e. A casa pertencia à S. Agrícola H..., S.A constituída apenas por seus familiares e que, por partilha, passou a pertencer à S. Agrícola E..., S.A, cujas acções são integralmente detidas pela Q..., SGPS., Lda., sendo esta detida apenas por si e pela sua esposa. Tentou igualmente proporcionar programas campestres do tipo turismo – ecológico, a partir de 2 casas de madeira que, no ano de 1999 foram incendiadas com gasolina;

f. O turismo de habitação na casa familiar também se viu bastante reduzido e acabou por parar, pelo facto de que as obras infra-estruturais na aldeia de P..., cortaram o condigno acesso à casa durante anos e continuam a fazê-lo, por pura e simplesmente terem ignorado a necessidade de ligação da estrada de acesso interior à estrada nacional;

g. Este facto tem vindo, infrutiferamente, a ser apontado por escrito e verbalmente à Câmara de Alcácer do Sal. Tudo isto não impede que, estando sanado o problema de acesso, não venhamos a estabelecer os contactos necessários no sentido de retomar a prática do turismo de habitação e do turismo ecológico;

h. O investimento a estas mesmas actividades, não beneficiou de qualquer tipo de subvenção e está

inscrito na contabilidade, assim como estão os respectivos proveitos;

i. A 16-09-99 foi apresentado um pedido de inscrição em turismo de habitação na DGT;

j. A 20-12-1999, uma vez que a DGT não vistoriava a unidade, escrevemos a dizer que (conforme os próprios serviços da DGT nos indicaram fazer) iniciávamos a actividade após registo nas Finanças. Recebemos carta datada de 25-05-2000 da DGT, confundindo o pedido de inscrição/vistoria com um pedido de aprovação de projecto;

k. A 31-05-2000, após falarmos com quem nos escrevera e por sugestão deste, de novo solicitámos vistoria à nossa unidade de turismo de habitação. Na altura alertaram-nos para o facto de que as vistorias/licenciamentos estavam a ocorrer com anos de atraso mas que, por o incumprimento temporal ser dos serviços da DGT, era pratica comum as unidades (já que casas de famílias) funcionarem enquanto que aguardavam ser vistoriadas... desde que devidamente inscritas nas Finanças;

l. A 31-05-2001 insistimos de novo, pela última vez, e começamos a reduzir o número de hóspedes”.

m. O sujeito passivo apresentou cópia do pedido de inscrição de 16-09-1999 e cópias das cartas enviadas à Direcção Geral de Turismo.

n. Para que qualquer entidade possa exercer a actividade de Turismo no Espaço Rural, esta tem que proceder ao pedido de autorização para o exercício dessa actividade.

o. No ano de 1999, este pedido de autorização deveria ser dirigido à Direcção Geral do Turismo, conforme estipula o art. 11º do Decreto-lei n.º 169/97 de 04-07-1997;

p. O Decreto Regulamentar n.º 37/97 de 25 de Setembro, veio estabelecer os procedimentos relativos ao pedido de autorização para as casas particulares serem utilizadas nas diferentes modalidades de turismo no espaço rural, com vista à obtenção da licença de utilização para turismo no espaço rural, bem como os requisitos mínimos das instalações e do funcionamento a que estas têm de obedecer;

q. Diz no seu art. 1º do Decreto Regulamentar n.º 37/97 que o requerimento para as casas particulares serem utilizadas para turismo no espaço rural deve ser apresentado na Direcção-Geral do Turismo ou nos órgãos regionais ou locais de turismo;

r. A licença de utilização para turismo no espaço rural é emitida pelo Director Geral do Turismo, após verificada a conformidade da obra com o projecto aprovado e o cumprimento das normas previstas no presente diploma e no Decreto-Lei n.º 169/97, de 4 de Julho.

s. Ambos os diplomas anteriormente referidos (Decreto-lei n.º 169/97 de 04-07-1997 e Decreto Regulamentar n.º 37/97 de 25 de Setembro) foram revogados com a publicação do Decreto-lei n.º 54/2002 de 11 de Março;

t. No entanto, de acordo com o n.º 1 do art. 73º deste diploma, os processos pendentes na Direcção-Geral do Turismo à data da entrada em vigor do presente diploma respeitantes à autorização de abertura a que se refere o artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 37/97, de 25 de Setembro, continuam a regular-se pelo disposto naquele diploma e no Decreto-Lei n.º 169/97, de 4 de Julho, sendo a respectiva classificação regulada nos termos dos referidos diplomas;

u. O n.º 2 do art. 73º vem ressalvar que na situação prevista no n.º 1, o requerente e a Direcção-Geral do Turismo podem, de comum acordo, optar pela aplicação do regime previsto no presente diploma para a emissão do alvará de licença ou de autorização de utilização para turismo no espaço rural e para a classificação do empreendimento, devendo, nesse caso, aquela Direcção-Geral comunicar o acordo à Câmara Municipal respectiva e à Direcção Regional do Ministério da Economia territorialmente competente.

v. O sujeito passivo não apresentou a licença de utilização, de acordo com a legislação vigente à data do pedido, ou o alvará de licença ou de autorização de utilização para turismo no espaço rural, conforme refere a legislação actual, nem seria possível, uma vez que a Câmara Municipal de Alcácer do Sal informou que não foi concedido à S..., SA qualquer licenciamento destinado ao turismo em espaço rural (...);

w. O sujeito passivo apresentou cópia do pedido de inscrição em Turismo de Habitação do Palácio V..., efectuado em 1999, no entanto, passados mais de 8 anos, não possui licença de utilização para turismo no espaço rural;

x. O sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo de que tenha exercido esta actividade, embora tenha sido notificado para o efeito, conforme ponto 3 do anexo 1, declarando apenas que a partir de 2001 começou a reduzir o número de hóspedes.

y. Nos anos em análise, 2003 e 2006, constatou-se que o sujeito passivo não exerceu a actividade relacionada com o turismo rural, uma vez que não registou quaisquer proveitos com essa actividade.

z. Desde 1997 que o sujeito passivo tem efectuado investimentos no Solar de P..., repercutindo-os no imobilizado da sociedade e, consequentemente, nos custos da sociedade por via das amortizações efectuadas.

aa. De acordo com o art. 23º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

bb. Nos termos dos art. 20º do CIVA, o sujeito passivo só poderia deduzir o IVA que incidiu sobre estas aquisições, se a finalidade for a de realizar operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

cc. Pelo anteriormente exposto, constatamos que o sujeito passivo não exerce nem pode exercer a actividade de turismo rural dado que não possui a licença exigível nos termos da lei, e esses custos não são indispensáveis para a realização dos proveitos, não sendo também de aceitar a dedução do IVA, nos termos do art. 20º do CIVA, pelo que serão corrigidos no ponto III.6. deste relatório.

vi. III.5. Conclusão

1. Do anteriormente referido podemos concluir o seguinte:

a. 1º - Os prejuízos fiscais declarados pela sociedade no exercício de 2003 e 2006, referem-se a prejuízos fiscais, apurados nos exercícios em que era tributada pelo regime de grupo de sociedades, não sendo, após abandonar esse regime, dedutíveis ao lucro tributável da sociedade.

b. 2º - O sujeito passivo contabilizou anualmente os custos relacionados com a actividade de turismo rural, apesar de não ter licença de utilização para turismo no espaço rural e de não exercer a actividade de turismo rural. De acordo com o artigo 23º do CIRC estes custos não são aceites, para efeitos fiscais, dado que não são indispensáveis para a obtenção dos proveitos;

c. 3º - Não será também aceite a dedução do IVA referente às aquisições de bens e de serviços relacionados com a actividade de turismo rural, nos termos dos art. 20º do CIVA.

vii. III.6. Correcções à matéria tributável

1. Assim, e tendo em conta o anteriormente descrito, vão efectuar-se correcções aos valores declarados pela sociedade em sede de IRC e IVA.

2. III.6.1. Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC)

3. Estes valores foram alterados no âmbito dos elementos apresentados pelo sujeito passivo no direito de audição conforme descrito no ponto IX do relatório;

4. Pelo anteriormente exposto, e conforme o parágrafo 1º e 3º do ponto IX deste relatório, não se aceitam a dedução dos prejuízos fiscais nos montantes de € 246.803,38 e de € 33.451,28, em 2003 e 2006, respectivamente.

viii. III.6.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

1. (...);

b. IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – Fundamentação

i. (...);

ii. 3º - No que concerne à dedução de prejuízos fiscais no exercício de 2006, referentes ao exercício de 2004, o sujeito passivo apresentou os seguintes fundamentos para que seja aceite a dedução desses prejuízos:

iii. - “Por lapso na entrega da declaração mod. 22 da requerente, relativo aos rendimentos de 2004, foi assinalado o RETGS quando na realidade deveria estar assinalado o regime geral de tributação. A requerente apresentou uma nova declaração modelo 22, relativa ao exercício de 2004, em 10 de Dezembro de 2006, conforme comprovativo que junta como doc. 3. Nessa declaração, a requerente apresentou-se no regime geral de tributação, o qual é o seu correcto enquadramento no exercício de 2004, devendo assim ser aceite a dedução de prejuízos fiscais no exercício de 2006 no montante de €33.451,28.”

iv. Relativamente a esta questão cabe aqui referir que pela análise efectuada se conclui que em 2004 o sujeito passivo não é tributado pelo RETGS, pelo que teria aplicação o art.º 47.º do CIRC.

v. Contudo, constata-se que o sujeito passivo não entregou nenhuma declaração modelo 22 de 2004, que se encontre validada, ou seja, a Administração Fiscal nunca validou o prejuízo de €115.390,40.

vi. Verificou-se que o sujeito passivo entregou dentro do prazo uma declaração modelo 22, que não foi liquidada porque foi indicado o regime “18” (RETGS) e uma declaração fora do prazo, tendo sido indicado o regime “1” (Geral), constando em ambas que se trata da 1.ª declaração.

vii. A declaração entregue dentro do prazo não é aceite como correcta pela Administração Fiscal, porque a empresa mãe (Q..., SGPS, Ld.ª), não entregou a declaração onde englobasse os rendimentos do grupo.

viii. A declaração que o sujeito passivo anexou ao Direito de audição, onde consta o referido prejuízo de €115.390,40, não foi validada pela DGCI, tendo o sujeito passivo conhecimento deste facto, já que consta na referida fotocópia, que para que a mesma seja válida é necessário estar acompanhada pela carta da DGCI, contendo a identificação da declaração modelo 22 de IRC.

ix. Assim, o prejuízo deduzido de € 33.451,28, ao resultado fiscal de 2006, não pode ser aceite, porque respeitando ao resultado fiscal de 2004, se conclui que este não foi validado pela Administração Fiscal, porque o sujeito passivo nunca apresentou uma declaração válida, nem apresentou reclamação graciosa, tempestiva, para que a declaração fosse corrigida e aceite pela Administração Fiscal.

x. É de referir ainda, que como se refere no ponto VIII do relatório, foi proposta a acção inspectiva aos exercícios de 2004 e 2005, existindo nesta data a perspectiva de que eventualmente os resultados fiscais destes dois exercícios serão superiores, não havendo assim, lugar a dedução de quaisquer prejuízos.

D) Em 2008.04.18, sobre este relatório, o Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças (em substituição), exarou despacho: Concordo com os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório e parecer elaborado para o efeito. Notifique-se nos termos do artigo 77º LGT e artigo 62º do RCIPT. Proceda-se em conformidade (cf. fls. 147 dos autos);

E) Este relatório foi notificado por carta registada com aviso de recepção acompanhado de ofício normalizado datado de 2008.04.18 (cf. fls. 56 dos autos);

F) Em 2006.12.10, a impugnante entregou via internet declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2004, assinalando no quadro 3 (Q3), linha 4 (L4) – Regimes de Tributação dos Rendimentos a opção pelo Geral e no quadro e no quadro 04 (Q4) – Características da declaração linha 1 (L1), 1ª declaração do exercício, apurando um prejuízo para efeitos fiscais de € (115 390,40);

a. Esta declaração não foi validada centralmente;

G) Em 1999.09.16, a Impugnante preencheu e entregou na Direcção Geral do Turismo (DGT), requerimento a solicitar a inscrição de habitação (cf. fls. 89 a 90 dos autos);

H) Em 2000.05.31, a Impugnante solicitou junto da DGT a vistoria à unidade de turismo de habitação de nome Palácio V... (cf. fls. 91 dos autos);

I) Em 2009.04.29, o Director de Serviços da Direcção Regional de Economia do Alentejo, deu conhecimento à Impugnante do Ofício nº 1656/2009 de 2009.04.29, remetido à Direcção de Finanças de Setúbal que rectifica o Ofício nº 3186 de 2008.04.10 (cf. fls. 297 a 298 dos autos), confirmando que a Impugnante requereu a vistoria através de carta de 2000.05.31;

J) A sociedade P...,, Lda., inscreveu a favor da Impugnante o nome de domínio internet TLD com a designação “P...palace.com” e desenvolveu um sítio/página internet para divulgação de turismo de habitação no Palácio V... e programas campestres (cf. fls. 92 a 93 dos autos);

K) Este serviço foi suspenso em 2002 (id.);

L) Nos anos de 2000 e 2001 a Impugnante prestou serviços de dormidas e refeições (cf. fls. 94 a 123 dos autos);

M) No ano de 2002 foram iniciadas obras de urbanização e operação de loteamento na Aldeia de P... acompanhadas de obras na restante Aldeia de P... (cf. certidão emitida pela Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de Alcácer do Sal a fls. 293 a 294 dos autos), incluindo:

a. Abertura de valas em toda a Aldeia para instalação de um novo sistema de esgotos, novo funcionamento de água e enterramento de cabos eléctricos aéreos;

b. Integral pavimentação de passeios e estacionamento com asfalto de todas as ruas da Aldeia, até aí em terra;

c. Instalação de passeios e estacionamento ao longo das mesmas ruas;

d. Ajardinamento de zonas de lazer e a instalação de infra-estruturas desportivas

e. Pavimentação do acesso Norte da Aldeia mas a não pavimentação do acesso sul, onde se verifica um acentuado desnível (...);

f. (...);

N) No ano de 2008, a Impugnante prestou serviços relativos a jornadas de caça aos pombos e alojamento a P..., Lda. (cf. fls. 399 e 401 dos autos);

O) No ano de 2009, a Impugnante forneceu pombos bravos e serviços de alojamento a P..., Lda. (cf. fls. 400 dos autos);

P) Em 2008.06.18, foi emitida a liquidação nº 200883..., relativa a IRC de 2006, no montante de € 31 771,76;

Q) Em 2008.09.15, a contribuinte reclamou (cf. fls. 5 a 30 do PA junto);

R) O projecto de despacho de indeferimento da reclamação foi enviado à Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008.10.21 (cf. fls. 124 a 126 do PA);

S) Em 2008.10.27, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 128 a 134 do PA junto);

T) O indeferimento da reclamação graciosa foi comunicado por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008.11.11 (cf. fls. 146 a 147 do PA);

U) Em 2008.11.27, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a presente impugnação (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

b) Factos não provados

Dos demais factos constantes da impugnação, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.

IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas.

1ª Testemunha: B...: contabilista da impugnante: desde 1997 que a empresa é fiscalizada, pediu a tributação pelo regime do lucro consolidado; no ano de 2003, entregue no ano de 2004, a primeira entregue por via electrónica, indevidamente foi marcado o quadrado relativo à tributação pelo regime geral em vez de assinalar tributação pelo lucro consolidado; entregou declaração de substituição, mas relativamente a esta última o sistema assinalava erros centrais; todos os gabinetes de contabilidade que conhece sentiram dificuldades com esta alteração; telefonou várias vezes para os Serviços Centrais de IRC e falou com diversas pessoas das quais não guardou a identificação; nas últimas vezes quem o atendeu informou que não era necessária a declaração de substituição pois a opção mantinha-se válida; tem o documento de envio da declaração de substituição mas esta nunca foi aceite pelo sistema; em 1997, entregaram nas Finanças alteração da actividade para o exercício de turismo; e até 2002 registaram na contabilidade serviços de turismo rural; a partir de 2002, a actividade cessou por causa das obras; é de Alcácer e passa pela Aldeia de P... e viu as obras; o acesso ao Solar e feito através da Aldeia de P... e as obras impediam o acesso ao solar; a estrada estava intransitável, só com um tractor se conseguia passar; facturaram serviços de hotelaria durante 3 anos, suspenderam essa facturação; mas a partir de 2008 começaram novamente a registar na contabilidade serviços de hotelaria, inclusive em 2010; foram feitos investimentos de grande relevância e nunca ouviu falar que iriam acabar com aquela actividade; o edifício estava muito degradado antes das obras e foram feitos grandes investimentos não só em obras mas também em mobiliário e outros equipamentos; embora a sede social funcione no mesmo edifício, esta encontra-se fisicamente separada; a instâncias da Fazenda esclareceu que foi entregue a declaração de opção pelo regime REGTS, mas que a declaração de IRC é que foi submetida informaticamente não continha essa menção, reiterando que foi entregue declaração de substituição.

2ª Testemunha: G…, trabalhador agrícola indiferenciado (encarregado agrícola da herdade); quando começou a trabalhar havia movimento de pessoas que pouco tempo depois cessou; lembra-se das obras na Aldeia, que começaram por volta do ano 2003; os acessos à propriedade foram cortados; apenas tractores e jipes podiam lá entrar; podia-se circular a pé mas a casa ainda fica longe; as obras ainda não terminaram; ainda hoje há um degrau ou declive vindo da estrada nacional; desde que a rua de acesso foi alcatroada voltaram as pessoas, nacionais e estrangeiros.

3ª Testemunha: I…, cozinheira. Trabalha no Solar de P... há mais de 12 anos; em 2000, 2001 e 2002 viu lá muitos hóspedes; durante as obras foram feitos novos quartos; no Solar há 5 quartos para hóspedes, têm muito espaço e casa de banho privativa; fazia os pequenos-almoços para os hóspedes; durante as obras havia muito pó e buracos, mas os quartos continuaram a ser limpos; mora na Aldeia de P... e lembra-se bem das obras, confirmando que não se podia usar a estrada de acesso à casa; as obras terminaram em 2008, mas continuam a ser feitas obras na parte Sul que dá acesso ao Palácio; a partir de 2008, começaram a aparecer caçadores e turistas; há uns meses começaram a aparecer estrangeiros; mora na aldeia e desloca-se a pé para o Solar; em 2001 e 2002 havia muitos hóspedes; agora aparecem menos mas já aparecem; faz de tudo um pouco, cozinha e limpezas”.


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2.2. De direito

Como resulta das conclusões que antecedem, são duas as questões que nos vêm dirigidas.

A primeira, correspondente às conclusões I) a IV) e prende-se com o decidido quanto aos prejuízos fiscais de 2004, utilizados em 2006, e que os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) desconsideraram.

A este propósito, evidencia a Fazenda Pública que “Como bem apreciou a Douta Sentença recorrida, o art.º 47.º do CIRC contém a regra geral sobre o reporte de prejuízos: os apurados em exercícios anteriores são dedutíveis aos lucros tributáveis apurados em um ou mais dos exercícios posteriores, até ao limite de seis”; enfatiza, ainda, que “nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRC, “a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes, dos montantes correspondentes a 1) Prejuízos fiscais nos termos do art.º 47.º”; reforça a ideia de que “por outro lado, dispunha o art.º 16.º do CIRC, no seu n.º 1, que “A matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal”.

Assim, pôde a Fazenda concluir que “Não tendo o contribuinte apresentado Declaração válida para o exercício de 2004, não pode deduzir aquele prejuízo à matéria coletável do exercício de 2006, pois o resultado fiscal de 2004 não foi validado pela administração fiscal”.

Vejamos, tendo presente o que a este propósito a sentença decidiu.

Ora, após fazer o enquadramento legal da questão do reporte de prejuízos, a sentença concluiu o seguinte:

“(…)

Ou seja, se uma empresa obtém, num determinado exercício, um resultado fiscal positivo, esse resultado pode ser diminuído ou, até, eliminado pela consideração dos prejuízos que tenham ocorrido nos (hoje) seis exercícios anteriores.

Porém, para a Administração Fiscal, só há reporte quando os prejuízos tiverem sido apurados a partir da contabilidade da empresa.

No caso em análise, porém, estamos perante uma situação algo diferente: não ter sido validada a declaração de IRC, mas que nestas circunstâncias deveria ter dado lugar a uma liquidação oficiosa, que não ocorreu.

Ora, como vimos, só se admite a dedutibilidade dos prejuízos apurados a partir da contabilidade.

No caso em análise, porém, estando em curso uma inspecção seriam dados a ter necessariamente em conta.

Por conseguinte, havendo o dever de Administração Fiscal de dar despacho, com investigação da situação crítica, vale a pretensão da Impugnante, que não obteve contradição e que se baseia, como vimos nos elementos da contabilidade, sob o ponto de vista do rendimento real.

Não é legítimo que permaneça numa situação de non liquet, quando o acerto cabe, sem dúvida à Administração Fiscal, neste caso.

Tem pois de ser dada razão à impugnante, neste particular”.

Sem esforço, percebe-se que as conclusões I) a III) em nada se dirigem ao decidido, limitando-se a replicar, genericamente, o que a lei refere sobre o reporte de prejuízos e que, de resto, a sentença não desconsiderou.

A questão que aqui se coloca é, como demostraremos, que o ataque à sentença, perpetrado nas alegações e conclusões do recurso, passa absolutamente ao lado daquilo que – bem ou mal – foi decidido em 1ª instância.

Explicando com detalhe. O que está em causa, e que é a base fundamentadora do decidido na sentença, não é o facto de terem sido apresentadas duas diferentes declarações de rendimentos para o exercício de 2004, sem que nenhuma tenha sido validada pela AT, daí se justificando, para a Recorrente, a não consideração dos prejuízos fiscais apurados; o que a sentença considerou foi – isso sim – que precisamente essa situação não se pode aceitar e que cabia à AT, oficiosamente, ter procedido a uma liquidação para o ano de 2004.

Para a sentença, se a AT não valida as declarações de rendimentos entregues, então, cabe-lhe actuar, apurando os valores do exercício em causa oficiosamente, não podendo, nas palavras do Tribunal, permanecer “numa situação de non liquet, quando o acerto cabe, sem dúvida à Administração Fiscal…”.

E foi por isto, por esta razão, que o Tribunal não aceitou a correcção aos prejuízos e a anulou.

Ora – repete-se – com acerto ou sem ele, tal entendimento não vem refutado, nem posto em causa, limitando-se a Fazenda Pública a reiterar que as duas declarações apresentadas não chegaram a ser validadas pela AT.

Por conseguinte, face ao decidido que se deixou transcrito, esta alegação da Recorrente é absolutamente insuficiente para atacar o decidido, por justamente passar ao lado de tal decisão. Este Tribunal, face ao exposto, vê-se sem elementos que sustentem um ataque eficaz à decisão recorrida, na parte em apreciação.

Nesta conformidade, e sem necessidade de mais, improcedem as conclusões e a questão que vimos de analisar.


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Passemos à segunda questão que aqui nos ocupa e a que se reportam as demais conclusões da alegação do recurso. Falamos de correcções relativas a custos não aceites, com fundamento no artigo 23º do CIRC, custos estes relacionados com a actividade de turismo de habitação no Palácio V....

Vejamos, então.

Após fazer um detalhado enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial da questão em análise, o TAF de Beja considerou, além do mais e no essencial, o seguinte: que é de afastar qualquer “juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos” que “é exclusivo do empresário, e todo o gasto que contabilize como custo mas que se mostre estranho ao fim da empresa já não é custo fiscal, porque não é indispensável”. E prossegue a sentença, “Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo, designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é, por exemplo, o caso do trabalho.

Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.

Neste sentido: a solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI) e que se é certo que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (…).4

A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal.

Foi o que não sucedeu no caso vertente, por parte da Administração Fiscal, segundo os critérios que utilizou na correcção à liquidação impugnada”.

Vejamos, então, tendo presente que a Recorrente se insurge contra o assim decidido defendendo que a jurisprudência não afasta “a desconsideração de custos quando os mesmos não estão diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pela empresa ou que não se relacionem diretamente com o processo produtivo (cfr. Acórdão STA de 30.11.2011, processo n.º 0107/11), ou que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa (Acórdão TCA Sul, de 27.03.2012, processo n.º 05312/12), ou ainda considerando que o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, pelo que a Administração pode excluir gastos incorridos para além do objeto social ou, ao menos, com nítido excesso, desviante face às necessidades e capacidades objectivas da empresa (Acórdão STA de 21.04.2010, processo n.º 0774/09)”. Para a Fazenda Pública, “Considerar que a indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, subjuga este Direito aos enquadramentos realizados pela atividade societária, entendimento sem qualquer respaldo na lei e, muito menos, no art.º 23.º do CIRC”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

Antes, porém, importa realçar que neste recurso jurisdicional não vem posta em causa a matéria de facto acolhida pelo Tribunal de 1ª instância, fixada, além do mais, com base na prova testemunhal, razão pela qual a matéria de facto se mostra estabilizada.

Avançando, importa saber se, no caso, o Tribunal errou na interpretação e aplicação que fez do disposto no artigo 23º do CIRC, quanto à indispensabilidade dos custos em causa.

Tenhamos presente o teor do relatório de inspecção, em concreto no que se reporta aos custos incorridos com reparações no Solar de P..., reportados ao projecto de Turismo de Habitação Rural, conforme pontos 4.III.4.

Se atentarmos na fundamentação subjacente à correcção em análise, e à convocação do artigo 23º do CIRC, podemos aí verificar que os SIT seguem a seguinte linha de motivação:

- nos anos em análise, 2003 e 2006, constatou-se que o sujeito passivo não exerceu a actividade relacionada com o turismo rural, uma vez que não registou quaisquer proveitos com essa actividade;

- o sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo de que tenha exercido esta actividade;

- o sujeito passivo não exerce nem pode exercer a actividade de turismo rural dado que não possui a licença exigível nos termos da lei, e esses custos não são indispensáveis para a realização dos proveitos (…), pelo que são corrigidos;

- de acordo com o artigo 23º do CIRC estes custos não são aceites, para efeitos fiscais, dado que não são indispensáveis para a obtenção dos proveitos.

Em suma, não são indispensáveis e, como tal, fiscalmente dedutíveis, os custos relativos às amortizações respeitantes “a investimentos no Solar de P..., repercutidos no imobilizado da sociedade”.

Tenhamos presente, desde já, o disposto no artigo 23º, nº 1 do CIRC (na redacção vigente à época), segundo o qual consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os que vêm exemplificados nas diversas alíneas desse número - como por exemplo, os encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, à distribuição e venda, os de natureza financeira, os de natureza administrativa, os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta, os fiscais e parafiscais, as reintegrações e amortizações, as provisões, as menos-valias realizadas, as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se, no entendimento do Tribunal, que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
Como se refere no acórdão do TCA Sul, de 2/2/10 (recurso nº 3669/09), para que um custo seja fiscalmente relevante “tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, (…), que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados”.
Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, seja, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. Quer isto dizer, pois, que fora do conceito de indispensabilidade ficarão os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.

Como se afirmou neste TCA Sul, em 22/01/15 (recurso nº 5327/12), “Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico”.

Quanto ao requisito da indispensabilidade de um custo, deve dizer-se que tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.

“Não obstante”, como avança o acórdão citado em último lugar, “se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13)”.

Vejamos, então, não perdendo de vista dois aspectos: por um lado, a fundamentação que está subjacente à correcção em causa (transcrita e evidenciada sinteticamente) e, por outro lado, que a matéria de facto fixada em 1ª instância não foi impugnada, pelo que se mostra estabilizada.

Tendo estes aspectos em mente, avancemos para a solução do caso concreto.

Em primeiro lugar, tenha-se presente que a Recorrida se dedica, além do mais, à indústria do turismo, rural ou cinegético, tal como consta da alínea A) dos factos provados. Por conseguinte, custos relacionados com investimentos no Solar de P..., inserido num projecto de Turismo de Habitação apresentam-se, aparentemente, coerentes.

Mas continuemos, uma vez que esse dado, em singelo, é pouco.

Referem os SIT que não se comprova que a Recorrida alguma vez tenha exercido a actividade de turismo de habitação no Palácio V... (por vezes, surge designado Solar de P...), que a exerça ou até que a possa exercer. Para tanto, invocam-se razões que se prendem, além do mais, com a não exibição da licença exigível e não observância de diplomas relacionados com o exercício de tal actividade económica.

Em primeiro lugar, entendemos que, para os efeitos aqui visados, não se mostram decisivas (ou, até, necessárias) as considerações feitas quanto à não observância da extensa legislação invocada relativa ao turismo e à actividade económica relativa ao Turismo de Habitação, da competência de outras autoridades públicas que não a Administração Fiscal.

Por outro lado, não é correcto dizer-se que a Recorrida nunca exerceu a dita actividade económica. Ao menos, resulta dos factos provados (não impugnados, repita-se), que, nos anos de 2000 e 2001, a Recorrida prestou serviços de refeições e alojamento e que, em 2008 e 2009, forneceu serviços relativos a jornadas de caça aos pombos e serviços de alojamento.

Mais se demonstra, conforme H), I), J) e K) dos factos provados que, em Maio de 2000, a Impugnante solicitou junto da DGT a vistoria à unidade de turismo de habitação de nome Palácio V..., que foi inscrito, a favor da Recorrida, o nome de domínio internet TLD com a designação “P...palace.com” e desenvolvido um sítio/página internet para divulgação de turismo de habitação no Palácio V... e programas campestres e, ainda, que tal serviço foi suspenso em 2002.

Portanto, o que resta da motivação da correcção e surge, aliás, imediatamente perceptível, é que esta actividade de Turismo de Habitação foi interrompida/suspensa durante uns anos e que, em 2006 (ano que aqui nos ocupa), não foi efectivamente exercida, pois, daquilo que se demostra, apenas em 2008 foi retomada.

Vejamos, então, se pelo facto de em 2006 a Recorrida não ter exercido a actividade de Turismo de Habitação Rural e de os seus proveitos decorrem em exclusivo da sua actividade agrícola, florestal, pecuária e outras, por aquela actividade primeiramente indicada se encontrar suspensa, vejamos se - dizíamos - não obstante isso, os custos incorridos em 2006 com a actividade de turismo de habitação/ rural podiam ser deduzidos aos proveitos deste exercício (exclusivamente obtidos no exercício de outras actividades económicas).

Relembremos que os custos em análise se referem a investimentos relacionados com reparações no Solar de P... e respeitam ao projecto de Turismo de Habitação Rural, cuja ocorrência em si, a sua materialidade, a AT não põe em causa. Como consta do RIT, no mapa de amortizações encontram-se listados diversos elementos do activo imobilizado relacionados com tal actividade.

De acordo com os SIT, o que está em causa é a indispensabilidade dos custos, pelas razões que já apontámos.

Ora, estabelecer uma relação causal/directa entre custos e proveitos de um determinado exercício não é um caminho fundamentador eficaz para os fins em apreciação, pelas razões que já atrás deixámos evidenciadas e que nos abstemos de repetir à exaustão. Certo é que um custo incorrido pode, e muitas vezes isso acontece, não dar origem a um proveito e nem por isso deixa de ser aceite como custo fiscalmente dedutível. Pensemos, desde logo, que há actividades que necessitam de muitos investimentos até gerarem proveitos.

No caso, porém, a Impugnante avançou para a explicação sobre a razão da suspensão da actividade de turismo, em concreto as más condições em que se encontrava a estrada de acesso directo ao imóvel, quase intransitável, em resultado de prolongadas obras estruturais na aldeia de P... que cortaram o acesso directo à casa, impedindo que o serviço de Turismo Rural de Habitação fosse proporcionado em condições adequadas aos hóspedes que procuram este tipo de alojamento.

Não obstante, diz a Recorrida, tal como consta da p.i, que, mesmo com actividade suspensa, teve de realizar investimentos para manter em boas condições (nomeadamente com vista à retoma da actividade que, aliás, se demostra que prosseguiu) as instalações do Solar de P.... São esses os investimentos que agora estão questionados, pela via da não aceitação dos custos correspondentes às amortizações.

Mais uma vez, importa que tomemos em conta a matéria de facto – insiste-se – que não foi objecto de impugnação pela Fazenda Pública.

Ora, resulta dos factos provados que, efectivamente, no ano de 2002 foram iniciadas obras de urbanização e operação de loteamento na Aldeia de P..., acompanhadas de obras na restante Aldeia, incluindo: a. Abertura de valas em toda a Aldeia para instalação de um novo sistema de esgotos, novo funcionamento de água e enterramento de cabos eléctricos aéreos; b. Integral pavimentação de passeios e estacionamento com asfalto de todas as ruas da Aldeia, até aí em terra; c. Instalação de passeios e estacionamento ao longo das mesmas ruas; d. Ajardinamento de zonas de lazer e a instalação de infra-estruturas desportivas e. Pavimentação do acesso Norte da Aldeia mas a não pavimentação do acesso sul, onde se verifica um acentuado desnível (...).

Por seu turno, as testemunhas ouvidas corroboraram a extensão das obras na aldeia, referindo-se às dificuldades de acesso ao Solar de P..., à estrada intransitável, ao pó, ao desnível existente na zona, entre outros aspectos que corroboram a tese da Impugnante e permitem perceber a opção de gestão de interromper/ suspender a prestação de serviços de Turismo Rural de Habitação. De resto, não há duvidas que é de um hiato temporal sem exercer a actividade que se trata, pois que, tal como era pretensão afirmada pela Recorrida na p.i, em 2008, tal actividade foi retomada.

No nosso entendimento, a explicação avançada pelo sujeito passivo quanto à indispensabilidade dos custos incorridos (e, nessa medida, avançando uma explicação sobre a congruência económica da operação económica) é perfeitamente coerente, aceitável e mostra-se suficientemente demonstrada.

Com efeito, num sector como o que está em causa, de turismo rural de habitação, levado a cabo num solar inserido numa herdade, as exigências de qualidade e conformo proporcionadas aos hóspedes são essenciais, não se compadecendo com acessos intransitáveis ou muito difíceis, grandes obras em redor, pó e barulho, numa pequena aldeia. Note-se que, neste sector de alojamento, o que os hóspedes procuram não é apenas dormida; é, sobretudo, uma experiência de descanso e lazer, inserida na natureza, longe do bulício da cidade.

Não percamos de vista, como já acima mencionámos, que não é aceitável que a AT faça juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida. Mas, como também dissemos, perante uma dúvida motivada sobre a indispensabilidade do custo, sobre a relação justificada de uma determinada despesa com uma atividade, cabe ao sujeito passivo uma explicação, demostrada, sobre a congruência económica da operação.

Ora, foi o que aqui aconteceu, tal como ficou por nós dito ao longo dos parágrafos que antecedem.

E, assim sendo, como se entende ser, há que negar razão à Recorrente, Fazenda Pública, e manter a sentença que reconheceu a dedutibilidade dos custos em causa, por estar demonstrada a indispensabilidade dos mesmos, nos termos exigidos pelo artigo 23º do CIRC.

Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação do recurso, pelo que nega-se provimento ao mesmo.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020.


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Ana Cristina Carvalho)