Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08779/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/21/2016
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA - OBRIGAÇÃO COM FACULDADE ALTERNATIVA
Sumário:1.Nas obrigações com faculdade alternativa, o seu objecto é constituído “(..) por uma só prestação – a única que o credor tem o direito de exigir – embora o devedor possa exonerar-se mediante a realização de uma outra prestação, sem necessidade de consentimento do credor.

2. Tendo ficado o Município devedor sem hipótese de exercer a faculdade alternativa acordada e aceite pela sociedade ora Recorrida, por força do trânsito em julgado do acórdão deste TCAS de 25.11.2009 proferido no rec. nº 1300/05, temos que o título executivo constituído pela sentença homologatória da transacção tem como dívida exequenda, única e exclusivamente, o pagamento em dinheiro de 171 875 560$00 – devidamente convertidos em € 857 311,67 – acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, nos exactos termos da sentença trazida a recurso, conforme transacção de 16.02.1998 homologada por sentença 25.02.1998 no processo 593/93 a que se referem os itens 3 e 4 do probatório.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Município de Cascais, com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa titulada por sentença homologatória de transacção, dela vem recorrer, concluindo como segue:

A A Sentença proferida em 3 de Janeiro de 2012 enferma de vício de omissão de pronúncia;
B Isto porque o Tribunal a quo, não se pronunciou, conforme era seu dever, sobre a questão suscitada pela Executada quanto às implicações e consequências decorrentes da decisão emitida nos autos do processo n°1548/04.3BESNT;
C O processo acima refere-se à acção administrativa especial intentada pelo Ministério Público contra o Município de Cascais, pugnando pela invalidade dos actos administrativos acima referidos, peticionando, entre outros pedidos, que fossem declaradas nulas as deliberações camarárias que aprovaram o loteamento em causa, bem como a reversão das parcelas de terreno identificadas na transacção judicial celebrada e que serviu de título à presente execução;
D Na Oposição deduzida nos presentes autos, defendeu a Executada que a decisão a proferir no proc. 1548/04.3BESNT seria prejudicial à sentença a emitir nos presentes autos, já que se a acção intentada pelo Ministério Público fosse julgada procedente, suscitar-se-ia então a questão de saber se a declaração de nulidade iria inquinar a validade da própria transacção judicial que serve de título de execução;
E Nessa medida, foi determinada pelo Tribunal a quo a suspensão da presente instância executiva até que fosse definitivamente julgado o proc. 1548/04.3BESNT;
F Por Acórdão proferido em 25 de Novembro de 2009 no âmbito do processo n.° 1548/04. 3BESNT, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou nulas as deliberações camarárias que aprovaram o loteamento em causa, bem como a reversão das parcelas de terreno;
G Sucede que, perante tal decisão, o Tribunal a quo fez "tábua rasa" quanto às questões suscitadas pela Executada relativamente ao desfecho daquele processo, omitindo qualquer notificação às partes para se pronunciarem sobre os impactos decorrentes da decisão emitida no proc. 1548/04.3BESNT;
H A sentença ora em crise incorreu no vício de omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não cuidou de acautelar das eventuais consequências da decisão proferida no proc. 1548/04.3 BESNT, conforme foi suscitado pela Executada;.
I Tal omissão de pronúncia deve-se, em grande parte, ao facto das partes não terem sido notificadas para se pronunciarem sobre as referidas consequências, cujos exactos termos apenas seria possível aquilatar atendendo aos fundamentos constantes da decisão proferida no proc. 1548/04.3BESNT;
J Certo é que a Executada expôs perante o Tribunal a quo, na Oposição deduzida, e concretamente nos artigos 27° e 28°, algumas das eventuais consequências, com particular relevo para a hipotética invalidade da transacção em caso de declaração de nulidade dos actos;
K Razão pela qual a sentença em crise padece do vício de omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n°l do artigo 668° do CPC, acarretando tal vício a sua nulidade;
L A sentença recorrida é igualmente nula por violação do princípio do contraditório, na vertente da proibição de “decisões surpresa” plasmado no nº 3 do artigo 3º do CPC.
M Ora, conforme acima se disse, o Tribunal a quo, não facultou às partes qualquer oportunidade para se pronunciarem sobre os termos e conteúdo da sentença proferida nos autos do proc. 1548/04.3BESNT, nomeadamente sobre os impactos da mesma no objecto do processo de execução;
N N» O Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida tendo-se limitado a determinar o pagamento da quantia exequenda, tendo a Executada sido confrontada com a decisão em crise sem que alguma vez tivesse tido a hipótese de alegar que tal transacção era nula e de nenhum efeito, por força da declaração de nulidade dos actos por si praticados;
O Incorreu assim a sentença ora em crise na postergação completa e absoluta do princípio do contraditório, previsto no n.° 3 do artigo 3.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA, em virtude de não ter promovido a audição das partes quanto às consequências decorrentes da declaração de nulidade dos actos praticados pelo Município de Cascais.
P A omissão da audição das partes consubstancia a omissão de uma formalidade que a lei prescreve (n.° 3 do artigo 3° do CPC), formalidade esta que influi decisivamente na decisão da causa, porquanto, caso tivessem as partes sido ouvidas, mormente a Executada, teriam certamente fornecido ao Tribunal as suas razões atinentes à sentença a proferida em ordem à formação da convicção daquele Tribunal quanto ao mérito da pretensão da Exequente.
Q E diga-se, razões essas que deveriam ter sido ponderadas na prolação da decisão final;
R Estamos assim perante uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos do n.° l do artigo 201.° do CPC.
S Porém, atendendo a que a audição das partes deve ser realizada em momento prévio à prolação da decisão da causa, a omissão desta formalidade é prévia à própria sentença, razão pela qual, tendo sido entretanto emitida decisão judicial a coberto da nulidade praticada, os efeitos decorrentes da nulidade repercutem-se, necessariamente, na sentença.
T Assim, o meio próprio para impugnação da nulidade processual é o presente recurso da decisão de l.a instância. Partilham deste entendimento ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA ao defenderem: "Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz e passará a ser o recurso da decisão.".
U Termos em que deverá ser declarada a nulidade processual de falta de audição das partes quanto à repercussão das declarações de nulidade dos actos de reversão e de aprovação da alteração ao loteamento, de acordo com o disposto no artigo 3.° do CPC, devendo sei anulada a sentença cm crise nessa parte e, consequentemente, ser ordenada a baixa do processo à l.a instância para o cumprimento da audição das partes, nos termos do n.° 2 do artigo 201.° do CPC;
V A sentença recorrida enferma ainda de manifesto erro de julgamento, quer na apreciação dos factos, quer na aplicação do Direito aos mesmos;
W Da transacção judicial celebrada entre Exequente e Executada, decorre que a Autora/Exequente aceitou que a dívida em causa fosse paga mediante a reversão dos terrenos identificados e com a aprovação da alteração ao loteamento em causa;
X Percebe-se assim que, no âmbito da transacção judicial em causa, as obrigações da Executada consubstanciavam a promessa de emissão de actos administrativos, já que o Município de Cascais se vinculava a praticar, no futuro, actos administrativos com um determinado conteúdo, actos esses quer foram efectivamente praticados.
Y Aconteceu, que, pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, tais actos foram declarados nulos, tudo se passando assim como se os aludidos actos nunca tivessem vigorado na ordem jurídica;
Z O Tribunal Central Administrativo Sul estribou o seu entendimento, em ordem à declaração de nulidade dos actos, na caducidade do direito de reversão da CHESOL, direito esse que se extinguiu em 7 de Fevereiro de 1996, data essa anterior à celebração da transacção judicial pelas partes no âmbito do processo 593/03, pelo que tais parcelas de terreno, cedidas que foram ao Município de Cascais, não podiam ser objecto de reversão;
AA Não subsistindo o direito à reversão, qualquer negócio jurídico incidente sobre tal direito teria um objecto legalmente impossível, nos termos da alínea c) do n°2 do artigo 133° do Código de Procedimento Administrativo (CPA);
BB Nessa medida, a promessa de emissão dos actos administrativos a que se vinculou a Executada é, ela própria, nula e de nenhum efeito, porquanto a mesma recaía sobre efeitos não permitidos pela lei, sendo assim de objecto legalmente impossível, afectando dessa forma a própria transacção judicial, tornando-a inválida;
CC Sendo inválida a referida transacção, a mesma não pode servir de título à presente execução, pelo que o pagamento da quantia exequenda não pode ser exigido à Executada;
DD Mas ainda que se admita que a transacção judicial é valida, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, certo é que a sentença enferma de um outro erro de julgamento;
EE Nos termos da aludida transacção, o cumprimento da obrigação de pagamento a que estava vinculada a Executada ocorreria através da realização de prestações de facto, consubstanciadas na emissão dos actos administrativos acima descritos;
FF A contrario se conclui que nenhuma outra forma de cumprimento foi prevista pelas partes para além daquela que se encontrava fixada na transacção. Ou seja, por nenhuma outra forma se vinculou o Município de Cascais a cumprir com a obrigação de pagamento, mormente através do pagamento em dinheiro.
GG E, respectivamente, nenhuma outra forma aceitou a Autora, ora Exequente, para cumprimento da prestação devida senão através da emissão dos actos administrativos em causa.
HH A confissão da dívida pela Executada estava umbilicalmente ligada à forma pela qual a obrigação de pagamento seria cumprida, já que a Executada somente confessou o pedido, nos termos em que o fez, caso a Autora aceitasse, como o aceitou, que a forma de cumprimento da obrigação de pagamento se realizasse mediante a reversão de terrenos e a aprovação da alteração ao loteamento;
II E isto assim aconteceu no interesse da própria Autora/Exequente;
JJ A declaração de nulidade dos actos administrativos praticados pela Executada, determinada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.° 1548/04.3BESNT, afecta o conteúdo essencial da transacção celebrada, desaparecendo com tal decisão os pressupostos nos quais ambas as partes fundaram a sua decisão de contratar/transigir;
KK Por efeito da declaração de nulidade dos actos administrativos praticados pela Executada, no momento em que a transacção foi celebrada, o objecto da mesma era legalmente impossível, verificando-se assim o erro sobre o objecto do negócio/transacção.
LL Salta à evidência, do elenco dos factos apurados, o carácter causal ou essencial do erro em que incorreram as partes, ou seja, caso as partes tivessem conhecimento de que não seria possível proceder à reversão dos terrenos em causa, fruto da caducidade entretanto ocorrida, nem que não seria possível proceder à aprovação do loteamento, então as partes não teriam, certamente, celebrado a transacção nos moldes em que o fizeram;
MM Sucede assim que o título que subjaz à presente execução padece de um vício da formação da vontade consubstanciado no erro sobre o objecto do negócio em que incorreram as partes, tudo nos termos do n.° l do artigo 301.° do CPC e do artigo 251.° do Código Civil;
NN Pelo que, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na aplicação do Direito aos factos, razão pela qual esta ser revogada.

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A……….– Actividades ………….. Lda contra-alegou, concluindo como segue:

1. A d. Sentença recorrida não enferma de qualquer dos vícios que o Recorrente lhe imputa. Assim,
2. Não enferma de omissão de pronúncia, pois que efectuou com toda a clareza o raciocínio jurídico relativo "às implicações e consequências decorrentes da decisão emitida nos autos do proc. 1548/04"sobre os presentes.
3. Vejam-se: Pag. 11 (Ponto III) e pág. 12 da douta Sentença, onde se enumeram os factos e se analisam de modo a formar todo um raciocínio crítico, que culmina com a decisão.
4. O retendo raciocínio - juízo - sobre os factos mostra-se límpido e é suficiente para se tornarem compreensíveis os fundamentos da sentença, isto é, as razões porque decidiu no sentido em que decidiu. Sem necessidade de mais, os impactos da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre a presente acção é a questão central tratada e resolvida pelo Tribunal a quo.
5. Tampouco o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório ou emitiu decisão - surpresa, pois:
6. Desde logo, não é de todo verdade que o Tribunal a quo não tenha dado às partes oportunidade para se pronunciarem, sobre os "impactos decorrentes da decisão emitida", nos presentes autos após desfecho da acção 1548/04.
7. Como se pode ver a fls 296 dos autos, o Tribunal recorrido, a seguir a ter recebido certidão das decisões proferidas no referido processo 1548/04, (com nota do trânsito em julgado), expediu notificações para as partes (concretamente em 15/07/2010), para “requererem o que tiverem por conveniente”.
8. De todo o modo, ainda que esta notificação não tivesse sido efectuada, não seria caso de violação do princípio do contraditório, porque as partes já tinham tratado nos seus articulados a referida questão: O Executado, no sentido de que se o Tribunal decretasse a nulidade da reversão e restantes actos, tal acarretaria a "invalidade da transacção"; a Exequente no sentido de que uma coisa é a dívida confessada, outra o modo aceite de pagamento.
9. A pronúncia efectuada pelas partes nos respectivos articulados mostra-se também suficiente à compreensão da referida questão; e a douta sentença teve o entendimento que abrange perfeitamente a solução da questão, correspondendo ao entendimento defendido pela Exequente.
10. É claro quanto o Recorrente questiona na peça inicial da oposição, art°s 27º e 28°. Como é clara a posição da Exequente, defendida na contestação. De resto, a questão é por demasiado simples, para necessitar de maiores explanações.
11. Certo é que foi dada à Recorrente oportunidade para melhor se pronunciar, portanto, se mais não disse, sibi imputet.
12. Também quanto à nulidade invocada, não é pacífico que se subtraia à regra geral de arguição, no prazo de 10 dias, pelo que será extemporânea - porém, é questão prejudicada.
13. Discorda a Exequente também do entendimento defendido pelo Executado, segundo o qual: "Não subsistindo o direito à reversão, qualquer negócio jurídico incidente sobre tal direito teria um objecto legalmente impossível... ". "Nessa medida, a promessa (negrito e sublinhado nossos,) de emissão dos actos administrativos a que se vinculou a Executada é, ela própria, nula e de nenhum efeito..., afectando dessa forma apropria transacção judicial, tornando-a inválida. ".
14. O Recorrente pretende, assim, que a transacção efectuada se qualifica como sendo um contrato-promessa, ou promessa unilateral, mas o seu raciocínio não tem, nesta matéria, qualquer fundamento.
15. A transacção que as partes celebraram tem um único sentido, e nesta sede não é admissível contemplar factos implícitos. A transacção contém unicamente:
a) uma confissão de dívida e
b) uma forma de pagamento, ou, para respeitarmos os termos ali constantes, um modo de o Executado se exonerar do pagamento. Sem mais.
16. Os seus termos são claros, não deixando espaço para outras interpretações.
17. Nada absolutamente se pode retirar da transacção que não seja, a confissão de uma dívida em numerário exacto, por banda do Município: e a aceitação pela autora de que o Município se pudesse exonerar do pagamento através da citada reversão, etc. Algo mais, carecia de alegação.
18. Discorda-se, por fim, da tese do Executado quando defende que "a sentença enferma de um outro erro de julgamento''; ''Ainda que se admita que a transacção judicial é válida...” “... Caso as partes tivessem conhecimento de que não seria possível proceder à reversão dos terrenos em causa, fruto da caducidade entretanto ocorrida, nem que não seria possível proceder à aprovação do loteamento, então as partes não teriam, certamente, celebrado a transacção nos moldes em que o fizeram. ", "Sucede assim que o título que subjaz à presente execução padece de um vício da "formação da vontade consubstanciado no erro sobre o objecto do negócio …”
19. Em teoria há que reconhecer-se razão ao Executado. A confissão pode ser declarada nula ou anulada se se verificarem vícios da vontade (único caso, de resto, em que a invalidade pode ocorrer e em que o Executado poderia apoiar-se). Porém,
20. Como atrás se disse, não se extrai da transacção que a autora só aceitava aquela forma de pagamento ou que de outro modo o réu não assumia a dívida.
21. E não podendo extrair-se da própria transacção, que se conhecido o erro, o Executado não confessaria a dívida, tornava-se necessário que este alegasse factos que demonstrassem o vício da vontade e os provasse. E, necessário ainda, que fosse dada a oportunidade à Exequente de contestar. É, pois, questão de cuja discussão se não pode prescindir.
22. A sede própria para a alegação desse facto era nos articulados da oposição a execução, na 1a instância. Aí devia o réu ter alegado e provado o pretenso vício da vontade (designadamente alegando-o através de articulado superveniente, após desfecho do proc.1548/04).
23. Porém, notificado, para dizer o que tivesse "por conveniente” nada disse. Pelo que precludiu o direito que o executado hipoteticamente pudesse exercer sobre tal matéria.
24. Não o alegou, nem o provou, portanto extravasa da causa decidendi. Deste modo,
25. É esta uma questão de que o Tribunal não pode conhecer.
26. Tudo visto, não podemos deixar de considerar que a douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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A matéria de facto julgada provada é a que se transcreve:

1. A……….. - Actividades …………., Lda propôs contra o município de Cascais acção sobre responsabilidade civil na qual formulava o pedido de condenação do município de Cascais a pagar à autora a título de indemnização a quantia de 171 875 560$00 (cento e setenta e um milhão oitocentos e setenta e cinco mil quinhentos e sessenta escudos) mais os juros de mora à taxa legal de 15% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Processo que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa com o n.°0593/93 (apenso aos presentes autos).
2. A Câmara Municipal de Cascais na reunião de câmara de 09 de Janeiro de 1998, aprovou por unanimidade proposta com o seguinte teor
"Considerando que:
1 - A C……….., cedeu a esta Câmara, no âmbito do alvará de loteamento n.°……./84, uma parcela de terreno, conforme escritura de doação e mapa que se anexam.
2 - Esta parcela de terreno ao longo destes cerca de 13 anos, não foi objecto de qualquer aproveitamento mantendo-se como zona verde, porém, não tratada, e incluindo a parte prometida ceder ao "Grupo Desportivo da C.......'', que também o não tem utilizado.
3 - De acordo com o actual Plano Director Municipal (PDM) a zona respeitante ao referido alvará passou de baixa para média densidade, permitindo, assim, o seu aproveitamento para a construção de novos fogos.
4 - Ora sucede que a Cooperativa tem atravessado nos últimos anos graves dificuldades financeiras que praticamente paralisaram a sua actividade e a acumularam de dívidas que tem vindo a negociar e se encontram satisfatoriamente controladas à excepção de uma dívida de cerca de 600 000 000$00 para com a Direcção Geral do Tesouro, entidade beneficiária dos créditos do extinto Fundo de Fomento de Habitação, cfr. documento anexo.
5 - Esta dívida afecta a globalidade dos moradores de todo o Bairro C....... (200 famílias) sobre cujas casas recai privilégio creditório, como garantia do pagamento da referida dívida.
6 - Apreensivas com esta realidade manifestam também tais famílias, na sua maioria, o seu interesse e empenho em ver resolvidas a situação de tal dívida, pensando contar a melhor boa vontade e colaboração desta Câmara, na solução do assunto, aliás, conforme atestam as declarações que se juntam em anexo.
7 - Encontra-se também a actual Direcção da C....... imbuída de um espírito de resolução dos problemas pendentes e empenhada no relançamento das suas actividades, que se traduzem em satisfazer a necessidade habitacional de pessoas com menos recursos, aliás, na continuidade de uma relevante função social que tem vindo a prestar e que concretamente se corporizou na construção de cerca de 1200 casas, todas elas já na titularidade e a ser plenamente usufruídas pelos seus adquirentes e familiares, situando-se cerca de 1000 neste concelho de Cascais.
8 - Sem os préstimos e a colaboração da Câmara Municipal de Cascais, fica em causa de modo irremediável, não só a continuidade da Cooperativa, mas também a situação dos associados, que sem possibilidade de a solver vêem continuamente agravar-se a dívida à Direcção Geral do Tesouro, à qual acrescem juros diários de cerca de 140 000$00 ou seja cerca de 51 000 000$00 ano.
9 - Nesta ordem de ideias a C....... apresentou uma proposta de aproveitamento daquela parcela de terreno e solicitou a reversão da mesma e a alteração do alvará atrás referido, tendo em vista o reactivar das suas actividades, que lhe permitirá fazer face às actuais dificuldades e encarar a resolução daquela dívida, após negociação com a Direcção Geral do Tesouro, que em princípio estará também aberta ao diálogo.
A este propósito se poderá referir que de vários empréstimos do extinto Fundo de Habitação, contraídos no período entre 1980 e 1985 no montante de 343 744 360$00, foi já amortizada a quantia de 435 205 551 $00, sendo assim sobretudo juros que estão por liquidar.
10 - Na proposta de aproveitamento apresentada pela C....... prevê-se um acréscimo de área bruta de construção e cerca de 15 228 m2, mantendo-se igualmente zonas verdes e a possibilidade de construir equipamento social para o Grupo Desportivo da C......., e bem assim, para a Associação de Moradores.
11 - A C....... propõe-se ainda assumir a integral responsabilidade pelo pagamento das indemnizações a que haja lugar, por parte da Câmara Municipal de Cascais, pelo encerramento da Discoteca Universal em Cascais, e pela prática de todos os actos que se venham a demonstrar ilícitos relativamente à matéria de autoria da Câmara Municipal de Cascais ou dos titulares os seus órgãos.
12 - Efectivamente a Sociedade A………….., Lda, proprietária da Discoteca Universal, intentou em 13/10/93, uma acção judicial na qual pede que a Câmara Municipal de Cascais seja condenada a proceder ao pagamento de indemnização da quantia de 170 000 000$00, acrescida de juros de mora, pela proibição de funcionamento daquele estabelecimento após o ter licenciado.
13- Analisando o processo verifica-se ser aconselhável e do interesse do Município a resolução extra judicial do mesmo, assim se pondo termo ao processo, o que a aprovação da presente proposta permitirá.
14 - Apreciada a proposta de aproveitamento da supra aludida parcela de terreno apresentada pela C......., Lda, consubstanciada numa operação de loteamento, informam os serviços de que esta respeita os parâmetros definidos pelo Plano Director Municipal e que se encontra em condições de permitir, desde já, a formulação de uma proposta relacionada com a acção judicial em curso, o que implica a autorização da reversão da área de terreno dos lotes contemplados pela operação de loteamento, tal como se encontram definidos na planta sete.
15 - Efectivamente dispõe-se nos nºs 2 e 3 do artigo 16º do DL n.°448/91, na redacção dada pelo DL nº 334/95 e pela Lei n.°26/96, que a cedente tem o direito de reversão sobre as parcelas cedidas sempre que haja desvio de finalidades da cedência, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto quanto à reversão no Código de Expropriações, pelo que para aprovar a operação de loteamento haverá que autorizar a reversão das parcelas de terreno respeitante aos lotes cuja constituição for autorizada.
16 - Tornando-se necessário criar as condições que permitam desde já celebrar transacção no atrás aludido processo judicial, uma vez que a data de audiência de julgamento se encontra designada, em 2.° marcação, para o próximo mês de Fevereiro.
PROPÕE-SE:
Autorizar a reversão das parcelas de terreno respeitante aos lotes cuja constituição será autorizada na operação de loteamento, com a área e confrontações definidas na planta n.°7, constante do processo de loteamento."Cfr. documentos de folhas 8 a 11 dos autos.
3. No processo n.° 0593/93 foi em 16 de Fevereiro de 1998 elaborado termo de "transacção" com o seguinte teor:
"Aos dezasseis dias do mês de Fevereiro de 1998, compareceram, neste Tribunal e Secção, o Dr. António Ramos Preto, [advogado com domicílio profissional na Rua Aristides de Sousa Mendes] n.° l - escritório l, em Lisboa, que juntou procuração com poderes especiais para o efeito, na qualidade de mandatário do réu - Município de Cascais, e o Dr. ………….., com domicílio profissional na Rua ……………., n.°55 - 4.° dto, em Lisboa, que juntou procuração com poderes especiais para o efeito, na qualidade de mandatário da autora –A………….., Actividade …………, Lda, os quais disseram que vêm consignar neste termo o acordo a que chegaram sobre o litígio que discutiam na presente acção, sob o n.°593/93, à qual, por este meio, põem fim.
São as seguintes as cláusulas em que assentaram a transacção e que reciprocamente aceitam:
1a O Município de Cascais confessa o pedido, assim assumindo a obrigação de pagamento à Autora da quantia de 171 875 560$00 (cento e setenta e um milhões oitocentos e setenta e cinco mil quinhentos e sessenta escudos) e juros de mora legais desde a data da citação, até integral pagamento.
2ª A Autora aceita que o pagamento seja efectuado através de reversão para a C....... -Cooperativa ………………., CRL, pessoa colectiva n.°………………., com sede na ………….., em Caseais, dos terrenos por esta cedidos ao Réu, no âmbito do alvará de loteamento n.°708/84.
3.a A referida reversão será efectuada nos termos da deliberação da Câmara Municipal de Cascais, e 09 de Janeiro de 1998 e com o ónus referido no ponto 11 da mesma, como tudo consta dos documentos que se juntam, neste acto, aos autos.
4.a Com a referida reversão e com a aprovação do loteamento referido na deliberação camarária a que se refere o artigo anterior, fica o réu exonerado de toda e qualquer responsabilidade de pagamento à autora.
5.ª O réu deverá diligenciar, com a maior brevidade possível, a realização da escritura de reversão referida, posto que já foi proferido despacho de adjudicação pelo Exmo. Presidente da Câmara Municipal de Cascais.
De como o disseram assim tomei o presente termo que, depois de lido, vai ser devidamente assinado."Cfr. documento de folhas 213 e 214 dos autos do processo n.°0593/93.
4. Aquela transacção foi homologada por despacho de 25 de Fevereiro de 1998, que transitou em julgado. Cfr. folhas 223 (frente e verso) e 224 dos autos do processo n.°0593/93.
5. Em 29 de Maio de 2003 foi pelo Presidente da Câmara Municipal de Cascais proferido o Despacho n.° 38/2003, com o seguinte teor:
"Assunto: suspensão da eficácia do aditamento ao alvará de loteamento n.°708, de 8 de Janeiro de 2002 (aldeia de Juzo)
Em 26 de Maio de 2003, através do ofício n.°3948/03 da IGAT, foi dado conhecimento á Câmara Municipal de Cascais das conclusões do Inquérito ao Município de Cascais, que incidiu sobre o assunto acima referenciado.
Do parecer final, homologado por Sua Excelência o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente em 23 de Maio de 2003, resulta a remessa ao Ministério Público de cópia do relatório, para efeitos de declaração de nulidade das deliberações de Câmara 09.01.98 e 28.07.99, que aprovaram a alteração ao alvará de loteamento n.°708.
A gravidade dos factos enumerados na síntese conclusiva do relatório, apontam no sentido da forte probabilidade dos actos que estiveram na base da emissão do Aditamento ao Alvará de loteamento em 8 de Janeiro de 2002 serem declarados nulos.
A prossecução dos trabalhos face às circunstâncias descritas afigura-se-nos de difícil ou impossível reparação, a confirmar-se a declaração de nulidade.
Atento o interesse público em causa e a situação de irreversibilidade que poderá ser criada a curto prazo, obriga a uma actuação da Câmara no âmbito das suas competências.
Assim, determino, ao abrigo do disposto no n.°2, do artigo 150.° do Código de Procedimento Administrativo, suspender a eficácia do Aditamento ao alvará de loteamento n.°708 em 8 de Janeiro de 2002, com a consequente suspensão dos trabalhos em curso.
Comunique-se este despacho aos interessados, ao Ministério Público e a Sua Excelência o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente."Cfr. documento de folhas 24 dos autos.
6. Em 22 de Abril de 1998 a Câmara Municipal de Cascais deliberou a aprovação do loteamento referido na deliberação camarária de 9 de Janeiro de 1998. Cfr. documento de folhas 110 a 112 dos autos.
7. Em reunião da Câmara Municipal de Cascais de 29 de Julho de 1998, e como aditamento à deliberação de 9 de Janeiro de 1998, foi de novo aprovada sob a forma de aditamento à proposta de reversão de três parcelas de terreno, com indicação precisa, das áreas e descrição predial das mesmas, sendo as áreas a reverter inferiores às que anteriormente haviam sido cedidas ao município. Cfr. documento de folhas 267 a 294 dos autos.
8. O Aditamento consubstanciou-se em:
a) uma parcela com a área de 2 517,70 m2 a desanexar da descrição n.°28 650, fls. l verso do Livro B-112 (cedida para escola):
b) uma parcela com a área de l 318,35 m2 a desanexar da descrição no 28 649, fls. 100 do Livro B 111 (cedida para arruamentos)
c) uma parcela com a área de 3 490, 65 m2, a desanexar da descrição no 28 651, fls.2 do Livro B-l 12 (cedida para parques e zona de lazer).
Tudo perfazendo uma área total de 7 326,70 m2. Cfr. documento de folhas 267 a 294 dos autos.
9. Em 5 de Agosto de 1998 foi celebrada escritura notarial de reversão, mediante a qual o município de Cascais transferiu para a C....... a propriedade das três parcelas de terreno, indicadas, que se integraram no respectivo património. Cfr. documento de folhas 267 a 294 dos autos.
10. Em 5 de Agosto de 1998 a "Intermega - Gestão e Comércio de Produtos Lda, subscreveu escritura de compra e venda com a C......., das parcelas que haviam revertido para esta. Cfr. documento de folhas 267 a 294 dos autos.
11. Por Acórdão de 25 de Novembro de 2009, transitado em julgado em 12 de Janeiro de 2010, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou nulas as deliberações de 29.1.98, 29.7.98 e de 22.4.98 e os contratos outorgados em 5.8.98.Cfr. documentos de folhas 226 a 294 dos autos.
12. No âmbito do processo 0593/93 o município de Cascais foi citado em 22 de Outubro de 1993. Cfr. documento de folhas 131 daqueles autos.




DO DIREITO


A presente execução de sentença para pagamento de quantia certa segue o regime do artº 171º nº 1 CPTA, tendo por título executivo a sentença de 25.02.1998 homologatória da transacção efectivada entre as partes em 16.02.1998, proferida no procº 593/93 do TAC de Lisboa, a folhas 213/214 do mencionado procº 593/93 apenso aos presentes autos – itens 3 e 4 do probatório.
Depois de múltiplos incidentes na presente instância executiva, foi proferida em 03.01.12 a sentença constante de fls.299/311, que ora vem assacada de incorrer nos seguintes vícios:
(a) violação primária de direito adjectivo por omissão de pronúncia (artº 668º nº 1 d) CPC) e violação do princípio do contraditório (artº 3º nº 3 CPC) ..… itens A a U das conclusões;
(b) violação primária de direito substantivo fundado em erro de interpretação das cláusulas da transacção judicial de 16.02.1998 homologada por sentença de 25.02.1998 no procº 595/93 do TAC de Lisboa ………. itens V a CC e DD a NN das conclusões.

Por conveniência expositiva, transcreve-se o discurso jurídico fundamentador do Tribunal a quo, ora sob apreço, sendo nosso o evidenciado a negrito

“(..) III - Está provado que na acção ordinária com o número de processo 0593/93 foi em 16 de Fevereiro de 1998 elaborado termo de "transacção", e que, de acordo com o mesmo, o município de Cascais confessou o pedido formulado naquela acção, assim assumindo a obrigação de pagamento à A…………..- Actividades ……, Lda, da quantia de 171 875 560$00 (cento e setenta e um milhões oitocentos e setenta e cinco mil quinhentos e sessenta escudos) e juros de mora legais desde a data da citação, até integral pagamento.
Está também provado que de acordo com o mesmo termo de transacção, o município de Cascais exonerava-se do pagamento daquela quantia através da reversão para a C....... - Cooperativa ………….., CRL, pessoa colectiva n.°………….., com sede na ………….., em Cascais, dos terrenos por esta cedidos ao município de Cascais, no âmbito do alvará de loteamento n.°708/84, e com a aprovação do loteamento para aqueles terrenos, referido na deliberação da Câmara Municipal de Cascais na reunião de câmara de 09 de Janeiro de 1998.
Está provado que por Acórdão de 25 de Novembro de 2009, transitado em julgado em 12 de Janeiro de 2010, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou nulas as deliberações de 29.1.98, 29.7.98 e de 22.4.98 e os contratos outorgados em 5.8.98.
Declaradas nulas aquelas deliberações e os contratos verifica-se que não produziram quaisquer efeitos quer a reversão quer a aprovação do loteamento para os terrenos, isto é, não se verificou nenhuma das condições pelas quais o município de Cascais se exonerava do pagamento à Altamente - Actividades Turísticas, Lda. da quantia de 171 875 560$00 que aquele, nos termos da transacção devidamente homologada deve a esta.
Pelo que aquela quantia é devida pelo executado à exequente, acrescida de juros de mora desde a citação (em 22 de Outubro de 1993), e até integralmente pagamento.
A taxa de juro é de 15% desde aquela data até 30 de Setembro de 1995; nos termos da Portaria n.°339/87, de 24 de Abril, é de 10% desde l de Outubro de 1995 até 17 de Abril de 1999 nos termos da Portaria n.°l 171/95, de 25 de Setembro, é de 7% de 18 de Abril de 1999 a 30 de Abril de 2003 nos termos da Portaria n.°263/99 de 12 de Abril, e de 4% desde l de Maio de 2003 nos termos da Portaria n.°291/2003, de 8 de Abril).
Pelo exposto cabe dar provimento à pretensão executiva do autor.
IV -DECISÃO
Com os fundamentos referidos dá-se provimento à pretensão executiva da A………… - Actividades …………, Lda e determina-se que o município de Cascais proceda ao pagamento à exequente da quantia de € 857 311,67 acrescidos de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento no prazo de 10 dias. (..).

*
Feita a transcrição, vejamos, em primeiro lugar, os vícios de direito adjectivo.


1. princípio do contraditório e omissão de pronúncia - artºs. 3º nº 3 e 615º/1/d)/e) CPC (ex 668º/1/d)/e);

Diz-se que há excesso de pronúncia, artº 668º nº 1 e) CPC, quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.
O Tribunal incorre em omissão de pronúncia, artº 668º nº 1 d) CPC, quando não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, aqui incluída a matéria de conhecimento oficioso.
Cumpre ter presente que “(..) não existe omissão de pronúncia mas um error in judicando, se o Tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão (..)”.(1)
No âmbito destas causas de nulidade, específicas da sentença, o conceito adjectivo de questão “(..) deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (..)”. (2)
Para efeito de obstar a que a sentença fique inquinada do vício de excesso ou omissão de pronúncia, questões de mérito “(..) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (..) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.
Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.
E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva. (..)”(3)
Por outro lado, cabe não confundir questões com considerações, “(..) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. (..)”.(4)
Por último, nesta matéria das “(..) nulidades da sentença por excesso ou omissão de pronúncia e ainda por conhecimento de objecto diverso do requerido, [o] fundamento da arguição destes vícios da decisão será a errada interpretação dos actos postulativos. Saber se qualquer uma destas nulidades procede supõe uma interpretação dos actos postulativos e o respectivo confronto com a decisão. (..)”. (5)
O regime legal exposto permite concluir que os vícios de sentença por excesso ou omissão de pronúncia e o erro de julgamento não se colocam em alternativa face à mesma base material, porque se trata de tipologias de erro judiciário absolutamente distintas. (6)

Neste enquadramento, cabe aplicar o regime exposto ao caso concreto.

*
O Recorrente consubstancia a matéria sobre a qual sustenta omissão de pronúncia na circunstância superveniente à formação do título executivo constituída pela modificação introduzida no conteúdo do título dado à execução – substanciado na transacção homologada por sentença – por via do trânsito em julgado do acórdão anulatório proferido em 25.11.2009 no rec. nº 1300/05 do TCAS que revogou o acórdão de 1ª Instância do TAC de Sintra proferido no proc. nº 1548/04. 3BESNT, ambos certificados a fls. 221/267 e 268/294 dos autos.
Os actos declarados nulos por acórdão deste TCAS de 25.11.2009 são três deliberações camarárias de 09.1.98 – por lapso de escrita no segmento decisório do acórdão do TCAS de 25.11.2009 escreveu-se 29.1.98 -, 29.7.98 e de 22.4.98.
A deliberação de 09.1.98 respeita à aprovação da “…reversão das parcelas de terreno respeitante aos lotes cuja constituição será autorizada na operação de loteamento, com a área e confrontações definidas na planta n.° 7, constante do processo de loteamento …” – item 2 do probatório.
A deliberação de 29.7.98 respeita à aprovação “ …como aditamento à deliberação de 9 de Janeiro de 1998, foi de novo aprovada sob a forma de aditamento à proposta de reversão de três parcelas de terreno, com indicação precisa, das áreas e descrição predial das mesmas, sendo as áreas a reverter inferiores às que anteriormente haviam sido cedidas ao município …” – item 7 do probatório.
A deliberação de 22.4.98 respeita à alteração do alvará de loteamento nº 704/84 em que se inserem as parcelas de terreno objecto das deliberações de reversão de 09.1.98 e de 29.7.98, a saber, em “… 22 de Abril de 1998 a Câmara Municipal de Cascais deliberou a aprovação do loteamento referido na deliberação camarária de 9 de Janeiro de 1998 …” – item 6 do probatório.

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A questão omissiva vem sintetizada nos itens F a K das conclusões de recurso nos seguintes termos:
F. Por Acórdão proferido em 25 de Novembro de 2009 no âmbito do processo nº 1548/04.3BESNT, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou nulas as deliberações camarárias que aprovaram o loteamento em causa, bem como a reversão das parcelas de terreno;
G. Sucede que, perante tal decisão, o Tribunal a quo fez "tábua rasa" quanto às questões suscitadas pela Executada relativamente ao desfecho daquele processo, omitindo qualquer notificação às partes para se pronunciarem sobre os impactos decorrentes da decisão emitida no proc. 1548/04.3BESNT;
H. A sentença ora em crise incorreu no vício de omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não cuidou de acautelar das eventuais consequências da decisão proferida no proc. 1548/04.3 BESNT, conforme foi suscitado pela Executada;
I. Tal omissão de pronúncia deve-se, em grande parte, ao facto das partes não terem sido notificadas para se pronunciarem sobre as referidas consequências, cujos exactos termos apenas seria possível aquilatar atendendo aos fundamentos constantes da decisão proferida no proc. 1548/04.3BESNT;
J. Certo é que a Executada expôs perante o Tribunal a quo, na Oposição deduzida, e concretamente nos artigos 27º e 28º, algumas das eventuais consequências, com particular relevo para a hipotética invalidade da transacção em caso de declaração de nulidade dos actos;
K. Razão pela qual a sentença em crise padece do vício de omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do nº l do artigo 668.° do CPC, acarretando tal vício a sua nulidade
A alegada omissão de pronúncia fundamenta-se na violação do princípio do contraditório e consequente decisão-surpresa, questões trazidas a recurso nos itens L a U das conclusões.
Evidentemente que o acórdão proferido em 25.11.2009 no rec. nº 1300/05 do TCAS configura o facto superveniente relativamente à sentença exequenda de 25.02.1998 homologatória da transacção efectivada entre as partes em 16.02.1998, proferida no procº 593/93 do TAC de Lisboa, subsumível, como tal, na previsão do artº 171º nº 1 CPTA..
Todavia, como alega no item 7 das contra-alegações o Recorrido, no tocante ao acórdão do TCAS de 25.11.2009 proferido no rec. nº 1300/05 - que revogou o acórdão de 1ª Instância do TAC de Sintra proferido no proc. nº 1548/04. 3BESNT - verifica-se que “a fls. 296 dos autos, o Tribunal recorrido, a seguir a ter recebido certidão das decisões proferidas no referido processo 1548/04, (com nota do trânsito em julgado), expediu notificações para as partes (concretamente em 15/07/2010), pararequererem o que tiverem por conveniente”.
De modo que decai o argumento de estarmos perante uma decisão-surpresa, na economia do regime do artº 3º nº 3 CPC, no que respeita ao mencionado facto superveniente.
De todo o modo, por muito que se sustente uma interpretação alargada do conceito de decisão-surpresa, não nos parece que tal conceptualização pudesse ser aplicada no presente contexto executivo relativamente à existência de um acórdão (25.11.2009) que vem bulir com a conformação dos termos da transacção homologada por sentença constitutiva do título dado à execução (25.02.1998) na medida em que as partes são as mesmas, foram notificadas e, neste contexto, não podem alegar o desconhecimento do conteúdo do acórdão de 25.11.2009 no contexto do acordo homologado pela sentença de 25.11.2009.
Pelo exposto improcede a questão trazida a recurso de violação do princípio do contraditório nos itens L a U das conclusões.
E também não incorre a sentença no vício de omissão de pronúncia na exacta medida em que a questão dos efeitos do acórdão de 25.11.2009 no título dado à execução (transacção homologada por sentença de 25.02.1998) é expressamente abordada na fundamentação da sentença ora sob recurso e acima transcrita, como se reitera pelo segmento que segue:
“(..) Está provado que por Acórdão de 25 de Novembro de 2009, transitado em julgado em 12 de Janeiro de 2010, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou nulas as deliberações de 29.1.98, 29.7.98 e de 22.4.98 e os contratos outorgados em 5.8.98.
Declaradas nulas aquelas deliberações e os contratos verifica-se que não produziram quaisquer efeitos quer a reversão quer a aprovação do loteamento para os terrenos, isto é, não se verificou nenhuma das condições pelas quais o município de Cascais se exonerava do pagamento à A………..- Actividades ……………., Lda. da quantia de 171 875 560$00 que aquele, nos termos da transacção devidamente homologada deve a esta.
Pelo que aquela quantia é devida pelo executado à exequente, acrescida de juros de mora desde a citação (em 22 de Outubro de 1993), e até integralmente pagamento. (..)”.

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Também aqui improcede a questão trazida a recurso de violação do direito adjectivo por omissão de pronúncia, nos itens B a K das conclusões.


2. obrigação com faculdade alternativa – objecto de prestação única;

Vejamos agora a questão dos erros de julgamento trazida a recurso nos itens V a CC e DD a NN das conclusões.
Quanto ao enquadramento do acto de cumprimento nos exactos termos da transacção homologada por sentença de 25.11.2009, sustenta a Recorrente nos itens W a CC das conclusões que o dever de prestar por parte do Município se configura nos termos da teoria do acto devido materializada na prática futura de actos administrativos de conteúdo concretizado, que todavia, foram declarados nulos pelo acórdão de 25.11.2009 do TCAS; neste sentido,
W Não subsistindo o direito à reversão, qualquer negócio jurídico incidente sobre tal direito teria um objecto legalmente impossível, nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 133.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA);
X Nessa medida, a promessa de emissão dos actos administrativos a que se vinculou a Executada é, ela própria, nula e de nenhum efeito, porquanto a mesma recaía sobre efeitos não permitidos pela lei, sendo assim de objecto legalmente impossível, afectando dessa forma a própria transacção judicial, tornando-a inválida;
Y Sendo inválida a referida transacção, a mesma não pode servir de título à presente execução, pelo que o pagamento da quantia exequenda não pode ser exigido à Executada;
Dentro deste entendimento, mostra-se incurso em erro de julgamento o segmento da sentença que segue:
“(..) Está provado que por Acórdão de 25 de Novembro de 2009, transitado em julgado em 12 de Janeiro de 2010, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou nulas as deliberações de 29.1.98, 29.7.98 e de 22.4.98 e os contratos outorgados em 5.8.98.
Declaradas nulas aquelas deliberações e os contratos verifica-se que não produziram quaisquer efeitos quer a reversão quer a aprovação do loteamento para os terrenos, isto é, não se verificou nenhuma das condições pelas quais o município de Cascais se exonerava do pagamento à A………….- Actividades ……………, Lda. da quantia de 171 875 560$00 que aquele, nos termos da transacção devidamente homologada deve a esta.
Pelo que aquela quantia é devida pelo executado à exequente, acrescida de juros de mora desde a citação (em 22 de Outubro de 1993), e até integralmente pagamento. (..)”.

Não se acompanha o entendimento sustentado pelas razões que seguem.

O exacto conteúdo da transacção consta do ponto 3 do probatório:
“(..) 1a O Município de Cascais confessa o pedido, assim assumindo a obrigação de pagamento à Autora da quantia de 171 875 560$00 (cento e setenta e um milhões oitocentos e setenta e cinco mil quinhentos e sessenta escudos) e juros de mora legais desde a data da citação, até integral pagamento.
A Autora aceita que o pagamento seja efectuado através de reversão para a C....... - Cooperativa de Habitação Económica, CRL, pessoa colectiva n.°…………., com sede na …………….., em Cascais, dos terrenos por esta cedidos ao Réu, no âmbito do alvará de loteamento nº 708/84.
3.a A referida reversão será efectuada nos termos da deliberação da Câmara Municipal de Cascais, e 09 de Janeiro de 1998 e com o ónus referido no ponto 11 da mesma, como tudo consta dos documentos que se juntam, neste acto, aos autos.
4.a Com a referida reversão e com a aprovação do loteamento referido na deliberação camarária a que se refere o artigo anterior, fica o réu exonerado de toda e qualquer responsabilidade de pagamento à autora.
5.ª O réu deverá diligenciar, com a maior brevidade possível, a realização da escritura de reversão referida, posto que já foi proferido despacho de adjudicação pelo Exmo. Presidente da Câmara Municipal de Cascais. (..)”
Conforme ao clausulado, nos termos gerais dos direitos de crédito, a transacção corporiza um direito à prestação em favor da esfera jurídica da sociedade Recorrida de um valor em dívida de 171 875 560$00, a que corresponde um dever de prestar assumido pelo Município Recorrente naquele mesmo montante.
De modo que a dívida confessada pelo Município Recorrente tendo como credor a sociedade recorrida é uma dívida pecuniária no montante de 171 875 560$00, matéria que não suscita quaisquer dúvidas, atento o texto da transacção.

Vejamos agora a modalidade acordada quanto ao modo de cumprimento.

No tocante ao acto de pagamento, na veste de acto de cumprimento e, por consequência, liberatório do dever de prestar a cargo do Município Recorrente, os termos da transacção corporizam uma obrigação com faculdade alternativa, modalidade relativamente a cujo regime a doutrina chama a atenção que “(..) não coincide com o das obrigações alternativas. As diferenças resultam, evidentemente, do facto de, nas do primeiro tipo [obrigação com faculdade alternativa] ser devida uma única prestação, embora, conforme o caso, possa efectuar-se ou exigir-se uma outra. A sua disciplina jurídica decorre dos princípios gerais, não se tendo considerado necessário acautelá-la com normas específicas. (..)” (7)
Nas obrigações alternativas, o seu objecto compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada”, vd. artº 543º nº 1 C. Civil.
Nas obrigações com faculdade alternativa, o seu objecto é constituído “(..) por uma só prestação – a única que o credor tem o direito de exigir – embora o devedor possa exonerar-se mediante a realização de uma outra prestação, sem necessidade de consentimento do credor. A hipótese mais frequente é a da faculdade alternativa pertencer ao devedor, a qual tanto resulta de negócio jurídico …como da própria lei. Concebe-se, todavia, que a faculdade alternativa existe em benefício do credor, também derivada de estipulação das partes ou de preceito legal. (..)” – vd. Autor e Obra citada nas mesmas páginas.

*
No caso concreto a obrigação de prestação única de pagamento de 171 875 560$00 com faculdade alternativa clausulado em benefício do Município devedor ora Recorrente, foi levada à transacção mediante cláusula 2ª em que expressamente a sociedade ora Recorrida declarou aceitar que o pagamento fosse efectuado através da reversão “para a C....... - Cooperativa ………….., CRL dos terrenos por esta cedidos ao Réu, no âmbito do alvará de loteamento nº 708/84”.
Ou seja, relativamente à prestação única constituída pela dívida confessada de 171 875 560$00 em favor da sociedade ora Recorrida na qualidade de credora, o Município Recorrente na qualidade de devedor podia exonerar-se através da faculdade alternativa acordada da reversão das parcelas do mencionado alvará de loteamento.

*
Todavia, por acórdão proferido em 25.11.2009 no âmbito do processo nº 1548/04.3BESNT, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou nulas as deliberações camarárias que aprovaram o mencionado loteamento, bem como a reversão das parcelas de terreno
Como já referido supra, as actos declarados nulos pelo acórdão de 25.11.2009 respeitam a três deliberações camarárias, a de 09.1.98 que aprovou a “…reversão das parcelas de terreno respeitante aos lotes cuja constituição será autorizada na operação de loteamento, com a área e confrontações definidas na planta n.° 7, constante do processo de loteamento …” – item 2 do probatório.
A deliberação de 29.7.98 de aprovação “ …como aditamento à deliberação de 9 de Janeiro de 1998, foi de novo aprovada sob a forma de aditamento à proposta de reversão de três parcelas de terreno, com indicação precisa, das áreas e descrição predial das mesmas, sendo as áreas a reverter inferiores às que anteriormente haviam sido cedidas ao município …” – item 7 do probatório.
E a deliberação de 22.4.98 de alteração do alvará de loteamento nº 704/84 em que se inserem as parcelas de terreno objecto das deliberações de reversão de 09.1.98 e de 29.7.98, a saber, em “… 22 de Abril de 1998 a Câmara Municipal de Cascais deliberou a aprovação do loteamento referido na deliberação camarária de 9 de Janeiro de 1998 …” – item 6 do probatório.

*
Por quanto vem de ser dito se conclui que tendo ficado o Município devedor sem hipótese de exercer a faculdade alternativa acordada e aceite pela sociedade ora Recorrida, por força do trânsito em julgado do acórdão deste TCAS de 25.11.2009 proferido no rec. nº 1300/05, temos que a obrigação de prestação única ficou reduzida à modalidade de pagamento de 171 875 560$00 sem a faculdade alternativa acordada aquando da junção da transacção de 16.02.1998 homologada por sentença 25.02.1998 no processo 593/93 a que se referem os itens 3 e 4 do probatório.
Dito de outro modo, o título executivo constituído pela sentença homologatória da transacção tem como dívida exequenda, única e exclusivamente, o pagamento em dinheiro de 171 875 560$00 – devidamente convertidos em € 857 311,67 – acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, nos exactos termos da sentença trazida a recurso.


***
Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente (artº 6º nº 7 RCP)hde


Lisboa, 21.ABR.2016


(Cristina dos Santos)..................................................................................

(Paulo Gouveia).......................................................................................

(Nuno Coutinho).....................................................................................


(1) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, págs. 220 a 223.
(2)Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, pág.142.
(3) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora/1981, págs. 53/54.
(4) Anselmo de Castro, Direito processual .., pág. 143.
(5) Paula Costa e Silva, Acto e processo, Coimbra Editora/2003, págs. 412 e ss
(6) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos …, págs. 222/223 e 408/410.
(7) Almeida Costa, Direito das obrigações, Coimbra Editora/1984, págs. 493/494.