Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07435/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/30/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
ARTº.615, Nº.1, AL.C), DO C.P.CIVIL.
PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA.
DETERMINAÇÃO DO REGIME DE PRESCRIÇÃO A APLICAR AO CASO CONCRETO.
REGIMES DE SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
APLICAÇÃO DE DIFERENTES REGIMES DE PRESCRIÇÃO NO QUE RESPEITA ÀS CAUSAS DE SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO. ARTº.297, Nº.1, DO C.CIVIL. ARTº.12, Nº.2, DO C.CIVIL.
FACTOS INTERRUPTIVOS DA PRESCRIÇÃO NO ÂMBITO DE VIGÊNCIA DO C.P.T. RESPONSÁVEIS SUBSIDIÁRIOS.
PROCESSO DE FALÊNCIA. C.P.E.R.E.F. (DEC.LEI 132/93, DE 23/4).
DÉFICE INSTRUTÓRIO (CFR.ARTº.662, Nº.2, AL.C), DO C.P.CIVIL).
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.
2. A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
3. A determinação do regime de prescrição a aplicar ao caso concreto faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil).
4. Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs.318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
5. Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil).
6. A aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma. Nos termos do disposto no artº.12, nº.2, do C.Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será, portanto, a vigente no momento em que os mesmos ocorreram.
7. Constituem factos interruptivos no âmbito de vigência do C.P.T., conforme resulta do disposto no artº.34, nº.3, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração de execução.
8. Se o facto com efeito interruptivo em relação ao devedor originário ocorreu na vigência do C.P.T., o efeito interruptivo também se produz em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que vier a ser citado, pois esse efeito interruptivo estendia-se a este, sem qualquer condição, ao abrigo do mencionado regime.
9. Nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.), aprovado pelo dec.lei 132/93, de 23/4, somente o prosseguimento da acção de recuperação da empresa gerava a suspensão do processo de execução fiscal, tal suspensão abrangendo todos os prazos de prescrição oponíveis ao devedor (cfr.artº.29, nº.1, do C.P.E.R.E.F.). Já quanto ao processo falimentar, a declaração de falência apenas obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido (cfr.artº.154, nº.3, do C.P.E.R.E.F.), embora não origine a suspensão dos prazos de prescrição, o que se justificará visto que o processo de falência constitui uma forma de prosseguir o processo executivo. Por outro lado, a remessa do processo de execução ao processo de falência, em virtude da avocação (cfr.artº.264, nº.2, do C.P.T.) não determina a paragem daquele, pois, uma vez apensado a este, com ele segue a sua normal tramitação, enquanto reclamação dos créditos exequendos. Nestes termos, só se tiver ocorrido, entretanto, paragem do processo de falência por mais de um ano, enquanto os processos de execução a ele estiverem apensados, é que se poderá reiniciar a contagem do prazo de prescrição interrompido com a instauração destes, atento o disposto no artº.34, nº.3, do C.P.Tributário.
10. Se a situação "sub judice" se não enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artº.712, nº.1, do C.P.Civil (cfr.actual artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), norma aplicável ao processo tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário, e que consagra os casos em que é possível a alteração da decisão de facto pelo Tribunal de 2ª. Instância, pode verificar-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte do Tribunal “ad quem” (cfr.artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), caso em que se deve ordenar a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.52 a 61 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo reclamante/recorrido, ... , com o n.i.f. ... , visando despacho exarado no âmbito do processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1 e apensos que corre seus termos no Serviço de Finanças de Seia, o qual indeferiu pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda no espaço da identificada execução.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.91 a 101 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Revela-se obscura e ambígua a douta sentença, em violação dos artigos 668 e 669 do CPC (actual artigo 615 do CPC). Verifica-se a desconsideração pelos fundamentos de facto que justificam a decisão, em violação do artigo 615/1 alínea c) do CPC e violação pela douta sentença dos artigos 12 do Código Civil, 49/1, 2 e 3 da LGT, 228 do CPPT;
2-É de evidenciar que nos factos dados como provados na douta sentença de que ora se recorre, o tribunal "a quo", por um lado, dá como provado no nº.12 que "a 09/01/2001 foi recebida carta registada com aviso de recepção pelo ora reclamante, através da qual foi promovida a sua citação no PEF 1279-94/100332.1, por reversão como responsável subsidiário das dívidas da devedora originária ... , Lda., no valor de 24.410.111$00", e por outro, no nº.22 dos factos dados como provados explicita que "da tramitação do processo 1279199401003321, com data de 03/10/2013 contam com relevo os seguintes factos: a 12/01/2001 - com citação pessoal; a 02/02/2005 - com citação de reversão; a 17/07/2006 - associação de penhora; a 17/07/2006 - penhora". Vindo na matéria de direito a desconsiderar os factos interruptivos constantes do nº.22 da matéria de facto e a realçar desde logo o facto elencado no nº.12, contraditórios entre si e sem se saber por que razão optou por uns factos em detrimento dos outros, constando todos da matéria de facto, sendo certo que as consequências da consideração de uns em detrimentos de outros altera completamente a douta decisão;
3-Assim, a douta sentença revela-se ambígua e obscura em virtude da relevação de factos na matéria de facto dada como provada em detrimento de outros também constantes da matéria de facto dada como provada, contraditórios entre si e sem fundamentar a opção de uns em detrimento dos outros;
4-Violação pela douta sentença dos artigos 12 do Código Civil, 49/1, 2 e 3 da LGT, 228 do CPPT;
5-Está em causa nos presentes autos uma dívida de IVA proveniente dos períodos de 11/1993 e 09/1993, autuada em 03/06/1994 com o número 1279-94/100332.1 (e posteriormente tramitada com o número 1279199401003321) para efeitos de cobrança coerciva;
6-À dívida ora em causa aplica-se o regime de prescrição previsto no artigo 34, do CPT - o regime de prescrição em vigor à data dos factos tributários aplicável por força do artigo 297 do Código Civil, sendo de dez anos o prazo de prescrição, nos termos do artigo 34/1 do CPT. Nos termos do artigo 34/2 do CPT "o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial", ou seja, no caso em apreço, o prazo de prescrição conta-se a partir de 01/01/1994. Refere depois o nº. 3 do artigo 34 do CPT que "a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação". Entretanto, em 01/01/1999 entra em vigor a LGT, passando a reger, no concernente à prescrição, os artigos 48° e 49° da LGT. À data da entrada em vigor da LGT previa o artigo 48/1, 2 e 3 da LGT que "as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu. 2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários. 3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.° ano posterior ao da liquidação. E estabelecia o artigo 49/1, 2 e 3 também da LGT, tendo como epígrafe "interrupção e suspensão da prescrição", que "a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação. 3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento a prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso";
7-Mais tarde, a Lei do OE/2007 (Lei n° 53-A/2006, de 29/12) revoga o n° 2 do artigo 49° da LGT e adita um novo n° 3 a prever que "sem prejuízo do disposto no número seguinte (anterior n° 3), a interrupção tem lugar um única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar", vindo ainda o artigo 91° da Lei OE/2007 (Lei n° 53-A/2006, de 29/12) esclarecer que "a revogação do n° 2 do artigo 49° da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo";
8-Como evidenciado por Jorge Lopes de Sousa no seu livro "Sobre a prescrição da obrigação tributária, notas práticas", a páginas 101 e 102, "não é o artigo 297 do CC que regula o regime da aplicação no tempo das leis sobre efeitos (interruptivos e suspensivos) que certos factos têm sobre o decurso dos prazos de prescrição. Os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem, como decorre do n° 2 do art. 12 do CC. Na verdade, deste n° 2 resulta que, quando a lei dispõe sobre os efeitos de factos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. O que, obviamente, tem como corolário que os factos ocorridos na vigência da lei antiga tenham o efeito que ela lhes atribui. Assim, uma vez determinado o quantitativo do prazo de prescrição (ou o prazo da lei nova ou o que decorreu mais o que falta à face da lei antiga) é a lei nova a única competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorrerem na sua vigência. Relativamente aos factos instantâneos ou factos duradouros que se prolongam apenas na vigência de uma lei, a aplicação desta regra não tem problemas apreciáveis: se o facto, instantâneo ou duradouro ocorreu na vigência da lei antiga é ela que determina os seus efeitos; se o facto ocorreu na vigência da lei nova tem os efeitos que esta lhe atribui";
9-Na situação em apreço, a autuação do processo de execução fiscal em 3/06/1994 veio interromper a prescrição e a posterior avocação dos autos à falência leve a que o processo de execução fiscal acompanhe as vicissitudes da falência. Sendo que a citação pessoal da originária devedora em 12/01/2001 interrompe novamente a prescrição, agora nos termos do artigo 49/1 da LGT;
10-E, conforme evidenciado pelo OEF, com a citação da reversão ao reclamante/recorrido 02/02/2005 e penhora subsequente da pensão, com trato sucessivo, nos termos do artigo 228 do CPPT e do artigo 49/1 e 2 da LGT à data aplicáveis, o prazo prescricional interrompe-se e não mais recomeça a contar, uma vez que não se verifica a paragem do processo de execução fiscal por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, ou seja, não se conta para o efeito da prescrição o período em que o processo andar normalmente. Veja-se que na situação em apreço todos os meses é efectuada a penhora da pensão e aplicado o valor respectivo no PEF em análise;
11-Assim, pois, desde a citação da reversão até Outubro/2013, sempre o processo andou normalmente, nunca tendo recomeçado a contagem do prazo prescricional;
12-Ainda, o facto da prescrição ter sido interrompida pela citação, conforme evidenciado por Jorge Lopes de Sousa no seu "Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6a edição", "não estando previsto um regime especial sobre os seus efeitos, seria de lhe atribuir os que lhe reconhece o Código Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 2°, alínea d), da LGT. Esses efeitos são não só o instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (arts. 326, nº.1 e 327, nº.1, do CC)", o que na situação em apreço se consubstanciará na penhora da pensão com trato sucessivo a garantir a dívida até ao seu pagamento integral (aqui podendo ainda equiparar-se a penhora da pensão com trato sucessivo ao pagamento de prestações legalmente autorizado previsto no anterior artigo 49/3 da LGT e actual artigo 49/4 da LGT - precisamente porque o trato sucessivo garante a dívida exequenda - para também justificar a suspensão do prazo prescricional);
13-Por outro lado ainda, o PEF em causa foi objecto de pelo menos dois processos de reclamação do acto do órgão de execução fiscal nos termos do artigo 276° do CPPT - os processos n° 570/10.5BECTB e 319/11.5BECTB, que correram no TAF Castelo Branco -e, colocando-se a dúvida sobre se terão ou não efeito interruptivo relativamente ao prazo prescricional, dúvidas parecem não haver relativamente ao seu efeito suspensivo, cfr por exemplo Jorge Lopes de Sousa no seu "Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6a edição", pelo que o prazo prescricional sempre se suspenderia durante a pendência daqueles processos;
14-A dívida exequenda não se encontra, pois, prescrita;
15-No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida nesta matéria, eles constam dos autos, e da matéria de facto dada como provada;
16-Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso.
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Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.136 dos autos) no sentido de se conceder provimento ao recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº. 278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.54 a 57 dos autos - numeração nossa):
1-A 3/06/1994 foi autuado o processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1, para cobrança de dívidas da sociedade "... , Lda.", provenientes de IVA dos períodos 11 de 1993 e 09 de 1993 e respectivos juros compensatórios, tudo no valor de € 121.757,12 (cfr.documento junto a fls.2 do I volume processo de execução apenso);
2-A 8/06/1994 foi proferido despacho a ordenar a citação da sociedade executada originária (cfr.documento junto a fls.8 do I volume do processo de execução apenso);
3-A 8/06/1994 foi emitido o ofício nº.1468 para citação da executada "... , Lda.", no processo 1279-94/100332.1, para pagamento de 24.410.111$00 (cfr.documento junto a fls.9 do I volume do processo de execução apenso);
4-A 13/06/1994 foi assinado o aviso de recepção relativo ao ofício nº.1468 (cfr. documentos juntos a fls.9 e 10 do I volume do processo de execução apenso);
5-A 7/12/1994 foi decretada a falência da executada "... , Lda." (cfr.cópia de sentença junta a fls.17 e seguintes do I volume do processo de execução apenso);
6-A 7/10/1995 foi proferido despacho onde se decidiu mandar o processo à conta, em cumprimento do ofício nº.446 - Proc.40/94 do Tribunal Judicial de Fornos de Algodres (cfr. documento junto a fls.11 do I volume do processo de execução apenso);
7-A 7/10/1995 foi ordenada a remessa dos autos à DF da Guarda para posterior envio ao Tribunal Judicial de Fornos de Algodres, para os fins do artº.265, nº.2, do C.P.T. (cfr. documento junto a fls.13 do I volume do processo de execução apenso);
8-A 27/09/2000 foi emitido o ofício nº.3940, dirigido ao Mº. Juiz do Tribunal Judicial de Fornos de Algodres, pedindo informação sobre "se o processo de falência já se encontra findo, e nesse caso sendo pedida a devolução dos processos a esse avocados" (cfr. documento junto a fls.14 do I volume do processo de execução apenso);
9-A 16/10/2000 foi o processo de execução fiscal nº.1279-94/100332.1 remetido pelo Tribunal Judicial de Fornos de Algodres à Repartição de Finanças de Seia (cfr. documentos juntos a fls.15 e 16 do I volume do processo de execução apenso);
10-A 13/11/2000 foram apensados ao processo de execução fiscal nº.1279-94/100332.1, os PEFS n.°s 94/1004867, 94/1005170, 94/1005588, 94/1005596, 95/1001221, 95/1003356 e 95/1003364 (cfr.documento junto a fls.25 do I volume do processo de execução apenso);
11-A 13/11/2000 foi emitido mandado de penhora no âmbito do processo de execução fiscal nº.1279-94/100332.1 e apensos (cfr.documento junto a fls.26 do I volume do processo de execução apenso);
12-A 9/01/2001 foi recebida carta registada com aviso de recepção pelo ora reclamante, através da qual foi promovida a sua citação no processo de execução fiscal nº.1279-94/100332.1 e apensos, por reversão como responsável subsidiário das dívidas da devedora originária "... , Lda.", no valor de Esc.24.410.111$00 (cfr.documentos juntos a fls.57 e 58 do I volume I do processo de execução apenso);
13-A 27/04/2001 foi efectuado um pagamento no âmbito do processo de execução fiscal no valor de 105.571$00, com a referência ao I.V.A. de 11/93 (cfr.documento junto a fls.70 do I volume do processo de execução apenso);
14-A 29/06/2006 foi proferida informação nos autos (cfr.documento junto a fls.98 do I volume do processo de execução apenso);
15-A 28/06/2006 foi proferido despacho quanto aos processos apensos já pagos, determinando-se a sua desapensação (cfr.documento junto a fls.98-verso do I volume do processo de execução apenso);
16-A 17/07/2006 foi proferido despacho a ordenar a penhora de 1/3 da pensão de reforma do ora reclamante (cfr.documento junto a fls.103 do I volume do processo de execução apenso);
17-Através do ofício nº.1527 de 17/07/2006 foi notificado o Instituto da Segurança Social, IP para proceder ao desconto da importância de um terço (1/3) da pensão de reforma, com trato sucessivo, do ora reclamante, para pagamento no âmbito do PEF no qual foi proferido o despacho reclamado, de 170.366,51€ (cfr.documento junto a fls.103 do I volume do processo de execução apenso);
18-Com data de 17/07/2006 foi emitido o ofício nº.1529 para notificação ao ora reclamante da penhora da pensão a que se referem os números anteriores (cfr. documento junto a fls.105 do I volume do processo de execução apenso);
19-A 20/05/2013 foi requerido pelo ora reclamante o reconhecimento da prescrição das dívidas tributárias em cobrança no processo de execução fiscal nº.1279-94/100332.1 e apensos (cfr.documento junto a fls.659 e seg. do II volume II do processo de execução apenso);
20-A 12/07/2013 foi proferido despacho pelo Chefe de Serviço de Finanças de Seia, em substituição, onde se lê: "Em face da informação que antecede (...) uma vez que a penhora é de trato sucessivo e garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido e se mostram reunidos os pressupostos para a suspensão do prazo de prescrição, o processo executivo supra não se encontra prescrito" (cfr.documento junto a fls.672 e verso do II volume do processo de execução apenso);
21-A 19/09/2013 o ora reclamante respondeu ao despacho a que se refere o número anterior, pedindo o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no processo de execução fiscal já identificado (cfr.documento junto a fls.674 e seg. do II volume do processo de execução apenso);
22-Da tramitação do processo de execução fiscal nº.1279-94/100332.1, com data de 3/10/2013 contam com relevo os seguintes factos (cfr.documento junto a fls.679 e 680 do II volume do processo de execução apenso):
A 12/01/2001 - Com citação pessoal
A 02/02/2005 - Com citação em reversão (144511436)
A 17/07/2006 - Associação de Penhora (144511673)
A 17/07/2006 - Penhora;
23-A 16/10/2013 foi proferido despacho pelo Chefe de Serviço de Finanças de Seia, onde se lê:
"A fls.674 a fls. 677 dos autos, vem o executado (...) suscitar a prescrição da dívida constante no processo (...).
O mencionado processo executivo refere-se actualmente a uma dívida de IVA tendo sido promovida a competente citação pessoal a 2001/01/12, com reversão para o citado responsável subsidiário efectivada a 2005/02/02 e penhora subsequente da pensão, com trato sucessivo, nos termos do artigo 228 do CPPT e do nº.1 e 2 do artigo 49 da LGT à data aplicáveis, o prazo prescricional interrompe-se e não mais começa a contar, uma vez que não se verifica a paragem do processo de execução por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo. Ou seja não se conta para efeitos da prescrição o período em que o processo andar normalmente. Veja-se que na situação em apreço todos os meses são efectuados a apenhora da pensão e aplicado o valor no PEF em análise.
Assim, pois, desde a citação da reversão até hoje, Outubro de 2013, sempre o processo andou normalmente (...)
Ainda o facto da prescrição ter sido interrompida pela citação, conforme evidenciado por Jorge Lopes de Sousa (...). Esses efeitos são não só o instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (art.° 326, nº.1 e 327, nº.1 do CC) o que na situação em apreço se consubstanciará na penhora da pensão com trato sucessivo a garantir a dívida até ao seu pagamento integral (aqui podendo ainda equipara-se a penhor da pensão com trato sucessivo ao pagamento de prestações legalmente autorizado previsto no anterior n.°3 do art.° 49 e actual n.°4 do art.° 49 da LGT - precisamente porque o trato sucessivo garante a dívida exequenda - para também justificar a suspensão do prazo prescricional).
Por outro lado o PEF em causa foi objecto de pelo menos dois processos de reclamação (...) colocando-se a dúvida se terão ou não efeito interruptivo relativamente ao prazo prescricional, dúvidas parece não haver relativamente ao seu efeito suspensivo cfr. por exemplo Jorge Lopes de Sousa (...).
Pelo exposto pode concluir-se que a quantia exequenda não se encontra pois prescrita (...)" (cfr.documento junto a fls.683 e 684 do II volume do processo de execução apenso).
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Considera-se não escrita a al.v), da matéria de facto provada constante da decisão do Tribunal “a quo”, actual nº.22 do probatório, dado conter factualidade carente de meios de prova que a fundamentem.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente a reclamação deduzida pelo reclamante/recorrido, ... , mais tendo anulado o acto reclamado e declarado a prescrição da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar, em síntese e como supra se alude, que a sentença recorrida se revela ambígua e obscura em virtude da relevação de factos na matéria de facto dada como provada em detrimento de outros também constantes da matéria da factualidade provada, contraditórios entre si e sem fundamentar a opção de uns em detrimento dos outros, tudo nos termos do artº.615, nº.1, al.c), do C.P.C. (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à decisão recorrida, segundo percebemos, o vício de nulidade, devido a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. Mais se dirá que não ocorre esta nulidade quando a alegada contradição for entre os fundamentos de facto da decisão ou, por outras palavras, quando se tenham dado como assentes factos incompatíveis entre si, como parece querer defender o recorrente (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13).
No caso “sub judice”, não vislumbramos que a sentença recorrida padeça da nulidade em análise. Concretizando, a decisão recorrida não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela procedência da reclamação deduzida, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido, chegando o Tribunal “a quo” à conclusão de que o acto reclamado deve ser anulado em virtude da prescrição da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1.
Quanto à alegada incompatibilidade entre a factualidade provada, mais exactamente entre os nºs.12 e 22 do probatório, apesar de tal factualidade não ter originado qualquer vício lógico na construção da decisão recorrida, sempre se remete o recorrente para a decisão relativa ao probatório e supra exarada (considera-se não escrita a al.v), da matéria de facto provada constante da decisão do Tribunal “a quo”, actual nº.22 do probatório).
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
O recorrente discorda do decidido sustentando também, em síntese e como acima se menciona, que está em causa nos presentes autos uma dívida de I.V.A. proveniente dos períodos de 11/1993 e 09/1993. Que atendendo aos diversos vectores interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição constantes da factualidade provada a dívida exequenda não se encontra prescrita, contrariamente ao que decidiu o Tribunal "a quo" (cfr.conclusões 4 a 14 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, deve ressalvar-se que do probatório consta factualidade incidente sobre o pagamento parcial da dívida exequenda de I.V.A. relativa ao período 11/1993 (cfr.nº.13 da matéria de facto provada), embora tal não impeça o conhecimento da excepção de prescrição no âmbito do presente processo.
A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.98 e seg.).
O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P.Tributário), e antes de vinte anos nos termos do artº.27, do C.P.C.Impostos. Embora mais favorável ao contribuinte, o prazo actual não é de aplicação retroactiva, devendo, em tal situação, lançar-se mão dos princípios consagrados no artº.297, do C. Civil, no que diz respeito ao cômputo do mesmo. Nestes termos, o prazo de dez anos consagrado no artº.34, do C. P. Tributário, ou o prazo de oito anos consagrado no artº.48, da Lei Geral Tributária, somente se contam a partir da entrada em vigor dos respectivos diplomas (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/4/93, Acórdãos Doutrinais, nº.385, pág.461; ac.T.T.2ª.Instância, 29/10/91, C.T.F.365, pág.243 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.98; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94 e seg.).
O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário, sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, salvo em relação ao I.V.A. em que tal prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreu a exigibilidade do tributo, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T.- cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária.
Já quanto ao C.P.Tributário, o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, independentemente da natureza periódica ou de obrigação única do tributo em causa (cfr.artº.34, nº.2, do C.P.T.).
A instauração de processo de execução fiscal contra o devedor principal, consubstancia facto interruptivo da prescrição, quer quanto ao mesmo devedor principal, quer quanto aos responsáveis subsidiários, independentemente do momento em que estes vierem a ser citados para a execução ou em que se vier a operar a reversão (cfr.artº.34, nº.3, do C.P.Tributário). Cessa, no entanto, o efeito interruptivo da prescrição a que se alude, o qual se transforma em efeito suspensivo, quando o processo (v.g.execução fiscal) estiver parado durante mais de um ano devido a facto não imputável ao sujeito passivo, caso em que se soma o prazo decorrido após esse período de um ano ao que se tiver verificado até à autuação dos autos (cfr.artº.34, nº.3, do C.P.Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/6/96, rec.17809; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 23/5/2000, proc.3350/00; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09).
Passemos à determinação do regime de prescrição a apor ao caso dos autos. A determinação do regime de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94).
“In casu”, sendo o marco inicial do prazo de prescrição o dia 1/1/1994, face ao regime consagrado no C.P.Tributário, desconsiderando os factos interruptivos e suspensivos, a prescrição verificar-se-ia em 1/1/2003. Ora, com a aprovação da L.G.T., diploma que entrou em vigor em 1/1/99, o prazo de prescrição foi encurtado para 8 anos, conforme resulta do disposto no seu artº.48, nº.1, do mesmo diploma, o que significa que a prescrição se tornaria operativa em 1/1/2007. Pelo que, se conclui ser aplicável ao caso em apreciação o regime previsto no C.P.Tributário, neste segmento confirmando a decisão recorrida.
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição. A suspensão da prescrição tem o seu regime civil previsto nos artºs.318 e seg., do C.Civil. Por sua vez, a interrupção da prescrição está regulada nos artºs.323 e seg., do C.Civil.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Todavia, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2011, rec.807/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/10/2011, proc. 5009/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/1/2014, proc.7016/13; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.92).
Nos termos do disposto no artº.12, nº.2, do C.Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será, portanto, a vigente no momento em que os mesmos ocorreram. Assim sendo, constituem factos interruptivos no âmbito de vigência do C.P.T., conforme resulta do disposto no artº.34, nº.3, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração de execução.
Por sua vez, nos termos do artº.49, nº.1, da L.G.T., a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição, a que acresce a citação como facto interruptivo por força da redacção dada à referida norma pela Lei 100/99, de 26/7, cuja vigência se iniciou em 1/8/1999.
Mais consagrava o artº.34, nº.3, do C.P.T., bem como o artº.49, nº.2, da L.G.T. (redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007), que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
No caso concreto, atenta a matéria de facto provada, assume relevância, desde logo, como vector interruptivo da prescrição, a instauração do processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1, a qual ocorreu em 3/06/1994 (cfr.nº.1 da matéria de facto provada).
Tal facto interruptivo inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente. Relembre-se que ocorrendo uma causa de interrupção e findos os efeitos da mesma, inicia-se uma nova contagem do prazo, ou seja, mais 10 anos no caso concreto. Concretizando, a contagem do novo prazo de prescrição de dez anos passa a ter o seu termo inicial em 4/6/1994, dado que nos encontramos perante facto interruptivo (a instauração de processo de execução) de natureza instantânea.
Haverá, agora, que saber se este facto interruptivo da prescrição é, ou não, oponível ao reclamante/recorrido, enquanto responsável subsidiário.
A decisão recorrida entende que não, para tanto chamando à colação o artº.48, nº.3, da L.G.T., e levando em consideração a data da citação do reclamante no âmbito do processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1, a qual ocorreu em 9/01/2001 (cfr.nº.12 da matéria de facto provada), portanto após o quinto ano posterior ao das liquidações de I.V.A. que constituem a dívida exequenda.
Neste segmento, a sentença recorrida lavra em erro.
É que o facto com efeito interruptivo em relação ao devedor originário ocorreu na vigência do C.P.T. (3/6/1994), sendo que o efeito interruptivo se produz também em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que vier a ser citado, pois esse efeito interruptivo estendia-se a este, sem qualquer condição, ao abrigo do mencionado regime (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/7/2008, rec.431/08; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.116 e seg.).
Em conclusão, também em relação ao reclamante e ora recorrido, o vector interruptivo da prescrição que se consubstancia na instauração do processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1 produz efeitos.
Abordemos a relevância do decretamento da falência da sociedade executada originária "... , Lda." e da consequente avocação do processo de execução fiscal nº.1279-1994/100332.1 pelo processo de falência, no que diz respeito ao decurso do prazo de prescrição (cfr.nºs.7 e 8 do probatório).
Nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.), aprovado pelo dec.lei 132/93, de 23/4, somente o prosseguimento da acção de recuperação da empresa gerava a suspensão do processo de execução fiscal, tal suspensão abrangendo todos os prazos de prescrição oponíveis ao devedor (cfr.artº.29, nº.1, do C.P.E.R.E.F.). Já quanto ao processo falimentar, a declaração de falência apenas obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido (cfr.artº.154, nº.3, do C.P.E.R.E.F.), embora não origine a suspensão dos prazos de prescrição, o que se justificará visto que o processo de falência constitui uma forma de prosseguir o processo executivo. Por outro lado, a remessa do processo de execução ao processo de falência, em virtude da avocação (cfr.artº.264, nº.2, do C.P.T.) não determina a paragem daquele, pois, uma vez apensado a este, com ele segue a sua normal tramitação, enquanto reclamação dos créditos exequendos. Nestes termos, só se tiver ocorrido, entretanto, paragem do processo de falência por mais de um ano, enquanto os processos de execução a ele estiverem apensados, é que se poderá reiniciar a contagem do prazo de prescrição interrompido com a instauração destes, atento o disposto no artº.34, nº.3, do C.P.Tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/6/2007, rec.436/07; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.320 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 3ª. edição, 1997, pág.552).
De acordo com esta perspectiva, se o processo de falência esteve parado por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo antes da entrada em vigor da Lei 53-A/2006, de 29/12, em 1/1/2007, será de considerar cessado o efeito interruptivo da prescrição, passando o efeito a ser suspensivo entre a data da instauração do processo que gerou a interrupção e o momento em que se completa uma ano de paragem, em sintonia com o que se prevê no artº.49, nº.2, da L.G.T., na redacção inicial e, anteriormente, se previa no artº.34, nº.3, do C.P.Tributário.
No caso "sub judice", a sentença recorrida, sem levar em consideração a tramitação do processo de falência, considerou que a execução fiscal nº.1279-1994/100332.1 esteve parada desde 7/10/1995, assim devendo retomar-se a contagem do prazo de prescrição de dez anos em 8/10/1996.
Não consta da matéria de facto a tramitação do processo de falência da sociedade executada originária "... , Lda.", nem se encontra apenso à execução o dito processo de falência (Proc.40/94 que correu termos no Tribunal Judicial de Fornos de Algodres).
Ora, sobre estas matérias o Tribunal “a quo” não se pronunciou, igualmente não se tendo realizado diligências probatórias nesse sentido.
E recorde-se que o próprio princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário), obrigava o Tribunal “a quo” a examinar tal factualidade com vista à decisão da excepção da prescrição, enquanto causa de pedir da presente reclamação deduzida ao abrigo do artº.276 e seg. do C.P.P.T.
Nestes termos, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99 da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Concluindo, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites mencionados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 30 de Abril de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)