Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09240/15
Secção:CT
Data do Acordão:03/31/2016
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR/LEGITIMIDADE PASSIVA/ ACTO DE LIQUIDAÇÃO/ SUSPENSÃO DOS SEUS EFEITOS / DISPENSA DA GARANTIA
Sumário:1 - A legitimidade é o pressuposto processual através do qual a lei circunscreve os sujeitos de direito aptos a participar em cada processo judicial.
2 - A verificação de tal pressuposto, como decorre da lei, deve ser aferida nos exactos termos em que o autor, no articulado que dirige ao Tribunal, configurou a relação material controvertida, gozando de legitimidade passiva a outra parte nesta relação (artigo 30º do CPC). Ao autor cumpre chamar a Tribunal, como réu, aquele que alegadamente esta posicionado, por referência à relação material controvertida, na posição contrária à sua (ou, se quisermos, contraposta à sua).
3 - Sendo o nº 6 do artigo 147º do CPPT uma norma especial sobre a tutela cautelar no contencioso tributário, não há uma lacuna de regulamentação, quanto aos requisitos da adopção de providências cautelares no contencioso tributário, pelo que não é viável recorrer aos critérios previstos no CPTA, pois que são de aplicação meramente subsidiária.
4 – No caso sub judice, a pretensão da Requerente dirige-se ao acto tributário de liquidação de contribuições à Segurança Social, concretamente à paralisação dos efeitos da execução desse acto de liquidação. Pretende a Requerente que a Segurança Social se abstenha de instaurar um processo de execução fiscal ou que suspenda a execução (caso o processo tenha sido instaurado), mediante a concessão de dispensa de garantia que também requer.
5 - O artigo 169º do CPPT prevê, desde logo, um regime especial para a suspensão de actos de liquidação de dívidas cobradas através de processo de execução fiscal que opera imediata e oficiosamente, sem necessidade de recurso ao 147º, nº 6 do CPPT para obter a suspensão dos efeitos da liquidação.
6 - Por seu turno, da conjugação do CPPT e da LGT, concretamente dos artigos 170º e 52º, nº4, respectivamente, decorre a possibilidade de o contribuinte requerer à Administração Tributária a dispensa de prestação da garantia (com a consequente suspensão da execução fiscal), pedido esse que deve ser decidido em 10 dias após a sua apresentação.
7 - Do indeferimento de tal pedido poderá o interessado lançar mão da reclamação prevista no artigo 276º do CPPT, aí obtendo uma decisão jurisdicional de controlo da legalidade do acto praticado pela Administração Tributária.
8 – Nos termos em que o actual artigo 169º, nº2 do CPPT se mostra redigido é possível, perante o não pagamento de uma liquidação dentro do prazo fixado para tal, o contribuinte antecipar o pedido de suspensão da execução fiscal, com prestação de garantia ou mediante a sua dispensa, para momento anterior à apresentação do meio escolhido para sindicar a legalidade da liquidação, pedido este que, no limite, pode até ocorrer em momento em que a própria execução fiscal ainda não tenha sido instaurada.
9 – No caso, os pedidos formulados de dispensa de prestação de garantia e de suspensão da execução fiscal não encontrem acolhimento no meio previsto no artigo 147º, nº6 do CPPT, não se vislumbrando a justificação para fazer intervir a tutela cautelar.
10 - A mera instauração (ou a ordem de instauração) da execução fiscal, em consequência do não pagamento voluntário da obrigação liquidada, não implica qualquer prejuízo irreparável para o contribuinte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Massa Insolvente de Z., Lda requereu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com expressa invocação dos artigos 147º, nº6 do CPPT e 112º, nº2 do CPTA, aplicável ex vi artigo 2º, alínea c) do CPPT, a adopção das seguintes providências cautelares:

(i) - concessão provisória de dispensa de prestação de garantia até que a legalidade da decisão do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes (setor de …) da Unidade de Fiscalização de …. do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social, IP, de 2014.12.19, que se impugnará em tempo, seja definitivamente decidida;

(ii) - abstenção da Entidade Requerida de ordenar a instauração do processo de cobrança coerciva da decisão supra referida, ou caso a mesma já tenha entretanto sido ordenada ,

(iii) - a suspensão dos efeitos da execução fiscal,

As quais foram requeridas contra as seguintes entidades:

- ISS - Instituto da Segurança Social, IP

- e IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP.

O Tribunal Tributário de Lisboa (para onde foi ordenada a remessa dos autos, conforme despacho de fls. 765) não acolheu as razões da Requerente, ora Recorrente, tendo feito constar do dispositivo o seguinte segmento decisório: “Em face do exposto, nos termos dos artigos de lei citados, por erro na forma do processo absolvo o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, e indefiro o decretamento da providência solicitada contra o Instituto da Segurança Social, IP”.

Inconformada com tal sentença, veio Requerente interpor o presente recurso jurisdicional, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:

A) A Recorrente interpõe o presente Recurso por não concordar com o entendimento perfilhado na decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida no âmbito dos autos à margem referenciados.

B) Segundo o entendimento do Tribunal a quo a Providência Cautelar requerida não é passível de decretamento por:

(i) O IGFSS., I.P., carecer de legitimidade passiva na acção;

(ii) O meio cautelar utilizado não ser o meio próprio para efectivar a pretensão da Recorrente - suspensão de eficácia do acto de liquidação emitido pelo ISS., I.P. no valor de €22 014 242,46.

(iii) Não ter conseguido a Requerente demonstrar, caso o meio adoptado se revelasse o adequado, a existência de um prejuízo irreparável, enquanto critério fundamental para a operabilidade da Providência Cautelar requerida.

C) Relativamente ao ponto (i) (ilegitimidade do IGFSS., I.P.), alega o Tribunal a quo, que o referido instituto apenas poderia ser demandado no âmbito de um processo de execução em curso, e enquanto órgão responsável pela condução do processo de cobrança coerciva do montante liquidado.

D) No que ao ponto (ii) diz respeito alega o douto Tribunal, que a suspensão da cobrança da dívida tributária apenas poderá ser obtida pelas vias administrativas previstas na lei e que o acesso aos tribunais está reservado à impugnação das decisões obtidas no âmbito das referidas vias administrativas.

E) Já no que concerne ao ponto (iii) relativo ao prejuízo irreparável, considerou o Tribunal a quo não ter sido feita prova suficiente dos prejuízos irreparáveis causados pela manutenção do acto de liquidação em crise nos presentes autos.

F) Ora, não pode a Recorrente aceitar a posição assumida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, pelas razões que amplamente apresentou no presente Recurso.

G) Assim, cumpre nesta sede relembrar que considera a Recorrente que o IGFSS, I.P. tem legitimidade passiva, pois se o intuito da presente providência é o de requerer a suspensão da eficácia do acto de liquidação, em especial na sua vertente executiva, e

H) se de acordo com as disposições legais em vigor, o referido instituto é o órgão competente para iniciar o processo de execução fiscal para cobrança da alegada dívida de €22 014 242,46,

I) não pode o mesmo, deixar de ser considerado como entidade com um interesse contraposto ao da Recorrente e, como tal, parte legítima na acção.

J) E, uma vez ultrapassada, a questão da prova da legitimidade passiva do IGFSS, I.P., e ao contrário da decisão proferida, a Providência Cautelar interposta, apresenta-se para a Requerente como o meio adequado a efectivar os seus interesses.

Senão veja-se,

K) Não poderá ser tido como admissível que, em face do direito fundamental à efectiva tutela jurisdicional, (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, alargado à Recorrente pelo seu artigo 12.º, n.º 2) que a decisão de dispensa de prestação de garantia ou da suspensão da eficácia da decisão fosse deixada apenas à Administração e aos seus critérios.

L) Pois, tal seria obrigar os particulares a um formalismo ritualista que, ademais, agravaria o risco imposto pelos actos com impacto negativo na esfera dos particulares,

M) Impossibilitando-os de beneficiar das vantagens de evidente celeridade, antecipando a decisão que decorreria da administração, concedendo-lhe a possibilidade de ver a mesma ser antecipada logo para o processo de impugnação da decisão principal, em vez de ficar a aguardar o processo acessório de controlo da decisão relativa ao pedido de dispensa da prestação de garantia.

N) Pois, seguir esta linha de raciocínio é obrigar a Recorrente a aguardar uma decisão definitiva do pedido de dispensa de prestação de garantia bancária para poder recorrer aos Tribunais.

O) Ou seja, é negar-lhe o acesso à justiça realidade que o Tribunal a quo não teve em consideração.

P) Tal como não teve em consideração que , ainda que sem execução fiscal, a liquidação oficiosa das contribuições pelo ISS, IP já produz efeitos lesivos e muito gravosos na esfera jurídica da Recorrente.

Q) Os quais, ao contrario do vertido na sentença recorrida, a Recorrente amplamente demonstrou através da prova produzida nos autos.

R) Nesta sequência, sempre se dirá que os efeitos negativos da emissão do acto de liquidação em crise não se esgotam na eventual (e inevitável) instauração de um processo de execução com todos os prejuízos patrimoniais e reputacionais que daí advêm,

S) mas, que os mesmos, se iniciam logo aquando da emissão do referido acto de liquidação.

T) E tal realidade ficou bem patente no testemunho da Dra. P., o qual focou de forma inequívoca o impacto económico e financeiro que a existência de uma alegada dívida de cerca de 23 milhões de euros teve na gestão quotidiana da empresa.

U) Sendo a Recorrente uma empresa de construção civil de dimensão considerável, a mesma sempre se demonstrou apta a participar em concursos de adjudicação de obras públicas, sendo que as mesmas sempre representaram uma parte significativa da sua facturação.

V) Ora, neste ponto introduz a Recorrente um dos principais efeitos negativos do acto de liquidação emitido, a impossibilidade de obtenção de uma declaração de não dívida elemento fulcral na candidatura a concursos públicos e também privados.

W) Face à realidade descrita, a Recorrente é considerada para efeitos declarativos como devedora à Segurança Social, pois o ISS, I.P. já extraiu uma certidão de dívida no valor da liquidação emitida, contudo ainda não foi iniciado um processo de execução tendente à sua cobrança efectiva.

X) Assim, se por um lado a Recorrente é para todos os efeitos considerada como uma entidade em incumprimento das suas obrigações contributivas, mas por outro, e por não estar em curso um processo de execução, não pode utilizar os mecanismos nele previsto para acautelar os seus interesses, quer patrimoniais quer reputacionais.

Y) Em acréscimo à impossibilidade de candidatura a concursos públicos, as empreitadas anteriormente assumidas nesse campo têm tido um impacto significativo na facturação da Recorrente na medida em que, as contraentes públicas estão obrigadas a reter 25% do valor devido a título de pagamento da prestação de serviços prestadas ao abrigo dos referidos contratos.

Z) Ora, tal retenção de 25% sob a facturação emitida a entidades públicas vem agudizar ainda mais a situação financeira da empresa que desde 2014 tem vindo a sentir um decréscimo da sua actividade, quer em Portugal, quer nos demais países nos quais desenvolve a sua actividade.

AA) Remete neste ponto a Recorrente quer para o testemunho da Dra. P., bem como para os dados incluídos no gráficos e relatos financeiros juntos ao processo cautelar, bem como incluídos no presente Recurso e que provam sem margem para dúvidas a insuficiência de meios económicos aptos a prestar uma garantia que suspenda um eventual processo de execução.

BB) Em acréscimo e resultado de um efeito dominó, a par da impossibilidade de participação em processos de contratação pública, a Recorrente perdeu a confiança das entidades privadas com quem mantinha uma relação sólida mas que face à eminente instauração de um processo de execução, evitam a contratação.

CC) A Recorrente, e através do depoimento da Testemunha atrás mencionada, provou a impossibilidade de constituição de garantia bancária, bem como de financiamento junto de instituições bancárias, as quais, face à situação económica demonstrada, recusam a assunção de qualquer relação de crédito.

DD) Face a toda a factualidade sobejamente provada, a Recorrente viu-se forçada, tal como atesta o depoimento da Dra. P., a incorrer num risco de gestão, o qual se materializou no não provisionamento do valor em dívida.

EE) Tal risco de gestão teve como único propósito a manutenção da actividade, ou seja, o provisionamento dos valores em dívida, conduziria necessariamente à necessidade de apresentar a Sociedade à insolvência com todas as consequências que pela testemunha foram relatadas.

FF) Do supra exposto resulta como inevitável a conclusão de que a Recorrente, ao contrário do entendimento vertido na sentença em crise, provou de forma inequívoca que a manutenção de eficácia do acto de liquidação no valor de €22 014 242,46, lhe causa prejuízos irreparáveis, que vão além da vertente meramente económica.

GG) E que se os mesmos não forem suspensos através do decretamento das providências cautelares requeridas a Recorrente, não terá, tal como ficou demonstrado, meios económicos capazes de constituir uma garantia bancária capaz de suster todos os efeitos advenientes de um processo de execução fiscal.

HH) Bem como, capacidade de manter a sua actividade em termos que lhe permitam recuperar quer a sua solvência, quer a sua reputação junto do mercado no qual opera.

II) Encontrando-se, nesta fase, num limbo entre, a impossibilidade de recurso à justiça, por improcedência, ilegal, do pedido de decretamento das providências cautelares requeridas e a vontade do IGFSS, I.P. em instaurar um processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida.

JJ) Sem que disponha de meios de defesa aptos a assegurar os seus direitos.

KK) Face ao exposto, dúvidas não restam de que deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que decrete as providências requeridas, por se encontrarem verificados os respectivos requisitos, sob pena de violação do princípio da igualdade, do direito de acesso à Justiça e à tutela jurisdicional efectiva e de ilegalidade.

Nestes termos e nos demais de Direito que V/Exas. mui doutamente suprirão, requer-se a anulação da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, com a consequente substituição por outra que decrete as providências cautelares requeridas com todas as legais consequências, consubstanciadas na suspensão de eficácia do acto de liquidação adicional no valor de €22 014 242,46, e consequente dispensa de prestação de garantia bancária para obtenção da referida suspensão.”


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O IGFSS, IP apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:

49. A Recorrente vem insurgir -se contra a decisão proferida pelo douto Tribunal "a quo" que absolveu o Recorrido IGFSS, IP e negou provimento à providência cautelar intentada contra Recorrido ISS,IP.

50. Contudo, os fundamentos legais que a Recorrente argúi para a interposição do presente meio judicial são despropositados, considerando que os princípios da Igualdade e de acesso ao à Justiça e aos Tribunais são princípios estruturantes de um Estado de Direito Democrático.

51. A Recorrente pretende que seja imposto no ordenamento jurídico um direito que não lhe assiste, nomeadamente o de intentar uma ação judicial contra quem não tem qualquer tipo de relação material.

52. Para ser parte numa ação, é necessário ter legitimidade processual.

53. Sendo que a falta de legitimidade, enquanto pressuposto processual, obsta a que o Tribunal aprecie do mérito da causa.

54. "In Casu" o Recorrido IGFSS, IP, não tem a correr termos qualquer processo de execução fiscal contra a Recorrente para cobrança coerciva de divida exequenda.

55. O Recorrido IGFSS, IP não pode ser demandado, na providência cautelar, intentada pela Recorrente, uma vez que não tem qualquer relação material controvertida com esta, nem tem qualquer interesse direto ou pessoal em agir no presente pleito.

56. De acordo com o art.3.º n.º2 alínea d), do Decreto - Lei n.º 83/2012,de 30 de março, é atribuição do ISS, IP, «Participar às secções de processo executivo do Instituto da Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), as dívidas à segurança social, designadamente por contribuições e respetivos juros de mora”

57. De acordo com art.3.º n.º2 alínea a) do Decreto- Lei n.º 83/2012 de 30 de março, é atribuição do IGFSS, IP «Assegurar a cobrança da dívida à Segurança Social»

58. Por sua vez, o Decreto - Lei n.º 42/2001, de 09 de fevereiro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 63/20 14, de 208 de abril, no seu art.3º-A refere que:

«Artigo 3 .º-A

Competência para a instauração e instrução do processo

Compete ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.), a instauração e instrução do processo de execução de dívidas à segurança social».

59. A legitimidade processual é um pressuposto processual através do qual a lei seleciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a tribunal.

60. Face ao disposto no art .30.º n.º 2 do CPC, o interesse em demandar afere-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo resultante dessa procedência, sendo considerados titulares do interesse os sujeitos da relação material controvertida

61. São partes legítimas passivas, os sujeitos que correspondam à parte contrária na relação material controvertida ou seja os que tenham um qualquer interesse contraposto ao da Requerente da providência.

62. Atendendo que, na presente data não existe dívida em sede de cobrança coerciva, objeto de processo de execução fiscal contra a Recorrida, é inequívoco que o Recorrido IGFSS, IP não pode ser demandado, nem pode executar qualquer tipo de sentença que o condene à prática de atos, ou que o condene à sua omissão.

63. A inexistência de qualquer relação material com a Recorrente torna o Recorrido IGFSS, IP parte ilegítima.

64. No caso sub judice existe, assim, uma manifesta e errada demanda de Recorrido., que é totalmente alheio à relação material em litígio, e como tal como, há que julgar verificada a exceção de ilegitimidade processual, com a consequente absolvição do mesmo da instância e extinção da lide.

65. Nestes termos a decisão recorrida deve-se manter na ordem jurídica, não sendo acolhida a fundamentação invocada pela Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso judicial ser dado como improcedente.”


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O ISS, IP. expendeu conclusivamente em sede de contra-alegações:

1. O n° 4 do artigo 268° da Constituição garante aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e, no que ao caso interessa, a adopção de medidas cautelares adequadas;

2. Materializando a directiva constitucional, o CPPT passou a prever, no domínio do processo judicial tributário, a possibilidade de recurso por parte dos contribuintes a providências cautelares, todavia e como salientam a doutrina e jurisprudência, são exíguos os termos em que essas providências são admitidas no processo judicial tributário;

3. No caso em apreço, através de simples requerimento, oportunamente dirigido ao órgão de execução fiscal ou ao tribunal ao qual compete a apreciação da impugnação judicial, a aqui Recorrente podia e devia ter assegurado a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos e interesses de que se alega titular, concluindo-se, como concluiu, e bem, o douto tribunal a quo, que o presente meio tutelar não configura o meio mais adequado com vista a assegurar a tutela pretendida e, simultaneamente, a acautelar os interesses legítimos de ambas as partes;

4. A função da Administração Tributária (AT), e também da Segurança Social no que às respectivas contribuições respeita, é arrecadar receitas, procurando obter os recursos fiscais essenciais à satisfação das necessidades de natureza colectiva. O crédito tributário, por ser do Estado, é também de todos os cidadãos. E é em nome dos seus cidadãos que o Estado, personificado na AT, tem de proteger estes créditos e acautelar o interesse público;

5. A justificação para a existência do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários não se prende apenas com a mera necessidade de o Estado se autofinanciar, mas também com a protecção dos interesses e direitos constitucionalmente consagrados dos cidadãos. No caso da Segurança Social, esta segunda vertente é particularmente relevante, porque o não pagamento de contribuições por relação a parcelas que se conclua constituem verdadeira remuneração, afecta negativamente e de forma directa a carreira contributiva dos trabalhadores;

6. Concluindo-se que não viola o princípio da tutela judicial efectiva, em qualquer das suas dimensões, a declarativa ou a executiva, a decisão judicial que indefere liminarmente uma providência cautelar de suspensão da eficácia de acto administrativo intentada no âmbito ou para evitar a instauração de processo de execução fiscal, visto que, em face do disposto no artigo 52° da LGT, e no artigo 169° do CPPT, tal suspensão só opera mediante a prestação de garantia idónea no processo de execução fiscal, ou a dispensa da sua prestação, verificando-se os requisitos para tal. Mas ainda que assim não se entenda;

7. São requisitos das providências referidas no n° 6 do artigo 147° do CPPT, a prova do "fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária", destacando-se que o "fundado receio" se tem de reportar a uma lesão irreparável do próprio requerente, não bastando que seja para ele de difícil reparação, e a indicação pelo interessado da providência que pretende ver adaptada, a qual terá de ser adequada a afastar a lesão invocada;

8. O requisito do periculum in mora é transversal à concessão da tutela cautelar, quer no processo civil (artigo 362°, n° 1 do CPC), quer no contencioso administrativo (cf. artigo 120°, n° 1 alíneas b) e c) do CPTA) e tributário;

9. Com pertinência, a jurisprudência dos tribunais administrativos salienta que, para o decretamento da tutela cautelar, tem o tribunal de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações que, de outro modo, resultariam da demora do processo principal. Esse juízo judicial terá de ser baseado na análise de factos concretos que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, não uma mera conjectura, probabilidade e, menos ainda, desnecessária, ou até criada pelo próprio requerente. No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa;

10. Alega a Recorrente que o tribunal a quo errou na valoração da prova recolhida, por considerar não terem ficado provados os prejuízos irreparáveis, quando na verdade e na sua opinião se mostra alegado e provado através da inquirição das suas testemunhas: a) A incapacidade de se apresentar em concursos públicos e privados; b) A perda efectiva de clientes; c) O risco sério da perda de alvará; d) A perda de capacidade de trabalho, pela redução do número de trabalhadores; e) A situação de insolvência, pela ausência de bens e incapacidade de prestar garantia;

11. Encontra-se porém provado nos autos, e a Recorrente não contesta, que só no final do ano de 2014 é que esta foi notificada da decisão final de apuramento oficioso e só no final do mês de Janeiro de 2015 é que foi notificada para proceder ao pagamento voluntário da dívida, pelo que não se compreende como pode a Recorrente pretender que o decaimento de 50% nos lucros, verificado até Maio de 2015, é consequência directa da decisão do Requerido, tanto mais que a Recorrente é uma empresa de construção que assume empreitadas cuja duração, face à natureza da actividade, há-de ser mais ou menos prolongada, pelo que, resultando os lucros da empresa do pagamento, pelos clientes, das facturas que lhes forem apresentadas, e resultando estas, sem prejuízo dos pagamentos antecipados, do trabalho efectivamente realizado, nunca poderia a decisão da Segurança Social, conhecida em final de Janeiro de 2015, ter reflexos na facturação de Janeiro a Maio de 2015;

12. Acresce que só a partir de Março de 2015 é que, segundo prova recolhida, a Recorrente necessitou de nova certidão da Segurança Social que atestasse a regularidade contributiva da empresa;

13. A decisão alegadamente tomada pelos clientes da Recorrente - de não voltarem a contratar com a empresa - também não pode ser assacada ao acto de liquidação, considerando que o mesmo foi notificado exclusivamente à interessada, daqui resultando que, se a decisão se tornou pública, inclusivamente a nível internacional, trata-se de prejuízo a que a Administração é absolutamente alheia e que não decorre directamente do acto impugnado. Finalmente,

14. Alega a Recorrente que, após a prolação da decisão da Segurança Social, viu­ se obrigada a incluir menção, nas contas da empresa, à dívida de vinte e dois milhões de euros e que, como as contas são depositadas, o mercado ficou conhecedor da situação financeira da empresa. Mas a instâncias do tribunal a testemunha P. reconheceu que essa menção que, segundo alega a Recorrente, contribuiu decisivamente para a perda de confiança na empresa por parte dos accionistas e dos clientes, resultou de decisão gestionária, tomada com base num parecer jurídico que sustentou o risco elevado de procedência da impugnação judicial da decisão de liquidação oficiosa;

15. A recorrente também não logrou demonstrar a impossibilidade de prestação de garantia, dado encontrar-se provado que a empresa contactou um único banco e que não encetou diligências junto dos accionistas, por ter assumido de imediato que o risco era muito elevado e que os accionistas só põem dinheiro quando acham que o vão reaver;

16. Concluindo-se que os prejuízos invocados pela Recorrente não decorrem do acto de liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social, mas da actuação da própria Recorrente, que se colocou na situação em que se encontra, quer por ter provocado, com a instauração da presente providência cautelar, uma paralisação infrutífera do procedimento administrativo, quer por ter assumido, por decisão gestionária e ainda que pugnando pela legalidade da sua actuação, a dívida em causa como um facto consumado, seja em termos contabilísticos, seja perante os respectivos clientes e até perante os accionistas.

Concluindo-se que, decidindo como decidiu, a douta decisão recorrida não merece reparo, pelo que o presente recurso deverá improceder.”


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“A) Por ofício datado de 2014.12.22, constante de fls. 272 dos autos (numeração do processo físico) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a Requerente foi notificada do teor da decisão final do Relatório da Fiscalização elaborado pelo Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização de …, Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Setor de …, do ISS, IP, de 2014.12.19, elaborado na sequência de ação inspetiva realizada ao abrigo do Proave nº 2…;

B) No Relatório da Fiscalização elaborado pelo Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização de …, Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Setor de …., do ISS, IP, em 2014.12.19, constante de fls. 272-v a 291 (numeração do processo físico) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, os Serviços de Inspeção concluíram pela falta de declaração à Segurança Social dos abonos designados por “Complemento de Destacamento no Estrangeiro (AC) ” e “Ajudas de Custo Estrangeiro” e na omissão de contribuições devidas no montante global de € 22.014.242,45, relativamente ao período compreendido entre janeiro de 2011 e abril de 2014;

C) Sobre o relatório identificado na alínea anterior a Diretora do Núcleo, em 2014.12.19, exarou despacho, constante de fls. 272- v dos autos (numeração do processo físico), do qual se transcreve:
a. Concordo, ao abrigo doas competências subdelegadas que me foram conferidas pelo despacho nº …/14 do D.U.F….. publicado no DR 2ª Série, nº …, de 2014…..30;
b. Proceda-se em conformidade com o proposto;

D) Do ofício datado de 2015.01.22, constante de fls. 293 a 293- v dos autos (numeração do processo físico) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:

i. Fica V. Exa. por este meio notificado que, nos termos do disposto nos artigos 152º e 154º CPA e nº 1 do artigo 29º e artigo 30º do Decreto Regulamentar nº 1-A/2011, de 3 de Janeiro, na sequência de ação inspetiva realizada ao abrigo do Proave nº 2… e da decisão de liquidação de contribuições proferida nessa sede pela Unidade de Fiscalização … – Setor de …, foram registadas oficiosamente as Declarações de Remuneração relativas aos períodos de 2011.01.01 a 2014.04.30, a que correspondem omissões nas contribuições/quotizações devidas no montante total de € 22 014 242,46 (… ) acrescidas dos respetivos juros calculados à taxa legal;
ii. Assim, dispõe do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento voluntário das contribuições apuradas e respetivos juros calculados à taxa legal, a contar da data de assinatura do aviso de receção, findo o qual, caso seja constatada a ausência de pagamento, será instaurado o competente processo de cobrança coerciva do débito apurado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 42/2001, de 9 de Fevereiro na redação atual;
iii.(…);

E) Em 2015.02.12, no Instituto da Segurança Social, IP, deu entrada reclamação da Requerente, contra o ato de liquidação oficiosa de contribuições, constante de fls. 298 a 347- v dos autos (numeração do processo físico), que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual termina pedindo a revogação da decisão de liquidação oficiosa de contribuições e o reconhecimento de que a conduta da Z. , na falta de declaração à Segurança Social daqueles abonos, não configura omissão de contribuições devidas no montante de € 22 014 242,46 relativamente ao período compreendido entre Janeiro de 2011 e Abril de 2014;

F) Em 2014.02.10, o Banco …, Centro de Empresas do Alentejo, comunicou à Requerente não ir emitir garantia bancária até ao montante de 31.3 M€ para garantir a atribuição de efeitos suspensivos relativo à notificação para pagamento da Segurança Social (cf. fls. 348 dos autos – numeração do processo físico);

G) A Requerente solicitou junto do Diretor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – …, a dispensa de prestação de garantia e suspensão da execução fiscal (cf. fls. 497 a 506 dos autos – numeração do processo físico);

H) Em 2015.02.23, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu entrada a presente providência cautelar (cf. fls. 3 do processo físico);

I) Por deliberação do Conselho Diretivo do ISS, IP, de 2015…..31, comunicada à Requerente por carta registada em 2015….22, o pedido de dispensa de prestação de garantia e suspensão da execução fiscal foi indeferido (cf. fls. 947 a 949 dos autos – numeração do processo físico), com fundamento no facto de não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos na lei para a dispensa de prestação de garantia;

J) A Requerente reclamou do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia (cf. fls. 1066 a 1069 dos autos – numeração do processo físico);

K) Sobre o requerimento identificado na alínea anterior ainda não foi proferida decisão (cf. fls. 1102 dos autos – numeração do processo físico);

L) Em 2015.04.30, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu entrada impugnação judicial das liquidações em causa (cf. fls. 957 a 1036 – numeração do processo físico);

b) Motivação

Os factos apurados resultam dos documentos e informações constantes do processo e do depoimento das testemunhas ouvidas que os confirmaram.
Relativamente ao depoimento da testemunha C. , sendo verdade que a mesma foi gerente da sociedade entre 2014.01.10 e 2014.09.29, comprovou não ser já gerente da sociedade, tendo prestado depoimento sobre factos em que interveio pessoalmente ou de que tinha conhecimento direto, pelo que podia ter sido admitida a prestar declarações, como o foi”.


*

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso e seguindo a ordem aí indicada, são as seguintes as questões que nos pedem que analisemos:

- se o Tribunal errou ao considerar o IGFSS parte ilegítima;

- se o Tribunal errou ao considerar a providência cautelar como meio não adequado para efectivar a pretensão da Recorrente - suspensão de eficácia do acto de liquidação emitido pelo ISS., I.P. no valor de €22 014 242,46.

- se o Tribunal errou ao ter concluído pela não demonstração da existência de um prejuízo irreparável, enquanto critério fundamental para a operabilidade da providência cautelar requerida (nesta questão vem já pressuposta a impugnação da matéria de facto a que, oportunamente, faremos referência).


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Vistas as questões que nos vêm dirigidas (tal como foram enunciadas pela Recorrente), avancemos.

Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo errou ao considerar o IGFSS parte ilegítima na acção, erro esse que é evidente se tivermos em conta que “se o intuito da presente providência é o de requerer a suspensão da eficácia do acto de liquidação, em especial na sua vertente executiva, e se de acordo com as disposições legais em vigor, o referido instituto é o órgão competente para iniciar o processo de execução fiscal para cobrança da alegada dívida de €22 014 242,46, não pode o mesmo, deixar de ser considerado como entidade com um interesse contraposto ao da Recorrente e, como tal, parte legítima na acção”.

Acrescenta a Recorrente que “uma vez ultrapassada, a questão da prova da legitimidade passiva do IGFSS, I.P., e ao contrário da decisão proferida, a Providência Cautelar interposta, apresenta-se para a Requerente como o meio adequado a efectivar os seus interesses”.

Vejamos, então.

Como resulta daquilo que ficou dito anteriormente, a presente providência cautelar visava, como requeridas, duas diferentes entidades, a saber: o ISS - Instituto da Segurança Social, IP e o IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP.

O IGFSS suscitou, desde logo, a sua ilegitimidade por, em resumo, apesar de ser a entidade com competência em sede de execução de dívidas à Segurança Social, não existir ainda dívida em fase de cobrança coerciva.

Analisando a suscitada questão da ilegitimidade passiva, o Tribunal a quo veio a pronunciar-se nos seguintes termos que, no essencial, se reproduzem:

“(…)

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS, IP), veio defender ser parte ilegítima no processo. A legitimidade é um pressuposto processual que tem a ver com o interesse em demandar e se afere pela utilidade derivada do processo.

(…)

Como nos diz Jorge de Sousa quando não esteja em causa a aplicação de direito comunitário, a adopção de medidas cautelares está, em princípio, limitada aos casos em que possam ocorrer prejuízos irreparáveis, que se prevêem no nº 6 deste artigo 147º (… ).

(…)

Este nº 6 do artigo 147º do CPPT veio dar satisfação à exigência constitucional constante do nº 4 do artigo 268º da CRP, estabelecendo -se explicitamente que a tutela judicial efectiva que se garante abrange a adopção de medidas cautelares adequadas.

Ora, desde já diremos que a providência cautelar de suspensão de eficácia não é o meio processual adequado para impedir a instauração nem para suspender a marcha da execução fiscal.

O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção e constitui nulidade, de conhecimento oficioso: artigo 193º e 196º do Código de Processo Civil (n CPC).

Entretanto, o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a Acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar: artigo 581/3 do nCPC.

O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção.

(…)

Na verdade, trata-se aqui de um meio cautelar de suspensão de eficácia de atos administrativos, isto é, um meio destinado a travar a eficácia de ou ato inserido em procedimento da Administração.

Ora, a Requerente veio pedir a dispensa de prestação de garantia e a não instauração do processo de execução fiscal.

Contudo, o processo de execução fiscal não integra nenhum procedimento administrativo. É um processo judicial – artigo 103. ° LGT. Um processo em que o órgão de execução fiscal participa praticando os atos materialmente administrativos sob a tutela do juiz da execução que poderá avocar o processo, intervindo sempre que tal se revele necessário para resolver alguma questão de cunho jurisdicional.

Depois: a suspensão da execução fiscal só é admissível nos casos expressamente consignados na lei (artigos 52. ° LGT e 85/3, 169. °, 172. ° e 180. ° CPPT). E, o artigo 85/3 do CPPT proíbe a concessão de moratórias e a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei .

Assim, a possibilidade de suspensão da execução (… ) é incompaginável com o interesse público subjacente ao processo de execução fiscal, que exige que não seja suspensa a execução com o consequente diferimento da satisfação dos créditos, cuja cobrança é de interesse público, sem uma comprovação da existência real de razões que possam justificar a suspensão.

A tal obsta, como vimos, o artigo 85º CPPT, como afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, que proíbe à Autoridade Tributária e Aduaneira e outras entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos, retardar a cobrança de impostos.

Como ensina Jorge de Sousa , no artigo 169º estabelece-se um regime especial para a suspensão de atos de liquidação de dívidas susceptíveis de serem cobradas através de processo de execução fiscal que opera imediata e oficiosamente, sem um procedimento cautelar de concessão e independentemente da verificação do requisito da existência e receio de prejuízo irreparável, que é feita no artigo 147/6 CPPT.

Ora, tratando-se de um regime especial, está afastada a aplicabilidade do regime do artigo 147/6 CPPT à suspensão de eficácia de atos de liquidação de dívidas cobradas através de processos de execução fiscal: todavia, a Requerente já solicitou a dispensa da prestação de garantia junto do ISS, IP , que pende de decisão.

Certo é que se e quando for instaurado o processo de execução fiscal, as questões relativas à suspensão têm de ser suscitadas e resolvidas, em primeira linha, perante a entidade que o dirige, sendo, pois, nesse mesmo processo que devem apreciar-se e decidir-se todas as questões que se coloquem, sem prejuízo da intervenção que ao Juiz é atribuída pela lei.

Em suma: a providência cautelar de suspensão de eficácia não é o meio processual adequado para suspender a execução fiscal e não é de convolar a petição inicial em requerimento dirigido à Segurança Social, por já ter havido idêntica solução anterior, pendente.

Tem, pois, que ser dada razão o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, antes do mais, por erro insuprível na forma do processo”.

Ora, é contra o assim decidido que se insurge a Recorrente nas duas primeiras questões que atrás autonomizámos.

Vejamos, então.

Lida e relida a sentença, não se afigura imediato o seu alcance quanto à questão da ilegitimidade passiva do IGFSS e, bem assim, do erro na forma do processo, tanto mais se, ao que ficou transcrito, acrescentarmos que, apesar deste entendimento, ainda assim o Tribunal avançou para a análise da providência requerida, logo adiantando que “a falta de identificação e densificação dos efeitos ditos irreversíveis conduziria, de resto, ao indeferimento da providência mesmo que fosse de prosseguir como providência cautelar de suspensão de eficácia regulada pelos artigos 112.° e seguintes do CPTA”. Foi, aliás, depois de analisar o mérito da providência que na sentença recorrida se concluiu pelo “indeferimento do decretamento da mesma contra o Instituto da Segurança Social IP”.

Importa, pois, antes do mais, interpretar a sentença para partirmos de uma base segura quanto ao decidido, tendo presente que na interpretação das decisões judiciais, que constituem verdadeiros actos jurídicos, devem observar-se os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos 9º e 236º do Código Civil, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação.

Ora, sem nunca afirmar expressamente que o IGFSS é parte ilegítima na acção, o Tribunal a quo veio a concluir pela sua absolvição, por erro na forma do processo. É visível, do nosso ponto de vista, alguma confusão estabelecida entre os argumentos que foram invocados pelo IGFSS quanto à sua ilegitimidade (concretamente, a circunstância de, no momento em que foi requerida a providência, não ter sido ainda instaurado o processo executivo e, bem assim, as considerações quanto às atribuições do IGFSS em matéria executiva) e a excepção correspondente ao erro na forma do processo. Para além do mais, e como já se disse, apesar de concluir pelo erro na forma do processo, o Tribunal avançou para a análise do mérito da providência, deixando claro, porém, que tal análise e decisão apenas abrangia o ISS e não já o IGFSS.

Vejamos, então.

Parece-nos medianamente claro que nenhuma questão de (i)legitimidade passiva quanto ao IGFSS, uma das entidades contra quem foi requerida a adopção das medidas cautelares acima identificadas, se pode colocar, como tentaremos demonstrar.

Tenhamos, desde já, presentes os artigos 9º do CPPT, 30º do CPC e 10º do CPTA, todos respeitantes à legitimidade.

Destaca-se, desde logo, o disposto no artigo 30º do CPC, devendo ter-se presente que o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, interesse este que se exprime pelo prejuízo que advenha da procedência da acção e, bem assim, que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como configurada pelo autor.

Por outro lado, temos que o IGFSS, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 42/2001, de 9/02 e, bem assim, da alínea d) do nº3 do artigo 3º do DL 84/2012, de 30/3, é o órgão competente para a instauração e instrução dos processos de execução por dívidas à Segurança Social, assentando tal instauração nas certidões de dívida geradas pelas entidades credoras, instituições do sistema de solidariedade e segurança social.

Tendo isto presente, podemos dizer, desde já, que a legitimidade é o pressuposto processual através do qual a lei circunscreve os sujeitos de direito aptos a participar em cada processo judicial.

A verificação de tal pressuposto, como decorre da lei, deve ser aferida nos exactos termos em que o autor, no articulado que dirige ao Tribunal, configurou a relação material controvertida, gozando de legitimidade passiva a outra parte nesta relação; isto mesmo resulta do citado artigo 30º do CPC. Ao autor, nestes termos, cumpre chamar a Tribunal, como réu, aquele que alegadamente esta posicionado, por referência à relação material controvertida, na posição contrária à sua (ou, se quisermos, contraposta à sua).

Como se afirma no acórdão do TCA Norte, de 25/05/12 (processo nº 1505/09.3BEBRG) “A titularidade e, consequentemente, a legitimidade deverá ser aferida, pois, pelas afirmações do A. na petição inicial, pelo modo como este unilateral e discricionariamente entende configurar o objeto do processo, sem que na determinação das partes legítimas se deva ter de aferir em função da efetiva titularidade da relação material controvertida existente, tomada de forma provisória como objetivamente existente com a configuração que vier a resultar das afirmações do A. e do R., confirmadas pela instrução e discussão da causa. (…) Nesta sede o preenchimento do requisito da legitimidade processual (entendido como condição para a obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa e não como uma condição de procedência da ação) não exige a verificação da efetiva titularidade da situação jurídica invocada pelo A. porquanto se basta com a alegação dessa titularidade. Na verdade, a legitimidade constitui um pressuposto processual e não uma condição de procedência, pelo que os problemas que se suscitam em torno da existência da relação material controvertida prendem-se com o fundo da pretensão ou mérito da mesma e nada tem que ver com a definição da legitimidade processual dos sujeitos intervenientes num processo”.

Por conseguinte, para decidir sobre a legitimidade passiva do IGFSS, é suficiente a indicação de um circunstancialismo fundamentado na alegação, pelo Autor, de factos dos quais decorre um interesse do IGFSS em contradizer a posição daquele, ou seja, pela utilidade que resulta de contrariar o prejuízo que ocorrerá na esfera do Réu em face da procedência da acção.

No caso, tal como a acção vem delineada, parece-nos claro que, como diz a Recorrente, sendo o IGFSS a entidade com competência em sede de execução de dívidas à Segurança Social, que o mesmo tem interesse em defender-se face ao que vem pedido, concretamente a dispensa de prestação de garantia e a suspensão da execução fiscal.

E note-se que este entendimento, no que à legitimidade passiva respeita, não sai beliscado pela circunstância (alegada pelo IGFFS) de, aquando da interposição da providência, não ter sido instaurado processo de execução fiscal, pois que, como é sabido, nos termos do artigo 169º do CPPT, o pedido de suspensão da execução fiscal (com prestação de garantia ou mediante a sua dispensa) pode ocorrer ainda antes da instauração da execução fiscal.

Por conseguinte, dúvidas não restam que o IGFSS é parte legítima na presente acção.


*

Segue-se a questão colocada quanto ao erro na forma processual.

Já atrás deixámos devida nota daquele que foi o discurso argumentativo seguido pela sentença a este propósito, tendo ficado dito, também, que não obstante se ter julgado o erro na forma do processo, a Mma. Juíza a quo prosseguiu com a análise da providência cautelar, tendo apreciado o mérito da mesma, indeferindo o requerido.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Tenhamos, desde já, presente o teor do artigo 147º, nº6 do CPPT, nos termos do qual “O disposto no presente artigo (leia-se, relativo à intimação para um comportamento) aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida”.

Como salienta J. Lopes de Sousa, in CPPT anotado, 6ª edição, Áreas editora, Vol. II, pág. 595, “sendo este nº 6 do art. 147º uma norma especial sobre a tutela cautelar no contencioso tributário, não há uma lacuna de regulamentação, quanto aos requisitos da adopção de providências cautelares no contencioso tributário, pelo que não é viável recorrer aos critérios previstos no CPTA, pois que são de aplicação meramente subsidiária (…)”.

A propósito da temática que nos ocupa, deixou-se dito no acórdão deste TCA Sul, de 24/07/14 (processo nº 7793/14), que “em sede de contencioso tributário, a possibilidade de dedução de providências cautelares tem consagração específica na lei, mais exactamente no artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário. Os termos em que estas providências são admitidas revelam-se manifestamente exíguos, pois abrangem apenas os casos em que se esteja perante situação de fundado receio de uma lesão irreparável para o requerente, o qual tem o ónus de invocar e provar tal condição, sendo que o prejuízo irreparável se deve reportar ao próprio requerente da adopção das medidas. No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7164/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.592 e seg.)”.

Ainda fazendo uso das palavras de J. Lopes de Sousa, na obra e págs. citadas, poderão ser considerados factos geradores de prejuízos irreparáveis, por exemplo, a paralisação da actividade comercial de uma empresa, desde que se comprove que tenha como consequência a perda de clientela, o dispêndio de quantias cujo pagamento seja susceptível de afectar significativamente a estrutura económico-financeira de uma empresa, os prejuízos sofridos por quem não tem outros meios de assegurar subsistência e os que provoquem uma diminuição apreciável do nível e da qualidade de vida do requerente ou a satisfação das suas necessidades básicas.

No caso concreto, importa relembrar, a pretensão da Requerente dirige-se ao acto tributário de liquidação de contribuições à Segurança Social, ou melhor, à paralisação dos efeitos da execução desse acto de liquidação. Especificando, pretende a Requerente que a Segurança Social se abstenha, perante o não pagamento voluntário das importâncias liquidadas, de instaurar um processo de execução fiscal ou que suspenda a execução (caso o processo tenha sido instaurado), mediante a concessão de dispensa de garantia que também requer.

Estamos, pois, perante um caso especial do próprio contencioso tributário que se prende com a suspensão da eficácia de acto que determina o pagamento de uma quantia, isto é, de um tributário de liquidação.

Importa evidenciar que no caso particular deste tipo de actos – e, sublinha-se, no que ao contencioso tributário respeita - o artigo 169º do CPPT, sob a epígrafe “Suspensão da Execução. Garantias”, prevê um regime que não difere da medida cautelar consagrada no artigo 120º, nº 6 CPTA, concretamente quando em causa está um acto administrativo do qual decorre o pagamento de uma quantia certa, sem natureza sancionatória. Com efeito, nestes casos, de acordo com o CPTA, as providências cautelares são adoptadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.º 1 do mesmo artigo 120º (leia-se, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente) se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.

Ora, o artigo 169º do CPPT, como dizíamos, prevê, desde logo, um regime especial para a suspensão de actos de liquidação de dívidas cobradas através de processo de execução fiscal, que opera imediata e oficiosamente, sem necessidade de recurso ao 147º, nº 6 do CPPT para obter a suspensão dos efeitos da liquidação. Na verdade, desde que a legalidade da dívida tenha sido sindicada e tenha sido prestada garantia, a execução fiscal fica imediata e oficiosamente suspensa.

Por seu turno, da conjugação do CPPT e da LGT, concretamente dos artigos 170º e 52º, nº4, respectivamente, decorre a possibilidade de o contribuinte requerer à Administração Tributária a dispensa de prestação da garantia (com a consequente suspensão da execução fiscal), na hipótese, além do mais, da prestação da mesma lhe causar prejuízo irreparável, quando a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, pedido esse que deve ser decidido em 10 dias após a sua apresentação. Do indeferimento de tal pedido poderá o interessado lançar mão da reclamação prevista no artigo 276º do CPPT, aí obtendo uma decisão jurisdicional de controlo da legalidade do acto praticado pela Administração Tributária. Note-se que, nestas circunstâncias, tal reclamação assumirá um carácter urgente, sendo claro que na pendência do pedido dirigido à Administração e da reclamação judicial que se seguir o órgão da execução fiscal não poderá prosseguir com o processo de execução fiscal.

Por outro lado, nos termos em que o actual artigo 169º, nº2 do CPPT se mostra redigido é possível, perante o não pagamento de uma liquidação dentro do prazo fixado para tal, o contribuinte antecipar o pedido de suspensão da execução fiscal, com prestação de garantia ou mediante a sua dispensa, para momento anterior à apresentação do meio escolhido para sindicar a legalidade da liquidação, pedido este que, no limite, pode até ocorrer em momento em que a própria execução fiscal ainda não tenha sido instaurada. Com efeito, entende-se que o artigo 169º, nº 2 do CPPT não pode deixar abranger a dispensa de garantia, já que, para efeitos de suspensão da execução fiscal, o legislador faz equivaler a prestação de garantia à sua dispensa.

Por conseguinte, diremos que o CPPT (e a LGT) prevê um regime especial, através do recurso à via administrativa e judicial, que consagra a possibilidade de obter, com a celeridade apontada, a dispensa de garantia e a consequente suspensão da execução fiscal. Mais se faz notar que, como já se disse, tal suspensão é ainda possível antes mesmo da apresentação do meio de reacção à legalidade da dívida, mesmo que a execução fiscal não tenha ainda sido instaurada.

Daí que, do nosso ponto de vista, os pedidos formulados de dispensa de prestação de garantia e de suspensão da execução fiscal não encontrem acolhimento no meio previsto no artigo 147º, nº6 do CPPT, não se vislumbrando a justificação para fazer intervir a tutela cautelar.

De resto, que assim é, a Recorrente não desconhece, resultando, aliás, dos factos provados que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado à Segurança Social, tendo sido indeferido e tal indeferimento foi judicialmente sindicado (cfr. pontos G, I e J).

Cabe ainda dizer que o entendimento aqui adoptado não é contrariado pela alegação da Recorrente no sentido de que o mesmo resultaria em “obrigar os particulares a um formalismo ritualista que, ademais, agravaria o risco imposto pelos actos com impacto negativo na esfera dos particulares, impossibilitando-os de beneficiar das vantagens de evidente celeridade, antecipando a decisão que decorreria da administração, concedendo-lhe a possibilidade de ver a mesma ser antecipada logo para o processo de impugnação da decisão principal, em vez de ficar a aguardar o processo acessório de controlo da decisão relativa ao pedido de dispensa da prestação de garantia; ou que tal é obrigar a Recorrente a “aguardar uma decisão definitiva do pedido de dispensa de prestação de garantia bancária para poder recorrer aos Tribunais”, com isto negando “o acesso à justiça”.

Já vimos, pelo enquadramento feito anteriormente, que as vias especialmente previstas na lei para obtenção dos efeitos pretendidos pela Recorrente de modo algum comprometem o acesso à justiça ou o acesso à mesma em tempo útil, não apenas pela celeridade prevista para as decisões a proferir no âmbito dos artigos 170º e 276º do CPPT mas, também, porque a Administração Tributária estará impedida de avançar com a execução fiscal enquanto a decisão da dispensa de garantia não se tornar definitiva.

Contudo, sem prejuízo daquilo que ficou dito, nem por isso este Tribunal pode concluir, com a sentença recorrida, que se verifica a nulidade insuprível correspondente ao erro na forma do processo.


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É que, há que ponderar que, a par dos pedidos de dispensa de prestação da garantia e de suspensão da execução fiscal, a Requerente, ora Recorrente, formulou outro pedido, ou seja, a adopção de uma outra medida cautelar, concretamente a “abstenção da Entidade Requerida de ordenar a instauração do processo de cobrança coerciva da decisão supra referida, ou caso a mesma já tenha entretanto sido ordenada”.

Ora, o que atrás ficou dito sobre a previsão de específicos meios destinados a obter a satisfação dos pedidos formulados, não tem aplicação no caso desta concreta medida requerida. E, assim sendo, não pode afastar-se, por inadequação do meio, o uso da providência cautelar de que a ora Recorrente lançou mão.

Razão pela qual não se acompanha o decidido quanto à verificação da nulidade insuprível consistente no erro na forma do processo. Equivale isto a dizer, no caso, na exacta medida do que afirmámos, que a Recorrente tem razão quando sustenta que não há erro na forma do processo.


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No entanto, e sem necessidade de considerações muito aturadas, há algo que desde logo resulta evidente e que inevitavelmente condena ao fracasso a pretensão da Requerente.

É que, como bem se percebe, na economia dos autos, por si só, a mera instauração (ou a ordem de instauração) da execução fiscal, em consequência do não pagamento voluntário da obrigação liquidada, não implica (nem pode implicar) qualquer prejuízo irreparável ao contribuinte.

Como é evidente, o prejuízo irreparável pode advir da obrigatoriedade de prestar uma garantia com vista à suspensão da execução mas não, na nossa opinião, da mera (ordem de) instauração da execução fiscal.

Note-se, aliás, que a Requerente nunca afirma que a instauração da execução fiscal seja ilegal e que, por isso, não deve verificar-se. O que a Recorrente sustenta, repete-se, é que da mera instauração da execução fiscal resulta um prejuízo irreparável, sendo que, quanto a nós, tal prejuízo irreparável está incontornavelmente afastado como resultado directo e imediato da instauração da execução, nos termos já expostos.

Acresce que, a pretensão da Requerente, ora Recorrente – repete-se, que a Requerida se abstenha de ordenar a instauração da execução - sempre esbarraria, do nosso ponto de vista, com o disposto no nº 3 do artigo 85º do CPPT, nos termos do qual se afasta a concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei e, bem assim, com o preceituado no nº 3 do artigo 36º da LGT, de acordo com o qual a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei. Tenha-se presente, ainda, que, nos termos do disposto no artigo 88º do CPPT, findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, pelos serviços competentes será extraída certidão de dívida, a qual servirá de base à instauração da execução fiscal (cfr. artigo 162º do CPPT).

Não se desconsidera que já tem sido colocada a possibilidade de a Administração Tributária se abster de instaurar a execução fiscal de uma liquidação judicialmente impugnada. Porém, esta possibilidade só admissível, por um lado, perante a prestação de garantia, e na hipótese de a impugnação judicial ter sido deduzida antes do termo do prazo de pagamento voluntário, ou seja, num momento em que, nos termos da lei, a execução fiscal ainda não podia ter sido instaurada. Neste sentido, afirma J. Lopes de Sousa, in obra citada, Volume II, pág. 175, em anotação ao artigo 103º do CPPT, a propósito do efeito suspensivo da impugnação judicial, que “… só poderá ser assegurada a não instauração do processo de execução fiscal, se a impugnação judicial for deduzida antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo, pois, findo este prazo, é extraída certidão da dívida para efeitos de instauração da execução (…)”.

Portanto, e retomando o que antes vínhamos dizendo, não se podendo vislumbrar qualquer prejuízo irreparável decorrente da actuação correspondente à instauração da execução fiscal e, como tal, não se descortinando este pressuposto básico da operatividade da tutela cautelar, tal como legalmente prevista, torna-se inútil, para estes efeitos, que nos debrucemos sobre o erro de julgamento da matéria de facto.

É que, com efeito, insiste-se, o mérito da pretensão requerida - e a concessão da pretendida providência - está desde logo comprometido, sendo manifestamente improcedente o requerido pela Recorrente.

Em conclusão, há que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso, negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a fundamentação aqui exposta.


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Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”. E nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, “[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

“É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento” Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236..

“A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes” Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236..

Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, “[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”. Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”

No caso em apreço, o valor da causa corresponde a € 22.014.242,46.

Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: “[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa”. [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14].

No caso presente, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.

Afigura-se-nos, pois, aplicável a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7, do RCP.

Lisboa, 31/03/16


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)