Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:630/21.7 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
REJEIÇÃO LIMINAR
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
NÃO CONVOLAÇÃO
CASO DECIDIDO/RESOLVIDO
Sumário:I – No caso, a ilegalidade invocada na petição inicial de oposição é a ilegalidade atinente ao ato de liquidação de IRS, ilegalidade essa consubstanciada na falta de fundamentação para a desconsideração de determinados custos/ despesas para efeitos de cálculo da mais-valia.

II – Assim sendo, a causa de pedir não está em linha com o elenco taxativo dos fundamentos de oposição, nem com a pretensão do Recorrente, direcionada para a invalidade do imposto correspondente à dívida exequenda.

III – Verifica-se que a oposição à execução fiscal não é o meio processual adequado para a satisfação do pedido formulado pelo Oponente.

IV – O erro na forma de processo constitui uma nulidade processual de conhecimento oficioso pelo Tribunal, nos termos conjugados no disposto nos artigos 193º, 196º, 576º nº 2, 577º, alínea b), e 578º do CPC, aplicáveis ex vi, artigo 2º, nº 1, alínea e), do CPPT.

V -Em novembro de 2021 (mês em que foi deduzida a oposição), há muito que a liquidação adicional subjacente à dívida exequenda se mostrava definitivamente consolidada na ordem jurídica, o que inviabiliza que se equacione sequer a possibilidade de convolação da oposição em impugnação judicial.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

T…………………….com residência em Inglaterra, veio interpor recurso jurisdicional da decisão liminar proferida em 09/03/22 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé que, por falta de enquadramento da causa de pedir em qualquer uma das alíneas do n.º1 do art.º204.º do CPPT, rejeitou liminarmente a oposição que aquele deduziu à execução fiscal …………….250 que contra si foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Portimão, com vista à cobrança coerciva de dívidas de IRS, do ano de 2015, no montante de €6.829,65.

Nas suas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

«a) O Recorrente viu indeferida a Reclamação Graciosa que apresentou na sequência de, em 2018, lhe ter sido feita uma liquidação adicional de IRS/Mais valias imobiliárias relativas à venda de um prédio, ocorrida no ano de 2015, não obstante ter apresentado no Serviço de Finanças todos os documentos em que a sua declaração se baseou;

b) A liquidação adicional, não foi devidamente fundamentada, na medida em que se constatou que foi entendido pela AT que os valores das despesas não foram considerados na sua totalidade, o que determinou o alegado incremento do lucro tributável;

c) Nomeadamente a AT não discriminou os valores que entendeu não considerar, limitando-se a notificar o Recorrente que “no anexo G, quadro 4, campo 4001 da declaração de IRS, onde está o valor declarado de 102.462,15€, deveria constar o valor de 89.735,38€ e que no mesmo anexo, quadro e campo, onde está o valor declarado de 42.355,40€ deveria constar 35.875,27€;

d) Dada a falta de clareza, não se vislumbra qual a justificação para não terem sido consideradas as despesas que o Recorrente apresentou;

e) É certo que o Recorrente não deduziu recurso hierárquico que, à luz do disposto no nº1, do Artº 67º do CPPT, tem “natureza facultativa”;

f)Também se afigura que o mesmo pode ser considerado no que tange à impugnação judicial;

g) Acontece que foi instaurada contra o ora Recorrente execução fiscal, à qual este reagiu por meio de Oposição, invocando como fundamento o disposto na alínea i), do nº 1, do Artº 204º do CPPT e juntando à respectiva petição os documentos mais relevantes, comprovativos de todas as despesas realizadas que, aliás, tinha exibido perante a Técnica da AT incumbida de as analisar e que deveriam ter sido consideradas para efeitos de apuramento da matéria colectável e liquidação do tributo;

h) Não obstante, entendeu o Mmº Juiz que os fundamentos invocados não se enquadram no âmbito do estipulado no Artº 204º do CPPT e que na Oposição não cabe a “apreciação da legalidade da liquidação em cobrança coerciva”;

i) Em consequência decidiu rejeitar liminarmente a petição, com base no disposto no artigo 209.º, n.º1, alínea b), do mesmo diploma legal, invocando que não foi alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º;

j) Salvo o devido respeito e melhor opinião, apesar de, após o indeferimento da Reclamação Graciosa, o Recorrente não ter enveredado pela via Impugnação Judicial, ou pelo recurso hierárquico , não obsta a que a matéria seja apreciada em sede de oposição à execução, o que de resto não colide com o disposto na alínea i), do nº 1, do Artº 204º do CPPT, na medida em que o fundamento por si invocado não representa “ interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”.

k) Importa, ainda, referir que na douta sentença proferida não foi atendido o que “a contrario” se dispõe no nº 2, do Artº 209º do CPPT. Isto é, apesar da junção de documentos comprovativos das despesas que determinaram a declaração apresentada pelo ora Recorrente para liquidação de IRS, foi entendido que há fundamento para rejeição liminar da petição, invocando, para tal, o disposto no nº 1, do mesmo artigo.

l) Face ao que vem sendo alegado e ao mais de Direito que certamente será mui doutamente suprido, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Mmº Juiz de rejeitar liminarmente a petição, por alegada falta de fundamento, ordenando-se, em consequência, que os autos baixem à primeira instância para que prossigam os termos subsequentes e sejam aí objecto de julgamento, com apreciação de toda a prova produzida nos mesmos.

Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, será feita


JUSTIÇA!»

*


Não há registo de contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso e mantida a decisão recorrida.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A decisão recorrida, correspondente a uma decisão liminar, não autonomizou a factualidade subjacente à mesma, pelo que se deixa transcrito o seu teor integral.

Assim:

“T…………………… (doravante igualmente identificado como Oponente), possuidor do número de identificação fiscal de pessoa singular …………., com residência em 12 ……………….., Nottingham, …………….., Inglaterra, vem opor-se ao processo de execução fiscal n.º ………………….250, instaurado pelo Serviço de Finanças de Portimão para cobrança da quantia exequenda de € 6.829,65, referente a dívida proveniente de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano 2015.
Em síntese, alega que a liquidação adicional de IRS que originou a dívida exequenda deve ser anulada, por não estar devidamente fundamentada a decisão de correcção dos campos 401 do anexo “G” da declaração de IRS apresentada pelo Oponente.

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Por despacho datado de 9 de Novembro de 2021, foi oficiosamente suscitada a eventual existência da excepção de erro na forma de processo, por falta de fundamento enquadrável no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - cfr. fls. 218 dos autos, numeração SITAF.
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O Oponente, em sede de contraditório, defendeu que do indeferimento da reclamação graciosa apresentada mostra-se facultativo a interposição de recurso hierárquico ou a dedução de impugnação judicial, inexistindo motivos para a sua rejeição liminar – cfr. fls. 226 dos autos, numeração SITAF.
II. QUESTÃO PRÉVIA
DA EXCEPÇÃO DE FALTA DE FUNDAMENTO VÁLIDO DE OPOSIÇÃO
Foi suscitado, pelo Tribunal, que o Oponente não invocou nenhum fundamento válido de oposição, previstos no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao invocar a ilegalidade em concreto da liquidação do acto de IRS do ano 2015, motivo porque a oposição deve ser rejeitada liminarmente.
Defendendo o Oponente que a oposição apresentada se deve enquadrar na alínea i) do referido n.º 1 do artigo 204.º.
Vejamos.
Nos termos do artigo 204.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, apenas são fundamentos do processo de oposição à execução fiscal: “a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação; b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida; c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução; d) Prescrição da dívida exequenda; e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade; f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda; g) Duplicação de colecta; h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação; i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.”.
Por sua banda, estabelece o artigo 209.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma legal, que o juiz rejeitará logo a oposição caso não tenha sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º.
No caso em apreço, constata-se da petição inicial, que o Oponente se insurge contra a liquidação de IRS do ano 2015, invocando, como causas de pedir, que a mesma padece do vício de falta de fundamentação, por desconsiderar, sem razão que sustente, na sua tese, determinados valores inscritos no capo 401 do anexo “G” do modelo 3 apresentado.
Sucede, porém, que o meio judicial adequado para aferir da legalidade de uma liquidação como a de IRS em causa nos autos é a impugnação judicial – cfr. os artigos 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ou seja, encontra-se assegurado, legalmente, meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação¸ não sendo de conhecer tais vícios em sede de Oposição.
Se a apresentação de recurso hierárquico se mostra facultativo, tal não impede que o meio que o legislador previu para aferir da legalidade da liquidação de um imposto, como é o caso, é a impugnação judicial.
Nem colhe o alegado enquadramento na alínea i) supra referida, por a efectiva pretensão do Oponente é a apreciação da legalidade da liquidação em cobrança coerciva.
Motivo por que não é aplicável nem a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por a lei assegurar meio de tutela para o efeito, nem
a alínea i), por se pretender discutir a legalidade da liquidação.
O que leva à rejeição liminar da oposição, por falta de enquadramento válido em quaisquer dos fundamentos previsto no n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como se sumariou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Fevereiro de 2017, processo n.º 1528/14, disponível em www.dgsi.pt, “II - A oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. III - A petição inicial de oposição à execução fiscal que manifestamente não contenha algum dos aludidos factos deverá ser alvo de indeferimento liminar.”.
Motivo para se determinar a rejeição liminar da petição inicial nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
(…)
III. DECISÃO
Termos em que se rejeita a oposição apresentada (…)”

*


Ao abrigo do artigo 662º do CPC, fixa-se o seguinte circunstancialismo de facto, documentalmente provado nos autos e com relevo para a decisão.

A) Em junho de 2018 foi apresentada reclamação graciosa do ato de liquidação de IRS do ano de 2015, com o nº ………….884 (cfr. pag 57 e ss SITAF);

B) Por ofício de 17/12/18, foi comunicado à Senhora Mandatária do oponente a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa referida em A), mais se comunicando que a decisão proferida era suscetível de recurso hierárquico ou de impugnação judicial, nos prazos de 30 dias e de 3 meses, respetivamente (cfr. pag. 57 e ss SITAF);

C) Não há registo de ter sido interposto recurso hierárquico ou deduzida impugnação judicial da decisão proferida em sede de reclamação graciosa (facto afirmado pelo Recorrente e que consta da informação prestada pelo SF, a pag. 57 e ss do SITAF).

- De Direito

Vejamos, então, o recurso que nos vem dirigido, considerando as conclusões que deixámos transcritas.

Como bem se percebe, a nossa atenção deve centrar-se, desde já, no teor da p.i, pois é a apreciação liminar do articulado inicial que, no essencial, nos permite perceber do (des)acerto da decisão aqui sindicada. Ora, centrando a análise na p.i, o que temos é uma alegação que resumidamente se apresenta nos seguintes termos:

- a quantia exequenda reporta-se a uma liquidação adicional de IRS/Mais-Valias, do ano de 2015, da qual resultou o valor total a pagar de 6.829,65€;

- a liquidação adicional não foi devidamente fundamentada, na medida em que se constatou que foi entendido pela AT que os valores das despesas não foram considerados na sua totalidade, o que determinou o alegado incremento do lucro tributável;

- não se vislumbra a razão pela qual não foram consideradas as despesas que o Opoente apresentou; o fundamento da reclamação graciosa apresentada consistiu na errónea qualificação e quantificação do rendimento auferido pelo oponente, não se encontrando justificação para a liquidação adicional de IRS, a qual deverá ser anulada, por preterição de formalidades legais, dado não ter sido devidamente fundamentada a decisão de corrigir os campos 4001 do anexo G da declaração de IRS apresentada pelo Opoente.

O Recorrente pedia, a final, com a procedência da oposição, a anulação da liquidação de IRS, reconhecendo-se a inexigibilidade do pagamento da quantia em cobrança coerciva.

O articulado inicial, no que toca à causa de pedir em que se funda a oposição, é claro, pois toda a argumentação do Recorrente vai no sentido de um vício do ato de liquidação de IRS que está subjacente à dívida exequenda, nos termos acima expostos.

Sem hesitar, trata-se de matéria apta a sustentar o vício de violação de lei da liquidação de IRS e, como tal, a fundamentar a reclamação graciosa (que, no caso, foi até apresentada) ou a impugnação judicial de tal ato tributário.

Tenhamos presente que a oposição à execução fiscal que visa, em regra, a extinção da execução fiscal, pode ter qualquer um dos seguintes fundamentos taxativos:

“1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:

a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;

b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;

c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;

d) Prescrição da dívida exequenda;

e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;

f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;

g) Duplicação de colecta;

h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação;

i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”.

Ora, como deixámos já referido, é manifesto que a ilegalidade invocada na petição inicial de oposição é a ilegalidade atinente ao ato de liquidação de IRS, ilegalidade essa consubstanciada na falta de fundamentação para a desconsideração de determinados custos/ despesas para efeitos de cálculo da mais-valia.

É, pois, de concluir que a causa de pedir não está em linha com o elenco taxativo dos fundamentos de oposição, nem com a pretensão do Recorrente, direcionada para a invalidade do imposto correspondente à dívida exequenda, a qual surge expressa pela seguinte forma: “Termos em que se espera que a presente OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO, uma vez aceite, venha a ser considerada provada e procedente e, em consequência, anulada a liquidação do adicional de IRS no montante de 5.938,84€, juros no valor de 807,70€ e custas Judiciais no valor de 83,11€, atento o disposto no n° 1 do Art° 203° e alínea i), do n° 1, do Art° 204° do CPPT e reconhecendo-se a total inexigibilidade do pagamento de tal quantia por parte do Opoente por se verificarem os requisitos legais e factuais que permitem o seu afastamento”.

Temos, pois, por seguro que, no caso, a presente oposição à execução fiscal não é o meio processual adequado para a satisfação do pedido formulado pelo Oponente, sendo antes – isso sim - a impugnação judicial, meio processual que visa atacar os atos tributários praticados pela Administração Tributária, designadamente atos de liquidação, com vista a obter, como é o caso aqui pretendido, a declaração da sua inexistência, nulidade ou anulação.

Não se desconsidera que o Recorrente invoca e insiste na alínea i) do artigo 204º do CPPT, pretendendo, assim, sustentar o conhecimento da (i)legalidade da liquidação em sede de Oposição. Mas sem razão.

Como está bem de ver, face à formulação da alínea i) transcrita, tal fundamento pressupõe que a causa de pedir sustentada ao abrigo de tal normativo não envolva a “apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda”, o que aqui é, sem sombra para dúvidas, justamente o que o Oponente/ Recorrido pretende que seja analisado e decidido.

Assim sendo, e porque a cada direito corresponde um meio processual de o fazer valer em juízo, a questão colocada pelo Recorrente - relativa à (i)legalidade da correção subjacente à liquidação do IRS de 2015 - não pode ser conhecida em processo de oposição, mas sim em impugnação judicial, cujos fundamentos se encontram previstos no artigo 102º do CPPT.

Há, pois, erro na forma de processo, o que constitui uma nulidade processual de conhecimento oficioso pelo Tribunal, nos termos conjugados no disposto nos artigos 193º, 196º, 576º nº 2, 577º, alínea b), e 578º do CPC, aplicáveis ex vi, artigo 2º, nº 1, alínea e), do CPPT.

A este propósito, como refere J. Lopes de Sousa, CPPT anotado, Vol. III, Áreas Editora, anotação ao artigo 209º, “Se o oponente não indicar um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável no n.º 1 do art. 204.° do CPPT, mas invocar um fundamento de impugnação judicial, designadamente a ilegalidade em concreto da liquidação, fora dos casos previstos nas alíneas a), g) e h) desse número, a petição de oposição poderá ser convolada em petição de impugnação judicial, ao abrigo do preceituado no art. 97.2, n.4 3, da LGT, desde que não haja quaisquer obstáculos que impeçam o seu aproveitamento, como a intempestividade ou a incompatibilidade do pedido formulado com o objecto do processo de impugnação judicial”.

Portanto, verificado o erro na forma do processo, a questão que imediatamente se coloca é a da convolação do meio utilizado naquele efetivamente adequado.

Como referem Diogo Leite de Campos e Outros, em anotação ao artigo 97.º da LGT, “o n.º 3 do preceito visa obstar a que, por via de uma errada eleição da forma de processo, o tribunal deixe de se pronunciar sobre o mérito da causa. Trata-se de uma injunção ao próprio juiz. Este só estará desonerado da obrigação de ordenar a correcção da forma de processo quando ela se mostre de todo inviável”, sendo que – nota 4 – “a solução da ‘convolação’ do processo tem sido várias vezes aflorada e decidida no contencioso tributário, tendo-se a jurisprudência firmado no sentido da sua admissibilidade desde que o pedido formulado e a causa de pedir invocada se ajustem à forma adequada de processo e a ‘acção judicial’ não esteja caducada”.

Por conseguinte, de acordo com as disposições legais citadas, havendo erro na forma de processo, e sendo esta uma nulidade de conhecimento oficioso e a convolação obrigatória, os autos deveriam ser convolados na forma de processo adequada. No entanto, para que tal pudesse suceder era imperativo que fosse possível o prosseguimento do processo na forma adequada, designadamente que a respetiva petição tivesse sido tempestivamente apresentada para efeitos desta nova forma processual e que o pedido formulado seja também compatível com a nova forma de processo.

Aqui chegados, a questão que importa decidir prende-se em saber se é possível aproveitar a presente ação, com vista à sua convolação em impugnação judicial. No caso, a resposta não pode deixar de ser negativa.

Apesar de termos um pedido adequado à impugnação judicial – “anulada a liquidação do adicional de IRS no montante de 5.938,84€, juros no valor de 807,70€ e custas Judiciais no valor de 83,11€”, a verdade é que a liquidação de IRS é, e já o era aquando a dedução da oposição, um ato decidido.

Vejamos.

Como o próprio Oponente refere, aquando da notificação da liquidação de IRS, apresentou reclamação graciosa da mesma, a qual veio a ser parcialmente deferida. Perante esse deferimento parcial, e como o próprio afirma, podia ter recorrido hierarquicamente ou deduzido impugnação judicial, o que optou por não fazer (não obstante ter sido notificado para tal). Pretende agora, contudo, em sede de oposição à execução fiscal, retomar a discussão da legalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda. Tal não é possível.

De facto, face à notificação da decisão da reclamação, em dezembro de 2018, o Oponente – repete-se – podia ter recorrido hierarquicamente ou impugnado a liquidação adicional. Se a contestação da legalidade da liquidação não teve lugar pelos meios legalmente previstos, tal resulta na consolidação do ato tributário, ou seja, o mesmo tornou-se caso decidido/resolvido.

Assim, em novembro de 2021 (mês em que foi deduzida a oposição) há muito que a liquidação adicional subjacente à dívida exequenda se mostrava definitivamente consolidada na ordem jurídica, o que inviabiliza que se equacione sequer a possibilidade de convolação da oposição em impugnação judicial.

Em suma, há um erro na forma do processo insuscetível de convolação.

A sentença, ainda que com fundamentação não inteiramente igual àquela que foi convocada pelo TAF de Loulé, é de manter.

Improcedem, portanto, as conclusões da alegação de recurso e mantém-se a decisão recorrida.


III - Decisão

Termos em que, acordam as juízas que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se o decidido com a presente fundamentação.


Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15/02/23


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro Silva

Isabel Fernandes