Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:332/08.0BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INSOLVÊNCIA DO EMPREITEIRO;
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS;
CADUCIDADE DO CONTRATO;
DECRETO-LEI N.º 55/99, DE 02/03;
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS;
DECRETO-LEI N.º 53/2004, DE 18/03.
Sumário:I – O art.º 147.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 55/99, de 02/03, quando determina a caducidade do contrato de empreitada em caso de falência do empreiteiro, não é extensível à situação de insolvência do empreiteiro, designadamente após a entrada em vigor do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/08;
II - Unificados os processos de insolvência e de falência por via do CIRE, não ocorre a necessidade de recurso a uma qualquer interpretação analógica – subsequente à impossibilidade do legislador do art.º 147.º do RJEOP ter previsto a alteração legal posterior e introduzida pelo CIRE – pois essa unificação não criou qualquer vazio legal relativamente ao regime da empreitada de obras públicas;
III - Após a entrada em vigor do CIRE a situação de insolvência do empreiteiro deve regular-se pelo estatuído no n.º 2, al. b) do art.º 147.º do RJEOP, que terá que ter uma interpretação correctiva, por forma a conciliar-se com o determinado no art.º 102.º, do CIRE, com o qual não é incompatível;
IV - Pela aplicação conjugada do determinado no art.º 147.º, n.º 1, al. b), do RJEOP, com o art.º 102.º, do CIRE, há que entender que - durante a vigência destes dois diplomas – em caso de insolvência do empreiteiro, o contrato de empreitada de obra pública não caducava de imediato, pois não era aqui aplicável a determinação do n.º 1 do art.º 147.º do RJEOP, que estava restrita às situações de falência. Diversamente, no caso de insolvência do empreiteiro passou a ter que seguir-se o procedimento previsto no art.º 102.º, do CIRE – e nesta medida, a parte final da alínea b) do n.º 2 do art.º 147.º do RJEOP deve sofrer uma interpretação correctiva;
V- Sem embargo, o dono da obra sempre poderia opor-se à manutenção do contrato com o prosseguimento da execução da obra, salvaguardando o interesse público face à ameaça da não continuarão de uma boa e regular execução do contrato de empreitada, bastando-lhe para tal invocar a indicada insolvência, pois essa prorrogativa deriva da primeira parte do n.º 2 do art.º 147.º do RJEOP.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A A....., SA (AdNA) interpôs recurso da sentença do TAF de Castelo Branco na parte em que julgou parcialmente procedente a acção interposta pela Massa Insolvente de S....., SA (S.....) e anulou o acto de aplicação da multa no valor de €155.297,17, por atraso na conclusão da empreitada.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1. A Recorrente não se pode conformar com a sentença na parte em que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu anular a multa aplicada pela Recorrente à Recorrida.
2. O contrato de empreitada não caducou com a insolvência da Recorrida, nos termos do artigo 147.°, n.° 1, do DL 59/99, de 02/03.
3. A insolvência da Recorrida foi declarada ao abrigo do Decreto-Lei n.° 53/2004, de 18 de março (diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante "CIRE"), que, no seu capítulo IV, dispõe sobre os efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso.
4. Nos termos do n.° 1 do artigo 102.° do CIRE, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento tanto pelo insolvente como pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.
5. Assim, uma vez declarada a insolvência, o seu efeito, nos contratos bilaterais em curso - portando, contratos ainda não conclusos e que opera ipso iure, é a suspensão da execução contratual até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.
6. No caso dos autos, o administrador de insolvência manifestou, clara e inequivocamente a intenção de concluir os trabalhos contratados.
7. Operou, por isso, o único efeito ipso iure da declaração de insolvência decretada ao abrigo do CIRE: a suspensão da execução contratual e a opção pela execução do contrato, tudo ao abrigo da norma especial ínsita no art.° 102.° do CIRE.
8. O n.° 1 do artigo 147.° do Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, prevê a caducidade para a declaração de falência.
9. O conceito de falência no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 132/93, de 23 de abril, na redação conferida pelo Decreto- Lei n.° 315/98 de 20 de outubro, não se confunde com o conceito de insolvência do CIRE.
10. quadro legal, à data da declaração de insolvência da Recorrida, era o seguinte: (i) vigorava o CIRE - que rompe decisivamente com o conceito de falência, afastando-o - e, ao mesmo tempo, (ii) o Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março.
11. Não é, assim, correto ler-se insolvência onde, no n.° 1 do artigo 147.° do Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, se lê falência.
12. Aliás, nesse sentido, e seguindo a evolução legislativa do regime de insolvência e recuperação de empresas de 2004, depõe a alínea h) do n.° 1 do artigo 333.° do atual regime de contratação pública (Código dos Contratos Públicos), em que, numa clara harmonização com o CIRE, foi atribuído ao contraente público o poder, discricionário, de resolver, a título sancionatório, o contrato, quando o cocontratante se apresente à insolvência, ou esta seja declarada pelo tribunal.
13. efeito da insolvência em qualquer contrato bilateral é a suspensão do mesmo - seja na fase de execução, seja na fase da formação -, porém, nos contratos públicos, a resolução contratual - forma de extinção do contrato, cfr. artigo 433.° do Código Civil - opera por iniciativa do contraente público.
14. Não existem, nos contratos públicos, quaisquer efeitos automáticos para além da suspensão: a extinção do contrato público, em caso de insolvência do cocontratante, pressupõe - sempre - uma declaração à outra parte.
15. Este é o entendimento que resulta da articulação entre o n.° 1 do artigo 102.° do CIRE e o artigo 333.°, n.° 1, alínea h) do Código dos Contratos Públicos.
16. Perante a declaração de insolvência da Recorrida, ao abrigo do n.° 1 do artigo 102.° do CIRE, o contrato bilateral celebrado com a Recorrente suspendeu-se - este é, aliás, o único efeito automático da declaração de insolvência que atinge o contrato, sendo que, com a manifestação de vontade do administrador da insolvência, o contrato retomou a sua execução.
17. À luz da entrada em vigor do CIRE - lex posteriori - não há lugar à caducidade regulada pelo Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, mas, antes, à suspensão contratual prevista no art.° 102.° do CIRE.
18. Os fatos assentes, sem controvérsia, e indicados na sentença recorrida, são, entre outros, os seguintes: Io) A S....., S.A. e a RECORRENTE, outorgaram, em 06.04.2004, «Contrato de empreitada de "Adução de Água a Nisa e Gavião - Lote 3"», nos termos do doc. N.° 1 junto com a p.i., que aqui se têm presentes, onde, entre o mais, se estabeleceu prazo de execução de trezentos dias; 2o) Foi feita a consignação em 14.04.2004; 3o) Por sentença de 10.10.2006 foi a S....., S.A. declarada insolvente; 4o) A S....., S.A. pelo administrador da insolvência - e não, como consta da sentença recorrida, administrador de "falência" - e a RECORRENTE acordaram em que fosse (i) concedida uma prorrogação graciosa do prazo da empreitada, devendo esta estar concluída até ao dia 30 de abril de 2007, e, a S....., S.A. (ii) vinculou-se a concluir totalmente a empreitada até aquela data (30.04.2007); 5o) Em fevereiro de 2008 a RECORRENTE comunicou à RECORRIDA (na pessoa do administrador da insolvência, repete-se, não administrador de Falência, como consta da sentença recorrida) a "intenção de aplicação de multas por violação de prazos contratuais", por atrasos na conclusão da obra, no valor de €155.297,17; 6o) Tendo-se a RECORRIDA pronunciado; e 7o) Por missiva de 26.03.2008 a RECORRENTE comunicou à RECORRIDA (na pessoa do administrador da insolvência, repete-se, não administrador de Falência, como consta da sentença recorrida) que lhe foi aplicada a multa no valor de €155.297,17.
19. O artigo 201.° do Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, contém o regime de aplicação de multas pelo dono de obra.
20. Considerando os factos assentes (sem controvérsia) na sentença recorrida, conclui-se que o empreiteiro, depois de concedida uma prorrogação graciosa do prazo de execução, até ao dia 30 de abril de 2007, vinculou-se a concluir totalmente a empreitada ate à referida data (30.04.2007). Ora, significa isto, então, que em fevereiro de 2008, não tendo sido concluída a obra no prazo contratualmente definido, acrescido da referida prorrogação graciosa, podia o dono de obra manifestar a sua intenção em aplicar multas contratuais ao abrigo do artigo 201.° do referido diploma legal, o que fez nos termos do n.° 5 do referido artigo 201.°.
21. Quanto à multa concretamente aplicada, o seu montante total ascendia a €163.062,00, compreendido o período entre 30 de abril a 31 de agosto de 2007 (3 períodos), sendo que o valor diário, para efeitos da alínea a) do n.° 1 do artigo 201.° (transcrito supra), era de €776,48, sendo que, no estrito cumprimento da legislação, o dono de obra aplicou a multa, considerando o valor máximo legalmente permitido: €155.297,20 (20% do valor da adjudicação).
22. Ao contrário da sentença recorrida, não se tratando de um caso de caducidade do contrato, cabe a multa contratual aplicada, não sendo de anular o ato de aplicação da mesma, uma vez que, face à legislação (então) vigente, analisados os factos assentes, o dono de obra podia ter aplicado a multa contratual - o que fez -, dando a possibilidade de contraditório à Recorrida - o que veio a acontecer -, respeitando o limite de 20% do valor da adjudicação, face aos dias de atrasos efetivamente verificados (e dados por assentes).
23. A sentença recorrida violou, entre outros, o art.° 147.°, n.° 1, do DL 59/99, de 02/03, o art.° 102.° do CIRE e o artigo 201.° do DL 59/99.“

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. O Tribunal a quo decidiu e bem pela verificação da caducidade do contrato de empreitada que vinculava Recorrente e Recorrida.
2. De facto, o contrato de empreitada caducou, de acordo com o disposto no artigo 147.° n.° 1 do DL 59/99, de 02/03 com a declaração, por sentença, da insolvência da Recorrida, na data de 10 de Outubro de 200ó.
3. Pese embora a "falência" e “insolvência" sejam figuras distintas, esta abarca aquela na medida que ambas se verificam quando existe a impossibilidade de cumprir obrigações vencidas.
4. No caso em que determinado diploma legal aluda ao termo “falência", será imperioso ter-se presente que, a partir da entrada em vigor do CIRE, àquele termo corresponderá o de “insolvência".
5. Logo, à situação descrita nos autos, i.e., a de declaração de insolvência da Recorrida, é perfeitamente aplicável o estabelecido no n.° 1 do artigo 147.° do RJEOP, tendo-se, para o efeito, presente tudo o que é prescrito no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
6. Consequentemente, a sentença que reconheceu de tal conformidade e, nomeadamente, da caducidade do contrato de empreitada não merece qualquer censura.
7. No caso dos presentes autos não há lugar à intervenção do disposto no preceito legal plasmado no artigo 102° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
8. Os efeitos da declaração de insolvência do empreiteiro, sendo sociedade, não operam a suspensão da execução contratual (até que o administrador de insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento) mas sim a caducidade do contrato de empreitada que poderá ser obstada em determinadas excepções, nos termos do n.° 2 do artigo 147.° do RJEOP.
9. A declaração de insolvência da Recorrida opera ipso iure a caducidade do contrato de empreitada;
10. Não compete ao Administrador de insolvência decidir ou não, a priori e unilateralmente, pela continuação da execução do contrato de empreitada;
11.Sendo o Empreiteiro declarado insolvente, detém o dono da obra o poder discricionário de obstar à caducidade do contrato empreitada, decidindo da continuação da sua execução.
12. A declaração de insolvência da Recorrida determina à Recorrente o poder discricionário para apreciação sobre as qualidades da sociedade resultante do acordo de credores.
13. Tendo o contrato em causa caducado, a aplicação posterior de multa por banda da Recorrente é nula.
12. contrato pode extinguir-se por caducidade, bem como, se extinguiu.
13. instituto da caducidade constitui o efeito jurídico decorrente da verificação jurídica de um facto sfricfu sensu, no caso concreto: a declaração de insolvência da Recorrida.
15. A multa, prevista no artigo 201.° do Decreto-Lei n.° 59/99 de 02/03, destinada a impelir o empreiteiro ao cumprimento pontual da sua obrigação de execução da obra adjudicada apenas terá lugar até ao fim dos trabalhados ou à rescisão do contrato, pelo que, extinto o contrato por via da caducidade, não existe fundamento legal para a sua aplicação.
17. Ainda que assim não fosse, considerando os factos assentes na sentença recorrida, conclui-se que, a Recorrida pronunciou-se acerca da intenção de aplicação de multas por banda do dono da obra - "6°) Ao que a autora se pronunciou - crf. Doc. n.° 12 da p. . - , sendo que, a matéria por si vertida no que a isso diz respeito sempre faria, forçosamente, improceder tal intenção, o que acarretaria, indubitavelmente a revogação de tal acto.
18. Isto posto, conclui-se que a sentença recorrida não merece censura porquanto não violou qualquer disposição legal.”

Veio a A....., SA, informar que sucedeu a A....., SA, sucessão verificada e admitida por despacho de 16/12/2015.

O DMMP não apresentou pronúncia.



II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade:
1º) - S....., SA, e a ré, outorgaram, em 06/04/2004, «Contrato de empreitada de “Adução de Água a Nisa e Gavião – Lote 3”», nos termos do doc. nº 1 junto com a p. i. , que aqui se têm presentes, onde, entre o mais, se estabeleceu prazo de execução de trezentos dias.
2º) - Foi feita a consignação em 14/04/2004 – cfr. doc. nº 2 da p. i.
3º) - Por sentença de 10/10/2006 foi a S....., SA, declarada insolvente – cfr. doc. junto com a p. i. e com a contestação
6º) - Ao que a autora se pronunciou – cfr. doc. nº 12 da p. i.
9º) – Ao que a autora se pronunciou – cfr. doc. nº 4 da p. i.
10º) – Seguindo-se nova missiva da ré, datada de 28/04/2008, tendo por assunto “Notificação da intenção de rescisão (…)”– cfr. doc. nº 5 da p. i.
11º) – Ao que novamente a autora se pronunciou – cfr. doc. nº 6 da p. i. 12º) – Seguindo-se comunicação de nova missiva à ré, de 20/05/2008, nos seguintes termos – cfr. doc. nº 7 da p. i.:

«imagem no original»


Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) e 147.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), alteram-se os seguintes factos, por provados:
4º) – Em 29/03/2007 a Autora (pelo Administrador de Insolvência) e a ré acordaram no seguinte – cfr. doc. nº 3 da contestação:
1. A AdNA concede uma prorrogação graciosa do prazo da empreitada, devendo esta estar concluída até ao dia 30 de Abril de 2007.
2. A S....., SA, vincula-se a concluir totalmente a empreitada até aquela data (30.04.2007).
5º) - Em Fevereiro de 2008, a ré comunicou à Autora (na pessoa do Administrador de Insolvência) a “Intenção de aplicação de multas por violação de prazos contratuais”, por atrasos na conclusão da obra cujos cálculos constam do auto anexo (…) num total de € 155.297,17 (…)» – cfr. doc. nº 11 da p. i.
7º) - Por missiva de 26/03/2008, a ré comunicou à Autora (na pessoa do Administrador de Insolvência) que “é aplicada a V. Exas, a multa no valor de € 155.297,17 (…)» – cfr. doc. nº 13 da p. i.
8º) – Por missiva da mesma data (26/03/2008), a ré comunicou à Autora (na pessoa do Administrador de Insolvência) da intenção da primeira em “exercer o direito de rescisão” – cfr. doc. nº 3 da p. i.
13º) – A missiva da autora (subscrita pelo seu Administrador de Insolvência), de 31/03/2008, dirigida à ré (Presidente do CA), comunicou «a suspensão dos trabalhos na empreitada acima identificada, em virtude da falta de pagamento dos trabalhos executados e da impossibilidade de prossecução dos trabalhos por falta de elementos técnicos, tudo nos termos das alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 185º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março.» – cfr. doc. nº 14 da p. i.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 147.º, n.º 1, 201.º do Decreto-Lei n.º 55/99, de 02/03 (que aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP) e 102.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03 (que aprovou o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas – CIRE), porque a insolvência da S..... não implicava a caducidade imediata do contrato de empreitada, pois a situação de insolvência não é subsumível na previsão do art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP, pelo que a multa aplicada cumpriu o regime legal.

Como nota prévia, refira-se, que o presente recurso vem restringido à parte da decisão recorrida que anulou o acto de aplicação da multa no valor de €155.297,17, por atraso na conclusão da obra, aplicada pela AdNA à S...... Portanto, o restante julgamento que foi feito pela decisão recorrida, que fez claudicar os pedidos da A. para ser declarada ilícita a rescisão da empreitada, para ser pago à A. o valor de €140,999,98, por trabalhos a mais, para ser paga uma indemnização de €26.777,35, por danos causados pela rescisão ilícita e para lhe ser paga uma indemnização de €15.000,00, por danos de imagem, é um julgamento que já transitou em julgado.
Como segunda nota, referimos a falha e o manifesto erro na fixação do facto 4), que omitia a data de 29/03/2007, como sendo a do acordo e que referia que o acordo vinha celebrado pelo “administrador da falência”, quando das alegações das partes e do documento de suporte resulta manifesto e expresso que o indicado acordo foi subscrito pelo “Administrador de Insolvência da S....., SA” “(M....., Dr)”.
Igualmente, nos factos 5), 7), 8) e 13) ocorre um manifesto lapso na indicação de “Administrador da falência”, pois das alegações das partes e dos documentos de suporte resulta evidente que aquele administrador era “de insolvência” e era enquanto “Administrador de Insolvência”, que actuava.
Na decisão recorrida entendeu-se que a declaração de insolvência da S..... fez caducar o contrato de empreitada celebrado com a AdNA, por força do art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP, por a referência contida em tal preceito e relativa à falência ser de aplicação extensiva aos casos de insolvência.
Diga-se, desde já, que não acompanhamos a decisão recorrida.
Tal como decorre da factualidade provada, a S..... foi declarada insolvente por sentença de 10/10/2006.
Nessa data o contrato de empreitada mantinha-se por cumprir.
Em 29/03/2007 foi acordada entre as partes a prorrogação graciosa do prazo da empreitada e a S..... vinculou-se a executar e cumprir a mesma até 30/04/2007.
Em Fevereiro de 2008 foi comunicada pela AdNA à S..... a intenção de aplicação da multa contratual de €155.297,17, por atraso na conclusão da obra.
Por missiva de 31/03/2008, a S..... comunicou às AdNA a suspensão dos trabalhos de empreitada, nos termos do art.º 185.º, n.º 2, als. c) e d), do RJEOP.
A S..... pronunciou-se quanto a tal intenção.
Por missiva de 26/03/2008, foi comunicada à S..... a aplicação da referida multa. Nessa mesma missiva foi comunicada a intenção da AdNA de exercer o direito de rescisão da empreitada.
Após pronúncia da S..... relativamente à intenção da AdNA de rescindir o contrato de empreitada, em 20/05/2008, a AdNA rescindiu aquele contrato.
O art.º 147.º do RJEOP, sob a epígrafe, “Morte, interdição ou falência do empreiteiro”, estipula o seguinte: “1 - Se, assinado o contrato, o empreiteiro falecer ou, por sentença judicial, for interdito, inabilitado ou declarado em estado de falência, o contrato caduca.
2 - Pode o dono da obra permitir a continuação da obra:
a) Se os herdeiros do empreiteiro falecido tomarem sobre si o encargo do seu cumprimento, desde que se habilitem, para o efeito, nos termos legais, no prazo máximo de 22 dias a contar da data do óbito;
b) Quando o empreiteiro se apresente ao tribunal para declaração de falência e haja acordo de credores, requerendo a sociedade formada por estes a continuação da execução do contrato.
3 - Verificada a caducidade do contrato, proceder-se-á à medição dos trabalhos efectuados e à sua liquidação pelos preços unitários respectivos, se existirem, ou, no caso contrário, pelos que forem fixados por acordo, por arbitragem ou judicialmente, observando-se, na parte aplicável, as disposições relativas à recepção e liquidação da obra, precedendo inquérito administrativo.
4 - O destino dos estaleiros, equipamentos e materiais existentes na obra ou a esta destinados regular-se-á pelas normas aplicáveis no caso da rescisão do contrato pelo dono da obra, no caso de falência, ou pelo empreiteiro, nos restantes casos.
5 - As quantias que, nos termos dos números anteriores, a final se apurar serem devidas à herança ou à massa falida serão depositadas em Portugal, em qualquer instituição de crédito, para serem pagas a quem se mostrar com direito.”
À data da publicação do RJEOP, regia o Decreto-Lei n.º 132/93, de 23/04, que aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), que distinguia dois processos especiais – o processo de falência e o processo de recuperação de empresas – e determinava que “só deve ser decretada a falência da empresa insolvente quando ela se mostre economicamente inviável ou se não considere possível, em face das circunstâncias, a sua recuperação económica” – cf. art.º 1.º, n.º 2, deste diploma.
Basicamente, em tal diploma distinguia-se a situação do insolvente, ou da empresa insolvente, em que se permitia que viesse a ser recuperada, da empresa falida, por seu economicamente ou tecnicamente inviável, caso em que só restaria como solução a liquidação da empresa (cf. a este propósito, LAMEIRA, José António de Sousa – “A evolução histórica recente do regime do instituto da falência/insolvência” [em linha] in Miguel Pestana de Vasconcelos (coord.), Falência, Insolvência e recuperação de empresas - 1.º Congresso de Direito Comercial das Faculdades de Direito da Universidade do Porto, de S. Paulo e de Macau, Porto, FDUP, 2016, disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/111880/2/264845.pdf, pp.121-123; cf., também, ASCENSÃO, José de Oliveira - Efeitos da Falência sobre a Pessoa e Negócios do Falido [em linha] in Revista da Ordem dos Advogados, A. 55 (Dez.1995), disponível em http://portal.oa.pt; ASCENSÃO, José de Oliveira - Insolvência: Efeitos sobre os negócios em curso [em linha] in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, A. 65 (Set.2005), disponível em http://portal.oa.pt).
No Capítulo IV, Secção II, do CPEREF, designadamente nos art.ºs 151.º a 171.º, regulavam-se os efeitos da falência nos “negócios jurídicos do falido” sem se estabelecer um princípio geral. O tratamento que era dado à matéria no CPEREF pontua-se pela regulação casuística relativamente a alguns negócios, aí tipificados (dos quais se excluia a empreitada ou a celebração de contratos públicos).
Assim, a partir da análise do regime geral do CPEREF, José Oliveira Ascensão propunha como princípios comuns aplicáveis aos demais negócios em curso à data da falência, entre outros, os seguintes: (i)“só nos casos estabelecidos na lei há a cessação automática”; (ii) “os contratos duradouros estão sujeitos a denúncia pelo liquidatário”; (iii) “não havendo disposição especial, o liquidatário judicial tem a opção entre manter os contratos ou pôr-lhes termo”; (iv) “À outra parte cabe, por vezes, a alternativa de pôr termo à relação, ou pelo contrário de a manter”; (v) “O liquidatário pode por vezes opor-se a esta extinção, cumprindo integralmente o contrato” (cf. ASCENSÃO, José de Oliveira - Efeitos, ob. cit, pp. 673-676).
Entretanto, o CPEREF foi reformulado pelo CIRE (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/08), e “adoptou um novo modelo, pois que, após uma fase (no domínio do CPEREF) em que estavam consagrados, como se referiu, dois processos (o da falência e o da recuperação) passou a aplicar-se um único processo: o da insolvência.
Eliminando-se o processo de recuperação e adoptando-se tão-somente o processo de insolvência como único processo admissível, a recuperação passou a ser, apenas, uma das finalidades da insolvência, em alternativa à liquidação.” (in LAMEIRA, José António de Sousa, “A evolução”, ob. cit., p. 122).
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/08, esclarece-se o seguinte: “A supressão da dicotomia recuperação/falência, a par da configuração da situação de insolvência como pressuposto objectivo único do processo, torna também aconselhável a mudança de designação do processo, que é agora a de «processo de insolvência». A insolvência não se confunde com a «falência», tal como actualmente entendida, dado que a impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, em que a primeira noção fundamentalmente consiste, não implica a inviabilidade económica da empresa ou a irrecuperabilidade financeira postuladas pela segunda.”
Neste enquadramento legal, pergunta-se, o art.º 147.º do RJEOP, quando faz referência expressa à situação de falência deverá também abranger a situação de insolvência? Exigir-se-á o recurso a uma interpretação extensiva do citado preceito, tal como se fez na decisão recorrida, por forma a abranger a situação de insolvência, que não está contida no seu texto mas estará contida no espírito daquela norma?
Julgamos que não.
Na data da publicação do RJEOP, a falência e a insolvência eram situações jurídicas distintas, tal como decorria do CPEREF.
Como acima indicamos, no CPEREF não se previa um princípio geral relativamente aos negócios do falido. Assim, o regime de tais negócios teria de ser aferido casuisticamente. Mas, entre os princípios comuns evidenciados por Oliveira Ascensão decorria que só nos casos estabelecidos na lei havia a cessação automática dos negócios. Quanto aos casos restantes, as regras apontavam para a possibilidade de se manter a execução do contrato, desde que assim fosse acordado pelas partes.
Neste contexto, mostra-se explicada a previsão do art.º 147.º do RJEOP. Ocorrendo a falência do empreiteiro o contrato caduca. Opera aqui o n.º 1 do citado art.º 147.º. Mas, em caso de insolvência, poderá manter-se a execução do contrato, permitindo o dono da obra a continuação da sua execução, desde haja acordo de credores e tal seja requerido, operando, neste caso, o previsto na alínea b) do n.º 2 do art.º 147.º do RJEOP.
Por conseguinte, à data da publicação do RJEOP o regime jurídico da falência e da insolvência e a respectiva repercussão nos negócios em curso não eram situações de todo paralelas. Por isso mesmo o art.º 147.º do RJEOP terá restringido a situação de caducidade do contrato à situação de falência, admitindo a continuação da respectiva execução, a pedido do administrador do insolvente, nas situações em que tal falência ainda não tivesse sido decretada.
Posteriormente, como o CIRE, a insolvência passou a constituir um único processo, mas com uma nova lógica ou modelo, assente na “vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral” (cf. preâmbulo do diploma).
Nesse seguimento, determinou-se no art.º 102.º, n.º 1, do CIRE, sob a epígrafe “princípio geral quanto a negócios ainda não cumpridos”, que relativamente aos contratos bilaterais que à data da declaração de insolvência de uma das partes estivessem ainda por cumprir, o respectivo cumprimento ficava suspenso até que o administrador de insolvência declarasse optar pela execução ou, ao invés, pela recusa no cumprimento do contrato.
Nos números seguintes desse preceito estipula-se: “2 - A outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento.
3 - Recusado o cumprimento pelo administrador da insolvência, e sem prejuízo do direito à separação da coisa, se for o caso:
a) Nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou;
b) A massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação correspondente à prestação já efectuada pelo devedor, na medida em que não tenha sido ainda realizada pela outra parte;
c) A outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada;
d) O direito à indemnização dos prejuízos causados à outra parte pelo incumprimento:
i) Apenas existe até ao valor da obrigação eventualmente imposta nos termos da alínea b);
ii) É abatido do quantitativo a que a outra parte tenha direito, por aplicação da alínea c);
iii) Constitui crédito sobre a insolvência;
e) Qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas nas alíneas c) e d) com a aludida na alínea b), até à concorrência dos respectivos montantes.
4 - A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável.”
De salientar, ainda, o art.º 119.º, n.º 3, do CIRE, que determina que o regime previsto “não obsta a que a situação de insolvência possa configurar justa causa de resolução ou de denúncia em atenção à natureza e conteúdo das prestações contratuais.”
Por seu turno, no âmbito da presente empreitada, por força do art.º 180.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA - na anterior versão, aplicável à data), o dono da obra tinha a possibilidade de rescisão unilateral do contrato por imperativo de interesse público, devidamente fundamentado, assim como, estava prevista no art.º 234.º, n.ºs 1 e 3, do RJEOP, a possibilidade de rescisão do contrato por conveniência do dono da obra ou a título de sanção aplicável ao empreiteiro.
Em suma, neste enquadramento legal, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, pensamos que no espírito do legislador do art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP, não se incluía a possibilidade de tal preceito abranger a situação de insolvência – que na data já se distinguia da situação de falência, tal como acima assinalamos.
Por outro lado, consideramos, que uma vez unificados os processos de insolvência e de falência por via do CIRE, aqui também não ocorre a necessidade de recurso a uma qualquer interpretação analógica – subsequente à impossibilidade do legislador do art.º 147.º do RJEOP ter previsto a alteração legal posterior e introduzida pelo CIRE.
Na verdade, tal como deriva do excurso acima feito sobre o CPEREF e o CIRE, consideramos que a figura da falência não é uma situação totalmente paralela ou similar à nova figura da insolvência, que exija uma igual consequência legal em termos de negócios em curso, no caso, em termos do regime da empreitada de obras públicas.
Doutra feita, a unificação dos processos de insolvência e de falência por via do CIRE não criou qualquer vazio legal relativamente ao regime da empreitada de obra pública, por no art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP, só se fazer expressa referência à falência – e não à insolvência – que, por isso, reclame o apelo a uma aplicação analógica do art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP.
Da nossa parte, consideramos que após a entrada em vigor do CIRE a situação de insolvência do empreiteiro deve regular-se pelo estatuído no n.º 2, al. b) do art.º 147.º do RJEOP, que terá que ter uma interpretação correctiva, por forma a conciliar-se com o determinado no art.º 102.º, do CIRE, com o qual não é incompatível. Assim, pela aplicação conjugada do determinado no art.º 147.º, n.º 1, al. b), do RJEOP, com o art.º 102.º, do CIRE, há que entender que - durante a vigência destes dois diplomas - no contrato de empreitada de obra pública, em caso de insolvência do empreiteiro, o respectivo contrato não caducava de imediato, pois não era aqui aplicável a determinação do n.º 1 do art.º 147.º do RJEOP, que estava restrita às situações de falência. Diversamente, no caso de insolvência do empreiteiro passou a ter que seguir-se o procedimento previsto no art.º 102.º, do CIRE – e nesta medida a parte final da alínea b) do n.º 2 do art.º 147.º do RJEOP deve sofrer uma interpretação correctiva.
Sem embargo, o dono da obra sempre poderia opor-se à manutenção do contrato com o prosseguimento da execução da obra, bastando-lhe para tal invocar a indicada insolvência, pois essa prorrogativa deriva da primeira parte do n.º 2 do art.º 147.º do RJEOP. Refere tal preceito: “pode o dono da obra permitir a continuação da obra”. Portanto, não pretendendo que a obra continuasse a ser executada pelo empreiteiro insolvente, o dono da obra poderia rescindir o contrato, assim salvaguardando o interesse público face à ameaça da não continuação de uma boa e regular execução do contrato de empreitada.
No restante, por via do previsto nos art.ºs 180.º do CPA e 234.º, n.ºs 1 e 3, do RJEOP, frente a uma situação de insolvência do empreiteiro, também seria sempre possível ao dono da obra rescindir o contrato, não sendo, de todo, indispensável fazer-se apelo à aplicação analógica do art.º 147.º do RJEOP e aí fazer abarcar a figura da insolvência.
Em conclusão, consideramos que, no caso, não ocorreu a imediata caducidade do contrato e que tinha aplicação o instituído no 102.º, n.º 1, do CIRE, tal como propugnado pelo ora Recorrente.
O contrato de empreitada em causa, que foi celebrado entre a AdNA e a S..... é, sem dúvida, um contrato bilateral.
Em 10/10/2006, a data em que a S..... foi declarada insolvente, tal contrato mantinha-se válido e por cumprir.
Dos autos decorre que em 29/03/2007 foi acordada entre as partes a prorrogação graciosa do prazo da empreitada e a S..... vinculou-se a cumprir a mesma até 30/04/2007.
Portanto, há que entender que, no caso, a S....., através do administrador de insolvência, declarou por via do acordo celebrado que pretendia manter-se a executar o contrato.
Consequentemente, no caso em apreço operou a determinação constante do art.º 102.º, n.º 1, do CIRE, ocorrendo primeiramente a suspensão da execução contratual e, posteriormente, com o acordo celebrado em 29/03/2007, a opção da insolvente pela execução do contrato, nas condições ajustadas.
Por seu turno, declarada a insolvência da S..... em 10/10/2006, o correspondente contrato não caducou ope legis, por força do art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP, pois tal consequência não tem aplicação nas situações de insolvência e, muito menos, quando as partes acordam na execução do contrato pelo insolvente.
No mais, tal como já dissemos, o art.º 147.º n.º 2, al. b), do RJEOP, também já permitia ao abrigo do CPEREF que a execução da empreitada prosseguisse ainda que se tivesse iniciado o processo de falência.
Ou seja, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, aqui não há que aplicar o art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP, por aplicação extensiva - ou analógica - e não se impõe – ao dono da obra e ao insolvente, representado pelo administrador de insolvência – ope legis, sem mais alternativas, a caducidade do contrato.
Aliás, em anotação ao art. º 147.º n.º 2, al. b), do RJEOP, Jorge Andrade da Silva refere o seguinte: “…desde que se verifique o condicionalismo descrito em qualquer daquelas alíneas, a continuação da execução da obra pelos herdeiros ou em, no caso da falência, pela sociedade resultante do acordo de credores, não se impõem ao dono da obra que, assim, discricionariamente, decide sobre a caducidade do contrato ou a continuação da sua execução.
(…) A falência vem regulada pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
(…) A alínea b) apenas prevê expressamente a situação de apresentação para declaração de falência e não o requerimento judicial daquelas medidas ou providências de recuperação, mas parece que o regime é o mesmo, nos termos da interpretação segundo a qual lei que permite o mais permite o menos” (cf. SILVA, Jorge Andrade da - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas. 9.a ed. Coimbra: Almedina, 2004, pp. 461-462).
De referir, ainda, que em caso de insolvência do co-contratante, designadamente do empreiteiro, o actual Código de Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29/01, também não impõe a caducidade do contrato, mas antes permite que o contraente público, se assim considerar, resolva o contrato a título sancionatório – cf. art.º 333.º, n.º 1, al. h), do CCP.
A propósito do regime do CCP, Jorge Andrade da Silva também refere o seguinte: “a declaração de insolvência não se confunde com a falência, isto é, não se traduz na definição de uma situação jurídica definitiva e impeditiva do exercício da atividade do sujeito passivo desse processo.
(...) Não seria razoável pretender que o Estado incentive as empresas privadas a confiar e colaborar na recuperação de empresas insolventes se o mesmo Estado não admite celebrar com aqueles qualquer contrato.” (cf. SILVA, Jorge Andrade da - Código dos Contratos Públicos Anotado. Coimbra: Almedina, 4.º ed., 2013, pp. 686-687).
Em suma, no caso em apreço face à insolvência da S....., declarada em 10/10/2006, não se impunha às partes – ao dono da obra e ao empreiteiro – ope legis do art.º 147.º, n.º 1, do RJEOP, a caducidade do contrato de empreitado celebrado.
No mais, atendendo à factualidade trazida aos autos estão verificados os pressupostos previstos no art.º 201.º do RJEOP, tendo a S..... exercido a sua defesa cabal, tal como decorre dos factos 5) a 7).
Há que entender, portanto, que após a referida declaração de insolvência o respectivo administrador manifestou a intenção da empresa insolvente de prosseguir com a execução da empreitada e tal prosseguimento foi acordado com o dono da obra, firmando em 29/03/2007 o acordo já referido, através do qual o empreiteiro vinculou-se a executar a empreitada até 30/04/2007.
Por conseguinte, não tendo a obra sido executada no prazo acordado – até 30/04/2007 – era legítimo ao dono da obra, nos termos do art.º 201.º do RJEOP, aplicar a multa contratual em questão.
Não se pode, portanto, acompanhar a decisão recorrida e há que conceder provimento ao recurso interposto e revogar aquela decisão na parte em que anulou o acto de aplicação da multa no valor de €155.297,17, por atraso na conclusão da obra.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida na parte em que anulou o acto de aplicação da multa no valor de €155.297,17;
- em julgar improcedente o referido pedido;
- custas pelo Recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 21 de Abril de 2021.

(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.