Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2541/15.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:TAXA MUNICIPAL POR ARMAZENAMENTO SUBTERRÂNEO DE PRODUTOS DE PETRÓLEO
Sumário:A taxa cobrada pela ocupação com o armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos) corresponde a uma contribuição financeira, sem suporte em norma legal de habilitação, pelo que enferma de inconstitucionalidade orgânica, nos termos referidos no Acórdão n.º 181/2019, de 20.03.2019, do Tribunal Constitucional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
P............ de P……..- P............, S.A. veio, na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação apresentada ao abrigo do artigo 16, nº4 da Lei nº53-E/2006, de 29 de Dezembro, deduzir impugnação judicial contra a liquidação de taxa municipal devida pela ocupação com o armazenamento de produtos petrolíferos (depósitos subterrâneos) e de ocupação dos solos com tubos com diâmetro até 125mm, que lhe foi efetuada pelo Município de Oeiras, por referência ao ano de 2015, no valor total de 6.623,04 EUR.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls.102 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 21 de Dezembro de 2017, julgou a impugnação judicial totalmente improcedente.
A impugnante interpôs recurso contra sentença, em cujas alegações de fls. 137 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), formulou as conclusões seguintes:
«A. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 21/01/2017, que veio julgar improcedente a impugnação intentada pela ora Recorrente, mantendo, por conseguinte, os atos de liquidação de taxas emitidos pelo Município de Oeiras, relativamente ao ano de 2015, a título de ocupação de “Armazenamento de Produtos de Petróleo (Depósitos Subterrâneos)”, no valor de € 2.565,36 e a título de “Ocupação do Subsolo com Tubos com diâmetro até 125 mm”, no valor de €4.057,68 , no valor total de € 6.623,04 (seis mil seiscentos e vinte e três euros e quatro cêntimos) – v. Doc. 1 junto à P.I. .
B. No entender da ora Recorrente, a douta sentença recorrida claudicou na interpretação e aplicação do direito, tendo errado no julgamento das questões de Direito quanto às taxas liquidadas a título de “Armazenamento de Produtos de Petróleo (Depósitos Subterrâneos)”, conforme pudemos explicitar supra.
C. Neste sentido, a douta sentença proferida merece censura, na parte em que julgou improcedente a impugnação quanto às taxas sobre os depósitos, requerendo-se desde já a V. Exas. a respetiva revogação parcial e substituição por outra, que anule os atos de liquidação agora em apreço.
D. Este entendimento foi sufragado pelo Venerando Tribunal Constitucional, no seu recente Acórdão 33/2018, de 31/01/2018, proferido no Processo n.º 497/17.
E. Dão-se como provados os factos assentes na Sentença Recorrida e que, aqui, expusemos.
F. O artigo 103.º Constituição exige que os impostos sejam criados por lei, não podendo ninguém ser obrigado a pagar impostos que violem as regras da Constituição, sendo que a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição prevê a reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República em relação aos impostos e ao regime geral das contribuições e das taxas.
G. Para que estejamos perante uma taxa e não um imposto/contribuição, que exigisse uma criação por lei, teríamos que ter um encargo criado pelo município exclusivamente tendo em vista:
a) A prestação concreta de um serviço público local;
b) A utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais; ou
c) A remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
H. não estamos perante qualquer utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais, pois os depósitos estão inseridos totalmente em propriedade privada da Recorrente, não se verificando qualquer das outras duas situações que consta da fundamentação do ato de liquidação, nem da fundamentação económico-financeira do tributo aqui em causa (ponto 5.38).
I. A situação existente no caso concreto – derivada da tributação de depósitos que estão situados em propriedade privada – leva assim, a que não se possa falar em taxa, mas se deva antes falar em imposto/contribuição, dado que as finalidades que poderiam justificar a existência de uma taxa carecem de um caráter sinalagmático e de uma mínima equivalência, que não se verificam.
J. Ora, tendo isto em consideração, entendemos, justamente, que a atuação levada a cabo pelo Município de Oeiras leva a que se frustrem os indispensáveis elementos caracterizadores da taxa, a saber, a sua bilateralidade e o seu carácter sinalagmático, assentes na equivalência entre o serviço concreto prestado ao sujeito passivo da taxa e o custo suportado pela entidade pública que prestou tal serviço e nenhuma destas situações aqui existe.
K. A circunstância de poder estar no nosso caso presumida uma fiscalização permanente por parte do município deixa sem resposta a existência de outras taxas igualmente fixadas no Tabela de Taxas e que são impostas à Recorrente enquanto detentora de um posto de abastecimento de combustível (cfr. arts. 20.º e 21.º/1, 2 e 3 Tabela de Taxas)!
L. Mesmo que se admitisse – o que não se concede– que o licenciamento anual de um posto de abastecimento de combustível tinha a justificação da presumida fiscalização periódica por parte do município que fundamentava a contrapartida e o sinalagma necessário à existência válida da taxa (como o faz o Acórdão de 316/2014, citado pela Sentença Recorrida), este raciocínio não pode ser pura e simplesmente transposto sem mais para o presente caso de taxação de depósitos subterrâneos incluídos no mesmo posto!
M. A pretendida – e criticável – presunção de fiscalização só pode estar incluída no licenciamento do próprio posto. Pretender que também está em simultâneo na taxação de cada um dos equipamentos existentes no posto seria um total absurdo!
N. No presente caso – mesmo na tese, em relação à qual não aderimos, do douto Acórdão de 2014 – não pode encontrar-se em alguma presunção de fiscalização a razão da contraprestação da taxa aqui em causa!
O. Nem igualmente em alguma ideia de “ocupação” do espaço público por reflexo, como foi julgado nos casos de publicidade… Estamos no presente caso, face a depósitos subterrâneos que nenhum impacto visual tem sobre a via pública!
P. Mas, mesmo que assim não se entendesse transcrevemos, os argumentos aduzidos pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão 33/2018, quanto a estas taxas sobre depósitos, não deixam espaço para qualquer tipo de dúvida
Q. É que a douta sentença recorrida sustenta-se exclusivamente em um outro douto acórdão do Tribunal Constitucional de 2014, cuja jurisprudência é totalmente revista por este recente douto acórdão 33/2018, que assim impõe uma revisão da posição adotada na questão aqui em analise.
R. Face ao exposto, que não deixa duvidas, pensamos que fica evidente a inconstitucionalidade e da norma aqui em causa e fica evidente que a antiga jurisprudência de 2014 não subsiste (até fica bem evidente da declaração de voto de uma Juíza Conselheira que havia subscrito o acórdão de 2014 e que agora inverte a sua posição).
S. Mas, se por ventura, aquilo que foi aduzido não bastar atente-se a SÉRGIO VASQUES – em douto Parecer que juntamos – a propósito da irrelevância conceitual das taxas de licença, permitindo chegar à conclusão de que a norma que prevê o tributo aqui em causa prevê um imposto ou, eventualmente, uma contribuição, nunca uma taxa!
T. E, também, quanto à previsão legal e aproveitamento efetivo, citámos SÉRGIO VASQUES, porquanto em tudo o acompanhamos e, continuando a seguir a doutrina de SÉRGIO VASQUES, o tributo ora aqui em causa, e aplicado, é ainda mais grave na medida em que não se verifica nenhum esforço para que àquele se possam associar qualquer tipo de prestações de fiscalização, verificando-se uma inação como prestação pública.
U. Até aqui vimos já como a jurisprudência do Acórdão de 2014 é totalmente criticável – como o recente Acórdão 33/2018 veio demonstrar.
V. Aliás, o juízo de constitucionalidade aí expresso não foi unânime, tendo, a decisão tomada, merecido a discordância de cinco dos treze Juízes Conselheiros, havendo vários votos de vencido que acompanhamos integralmente.
W. Mas não foi apenas SERGIO VASQUES que tomou uma posição critica face à jurisprudência de 2014, que agora foi secundado pelo próprio Tribunal Constitucional, foi Doutrina como a de SUSANA TAVARES DA SILVA ou a de ROCHA ANDRADE.
X. E, de tudo o que deixamos dito, parece-nos ficar evidente que no nosso caso concreto não existe aqui qualquer contraprestação ou bilateralidade, ficando, assim, evidente que estamos no nosso caso concreto perante verdadeiras e próprias “contribuições/impostos” e não “taxas”, não criadas por lei, logo sendo a norma aqui em causa inconstitucional, violando os artigos 103.º e 165.º da Constituição.
Y. Assim, por aplicação da jurisprudência deste douto Acórdão 33/2018 do Tribunal Constitucional, deve ser declarada inconstitucional a norma do regulamento aqui em causa, declarando-se, em consequência, nulo o ato de liquidação por falta de norma de habilitação.
Z. Mas, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que o Tribunal Constitucional, no Acórdão 33/2018, não deixou qualquer margem para duvida quanto à inconstitucionalidade destes tributos.
AA. E, não constituindo uma taxa, não importa a querela entre o regime das contribuições e o regime dos impostos. De facto, o mesmo Acórdão, à semelhança do que já acontecera com o Acórdão n.º 848/2017, isso mesmo veio afirmar.
BB. Mas mais, a Recorrente entende ainda que a norma constante do referido artigo 21.º, n.º4, viola os princípios da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, e da justiça - artigo 266º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que existe uma clara desproporcionalidade – um claro e irrazoável excesso – entre os custos e benefícios, bem como uma incerteza – que leva à arbitrariedade – sobre as pessoas (singulares ou coletivas) a quem aqueles custos podem ser imputados.
CC. E mesmo que houvesse alguma contrapartida no caso concreto – o que não admitimos e o Tribunal Constitucional, como ficou demonstrado com o seu recente acórdão sobre esta matéria, também não – a existência de uma desproporção manifesta e excessiva entre o valor da taxa e o custo/benefício do serviço que lhe está subjacente é suficiente para descaracterizar a taxa enquanto tal, submetendo-a ao regime jurídico-constitucional do imposto/contribuição.
DD. Na verdade, se hipoteticamente partíssemos do princípio que o tributo em questão é uma taxa, como tal sujeita ao princípio da equivalência relativamente ao seu montante, sempre se verificaria uma situação de desproporção manifesta entre o respetivo valor e o custo do serviço assegurado pela Recorrida.
EE. Mesmo admitindo-se – o que não se faz e o que o Tribunal Constitucional também não fez (Acórdão 33/2018) – que existia alguma bilateralidade na prestação de um presumido serviço de fiscalização ou na remoção de um obstáculo de âmbito ambiental pela atividade com relevo sobre o espaço público, o serviço teria sempre o mesmo custo independentemente dos m3 dos depósitos!!!
FF. A totalidade dos encargos que incidem sobre o proprietário dos postos de abastecimento de combustível é totalmente desproporcional.
GG. A Recorrente entende que admitir a norma de incidência tributária possa ser aplicada a depósitos que estejam somente em propriedade privada é manifestamente injusta, desproporcional e violadora do princípio da proibição do excesso.
HH. A relação entre a cobrança de uma taxa e a utilidade concreta prestada pela Administração não pode deixar de observar o princípio geral da proporcionalidade ou da proibição do excesso, de natureza constitucional, e que constitui um limite a toda a actividade da chamada “Administração de ataque” quando estão em causa valores e direitos fundamentais dos particulares, onde ganham especial relevância no Estado de Direito os valores da liberdade e da propriedade.
II. Perante a Doutrina Constitucional, também citada, decorre que o critério encontrado pelo Recorrido para fixar o montante das taxas a pagar, nos termos do artigo 21º, nº 4, baseando-se única e exclusivamente na mera existência de um depósito para armazenamento de produtos de petróleo, em m3, já de si constitui uma total desproporção, que compromete a correspondência que deverá sempre existir entre o serviço prestado (o licenciamento) e a utilidade que a entidade que explora os postos retira, desde logo porque se impõe uma taxa sem qualquer tipo critério através do qual se possa medir qual o concreto e efetivo beneficio que se visa alcançar para o interesse público – desde logo as fiscalizações não o são, porque podem nem sequer existir…
JJ. entendemos que se encontra verificada a inconstitucionalidade desta norma em que o Recorrido e o Tribunal a quo se baseiam para praticar e manter o ato de liquidação da taxa impugnada, pelo que, também por este motivo, se requer a V. Exas. que anulem a Sentença Recorrida, na parte em que faz improceder a impugnação das taxas que têm por base a norma contida no número 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas e respectivas fórmulas de cálculo que consta como Anexo I ao Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas do Município de Oeiras (Regulamento n.º 364/2012, publicado em DR, 2.ª Série, n.º157, em 14/08/2012, págs. 28716 a 28977).
KK. Sem prejuízo de tudo quanto já foi exposto, entende-se ainda que a norma aqui em causa, está na verdade a violar a liberdade de iniciativa económica da Recorrente: o Requerido não permite que a Recorrente goze da liberdade de estabelecimento que lhe é assegurada pela Constituição da República Portuguesa, sem qualquer restrição, uma vez que existem graves prejuízos para a própria eficiência económica da sua atividade.
LL. Isto é, a Recorrente decide abrir o seu posto de abastecimento de combustível, adquirindo para isso um terreno, que passa a ser seu de pleno direito e titulado com o maior dos direitos reais – o direito de propriedade. Contudo, esse estabelecimento da sua atividade naquele terreno é restringido pelo Recorrente, através da aplicação das taxas ora em crise.
MM. E note-se que a taxação de depósitos em propriedade privada implica também uma restrição abusiva à iniciativa económica privada proibida pela Constituição, enquanto restrição à liberdade de estabelecimento e de atividade da empresa privada – desde logo porque existe uma interferência por parte de uma entidade pública, no exercício da sua liberdade de iniciativa privada sem que para isso haja qualquer legitimação à luz do principio da proporcionalidade, único que o poderia fazer.
NN. Refira-se que esta intromissão dos poderes públicos é excessiva e não tem qualquer razão material suficiente, não sendo igualmente adequada aos fins públicos em vista de prover a um desincentivo da atividade, que só seria alcançado por outra via que não a de uma taxação por m3, em simultâneo com a taxação de toda a restante atividade económica aqui em causa.
OO. Face ao exposto, verifica-se que a norma aqui em causa viola também o artigo 61.º da Constituição.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, e nessa medida, a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada, sendo, por conseguinte, declarado nulo ou anulado o ato tributário em apreço, na parte relativa às taxas liquidadas a título de “Armazenamento de Produtos de Petróleo (Depósitos Subterrâneos)” por inconstitucionalidade da norma
regulamentar que a previa, como é de Lei e de Justiça!».
X
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A) Em 22.12.2014 o Município de Oeiras emitiu a liquidação devida pelo «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)», prevista no artigo 21.º, n.º 4, do Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas, referente ao ano 2015, no valor de € 2.565,36, apresentando a respetiva fatura o seguinte detalhe:
«Texto no original»

– cfr. doc. 1 junto à p.i.
B) Também em 22.12.2014 o Município de Oeiras emitiu a liquidação devida pelo «ocupação do subsolo com tubos de diâmetro até 125mm», prevista no artigo 30.º, n.º2, al. a), do Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas, referente ao ano 2015, no valor de € 4.057,68, apresentando a respetiva fatura o seguinte detalhe:
«Texto no original»

– cfr. doc. 1 junto à p.i.
C) A notificação das faturas/liquidações identificadas supra em A) e B) foi efetuada através do “Aviso/Recibo” n.º 67, emitido pelo Município de Oeiras, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde foi indicado, além do mais, o valor total a pagar, a respetiva data limite de pagamento voluntário (30.01.2015) – cfr. doc. 1 junto à p.i.
D) A Impugnante deduziu reclamação contra as liquidações identificadas supra em A) e B), a qual não foi objeto de decisão – por acordo e cfr. fls. 28 (verso) a 37 do suporte físico dos autos.
E) A 08.06.2015 foi deduzida a presente impugnação judicial – cfr. fls. 3 do suporte físico dos autos.
x
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa e que importe dar como provados ou não provados.
x
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.»
X

2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob escrutínio, quanto à questão da inconstitucionalidade do tributo liquidado no segmento relativo à taxa devida por ocupação com “armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)” (artigo 21.º/4, do Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas, relativo ao ano 2015).
A sentença julgou improcedente a impugnação da liquidação do tributo em causa, seja no que se refere à taxa devida por ocupação com “armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)” (artigo 21.º/4, do Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas, relativo ao ano 2015), seja por referência à taxa de “ocupação do subsolo com tubos com diâmetro até 125 mm”, prevista no artigo 30.º, n.º 2, al. a), do Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas, referente ao ano 2015.
Para assim proceder, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Assentando na fundamentação expendida nos citados Acórdãos - inteiramente aplicável no presente caso -, cabe então extrair duas conclusões. A um tempo, que as taxas previstas no Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de Novembro, não consomem a taxa criada pelo artigo 21.º, n.º 4, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Oeiras para o ano de 2015, uma vez que se reportam a contrapartidas diferentes. A outro tempo, que se verificam no presente caso razões bastantes para justificar a criação e cobrança desta última taxa, ao abrigo do terceiro fundamento previsto no artigo 3.º do RGTAL - como contrapartida da remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma actividade -, reforçado pelo princípio constitucional da autonomia patrimonial e financeira das autarquias locais. // Em suma e em conclusão: o tributo previsto no n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas e Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras para o ano de 2015, exigido pelo armazenamento de produtos de petróleo (combustíveis) em depósitos subterrâneos, tem, por um lado, contrapartida no aproveitamento pelo sujeito passivo do tributo da actividade fiscalizadora permanente e específica a que a exploração de depósitos de armazenamento de combustíveis obriga o Município de Oeiras, e constitui, por outro lado, prestação correlativa da remoção de um obstáculo jurídico ao desenvolvimento dessa actividade pela Impugnante. Razões que, de forma cumulativa e ao abrigo do disposto no artigo 3.º do RGTAL, determinam a qualificação deste tributo como taxa.” (fim da transcrição). // Em consequência, no caso ora em apreço, como naquele que se trouxe à colação, improcede o vício de inconstitucionalidade que a Impugnante imputa às taxas cuja liquidação vem impugnada, por alegada violação do princípio da legalidade fiscal, bem como da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, previstos, respetivamente, no n.º 2 do artigo 103.º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, valendo os fundamentos expendidos de igual modo para ambas as taxas em apreço nos autos, ou seja, e dito de outro modo, os fundamentos que conduzem à improcedência da invocada inconstitucionalidade da taxa devida por ocupação do domínio público com “armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)” são os mesmos que conduzem à improcedência da mesma alegação em relação à taxa de “ocupação do subsolo com tubos com diâmetro até 125 mm”, esta prevista no artigo 30.º, n.º 2, al. a), do Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas, referente ao ano 2015».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Considera, em síntese, que a tributação do armazenamento subterrâneo de produtos de petróleo, em área sob domínio da interessada, constitui um imposto, pelo que a cobrança do tributo, com base em regulamento municipal, mostra-se inquinada de inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva de lei da Assembleia da República (artigo 165.º/1/i), da CRP).
Apreciação.
Recorde-se o teor do preceito do artigo 21.ºda Tabela de Taxas e Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras para o ano de 2015 (Edital 386/2014), e em particular, do seu n.º 4,
«Texto no original»

A este propósito, cumpre referir que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 181/2019, de 20.03.2019, proferido pelo Plenário, teve ocasião de declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma do artigo 21.º/4, do Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas, de 2012, cujo conteúdo é idêntico ao que está em causa nos autos.
Aí se consignou a orientação seguinte:
«A desagregação da «unidade de abastecimento de combustível» em diversos componentes, sobre os quais incidem tributos autónomos, torna inviável a transposição para este caso dos fundamentos do Acórdão n.º 316/2014. Com efeito, quer o dever de fiscalização municipal da atividade, quer a obrigação de suportar os respetivos inconvenientes, reportam-se necessariamente à unidade funcional constituída pelas diversas partes. O dever de fiscalização do município tem por pressuposto a instalação e por referente a operação de um posto de abastecimento de combustível, e não de qualquer parte específica do mesmo, como uma bomba, uma tomada ou um depósito. E a interferência no gozo de determinados bens públicos, nomeadamente ambientais e urbanísticos, decorre da unidade de abastecimento, sem que seja possível discernir o contributo relativo de cada componente para esse efeito. Não é absurdo presumir que os custos administrativos da fiscalização municipal e da obrigação de suportar a atividade cresçam na proporção da dimensão da unidade de abastecimento, seja ela definida em termos de área ocupada ou de número de equipamentos do mesmo tipo; mas já é arbitrária e ininteligível a segregação e quantificação de diversas partes integrantes da unidade, como seria a atribuição de importância relativa a cada família de instrumentos musicais numa orquestra sinfónica, a decomposição do preço de um bilhete de teatro pelas várias personagens da peça ou a quantificação do contributo para a saúde individual de cada um dos órgãos do corpo humano. Não há, na verdade, nenhuma prestação administrativa, ainda que meramente hipotética, específica e comprovadamente associada à componente «depósitos subterrâneos» de uma unidade de abastecimento de combustíveis. Na medida em que pretenda revestir forma comutativa, um tributo com tal incidência objetiva não pode deixar de se ter por arbitrário; a prestação administrativa não chega a ser presumida, sendo simplesmente ficcionada. // Esta conclusão é reforçada pela análise da «fundamentação económico-financeira» incluída na TTMO. Segundo a mesma, o tributo tem dois fundamentos: «o benefício obtido com a ocupação de um espaço público» e o «objetivo de racionalizar a proliferação destas ocupações». // Quanto ao primeiro – a ocupação de um espaço público –, é manifesto que não se aplica aos casos em que os equipamentos estão situados em propriedade privada (ou, pelo menos, em propriedade não-municipal), sendo certo que o regime do tributo nem sequer distingue uns e os outros casos para efeitos de determinação dos montantes a pagar. Isto, está claro, se por «espaço público» não se entender qualquer espaço, independentemente da sua titularidade, «aberto ao público»; mas tal conceito não tem qualquer conexão relevante com o de prestação administrativa aproveitada ou causada pelo sujeito passivo da relação tributária, pelo que é, por essa razão, insuscetível de traduzir a comutatividade própria das taxas. // Quanto ao segundo fundamento – a racionalização da atividade –, trata-se do que habitualmente se designa de «objetivo extrafiscal», no sentido em que um tributo é criado, não com o propósito exclusivo de angariar receita, mas com o fito de dissuadir a aquisição de determinados bens ou o ingresso em determinadas atividades reputadas indesejáveis ou lesivas de interesses difusos. Ora, um tributo cuja finalidade exclusiva é a de orientar comportamentos não é, por definição, um tributo comutativo, visto que não é cobrado como contrapartida de uma prestação administrativa aproveitada ou provocada pelo sujeito passivo. // Impõe-se, por estas razões, a conclusão de que o tributo sobre o «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)», criado pelo n.º 4 do artigo 21.º da TTMO, não constitui uma taxa.
8. Firmada a conclusão de que o tributo aqui apreciado não é uma taxa – por lhe faltar a qualidade essencial da comutatividade –, pode o mesmo, ainda assim, constituir uma contribuição e não um imposto. De facto, encontra-se perfeitamente estabilizada na jurisprudência do Tribunal Constitucional posterior à revisão constitucional de 1997 a conceção tripartida e gradativa dos tributos públicos – por ordem decrescente de bilateralidade: taxas, contribuições e impostos –, sintetizada do seguinte modo no Acórdão n.º 539/2015: (…) // Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa. // Como sublinha Cardoso da Costa, a este propósito, por via dessa autonomização, o teste da bilateralidade, no sentido preciso que lhe era atribuído como característica essencial do conceito de taxa, deixou de poder ser sempre decisivo para resolver os casos duvidosos ou ambíguos quanto à natureza do tributo; e deixou de poder manter-se, também, a orientação jurisprudencial que tendia a qualificar como imposto, mormente para efeito da aplicação do correspondente regime de reserva parlamentar, as receitas parafiscais que não pudessem ser qualificadas tipicamente como taxas (…).» // Ora, atentas as diferenças de regime constitucional, em matéria de competência para a respetiva criação, entre contribuições e impostos, pode porventura pensar-se que a eventual qualificação do tributo em causa nos presentes autos como contribuição é suficiente para evitar o juízo de inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 21.º da TTMO. // Porém, tal conclusão revela-se inexata, pelas razões aduzidas no Acórdão n.º 848/2017, no qual o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas respeitantes à criação, pelo Município de Lisboa, da denominada Taxa Municipal de Proteção Civil.
Como se escreveu nesse aresto:
«[O] tributo em apreço encontra-se previsto exclusivamente num regulamento municipal habilitado por uma lei que apenas prevê a aprovação de taxas (o RGTAL). Deste modo, e tal como já afirmado no Acórdão n.º 581/2012, “[…] uma vez que inexiste qualquer outro diploma legal que contenha uma habilitação genérica para a aprovação pelos municípios de outro tipo de tributos, das duas uma: ou o tributo [em análise] se pode reconduzir ao conceito de «taxa» consagrado no citado RGTAL, e, por conseguinte, aquele preceito regulamentar não é inconstitucional; ou, diversamente, correspondendo o [mesmo] tributo a um «imposto» ou a uma «outra contribuição tributária com contornos paracomutativos», o mesmo preceito não poderá deixar de ser tido como incompatível com o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição […]”, designadamente por violação da reserva de lei parlamentar.
É certo que, no Acórdão n.º 539/2015, o Tribunal afastou a existência de uma reserva de lei parlamentar relativamente a toda a matéria das contribuições (“[c]onfiguram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum. Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado ao das taxas. O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”). // Porém, o regime das finanças locais continua a ser reservado à competência legislativa da Assembleia da República (artigos 165.º, n.º 1, alínea q), e 238.º, n.ºs 2 e 4), verificando-se que o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro) não prevê, sequer, as contribuições financeiras como receitas municipais – o que comprova, também por esta via, que o RGTPRML, na parte respeitante às normas em análise, e ainda que se pudesse entender que as mesmas contemplam uma contribuição financeira, teria invadido a reserva de competência da Assembleia da República.» // Segundo esta linha de argumentação, que aqui se reitera, é inútil decidir se o tributo em causa nos presentes autos constitui uma contribuição ou um imposto, na medida em que tal qualificação não interfere no juízo de que o Município de Oeiras invadiu a reserva parlamentar, viciando a norma do n.º 4 do artigo 21.º do TTMO de inconstitucionalidade orgânica».
Por seu turno, constitui jurisprudência fiscal assente a de que,
«Tendo o Tribunal Constitucional (TC), no acórdão n.º 181/2019, de 20 de março, em Plenário, decidido “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, da norma do n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais que consta do Anexo I ao Regulamento n.º 364/2012, de 11 de junho, do Município de Oeiras, com o sentido de que o metro cúbico de «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)» situado em propriedade privada é tributado no valor mensal de 5,09 euros.”, por imposição, decisiva, em primeira linha, do disposto no art. 282.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), qualquer liquidação de quantias com a sua cobertura, expressa, ainda que anterior à data da emissão dessa pronúncia do TC (“… é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” - art. 221.º da CRP), sofre os efeitos de a mesma haver sido declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, ou seja, não pode subsistir na ordem jurídica, por falta de conforto legal» [Acórdão do STA, de 28.04.2021, P.0120/14.4BESNT].
Do exposto se infere que o tributo em apreço, na medida em que se reconduz a uma contribuição financeira, sem suporte em norma legal de habilitação, enferma de inconstitucionalidade orgânica, nos termos referidos no Acórdão n.º 181/2019, de 20.03.2019, do Tribunal Constitucional, pelo que deve ser anulada com fundamento no vício de violação de lei.
Ao seguir entendimento diverso do explanado, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação, nesta parte.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte referida em 2.2.3., e julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto tributário, nessa parte.

Custas pelo recorrido, sem prejuízo da dispensa da taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto- Hélia Gameiro Silva)

(2º. Adjunto –Ana Cristina Carvalho)