Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1214/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CRÉDITOS PROVENIENTES DE TAXAS
CRÉDITOS INDISPONÍVEIS
TRANSACÇÃO
INVALIDADE
Sumário:I - Constituem créditos tributários, para os efeitos do disposto no artigo 30.º da Lei Geral Tributária, os créditos provenientes de taxas devidas pelo licenciamento de postos de abastecimento de combustível, respectivos juros de mora e custos administrativos.
II - As taxas de justiça também têm natureza tributária.
III - Os créditos tributários são indisponíveis.
IV - É inválida a transacção extrajudicial em que o credor tributário renuncia ao direito a juros de mora e as partes acordam na repartição equitativa da taxa de justiça devida no processo judicial.
V - As transacções extrajudiciais inválidas (ou cujo conteúdo é parcialmente inválido) não podem ser homologadas “in totum” por sentença.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A PETRÓLEOS DE PORTUGAL – PETROGAL, S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que indeferiu o pedido de homologação da transacção extrajudicial formulado por ambas as partes na impugnação judicial e condenou a impugnante na totalidade das custas, alegando para tanto o seguinte:
«
I. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo TT de Lisboa, que indeferiu o pedido de homologação da transação extrajudicial nos termos requeridos pelas partes.

II. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo erra, desde logo, ao considerar que a transação apresentada põe em causa a indisponibilidade do crédito tributário, decorrente do artigo 30.º/2 da LGT.

III. Com efeito, tendo havido pagamento da taxa impugnada, não se vislumbra em que medida a transação apresentada possa por em causa o princípio (relativo) da indisponibilidade do crédito tributário, decorrente da LGT, que apenas condiciona a redução ou extinção do crédito tributário ao respeito pelo “princípio da igualdade e da legalidade tributária” que se encontra cumprido.

IV. Tanto assim é que o TCA Norte, em sentença datada de 10.09.2018 referente ao Processo n.º 269/13.0BEMDL, e em sentença datada de 09.10.2018 referente ao Processo n.º 2227/10.8BEBRG – processos de impugnação com objeto idêntico ao que se discute nos presentes autos e em que foi junto o mesmo acordo extrajudicial – decidiu, respetivamente, que «o objeto da Impugnação assume natureza disponível» e homologou «transação lavrada (…), nos seus precisos termos».

V. Ainda que se considere que a transação, junta aos autos, sobre o objeto do litígio põe em causa o princípio da indisponibilidade do crédito tributário – o que não se concede, e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio – sempre se terá de admitir que o Tribunal a quo não deveria ter afastado a transação celebrada quanto à repartição das custas judiciais, por a mesma não integrar o crédito tributário considerado indisponível pelo Tribunal a quo.

VI. Acresce que a repartição do pagamento das custas pelas partes processuais está na livre disponibilidade das mesmas.

VII. A repartição das custas na proporção de metade surge, assim, como uma solução supletiva, que o juiz não podia ter rejeitado.

VIII. Também o TCA Norte, em sentenças referentes aos Processos n.º 2227/10.8BEBRG, de 09.10.2018 e n.º 269/13.0BEMDL, de 10.09.2018 proferidas em processos de impugnação com objeto idêntico ao que se discute nos presentes autos e em que foi junto o mesmo acordo extrajudicial, decidiu, respetivamente, o seguinte: “Custas a cargo das Recorrentes e Recorrida em partes iguais (…)” e “Custas pela Recorrente e Recorrida, em ambas as instâncias, em partes iguais (…)”.

IX. O ora Tribunal ad quem, TCA Sul, em sentença proferida no Processo n.º 1045/13.6BELRS, a 12.09.2018, também, decidiu em ação de impugnação com objeto idêntico ao que se discute nos presentes autos e em que foi junto o mesmo acordo extrajudicial, que “condena-se as partes em custas nos termos do n.º 3 do requerimento em apreço”.

X. Tendo considerado que a Impugnante pretende desistir do pedido e que a Impugnada aceita tal desistência, andou mal o Tribunal a quo ao ter desconsiderado que ambas as partes acordaram em dividir a responsabilidade por custas a meio, prescindindo de custas de parte.

XI. Termos em que é aplicável o vertido no artigo 537.º/2 do CPC e não – como faz o Ilustre Tribunal a quo – o regime previsto no seu n° 1 do mesmo preceito legal, devendo, consequentemente, ser homologada a transação quanto a custas.

XII. Neste sentido vai, precisamente, o Tribunal da Relação de Évora em Acórdão referente ao processo n.º 690/06-3, datado de 04.05.2006 in www.dgsi.pt, cuja fundamentação é transponível, mutatis mutantis, para o caso sub judice, na medida em que também a Impugnante
e a Impugnada acordaram quanto à repartição do pagamento das custas, consignando-se em tal acordo a desistência do pedido por parte da Impugnante.

XIII. Sendo evidente que o Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas aplicáveis ao caso, requer-se que Vossas Excelências se dignem a revogar a Douta Sentença recorrida, no que concerne à condenação da Impugnante na totalidade da responsabilidade pelas custas processuais.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, serem considerados procedentes os erros de julgamento da Douta Sentença recorrida invocados nas presentes alegações de recurso, com as respetivas consequências legais, como é de Lei e de JUSTIÇA!».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso merece provimento, devendo a decisão recorrida ser revista.
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a transacção incidiu sobre créditos indisponíveis e, nessa medida, é ilegal, o que obsta à pretendida homologação.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Considero provados os seguintes factos com interesse à decisão, com base no teor dos documentos juntos aos autos, admitidos por acordo:

A) Em 10/05/2010, a PETRÓLEOS DE PORTUGAL – PETROGAL, SA, NIF 500697370, apresentou petição do ato de liquidação de taxa liquidada pelas Estradas de Portugal, SA, no valor de € 14 985,30 “correspondente ao actual número de mangueiras abastecedoras, de acordo com a alínea l), do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, acrescido de € 3,00 de imposto de selo” relativo ao Posto de Abastecimento de Combustíveis localizado na EN 9 Km 22,350 Lado Direito, Torres Vedras – cfr. fls. 2 a 27 cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

B) Em 11/10/2010, a E.P. – ESTRADAS DE PORTUGAL, SA apresentou contestação na qual defende a improcedência da impugnação referida em A – cfr. fls. 97-A a 122 cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

C) Em 30/07/2018, a PETRÓLEOS DE PORTUGAL – PETROGAL, SA e INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA vêm pedir sentença homologatória da transação apresentada, no seguintes termos:
“1- A Impugnante desiste do pedido formulado na presente ação de impugnação e a Impugnada aceita a desistência do pedido, ora formulado pela Impugnante.
2-A Impugnante compromete-se a pagar à Impugnada o valor correspondente à taxa liquidada sobre as mangueiras, no valor de € 14 985,30 (catorze mil, novecentos e oitenta e cinco euros e trinta cêntimos) em causa nos presentes autos no prazo de 30 dias a contar da data da sentença homologatória da presente transação.
3- A Impugnada expressamente declara renunciar a exigir o pagamento de juros de mora e declara que, com a realização do pagamento referido no número anterior, nada mais tem a reclamar ou a receber, a qualquer título, da Impugnante, relacionado com este objeto, dando plena quitação em relação às taxas liquidadas e objeto da presente impugnação.
4- As partes prescindem mutuamente de custas de parte, sendo as custas judiciais da responsabilidade da Impugnante e da Impugnada em partes iguais.
Nestes termos, por ser válida e terem legitimidade, requer-se a V. Exa. se digne proferir sentença homologatória da presente transação, condenando e absolvendo as partes nos exatos termos ora requeridos” – cfr. documento 6447238 de 30-07-2018 do sitaf;

D) A INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA sucede à ESTRADAS DE PORTUGAL, SA – cfr. documento 5956135 de 05/02/2016 do sitaf cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

E) O requerimento referido em C está assinado por Advogado da Impugnante, o Exmo. Sr. J… com substabelecimento de procuração com poderes especiais para transigir, desistir – cfr. procuração e substabelecimento de fls. 89 e 171 a 173, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

F) O requerimento referido em C está assinado por Advogado da Impugnada, o Exmo. Sr. P…, com procuração sem poderes especiais para transigir – cfr. procuração a fls. 161, cujo teor integral dou aqui por reproduzido.
*
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
*
Resulta do probatório que as partes apresentaram na pendência dos presentes autos, um requerimento assinado por ambas as partes, no qual acordam, através de transação, pôr termo ao litígio.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como acima deixamos enunciado, a questão controvertida reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a transacção extrajudicial sobre a dívida impugnada, cuja homologação era pedida, era contrária à lei.

Em causa, está dívida proveniente de taxa liquidada pelo licenciamento de Postos de Combustível e quantificada por mangueira abastecedora.

Estabelece o art.º 30/2 da Lei Geral tributária, que «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária».

Os créditos provenientes de taxas e outros tributos liquidados por e a favor de entidades públicas, no caso, a E.P. – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., são créditos tributários (art.º 3.º, n.º 3 da LGT), como tal, indisponíveis à luz do disposto no citado art.º 30/2 da LGT.
A indisponibilidade do crédito tributário estende-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente o direito a juros – vd. “LGT – Anotada e Comentada”, Diogo Leite Campos e Outros, Encontro da Escrita, 4.ª ed., 2012, a pág. 272.

No mesmo sentido, deixou-se consignado no sumário doutrinal do recente ac. do STA, de 04/07/2022, tirado no proc.º 01772/18.1BEBRG que «Constituem créditos tributários, para os efeitos do disposto no artigo 30.º da Lei Geral Tributária, os créditos provenientes de taxas de portagem, respectivos juros de mora e custos administrativos».

A taxa de justiça tem também natureza tributária, sendo o crédito dela emergente indisponível.

Pois bem, como se alcança do probatório, consta da transacção, entre o mais, que a impugnada declara renunciar a exigir o pagamento dos juros de mora e que as custas judiciais ficam sendo da responsabilidade da Impugnante e Impugnada em partes iguais.

Como se vê, a transacção recaiu sobre créditos indisponíveis – caso da renúncia a juros de mora e do acordo quanto às custas processuais.

No que em particular respeita às custas processuais, embora as partes não possam transigir quanto ao seu montante, podem, no entanto, acordar quanto à repartição da responsabilidade pelo seu pagamento (artigos 529/1 e 537/2 do CPC).
Todavia, tal supõe uma válida transacção, ou seja, que a transacção não recaia sobre objecto física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (art.º 280/1 Cód. Civil).

Conforme o disposto no art.º 289.º, n.º 1 do CPC, «Não é permitida confissão, desistência ou transação que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis».

E de harmonia com o disposto no art.º 290.º, n.º 1 do mesmo CPC, «A confissão, a desistência ou a transação podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo», dispondo o seu n.º 3 que «Lavrado o termo ou junto o documento, examina-se se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos».

Na parte em que recaiu sobre créditos indisponíveis, a transacção firmada pelas partes não podia ser homologada, porque inválida (art.º 280/1 do Cód. Civil).

E, sendo certo que a nulidade não afecta todo o acto, a verdade é que a Recorrente também não pede a homologação da transacção expurgada da parte em que recaiu sobre créditos indisponíveis.

Pede unicamente e a título subsidiário, a homologação do acordo quanto à repartição das custas, mas uma transacção cujo único objecto se reduz à repartição das custas processuais, não encontra suporte normativo no citado art.º 537/2 do CPC.

A sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao concluir pela invalidade da transacção extrajudicial e, com esse fundamento, recusar a sua homologação.

O recurso não merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 27 de Outubro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha