Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:403/20.4BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:11/26/2020
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:INCIDENTE; ART. 103º-A DO CPTA; LEGITIMIDADE (INTERESSE EM AGIR); ASSINATURA ELECTRÓNICA QUALIFICADA; DOCUMENTOS DA PROPOSTA; (NÃO) EXCLUSÃO; ARTIGO 57º, NºS 1 E 4 DO CCP.
Sumário:i) O impulso processual do incidente de levantamento suspensivo, nos termos do nº 2 do artigo 103-A do CPTA, cabe às contra-partes na relação processual controvertida - Entidade Demandada e/ou Contra-interessados.
ii) Se na petição inicial a Autora se limitou a requerer que operasse a suspensão “automática” dos efeitos do acto de adjudicação impugnado, que decorre ope legis por via do estatuído no citado artigo 103º -A, nº 1, justificando que estavam verificados os pressupostos legais.
iii) Logo, não tendo foi dirigido ao Tribunal qualquer requerimento ou articulado donde se retirasse uma pretensão, com estrutura de causa – vide art. 292º e segs. do CPC –, no sentido de lhe ter sido solicitado que resolvesse qualquer dissídio ou divergência entre as partes, proferindo consequentemente a respectiva decisão.
iv) Então, a Autora não visou suscitar qualquer incidente da instância nos termos do art. 103º-A do CPTA e, por conseguinte, não pode ser julgada parte ilegítima no sentido de falta de interesse em agir.
v) Da conjugação do disposto nos artigos 57.º, n.ºs 1 e 4 e 146.º, n.º 2, als. d) e e) do CCP, não se extrai qual o tipo de assinatura que deve ser aposta na proposta.
vi) Tal formalidade há-de ser aferida em conexão com o demais quadro legal aplicável e que disciplina os procedimentos concursais nas plataformas electrónicas, mormente quanto às regras de disponibilização e utilização das plataformas electrónicas de contratação pública regidas pela Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto.
vii) Não é factor de exclusão da proposta da contra-interessada a falta de assinatura de cada um dos “documentos” que a integram, por via do art. 57º, nº 4 do CCP, na medida em que aquando da submissão na plataforma electrónica se encontra assinada com assinatura electrónica qualificada aposta por quem detém poderes de representação da proponente, em conformidade com o disposto nos artigos 54º, nºs 1 e 2, 68º, nº 4 e 69º da Lei 96/2015 em conjugação com os artigos 2º, alíneas c) e g), 71º, nº 1, alínea a) do DL 290-A/99.
viii) Porquanto não existe uma coincidência do sentido das expressões usadas entre “documento” nos termos do art. 57º do CCP com aquele usado na Lei nº 96/2015, ou mesmo quando o legislador aí se refere a “ficheiro”.
ix) Por outro lado, no presente procedimento concursal não foi prevista qualquer norma que exigisse como formalidade a assinatura individualizada de cada um dos documentos que integram a proposta.
x) Por último, ainda que dúvidas houvesse, sempre a eventual não assinatura individualizada, designadamente do “valor unitário mensal por obra”, se degradaria, de acordo com a jurisprudência maioritária, em formalidade não essencial.
Votação:COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I.1 RELATÓRIO

E..... LDA – ....., LDA., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) contra o Município de Caldas da Rainha, ao abrigo dos artigos 100.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a acção de contencioso pré-contratual, para impugnação do acto de adjudicação do contrato público de “Prestação de Serviços de Coordenação de Segurança em Obra”, proferido no âmbito do procedimento de concurso público peticionando, a final, a sua anulação, bem como a anulação do contrato, se já tiver sido celebrado, e ainda a condenação da Entidade Demandada à consequente adjudicação da sua proposta.
Indicou como contra-interessadaE……………, Lda.

Funda a sua pretensão, em síntese, no facto da adjudicação em causa ser violadora do disposto no artigo 54.º, da Lei n.º 96/2015, de 17/08, porquanto na proposta apresentada pela contra-interessada existiam vários documentos num único ficheiro PDF, mas que apenas apresenta dois documentos assinados, sem, contudo, tenha qualquer identificação do assinante, nomeadamente o carimbo da empresa. Faltando a assinatura em, pelo menos, dois documentos exigíveis, termos em que defende que aquela proposta deveria ter sido excluída, com a consequente adjudicação à Autora da sua proposta.

Por decisão de 25.06.2020, o TAF de Leiria decidiu que a Autora carecia de legitimidade para a dedução do incidente nos termos do artigo 103º-A do CPTA, considerando prejudicado o seu o conhecimento.
Por sentença proferida na mesma data o Tribunal a quo julgou a acção totalmente improcedente.
Inconformada a Autora, ora Recorrente, veio interpor recurso de ambas as decisões terminando as suas Alegações com as seguintes conclusões:

“1. Verifica-se um erro de julgamento ( error in judicando) que resultou de uma distorção da realidade factual (error facti) e também na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponde à realidade ontológica e à normativa.
2. O tribunal a quo considerou indiciariamente provados, entre outros, factos os quais a recorrente entende que foram incorretamente julgados:
3. Alínea C) «Na proposta apresentada pela Contra-interessada E.........., encontra-se aposta na primeira folha dos documentos da proposta, assinatura digital qualificada, com o seguinte teor (cfr. fls. 77 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)» Cfr pag 6 da douta sentença alínea c) dos fatos provados
4. Alínea E) «proposta da contra-interessada a que se referem as alíneas anteriores, encontra-se, nos demais documentos que compõe a proposta, com assinatura autografa manual (cfr. proposta da contra-interessada constante de fls. 69 a 77 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);» Cfr pag 6 da douta sentença alínea e) dos fatos provados.
5. Debruçando sobre a aliena C) dos fatos provados a A. entende proposta é constituída, não por varias folhas mas sim por vários documentos, os quais devem ser assinados digitalmente cada um.
6. Cada documento apesar de fazer parte integrante da “Proposta”, tratam-se de documentos autónomos, que no seu conteúdo quer a nível vinculativo pelo que não deve se considerar provado que a assinatura digital se encontra na primeira folha dos documentos;
7. Veja-se a proposta apresentada pela Recorrida na qual, ao contrário do entendimento do tribunal a quo, somente procedeu á assinatura na folha de rosto e não em nenhuma das folhas de qualquer documento que faz parte integrante da proposta.
8. Na alínea C) dos fatos provados a recorrente entende deve se considerar provado que a assinatura digital se encontra-se no rosto da proposta apresentada na primeira folha de apresentação da proposta e que que nos documentos solicitados no âmbito do concurso em análise, não se verifica em nenhum dos documentos a assinatura digital………………………………………………………………………………….……..
9. Quanto á aliena E) dos fatos provados a A. entende o tribunal julgou de forma incorreta quando considerou provado « encontra-se, nos demais documentos que compõe a proposta, com assinatura autografa manual».
10. A recorrente entende que a não assinatura de cada um dos documentos que integra a proposta é causa de exclusão desta.
11. No documento da declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos encontra-se uma assinatura manuscrita - autografa.
12. O segundo documento denominado com “Proposta de Preço” também se encontra assinada manualmente sem a assinatura digital legalmente exigida.
13. O terceiro documento, declaração de «Valor Unitário Mensal por Obra» verifica-se que não contempla qualquer assinatura, digital ou autografa, ao contrário do considerado provado na sentença.
14. Quanto ao quarto e último documento o qual se trata de uma fotocópia da certidão permanente também nele não consta qualquer assinatura.
15. Na alínea E) dos fatos provados a recorrente entende deve se considerar provado que em dois dos quatro documentos que compõem a proposta, a saber: a declaração de «Valor Unitário Mensal por Obra» e a fotocópia da certidão permanente não consta qualquer assinatura…………………………………………………………………………....
Versando sobre a matéria de Direito
16. Pelo que a Recorrente defende que se verifica que a sentença proferida pelo tribunal a quo viola o nº 4 do art. 57º e 70º nº2 alínea F) do Código dos Contratos Publico e do disposto no artigo 54.º, da Lei n.º96/2015, de 17/08
17. Veio a A. requerer a anulação do ato de adjudicação do contrato à Contrainteressada E.......... – E.........., Lda, adjudicação praticada no âmbito do Contrato Público.
18. Fundamentou a sua pretensão, no facto da adjudicação em causa, violadora do disposto no artigo 54.º, da Lei n.º96/2015, de 17/08, não ter cumprindo com os formalismos legalmente impostos, por falta de assinaturas nos documentos enviados, sendo por isso de excluir a proposta apresentada.
19. E que «a assinatura que se encontra aposta na primeira página da proposta, abrange e valida - para os efeitos pretendidos pelo referido regime – todos os documentos inseridos naquele ficheiro, inexistindo qualquer norma que impeça a apresentação conjunta e simplificada de uma proposta, com todos os documentos exigíveis num procedimento, de manifesta simplicidade, como é o caso sub judice.»
20. A recorrente não concorda com a fundamentação acima transcrita, contemplada na penúltima folha da sentença, por entender que viola vários normativos legais.
21. Ora a proposta é constituída por vários documentos à luz do nº 1 e 2 do art. 57º do Código dos Contratos Públicos.
22. Mais reforçando o nº 4 do mencionado art. 57º daquele diploma legal que «Os documentos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.»
23. A proposta em si é um conjunto de documentos os quais na sua maioria são declarações de vinculação. A Contra interessada apenas colocou a sua assinatura digital na folha de rosto esta prevista na aliena a) do nº 5 do art 62º e e alínea a) nº 6 do art. 170º.
24. Foi nesta folha de rosto que se verifica a assinatura digital.
25. Pelo que a Recorrente defende que se verifica que a sentença proferida pelo tribunal a quo viola os normativos legais supra citados.
26. O Tribunal a quo entende que o ficheiro em formato PDF uma forma de compressão de dados informáticos, como sucede com o ficheiro ZIP, não era aplicável ao caso o disposto no n.º 5 do art.º 54.º da Lei n.º 96/2015, pelo que os documentos que o compõem não têm de ser assinados um a um, bastando a aposição de assinatura eletrónica qualificada nesse PDF para abranger e validar - para os efeitos pretendidos pelo referido regime – todos os documentos inseridos naquele ficheiro
27. Mais defendendo o tribunal a quo que «outra interpretação dada àquela norma, seria uma bizantinice formalista, que faria do procedimento pré-contratual meandros de “armadilhas” procedimentais, que teria como critério de adjudicação, não o preço mais baixo ou a proposta economicamente mais vantajosa, mas sim a proposta mais bem elaborada, o que não é querido nem pretendido pelas normas da contratação pública.»
28. A recorrente não concorda com a posição apresentada pelo Tribunal a quo.
29. Neste sentido observe-se alguma da jurisprudência defendida no mesmo sentido da recorrente que aqui se esgrima:
A «não assinatura de cada um dos documentos que integra a proposta é causa de exclusão desta.» Ac STA de 27-09-2018 pelo Relator FONSECA DA PAZ
« efectivamente, este Supremo, nesse, como já anteriormente no Ac. de 30/1/2013 – Proc. n.º 01123/12, entendeu que, para se considerar cumprida a exigência da assinatura electrónica de todos os documentos que constituíam a proposta, sob pena da exclusão desta, não bastava a sua aposição na pasta que os incluía.
Continuando « Assim, tem constituído jurisprudência uniforme deste STA que, sob pena de exclusão da proposta, têm de ser assinados electronicamente cada um dos documentos que a integram, não bastando a assinatura do ficheiro ou pasta que os contém. E este entendimento é de manter, face ao que dispõem actualmente os artºs. 54.º, n.º1 e 69.º, n.º 1, da Lei n.º 96/2015 – dos quais resulta, como na Portaria n.º 701-G//2008, que aos documentos que constituem a proposta (ou seja, todos os que a constituem) tem de se aposta a assinatura electrónica qualificada –, sendo certo também que do n.º 5 desse art.º 54.º se extrai que sempre que sejam agregados vários documentos num único ficheiro deve ser aposta em cada um deles a assinatura, visto não haver razões que justifiquem um regime diferente para os documentos apresentados em ficheiro com formato ZIP em relação aos documentos apresentados noutro tipo de ficheiro, como sucede quando o ficheiro PDF assume a natureza da pasta onde se agrupam vários documentos autónomos, não correspondendo a um único documento electrónico.»
30. Veja-se também o AC STA de 09-05-2019 do já mencionado Relator: Fonseca da Paz, AC do STA de 12-05-2016 mas agora da relatora ANA PAULA PORTELA, AC de 30.01.2013 do Relator ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA;
31. Deste Doutrinado Tribunal, que embora estejamos a expor o defendido em sede de conclusões, não se pode deixar de transcrever:
Ac do TCA do Sul de 15-02-2018 do Relator PAULO PEREIRA GOUVEIA defende que « A lei atual (nº 1 e 5 do artigo 54º da Lei nº 96/2015), tal como a anterior, exige a assinatura individual de cada documento (que não de cada página), de cada documento autónomo, normalmente correspondente a um ficheiro informático. (…) um ficheiro informático, zip ou mesmo pdf, pode conter vários documentos diferentes ou autónomos, como se passa no caso presente. (…) Pelo que, tendo a contra-interessada apresentado vários documentos agregados num só ficheiro pdf, tinha o dever legal de previamente assinar digitalmente cada um dos documentos autónomos (…)sua proposta tinha de ser excluída, , ao abrigo dos artigos 62º/4 e 146º/2-l) do CCP.» negrito nosso
32. Neste sentido também do mesmo Relator veja-se o Ac de 19-06-2019 e do já do Ac TCA Norte de 26-01-2018 e de 17-02-2015, ambos do Relator Luís Migueis Garcia e entre outras decisões na mesma linha jurisprudencial, alguma oportunamente acima transcritas.
33. Entende a Recorrente com o respeito esperado e exigido que o tribunal a quo analisou e julgou a matéria carreada á margem do espectável.
34. Entendeu o tribunal a quo que a mera assinatura autografa é suficiente mas que ainda assim a exigência demonstrada na assinatura de todos os documentos que compõem a proposta transcreve-se: «seria uma bizantinice formalista, que faria do procedimento pré-contratual meandros de “armadilhas” procedimentais, que teria como critério de adjudicação, não o preço mais baixo ou a proposta economicamente mais vantajosa, mas sim a proposta mais bem elaborada» negrito nosso.
Do Incidente
35. Veio ainda o tribunal a quo entender que a autora lançou mão de mecanismo processual que lhe é estranho, do ponto de vista subjectivo, pois que é o artigo 103..º - B;
36. Tal fato não corresponde á verdade.
37. A A. peticionou o acionamento, á cautela, da suspensão automática mencionando de forma expressa o art. 103º-A do CPTA.
38. Mais reforçando que atendendo a que o A. propões a presente ação dentro do prazo de 10 dias da notificação da adjudicação dos trabalhos à concorrente.
39. Mencionou somente ao longo da sua peça processual no ponto 68º do seu articulado que se transcreve:
«A A. requer a aplicação stand still fixado pela CPTA no seu nº 1 do art. 103º-A, atendendo a que o A. propões a presente ação dentro do prazo de 10 dias da notificação da adjudicação a todos os concorrentes.»
40. Aquando do envio da peça foi notificada via telefone pela secretaria do tribunal que informou a falta de pagamento de uma taxa de justiça.
41. Foi de imediato liquidada e paga a respetiva taxa de justiça.
42. Mas nunca a A. lançou mão do disposto do art. 103º-B
43. Pelo que , quando muito deveria ter sido considerada mal liquidada e paga a taxa de justiça conforme orientações da secretaria,
44. Mas nunca ter sido considerada o lançamento daquele mecanismo legal do art. 103-B por nunca ao longa de todo o articulado a A. requereu qualquer aplicação de medidas provisorias à exceção da suspensão “ope legis”,
45. É por esta posição que a recorrente apela a Este Tribunal a análise cirúrgica e proficiência pretendida pois já viu anteriores propostas suas serem excluídas exatamente por ter padecido dos erros agora citados à proposta da contra interessada.
46. Pelo que deverá ser excluída a proposta da contrainteressada pelas razões aqui explanadas
Neste sentido, e de acordo com o exposto, deverá ser revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo e consequentemente ser proferida outra no sentido da procedência da ação conforme peticionada.”

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A Entidade Demandada, ora Recorrida, em sede de contra-alegações manifestou apenas a concordância com a sentença recorrida.
Por seu turno, a Contra-interessada, ora recorrida, regularmente notificada não apresentou contra-alegações.
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Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, mas fornecida cópia do projecto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para decisão.

I.2 DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/DAS QUESTÕES A DECIDIR

Na fase de recurso o que importa é apreciar se a decisão (sentença) proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, às que integram o objecto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso) e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo (vide, neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 119 e 156).

No mesmo articulado vêm interpostos dois recursos independentes pela Recorrente /Autora:

i) - um dirigido à decisão prévia à sentença proferida pelo Tribunal a quo de ilegitimidade activa para suscitar o incidente nos termos do artigo 103º-A do CPTA;
ii) – outro dirigido à sentença proferida pelo Tribunal a quo em 25.06.2020, que julgou improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual.

Nada obstando à sua apreciação, mostrando-se ambos tempestivamente deduzidos, impõe-se a este Tribunal Central Administrativo Sul que deles se conheça e decida.

Em face dos termos em que foram formuladas as respectivas conclusões de recurso, as questões essenciais a decidir são as seguintes, a conhecer pela seguinte ordem de precedência lógica:

A) quanto ao recurso dirigido ao incidente nos termos do artigo 103º-A do CPTA, importa resolver do acerto quanto à (i)legitimidade da Autora para suscitar tal incidente;

B) quanto ao recurso dirigido à sentença que julgou improcedente a acção, as questões essenciais a decidir são:

- da modificação da matéria de facto (por erro);
- do erro de julgamento de direito por errada interpretação do disposto nos artigos 57º e 70º, nº 2, alínea f) do Código dos Contratos Públicos (CCP) e do art. 54º da Lei nº 96/2015, de 17/08, em virtude de a Proposta da Contra-interessada não ter cumprindo com os formalismos legalmente impostos, por falta de assinaturas nos documentos enviados, sendo, por isso, de excluir a proposta apresentada.
- em função da resolução das questões antecedentes, conhecer do pedido condenatório.


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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DE FACTO
Nos termos do artigo 662º do CPC, atentas as posições das partes e a prova documental junta aos autos (processo administrativo), o Tribunal reformula alguns pontos da matéria de facto (que se destacam a itálico), nos seguintes moldes:

“ a) No programa do procedimento pré-contratual por concurso público, n.º19/2019, da Câmara Municipal de Caldas da Rainha, para Prestação de Serviços de Coordenação de Segurança em Obra, por ler-se, o seguinte (cfr. 1 a 17 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
Artigo 12.°
Documentos da Proposta
1. A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
1.1 - Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente programa de concurso (Anexo I CCP), a qual deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.
1.2 - Documento denominado "Proposta" que contenha os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar, incluindo obrigatoriamente os seguintes elementos:
a) Preço total da proposta de acordo com o objecto e com as quantidades previstas na cláusula 2.a do caderno de encargos: 0 preço indicado não deve incluir o IVA, deve mencionar-se expressamente que ao preço total acresce o IVA, indicando-se o respectivo valor e a taxa legal aplicável;
b) Valor unitário mensal por obra;
c) Fotocópia da certidão permanente do Registo Comercial ou Código de acesso à Certidão Permanente.
(…)
Artigo 18º Exclusão das propostas
1. Serão excluídas as propostas cuja análise revele:
(….)
K) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no nº 1 do artigo 57º e art. 12º do presente programa de procedimento.
(…)
p) Que não observem as formalidades do modo de apresentaçao das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62º do CCP.
b) A A. e a contrainteressada E.......... apresentaram as suas propostas no âmbito do referido concurso (acordo);
c) A Contra-interessada submeteu a sua Proposta no âmbito do concurso público indicado em 22.03.2020 às 22.39:43, na Plataforma SaphetyGov com indicação de “habilitada” – cf. fls. 77 do PA;
d) No ficheiro “proposta” submetido pela Contra-interessada E.........., é visível na “folha de rosto” que a compõe a assinatura digital qualificada, com o seguinte teor (cfr. fls. 77 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

«imagem no original»





e) A referida proposta é composta por :

- a) declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de Encargos elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP, com assinatura autografa manual de L..........;

- a) preço total da proposta de acordo com o objecto e com as quantidades previstas na cláusula 2ª do Caderno de Encargos com assinatura autografa manual de L..........;

- b) valor unitário mensal por obra

- c) Fotocópia da certidão permanente do Registo Comercial - proposta constante de fls. 77 a 69 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

f) Da referida certidão consta que a sociedade da contra-interessada, E.........., na qual é feita a menção de que o assinante da proposta tem o cargo de gerente da referida sociedade, e que a mesma se obriga com a assinatura e um só gerente (cfr. fls. 73);
g) Notificada do relatório, a autora pronunciou-se, em sede de audiência prévia, pugnando pela exclusão da proposta da contrainteressada, por violando o disposto no art.º 54º Lei nº 96/2015, de 17/08, sendo por isso de excluir a proposta apresentada (acordo)
h) O Júri deliberou manter a adjudicação à contrainteressada, conforme consta do respectivo relatório final (cfr. PA):
7 - Audiência Prévia

7.1 - Em cumprimento do disposto no art.° 147.º do CCP, o júri enviou aos concorrentes o relatório preliminar, tendo fixado o prazo de 5 dias úteis, para se pronunciarem, por escrito, ao abrigo do direito da audiência prévia.

7.2 - Realizada a audiência prévia escrita, que decorreu entre 06 e 14 de Abril de 2020, foi apresentada pronúncia por parte do concorrente nº 4 - E..... - Actividades de E.......... , Lda., que se transcreve:

Vem a E..... pronunciar-se em sede de audiência previa com o seguinte conteúdo:

Na sequência do concurso público de aquisição dos Serviços de Coordenação de Segurança em Obra para o Município de Caldas da Rainha, vimos por este meio pronunciar-me em audiência prévia sobre a decisão de adjudicação ao concorrente E...........

Uma vez que a proposta da empresa E.......... não cumpre com as formalidades legais, que são, por si só, suficientes para a exclusão da proposta.

Sendo fundamentada a exclusão pela ilegalidade da E.......... ter copiado todos os documentos exigidos pelo Programa do Procedimento num único ficheiro PDF não cumprindo a exigência legal em termos de assinatura digital.

Reforçando a impugnação sobre a adjudicação à E.......... fazendo referência ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Fevereiro de 2018 (processo nº 322/16.9BEFUN) determina que, de acordo com o nº 1 e 5 do artigo 54º da Lei nº 96/2015, é exigida a assinatura individual de cada documento autónomo que normalmente corresponde a um ficheiro informático. Mas dada a possibilidade de o ficheiro informático ser em formato PDF podendo conter diversos documentos diferentes e autónomos, antes de serem submetidos na plataforma electrónica, há o dever legal de previamente assinar digitalmente cada um dos documentos autónomos, sob pena de excluir a proposta ao abrigo do nº 4 do artigo 62º e da alínea l) do nº 2 do artigo 146º do Código dos Contratos Públicos.

Em suma e resumindo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/09/2018 (Proc. nº 322/16.9BEFUN) passo a transcrever “ A submissão de uma proposta num ficheiro de formato PDF assinado digitalmente que agrupou vários documentos autónomos, não assinados eletronicamente, não cumpre a exigência da assinatura individualizada de cada documento que a constitui. Essa não assinatura de cada um dos documentos que integra a proposta é causa de exclusão desta.

Assim, face ao exposto solicitamos a exclusão da proposta da E.......... e consequente adjudicação a E....., sedo a que se encontra legalmente formalizada e ser a economicamente mais vantajosa.

7.30 Analisadas e ponderadas as alegações apresentadas pelo concorrente, é entendimento do júri que, embora o concorrente apresente os documentos exigidos no programa de procedimento num só PDF, o mesmo é assinado com certificado digital qualificado, pelo concorrente. Para além disso, a assinatura do documento na plataforma substitui, para todos os efeitos, a assinatura dentro do próprio documento, uma vez que a plataforma age como um invólucro inviolável e fidedigno do mesmo, e o documento assinado electronicamente na plataforma está disponível, na sua forma assinada e submetida, logo, inviolada, para consulta de todas as partes. A plataforma suporta a validação da assinatura qualificada conforme documento infra.

Refira-se ainda que este entendimento do júri já foi objecto da mesma apreciação em noutros procedimentos anteriores.

: VALIDAÇÃO DA ASSINATURA

O Assinado em 22/03/2020 22:34 Recibo de Submissão fie Documento.

j DADOS CERTIFICADO

ixí O documento foi assinado utilizando uma assinatura digital qualificada.
'S O certificado utilizado no momento da assinatura era válido, não se encontrando expirado, nem revogado de acordo com a lista de certificados levngados (CRU da cadeia de entidades certificadoras que o compõem à data da assinatura.


«imagem no original»

7.4- Após análise formal e face ao que foi referido anteriormente, o júri deliberou por unanimidade manter o teor e as conclusões do relatório preliminar de 02/04/2020.

8 - ADJUDICAÇÃO E FORMALIDADES COMPLEMENTARES

8.1 - Proposta de Adjudicação
Face ao exposto, o Júri deliberou, por unanimidade:

a) Propor a adjudicação ao concorrente N.° 5 - E.........., Lda., pelo valor total de EUR: 53.250,00 (cinquenta e três mil duzentos e cinquenta euros), a acrescer do IVA à taxa legal em vigor;
b) Remeter o presente Relatório Final, juntamente com os demais documentos que compõem o processo do procedimento, à consideração do Sr. Presidente da Câmara Municipal, para que este órgão competente para a decisão de contratar, promova a decisão de contratar e decida sobre a aprovação da proposta contida no Relatório Final, nomeadamente para efeitos de adjudicação, cf. n.° 4, art.° 148.° do CCP, bem como a aprovação, nos termos do n.° 1 do art.° 98.° do CCP, da minuta do contrato em anexo, a celebrar com o adjudicatário.
c) Informar que, segundo o artigo 77.° do CCP, a decisão de adjudicação pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal deve ser notificada aos concorrentes, devendo ainda aquele órgão notificar o adjudicatário para apresentar os documentos de habilitação exigidos nos termos do artigo 81.° do CCP e do artigo 31.° do programa de procedimento, bem como se pronunciar sobre a minuta do contrato.
d) Deve ainda, o órgão competente para a decisão de contratar, notificar os demais concorrentes da apresentação dos documentos de habilitação (c.f. art.º 85.o do CCP).

Nada mais havendo a tratar, lavrou-se o presente relatório final que vai ser assinado por todos os membros do júri.

À consideração superior.


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i) Em 20.04.2020 foi proferida decisão pela Entidade Demandada no sentido da adjudicação proposta no relatório precedente – cf. fls. 155 do PA / doc. 1 junto à p.i..

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II.2 DE DIREITO

Ø A - Do recurso interposto pela Recorrente / Autora dirigido à decisão proferida no incidente previsto no artigo 103º-A do CPTA

A Recorrente/Autora, no final da sua petição inicial veio requerer a aplicação do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103.º-A do CPTA, “atendendo a que propõe a presente acção dentro do prazo de 10 dias da notificação da adjudicação dos trabalhos à concorrente, aqui Contrainteressada, atendendo a que foi a A., notificada do Relatório Final por email no dia 21 de Abril de 2020”.
Juntou DUC e comprovativo do pagamento da taxa de justiça relativo ao incidente.
Tendo o Tribunal a quo decidido:
De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 103.º-A, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a impugnação de actos de adjudicação e respectivos contratos praticados no âmbito de procedimentos de formação de contratos abrangidos pelo artigo 100.º, do Código, o que é o caso, faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
Ora, tal efeito de suspensão automática opera “ope legis”, logo após citação, cristalizando os efeitos do acto impugnado ou, se for o caso, o próprio contrato, efeito este que vem requerido pela autora.
É obvio, que tal regime de suspensão possibilita que as entidades demandadas e contra-interessados requeiram ao juiz o levantamento de tal efeito, demonstrando os pressupostos de tal levantamento, entre os quais, que “o diferimento da execução do ato é gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”.
Neste sentido, verifica-se que a autora lançou mão de mecanismo processual que lhe é estranho, do ponto de vista subjectivo, pois que é o artigo 103..º - B, que possibilita à parte activa da demandada, que “nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo anterior, o autor pode requerer ao juiz a adoção de medidas provisórias, destinadas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário”.
Face ao exposto, considerando que o efeito suspensivo requerido funciona “ope legis” e não se vislumbrando nos autos qualquer violação da suspensão automática, nem tal ter sido invocado nos presentes autos, ao que acresce que tal incidente se encontra configurado para as entidades demandadas e contra-interessados nos processos de contencioso pré-contratual, carecendo a autora de legitimidade para a sua dedução, ficado prejudicado o conhecimento do suscitado incidente.
Custas do incidente pela autora – pelo mínimo legal – que se fixa nos termos do artigo 7.º, n.º 8, Tabela II- A (outros incidentes), do Regulamento de Custas Processuais –pelo mínimo legal – 0,5 UC.

Insurge-se a Recorrente quanto ao supra decidido porquanto alega que (i) aquando do envio da peça processual foi notificada via telefone pela secretaria do tribunal que informou a falta de pagamento de uma taxa de justiça; (ii) de imediato liquidou e pagou a respectiva taxa de justiça; (iii) nunca a A. lançou mão do disposto do art. 103º-B do CPTA não tendo requerido qualquer aplicação de medidas provisorias à excepção da suspensão “ope legis”.

Apreciando;
De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 103.º-A, do CPTA (na versão dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro), a impugnação de actos de adjudicação e respectivos contratos praticados no âmbito de procedimentos de formação de contratos abrangidos pelo artigo 100.º do Código, o que é o caso, faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
Por sua vez, o nº 2, deste artigo 103.º-A, do CPTA, estabelece que “Durante a pendência da acção, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo previsto no número anterior”.
Da norma transcrita ressalta que o impulso processual do incidente de levantamento suspensivo nos termos do nº 2 do citado artigo 103-A, cabe às contra-partes na relação processual - Entidade Demandada e/ou Contra-interessados.
Relendo a petição inicial vemos que a Recorrente / Autora aludiu o seguinte:

“68. A A. requer a aplicação stand still fixado pela CPTA no seu nº 1 do art. 103º-A, atendendo a que o A. propões a presente ação dentro do prazo de 10 dias da notificação da adjudicação a todos os concorrentes.
69. A A. teve conhecimento do Relatório Final no dia 21.04.2020, por email enviada pela Demandada, conforme Doc. 4 junto. “

Ora, neste contexto verifica-se que efectivamente a Recorrente não visou suscitar qualquer incidente da instância nos termos do art. 103º-A do CPTA, mas apenas reforçar que, por via da presente acção de impugnação do acto de adjudicação, fosse aplicado o regime legal, uma vez que estava nas condições previstas do nº 1 daquele normativo.
Tal como discorre do artigo 30.º n.ºs 1 e 2 do CPC segundo o qual a legitimidade se afere pelo critério do “interesse directo em demandar” e este exprime-se “pela utilidade derivada da procedência da acção”.
Assim, como expõem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in CPC anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 70) a legitimidade “como pressuposto processual (geral), exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.”
O incidente terá de ser suscitado por quem tenha interesse na demanda.

Acontece que na petição inicial a Recorrente limitou-se a requerer que operasse o efeito suspensivo automático dos efeitos do acto de adjudicação impugnado que decorre ope legis por via do estatuído no art. 103º -A, nº 1 do CPTA, justificando que estavam verificados os pressupostos legais.
Posto isto, não tendo sido dirigido ao Tribunal qualquer requerimento ou articulado donde se retirasse uma pretensão com estrutura de causa – vide art. 292º e segs. do CPC – no sentido de lhe ter sido solicitado que resolvesse qualquer dissídio ou divergência entre as partes, proferindo consequentemente a respectiva decisão.
Então o Tribunal a quo fez um juízo errado quanto ao teor dos artigos 68º e 69º da p.i, por não lhe ter sido suscitado qualquer incidente por parte da ora Recorrente.
Se dúvidas tivesse deveria ter ouvido a parte, ora Recorrente, até porque o pagamento de taxa de justiça pelo “incidente” após a apresentação da petição inicial, terá sido por “solicitação” da secretaria, o que também deveria ter sido esclarecido pelo Tribunal a quo.

Donde, procede o presente recurso revogando-se o despacho recorrido por erro sobre o objecto processual.
*

Ø B- Do recurso interposto pela Recorrente / Autora da sentença que julgou a acção improcedente

a) do erro de julgamento de facto

Atenta a reformulação pelo Tribunal da matéria de facto fica prejudicado o conhecimento da alegação da Recorrente que a factualidade dada como provada nos pontos C) e E) do probatório, está incorrectamente formulada.


b) Do erro de julgamento de Direito

Sustenta a Recorrente / Autora que a proposta da Contra-interessada, ao invés de ter sido adjudicada deveria ter sido excluída, sendo a decisão de adjudicação em causa, violadora do disposto no artigo 54.º, da Lei n.º 96/2015, de 17/08, derivado de a respectiva proposta não ter cumprindo com os formalismos legalmente impostos, por falta de assinaturas nos documentos enviados.
Apreciando;
O discurso fundamentador da sentença recorrida é o seguinte:
“…
a questão que se coloca é se, a simples assinatura electrónica, aposto num único ficheiro PDF, cujo teor se compõe de todos os documentos exigidos para a participação no concurso, é o bastante para que se tenha como cumprido o artigo 54.º da Lei n.º96/2015.
Adiante-se, a resposta é manifestamente positiva.
Como bem invocam as contra-partes, o n.º1 do artigo 54.º, faz a menção a documentos, e não a “todos os documentos”, referência essa que já só se encontra no n.º5, do referido artigo, que serve apenas para os “ documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação” o que não é o caso, pois que a proposta foi por “inteira” inserida na plataforma, constituindo-se como um ficheiro/documento único, mas sub-composto dos documentos exigidos no concurso.
Neste sentido, a assinatura que se encontra aposta na primeira página da proposta, abrange e valida - para os efeitos pretendidos pelo referido regime – todos os documentos inseridos naquele ficheiro, inexistindo qualquer norma que impeça a apresentação conjunta e simplificada de uma proposta, com todos os documentos exigíveis num procedimento, de manifesta simplicidade, como é o caso sub judice.
Outra interpretação dada àquela norma, seria uma bizantinice formalista, que faria do procedimento pré-contratual meandros de “armadilhas” procedimentais, que teria como critério de adjudicação, não o preço mais baixo ou a proposta economicamente mais vantajosa, mas sim a proposta mais bem elaborada, o que não é querido nem pretendido pelas normas da contratação pública.
Nestes termos, considerando que a proposta se encontra devidamente assinada, com recurso a aposição de assinatura electrónica, por gerente da sociedade, aqui contrainteressada, sendo certo que nos documentos exigíveis no concurso, ainda se encontra a assinatura autógrafa, improcede a alegada violação do artigo 54.º, n.º1 da Lei n.º96/2015, e o respectivo pedido impugnatório..”

Defende a Recorrente que o Tribunal fez uma errada interpretação dos artigos 57º, nº 4 e 70º, nº 2, alínea f) do CCP e do art. 54º da Lei nº 96/2015 (conclusão 16ª).
Atentemos nas normas em questão;
Relativamente à alusão ao artigo 70º, nº 2, alínea f) do CCP cremos que se trata de manifesto lapso, uma vez que tal alínea se refere à causa de exclusão da proposta cujo análise revele que o “ contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”.
O que não foi alegado nem se verifica que seja aplicável ao caso em apreço, atento o objecto do dissídio que, no essencial, reside em saber se os documentos que constam da alínea e) do probatório se encontram ou não assinados.
Para a Recorrente eles teriam de ser “individualmente” assinados, não bastando a assinatura autógrafa manual em apenas 2 dos documentos que integram a proposta.
Por seu turno o Tribunal a quo entendeu que se bastava com a assinatura electrónica qualificada do ficheiro PDF que os contém e que foi submetido na respectiva plataforma electrónica.
Atentemos no quadro normativo;

O artigo 57.º do CCP, sob a epígrafe “documentos da proposta” prevê que:
“1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;
(…)
3 - Integram também a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis para os efeitos do disposto na parte final da alínea b) do n.º 1.
4 - Os documentos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.
5 – (…)
6 - Nos procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, é apresentado, em substituição da declaração do anexo i do presente Código, o Documento Europeu Único de Contratação Pública.” (sublinhados nossos).

Atentemos ainda no disposto do n.º 2 do artigo 146º do Código dos Contratos Públicos (CCP), segundo o qual as propostas que: “não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.os 1 e 2 do artigo 58.º (alínea e);
E que “ não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º(alínea l) devem ser excluídas. Esta era também uma das cláusulas de exclusão da proposta por via do PP (vide alínea A) da matéria de facto – artigo 18ºnº 1, alínea p) do Programa do procedimento - PP).
Do que se antevê que se tratam de duas formalidades distintas, uma relativa à assinatura da proposta e outra ao modo de apresentação da proposta, sendo que quanto a esta prevê o artigo 62º do CCP que:
“1 - Os documentos que constituem a proposta são apresentados diretamente em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º
2 - (Revogado.)
3 - (Revogado.)
4 - Os termos a que deve obedecer a apresentação e a receção das propostas, conforme o disposto no n.º 1, são definidos por diploma próprio.
5 - Quando, pela sua natureza, qualquer documento dos que constituem a proposta não possa ser apresentado nos termos do disposto no n.º 1, deve ser encerrado em invólucro opaco e fechado:
a) No rosto do qual se deve indicar a designação do procedimento e da entidade adjudicante; (…)”

Também o art. 170º do CCP sob a epígrafe Modo de apresentação das candidaturas exige:
1 - Os documentos que constituem a candidatura devem ser apresentados diretamente na plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e eletrónica de dados.
2 - A receção das candidaturas deve ser registada com referência às respetivas data e hora, sendo entregue aos candidatos um recibo eletrónico comprovativo dessa receção.
3 - Os termos a que deve obedecer a apresentação e a receção das candidaturas nos termos do disposto nos números anteriores são definidos por diploma próprio.
(…)
6 - Quando, pela sua natureza, qualquer documento que constitui a candidatura não possa ser apresentado nos termos do disposto no n.º 1, deve ser encerrado em invólucro opaco e fechado:
a) No rosto do qual se deve indicar a designação do procedimento e da entidade adjudicante;


Das normas supra transcritas decorre a falta de razão da Recorrente quanto às condições da “folha de rosto da proposta” previstas na alínea a) do nº 5 do art. 62º do CCP e como causa de exclusão nos termos da alínea a) do nº 6 do art. 172º, do mesmo Código, porquanto como se alude no corpo dos respetivos artigos “Quando, pela sua natureza, qualquer documento dos que constituem a proposta não possa ser apresentado nos termos do disposto no n.º 1,” , ou seja quando não possam ser apresentados na plataforma electrónica o que não é o caso – vide alíneas c) e d) da matéria de facto.
Pelo que não lhe assiste razão nesta parte.
Das normas supra transcritas mormente dos arts. 57.º, n.ºs 1, al. a) e 4 e 146.º, n.º 2, als. d) e e) ambos do CCP, não se extrai que a assinatura da declaração em questão haja ou tenha de ser manual ou digitalizada.

Tal formalidade há-de ser aferida em conexão com o demais quadro aplicável e que disciplina os procedimentos concursais nas plataformas electrónicas, mormente quanto às regras de disponibilização e utilização das plataformas electrónicas de contratação pública regidas pela Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto.

De acordo com o n.º 2 do artigo 53.º daquela Lei n.º 96/2015 “Os documentos que constituem as candidaturas, as soluções e as propostas carregados nas plataformas eletrónicas devem ser encriptados (…)”, de modo a salvaguardar a confidencialidade da informação disponibilizada nas plataformas electrónicas e garantindo que “(…) o acesso aos documentos que constituem as candidaturas, as soluções e as propostas só deve ser possível na data fixada nos termos das regras do procedimento”, como previsto no disposto do seu n.º 1.
Por outro temos o artigo 54.º, sob a epígrafe ‘assinaturas eletrónicas’, que dispõe o seguinte:
1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.ºs 2 a 6.
2 - Os documentos elaborados ou preenchidos pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais.
3 - Os documentos eletrónicos emitidos por entidades terceiras competentes para a sua emissão, designadamente, certidões, certificados ou atestados, devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica das entidades competentes ou dos seus titulares, não carecendo de nova assinatura por parte das entidades adjudicantes ou do operador económico que os submetem.
4 - Os documentos que sejam cópias eletrónicas de documentos físicos originais emitidos por entidades terceiras, podem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica da entidade adjudicante ou do operador económico que o submete, atestando a sua conformidade com o documento original.
5 - Nos documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada deve ocorrer em cada um dos documentos eletrónicos que os constituem, assegurando-lhes dessa forma a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil e do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de abril, sob pena de causa de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos.
6 - No caso de entidades que devam utilizar assinaturas eletrónicas emitidas por entidades certificadoras integradas no Sistema de Certificação Eletrónica do Estado, o nível de segurança exigido é o que consta do Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de junho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 161/2012, de 31 de julho.
7 - Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante.
8 - Sempre que solicitado pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos, as plataformas eletrónicas devem garantir, no prazo máximo de cinco dias úteis, a integração de novos fornecedores de certificados digitais qualificados.
9 - As plataformas eletrónicas devem garantir que a validação dos certificados é feita com recurso à cadeia de certificação completa.” (sublinhados nossos).

Sendo, portanto à luz do citado artigo 54º, nº 1 e 2 da Lei 96/2016 que será de aferir a verificação da exigência de assinatura pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar da declaração referida na al. a) ou dos documentos referidos na alínea b) do n.º 1 do art. 57.º do CCP deve ser feita por referência à assinatura electrónica, e tal como a mesma se mostra disciplinada e regulada sobretudo no Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, republicado pelo Decreto-Lei nº 88/2009, de 09 de Abril, segundo as definições constantes do seu artigo 2º :

«Para os fins do presente diploma, entende-se por:
a) «Documento electrónico» o documento elaborado mediante processamento electrónico de dados;
b) (…)
c) Assinatura electrónica avançada» a assinatura electrónica que preenche os seguintes requisitos:
i) Identifica de forma unívoca o titular como autor do documento;
ii) A sua aposição ao documento depende apenas da vontade do titular;
iii) É criada com meios que o titular pode manter sob seu controlo exclusivo;
iv) A sua conexão com o documento permite detectar toda e qualquer alteração superveniente do conteúdo deste;”.
E na alínea g) do mesmo DL290-D/99, define «Assinatura electrónica qualificada» como “a assinatura digital ou outra modalidade de assinatura electrónica avançada que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinatura”.
Por seu turno o artigo 3º sob a epígrafe “Forma e força probatória”
1 - O documento electrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja susceptível de representação como declaração escrita.
2 - Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, o documento electrónico com o conteúdo referido no número anterior tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil.

Além de que por força do estipulado no artigo 7º, nº 1, alínea a), que a aposição de uma assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que a pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada.

Daí que a assinatura prevista e exigida no artigo 57º, nº 4 do CCP não será a assinatura manual ou digitalizada mas ao invés a assinatura electrónica qualificada, na certeza de que se o certificado qualificado da assinatura electrónica for emitido em nome duma pessoa colectiva já não será necessário juntar o documento a que se refere o n.º 7 do artigo 54º da Lei 96/2015.

Tendo presente os quadro legal e a atenta a matéria de facto constante das alíneas c) a f) do probatório, não assiste razão à Recorrente quanto à falta de assinatura dos documentos que integram a proposta da contra-interessada.

Desde logo, pese embora o “documento” que integra a proposta, como seja o valor unitário mensal por obra não contenha assinatura manual que tivesse sido digitalizada, o que se constata é que o documento electrónico / proposta em questão foi submetido na plataforma electrónica (alínea c) do probatório e foi devidamente assinado pela Recorrida / Autora, enquanto ente colectivo, através de assinatura feita electronicamente ao abrigo de certificado qualificado emitido em seu nome e do qual deriva inequivocamente a função e poder de assinatura de quem o apôs e obriga (vide alíneas d), f) e h) da matéria de facto), na certeza de que tanto basta para a total perfeição e validade do compromisso assumido em termos da declaração exigida pela alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 57.º do CCP.

Já quanto às regras de disponibilização e utilização das plataformas electrónicas de contratação pública rege a Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto, com relevo e para melhor compreensão, transcreve-se a seguinte parte do artigo 68.º, com a epígrafe “Carregamento das propostas”:

1 - As plataformas eletrónicas devem permitir o carregamento progressivo, pelo interessado, da proposta ou propostas, até à data e hora prevista para a submissão das mesmas.
2 - O carregamento mencionado no número anterior é feito na área reservada em exclusivo ao interessado em causa e relativa ao procedimento em curso.
3 - A plataforma eletrónica deve disponibilizar ao interessado as aplicações informáticas que permitam automaticamente, no ato de carregamento, encriptar e apor uma assinatura eletrónica nos ficheiros de uma proposta, localmente, no seu próprio computador.
4 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada.
5 - As plataformas eletrónicas podem conceder aos interessados a possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma eletrónica, desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão.
(…)
15 - Durante o processo de carregamento, as plataformas eletrónicas devem assegurar aos interessados a possibilidade de substituírem ficheiros já carregados por outros novos, no âmbito do processo de construção de cada proposta.

(…)” (sublinhados nossos).

O preceito seguinte, sob artigo 69.º, com a epígrafe “Encriptação e classificação de documentos”, determina:

1 - Os documentos que constituem a proposta, a candidatura ou a solução são encriptados, sendo-lhes aposta assinaturas eletrónicas qualificadas.” (sublinhados nossos).

E segundo o n.º 1 do artigo 71.º da citada Lei n.º Lei n.º 96/2015, de 17/08,

Após a submissão, o concorrente deve receber, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo anterior, um recibo eletrónico, com registo da identificação da entidade adjudicante, do procedimento, do lote, se for o caso, do concorrente, da proposta, bem como da data e hora da respetiva submissão.”.

Por conseguinte, não assiste razão à Recorrente ao prender que a proposta da contra-interessada fosse excluída por falta de assinatura de todos os documentos que a integram (alínea e) do probatório), por via do art. 57º, nº 4 do CCP, na medida em que a mesma se encontra assinada com assinatura electrónica qualificada aposta por quem detém poderes de representação da proponente, em conformidade com o disposto nos artigos 54º, nºs 1 e 2, 68º, nº 4 e 69º da Lei 96/2015 em conjugação com os artigos 2º, alíneas c) e g), 71º, nº 1, alínea a) do DL 290-A/99.

O presente dissídio tem sofrido divergências jurisprudenciais, como foi dada nota no Acórdão deste TCA Sul, proferido no Proc. nº 210/18.4BELLE, de 15.10.2020 (não transitado em julgado), em que a ora relatora foi adjunta, com um voto de vencido invocando jurisprudência em sentido divergente.
A possível origem de tais divergências, designadamente quanto a tipo de documentos que integram as propostas submetidas em plataformas electrónicas, como é o caso, e que espécie de assinatura lhes deve ser aposta, foi dissecada em recente artigo publicado na Revista de Contratos Públicos, nº 24, cujo título “ A assinatura electrónica das propostas: alguns problemas criados ou não resolvidos pela Lei nº 96/15, da autoria de Luís Verde Sousa, onde nos dá uma nova proposta de leitura e interpretação do regime legal.
Aí procurando resolver os equívocos em que, segundo o autor, a jurisprudência, designadamente os Tribunais superiores têm vindo a assentar – a que não é imune a “falta de rigor do legislador na Lei 96/2015” carecendo da devida “alteração clarificadora – vide obra citada p.p. 89-90 e 102:
i) Um respeitante ao objecto da assinatura electrónica qualificada ( i.e. ao quid assinado pelo concorrente),
ii) Outro referente ás características técnicas e materiais da assinatura electrónica qualificada.
Relativamente ao ponto (i), diz-nos o autor:
Em primeiro lugar, importa referir que a assinatura electrónica qualificada, enquanto uma das modalidades de assinatura electrónica, incide necessariamente sobre um documento electrónico. Assim, e apesar de apenas os números 3, 5 e 7 do artigo 54º da Lei nº 96/2015, se referirem a documentos electrónicos dúvidas não restam que os documentos, a que se referem os números 1, 2 e 4 do mesmo artigo, são documentos electrónicos, pois apenas estes podem ser objecto de uma assinatura electrónica. Na verdade, não há assinaturas electrónicas sobre documentos em suporte de papel.
(…)
Se o objecto da assinatura electrónica qualificada é o documento electrónico, importa apurar em que consiste um documento electrónico. Ora, de acordo com o disposto no nº 35 do artigo 3º do Regulamento ( Regulamento (UE ) nº 910/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho), documento electrónico é “qualquer conteúdo armazenado em formato electrónico, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual”. …Tomando de empréstimo as palavras de Afonso Patrão, se articularmos com a definição de documento constante do artigo 362º do Código Civil, podemos concluir que o documento electrónico “ é qualquer objecto elaborado mediane processamento electrónico de dados com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”.
(…)
Atendendo à noção (legal e doutrinal) de documento electrónico deve concluir-se que um ficheiro em formato PDF que (por exemplo através da prévia digitalização), contém vários documentos de uma proposta, não pode deixar de se considerar um documento electrónico. Trata-se, pois, de um objeto redigido em linguagem binária (correspondente a uma sequência de bits), armazenado em formato electrónico, que reproduz algo que pode ser apreendido mediante a utilização de um programa informático.
Além de se tratar de um documento electrónico, quid sobre que incide a assinatura electrónica qualificada, ao ficheiro em formato PDF com vários documentos da proposta não se aplica o disposto no nº 5 do artigo 54º da Lei nº 96/2015”. (p.60-62).
Prosseguindo na resolução deste 1º equivoco jurisprudencial conclui que
“.. Nem se sustente que, ao ser aposta uma única assinatura electrónica qualificada a um ficheiro PDF contendo vários documentos da proposta se estaria a violar o disposto no nº 4 do artigo 57º do CCP, que exige que todos os documentos da proposta sejam assinados pelo concorrente ou por representante com poderes para o obrigar. Circunstâncias que determinariam a exclusão da proposta com fundamento no disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 146º do CCP. Na verdade, como veremos a propósito do segundo equívoco, a aposição de uma assinatura electrónica qualificada garante a assinatura de todos os documentos constantes desse ficheiro PDF e não apenas do documento da proposta que seja visível o desenho ou aplicação que o permite, de forma mais simples, verificar da validade da assinatura e aceder ao respectivo certificado p. 64.

Do que antecede resulta que não assiste razão à Recorrente ao exigir uma dupla assinatura digital qualificada, ou seja antes e após a submissão da “Proposta” da contra-interessada ou em cada um dos elementos /documentos que integram a Proposta – vide ponto e do probatório. Aliás à certidão junta nem seria necessária uma assinatura manual atento o disposto no art. 54º, nº 3 da Lei 96/2015.
Já que a sua proposta –em ficheiro único- se encontra assinada com assinatura electrónica qualificada por quem detém poderes para tal, como foi decido na sentença recorrida.
Ora, contendo a proposta da Contra-interessada os documentos que constam do ponto 12 do PP, e do artigo 57º, nº 1 do CCP – vide alíneas a) e e) do probatório:
Não carecem de assinatura individualizada por cada um dos “documentos” que a compõem, uma vez que o documento electrónico onde estão inseridos está assinado em conformidade com o art. 54º da Lei 96/2015. Porquanto não existe uma coincidência de expressões entre “documentos” nos termos do art. 57º do CCP com aquele usado na Lei nº 96/2015, ou mesmo quando o legislador aí se refere a “ficheiro”.
Por outro lado, no presente procedimento concursal não foi prevista qualquer norma que exigisse tal formalidade, a assinatura individualizada de cada um dos documentos que integram a proposta (vide artigos 12º e 18º do PP – alínea a) do probatório), como ocorreu designadamente no Proc. nº 432/19.0BELSB, que foi proferido o Acórdão do TCA NORTE, em 15.11.2019 (não publicado), ou no Proc. 245/19.0BEFUN, deste TCA SUL, de 30.04.2020.
Neste último Acórdão estipulava o Programa de Procedimento :

Cláusula 8.ª
Apresentação das propostas
1. (…) O computador utilizado pelos concorrentes deverá estar preparado com os requisitos mínimos disponíveis na plataforma eletrónica usada pelo Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E. P. E., www.acinGov.pt, sob pena de exclusão da proposta por não observação das formalidades de apresentação das mesmas, nos termos do disposto na alínea l), do n.º 2, do artigo 146.º do CCP.
(…)
3 - A proposta e os documentos/ficheiros que lhes associarem devem ser assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica qualificada, previamente ao seu carregamento na plataforma
, nos termos dos artigos 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, conjugado com a alínea g) do artigo 2.º Decreto-Lei n.º 290- D/99, de 2 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril. (…)” (cfr. documento designado de “09 – Peças do Procedimento.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido)”.
Ainda assim este Tribunal entendeu que:
“…A Recorrente não assinou electronicamente o documento, talvez, mais importante da sua proposta, aquele em que indicou os bens e equipamentos a fornecer, quantidades e preços e o valor total, final da sua proposta, mas no momento da apresentação efectiva da proposta, pela sua submissão/carregamento na plataforma electrónica, apôs a assinatura electrónica qualificada exigida, ou seja, vinculou-se a cumprir os termos, condições, especificações, preços, vertidos em cada um dos documentos constantes da proposta, independentemente da sua prévia e individual assinatura, e assumidos na plataforma como versão final, inalterada e inalterável daquela.
Não está em causa discutir o valor da assinatura autógrafa constante do documento em referência, nem que a preterição de uma formalidade legal não seja essencial mas tão só verificar, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 163º do CPA, se tal formalidade se pode degradar em mera irregularidade, sendo a resposta positiva observadas que se encontram, nos termos expendidos no douto acórdão e que aqui reproduzimos e assumimos, as finalidade pretendidas por lei – as funções identificadora, finalizadora ou confirmadora e de inalterabilidade - para assinatura dos documentos/ficheiros da proposta antes da submissão na plataforma electrónica, com a assinatura electrónica qualificada aposta no momento do carregamento da proposta na plataforma.
Em face do que a formalidade essencial preterida pela Recorrente degrada-se em não essencial, deixando de se justificar a exclusão da sua proposta do procedimento concursal em referência nos autos.
” – Ac. proc. nº 245/19.0BEFUN.

Donde, ainda que dúvidas houvesse, a acolher a tese da Recorrente sempre a eventual não assinatura individualizada, designadamente do “valor unitário mensal por obra”, se degradaria, de acordo com a citada jurisprudência em formalidade não essencial.
Assim, como preconizado pelo citado Autor Luís Verde de Sousa in obra citada .. “
Em suma, ainda que se entenda que a mera assinatura eletrónica qualificada aposta nos documentos eletrónicos aquando da sua submissão na plataforma constitui uma violação das formalidades legalmente impostas quanto ao modo de apresentação das propostas, que exigem também a sua assinatura eletrónica qualificada antes do seu carregamento, facto é que tal alegada violação nunca poderia determinar a exclusão da proposta apresentada, já que todos os objetivos ou interesses específicos subjacentes à exigência de uma assinatura electrónica qualificada dos documentos (incluindo o da sua inalterabilidade) se encontram, em concreto alcançados” - pp.100 e 101
Nem sendo esta uma das situações de falta de assinatura insusceptível de ser contornada por outra via de que nos dá exemplo Pedro Fernandez Sanchez, in Direito da Contratação Pública, Volume II, p.164., sempre se terá de entender que o documento (electrónico) que contém a proposta da contra-interessada composta pelos documentos indicados em e) do probatório que correspondem aos previstos no ponto 12º do PP se encontra assinado de acordo com os artigos 54º da Lei nº 96/2015 e 57º, nº 4 do CCP-
Tendo sido aposta a assinatura electrónica qualificada conforme alínea d) do probatório e validada a sua submissão na plataforma electrónica ( vide alínea h) do probatório).

Pelo que soçobram os alegados erros imputados à sentença recorrida que será de confirmar inexistindo fundamentos de facto e de direito que imponham a exclusão da proposta da Contra-interessada.

Sendo de afastar o erro imputado pela Recorrente ao pedido impugnatório do acto de adjudicação, fica prejudicado o conhecimento do pedido condenatório porque dependente da procedência da imputada ilegalidade do acto de adjudicação impugnado, que não ocorre.

Improcede, pois, in totum o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Das custas:

Não tendo a Recorrente dado causa ao “incidente” nos termos do art. 103º-A do CPTA, dispensa-se as partes da taxa devida pelo presente incidente, sendo de restituir o montante pago aquele titulo – cf. art. 527º, a contrario do CPC.

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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i) Conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente da decisão de “ilegitimidade” da Recorrente no incidente nos termos do art. 103º-A do CPTA, revogando -a;
ii) Negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente, confirmando a sentença que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual.

Custas a cargo da Recorrente – recurso principal (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).
R.N.
Lisboa, 26 de Novembro de 2020

Ana Cristina Lameira, relatora

(A Relatora consigna e atesta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que os Juízes Desembargadores Catarina Vasconcelos, com a declaração de voto que se segue, e Paulo Gouveia, têm voto de conformidade com o presente acórdão).
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Declaração de voto

Revendo e invertendo a posição que até então temos adoptado.

(Catarina Vasconcelos)