Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08574/12
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/11/2013
Relator:PAULO CARVALHO
Descritores:LEI DA ÁGUA, ÁGUAS DE NASCENTE.
Sumário:1- As águas de nascente são do domínio privado do dono do terreno onde brotam, por força do artº 1389 do Código Civil.

2- As taxas de recursos hídricos não sofrem de inconstitucionalidade orgânica.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Recorrente: Município de ……...
Recorrido: Águas do Zêzere e Coa, S. A..
Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nestes autos que decidiu:
“O tribunal decide, julgar totalmente procedente a ação, pelo que :
- condena o réu a pagar à autora a quantia de 182.339,30 € (cento e oitenta e dois mil e trezentos e trinta e nove euros e trinta cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa dos juros comerciais, desde o vencimento (como assinalado supra), até efetivo e integral pagamento;
- absolve a autora da instância quanto ao que vem em reconvenção.”
Foram as seguintes as conclusões do recorrente:
1) Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença e à qual o recorrente/município imputa vários vícios de deficiente interpretação das norma jurídicas, in casu, aplicáveis;
2) O recorrente na sua contestação apresentou defesa por exceção e deduziu pedido reconvencional baseado no facto de o contrato de concessão não abranger a água de nascente da denominada “Fonte Paulo …………….”.
3) A água de nascente da “Fonte Paulo …………….” é quanto à sua qualificação jurídica uma água do domínio privado do município recorrente pelo que não está afeta ao contrato concessão, celebrado entre o recorrente e recorrida, que só abrange, pela via da figura jurídica da afetação, o domínio público dos municípios utilizadores. Cfr - artigos 98º nº 1 e 2º nº 2 da Lei da Água (Lei nº 58/2005), e da alínea b) do nº 3 do artigo 1º do DL 90/90 de 18 de março que se encontra plenamente em vigor.
4) O tribunal recorrido errou na qualificação jurídica da água de nascente ao considerá-la como água do domínio público municipal e assim, deste, modo impediu o prosseguimento do processo, mediante a elaboração da base instrutória, para conhecer da factualidade alegada, em sede de contestação e de reconvenção.
5) O regime jurídico de acesso ao direito e aos tribunais não abrange as pessoas coletivas públicas e só se aplica aos tribunais estaduais não sendo extensível aos tribunais arbitrais. Cfr artigo 8º e 17º nº 1 da Lei nº 47/2007 de 28 de agosto.
6) O município recorrente na sua tréplica circunstanciou detalhadamente (através da junção de documentos cuja idoneidade é inquestionável), a sua incapacidade económico-financeira superveniente que não lhe permite cumprir, sem culpa sua, a convenção arbitral pelo que não pode o tribunal “a quo” negar o acesso ao direito e aos tribunais estaduais para dirimir o presente conflito que opõe o recorrente e recorrida.
7) As “taxas” de recursos hídricos não são juridicamente taxas, mas, isso sim, contribuição especial de financiamento de serviço público.
8) Enquanto contribuições financeiras estão sujeitas ao princípio da legalidade da administração (existência prévia de lei habilitante) e ainda a um princípio da legalidade tributária reforçada, traduzido na reserva de competência legislativa do parlamento para determinação do regime geral (lei-quadro) destes tributos. Ex. vi. artigo 165º nº 1 alínea i) da CRP.
9) A inexistência de lei-quadro ou um regime legal de lei emitida pela assembleia da república determina a inconstitucionalidade orgânica das taxas de recursos hídricos.
10) A douta sentença recorrida, violou, por deficiente interpretação: os artigos 2º nº 2 e 98º nº 1 da lei da Água (lei nº 58/2005) e a alínea b) do nº 3 do artigo 1º do DL 90/90 de 18 de março e os artigos 274º nº 2, alínea a), 487º nº 2, 501º nº 1 e 510º e ss do CPC, in casu, aplicável, por força do preceituado no artigo 1º do CPTA; o artigo 8º e 17º nº 1 da lei nº 47/2007 de 28 de agosto e o artigo 20º da CRP; o artigo 165º nº 1 alínea i) da CRP.
Foram as seguintes as conclusões do recorrido:
I. No que concerne à questão da Fonte Paulo …………, que, segundo invoca, agora, o Recorrente, foi objeto de defesa por exceção, entende este que, relativamente ao pagamento do serviço de abastecimento de água reclamada pela Recorrida, deveria ser descontado o valor das notas de débito identificadas na contestação, uma vez que nas faturas peticionadas na presente lide se incluiria água de nascente da fonte “Paulo ……….”, para abastecimento de água de consumo doméstico dos munícipes, pertencente ao domínio privado do Recorrente, água de nascente relativamente à qual o Município tem licença de estabelecimento para exploração que terá cedido a terceiro, garantindo, nos termos do contratado, a divisão da água entre esse terceiro e o próprio Município.
II. O Tribunal recorrido sufragou o entendimento de que o” (…) direito oposto não pode ser reconhecido, nos termos em que vem, conquanto, ao contrário do que o réu sustenta, a água em questão não cabe no seu domínio privado. Antes pertence ao domínio público - art.º 7º, a), da Lei nº 54/2005, de 15/11 (Estabelece a titularidade dos recursos hídricos). Estando atribuída a exploração e gestão - serviço público atribuído em exclusivo -, à concessionária do sistema multimunicipal, no caso à autora - artºs. 3º, nº 1, e 3º-A, do DL nº 379/93, arts.º 2º, nº 1, e 3º do DL nº 319/94, artºs. 2º, nº 1 e 3º, nº 1, do DL nº 162/96, DL nº 121/2000, de 04/07. “ – o sublinhado e destacado é nosso -.
III. A questão da água da Fonte Paulo …………. não caber no domínio privado do Recorrente, por pertencer antes ao domínio público, já foi decidida no despacho saneador, transitado em julgado em 23/11/2011, proferido no âmbito do processo nº199/10.8 BECTB que correu termos, entre a aqui AUTORA e o aqui RÉU, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, onde foi decidido que o ”(…) direito oposto não pode ser reconhecido, conquanto, ao contrário do que o réu sustenta, a água em questão não cabe no seu domínio privado. Antes pertence ao domínio público - art.º 7º, a), da Lei nº 54/2005, de 15/11 (Estabelece a titularidade dos recursos hídricos). Estando atribuída a exploração e gestão – serviço público atribuído em exclusivo -, à concessionária do sistema multimunicipal, no caso à autora (…) cujo aditamento (de 18/05/2001) (…) ao contrato de concessão até faz expressa menção à captação de água na Fonte Paulo ……….”, conforme despacho que se junta com nota de trânsito (DOC. 1), o qual já se encontra junto à réplica, mas sem tal menção – Cfr. DOC. 5 –, uma vez que, à data da apresentação deste articulado, tal despacho ainda não havia transitado em julgado - o sublinhado e destacado é nosso -.
IV. O instituto do caso julgado encerra em si duas vertentes, que, embora distintas, se complementam:
uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal – Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 93. -
V. “A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.498 do Código de Processo Civil”” – Cfr. Ac. da R.C., de 28.09.2010, tirado no processo nº 392/09.6TBCVL.C1 -.
VI. Ora, no caso em apreço, constata-se que o Tribunal recorrido já decidiu, a favor da Recorrida, por despacho saneador transitado em julgado, proferido na ação nº 199/10.8 BECTB, que a água em questão não cabe no seu domínio privado do recorrente, antes pertence ao domínio público - art.º 7º, a), da Lei nº 54/2005, de 15/11 (Estabelece a titularidade dos recursos hídricos), estando atribuída a exploração e gestão – serviço público atribuído em exclusivo -, à concessionária do sistema multimunicipal, no caso à Recorrida, não podendo, por conseguinte, voltar a ser discutido nesta ação que a água da Fonte Paulo ……………. é do domínio privado do Recorrente, uma vez que aquela decisão impõe-se nesta ação, sob pena de contradição entre julgados sobre a mesma questão, pondo em causa o princípio da certeza jurídica que está subjacente ao caso julgado.
VII. A extensão do caso julgado abrange não só os fundamentos invocados pelo autor, mas também os meios de defesa invocados pelo réu, as exceções invocadas e as que poderia ter invocado e não invocou, pois toda a defesa deve ser deduzida na contestação, sob pena de preclusão (nº 1 do artº 489º do CPC), contra o pedido deduzido.
VIII. Repare-se, aliás, que o efeito útil visado pelo Recorrente, ao pretender que a Recorrida seja condenada a reconhecer que a água da fonte “Paulo ………..” está excluída do contrato de concessão, é, sem dúvida, pôr em causa a sua dominialidade pública e que a exploração e gestão da mesma não está atribuída à Recorrida, o que já foi, definitivamente, fixado e assente na ação nº 199/10.8BECTB.
IX. É que, com a prolação do despacho saneador proferido na ação nº 199/10.8 BECTB, com ele precludiram as exceções, invocadas ou invocáveis, não podendo o Recorrente vir sustentar que a água da fonte “Paulo …………..” está excluída do contrato de concessão com base em factos anteriores ou contemporâneos à celebração do aditamento ao contrato de concessão e, como tal, anteriores à referida ação, podendo e devendo ali ter sido invocados.
X. O sucesso da tese sufragada, quer na contestação quer na reconvenção, quanto à água da fonte “Paulo ………… e o efeito útil através dela prosseguido pelo Recorrente, só será alcançado se o mesmo abalar os fundamentos em que se estribou a decisão proferida na ação nº 199/10.8 BECTB, pois que, através do pedido reconvencional formulado, nada mais pretende o Recorrente do que discutir de novo a matéria já definitivamente resolvida, visando, assim, a obtenção de decisão diversa da anteriormente proferida, anulando os seus efeitos, o que equivaleria, na prática, a ser admissível a própria anulação do efeito da autoridade do caso julgado material, resultado que a lei não permite.
XI. Logo, se o Tribunal ad quem, embora não o devendo, pelos motivos supra apontadas, concedesse provimento ao presente recurso, cair-se-ia, então, na situação e previsão do art. 675º, nº 1, do CPC, que impõe que perante casos julgados contraditórios se deva cumprir a decisão que passou em julgado em primeiro lugar.
XII. Ora, a autoridade do caso julgado consubstancia uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (arts.494º, al. i), e 495º do CPC), tal implica a extinção da instância por julgamento de forma (art.287º, al. a), do CPC ), o que inviabiliza uma pronúncia de mérito e prejudica o conhecimento das outras questões levantadas pelo Recorrente (arts. 713º, nº 2, e 660º, nº 2 do Cód. Proc. Civil), com exceção da questão da inconstitucionalidade orgânica da taxa de recursos hídricos, cuja apreciação se fará de seguida.
XIII. A taxa de recursos hídricos assenta num princípio de equivalência, na ideia fundamental de que o utilizador dos recursos hídricos deve contribuir na medida do custo que imputa à comunidade ou na medida do benefício que a comunidade lhe proporciona, uma concretização da igualdade tributária que as ciências do ambiente traduzem geralmente pelas noções do utilizador -pagador e do poluidor -pagador.
XIV. Na medida em que a taxa de recursos hídricos é devida pela utilização privativa do domínio público e pelo custo ambiental inerente às atividades suscetíveis de causarem impactes negativos significativos, e na medida em que estes são mensuráveis e imputáveis a um utilizador, existe uma contraprestação específica “resultantes de uma relação concreta (…) entre o contribuinte e o bem (…) público”, sendo possível assegurar o princípio da equivalência entre o valor pago e o custo que os utilizadores provocam à comunidade ou na medida do benefício que esta lhe proporciona, nos termos do art. 2º, nº 2, do D.L. nº 97/2008 – Cfr. António de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, págs. 63-64 -.
XV. Quer exista uma utilização do domínio público hídrico quer se trate de uma atividade que possa causar impactes significativos no estado quantitativo e qualitativo da água, o sujeito passivo aufere uma satisfação individualizável, “uma utilidade presumida que [o tem] por destinatário individualizado” 2008 – Cfr. António de Sousa Franco, Ob. Acima cit., pág. 69 -.
XVI. Aliás, repare-se que a base de incidência objetiva identificada na al. e) do art. 4º do D.L. nº 97/2008 é uma atividade que se traduz na utilização de águas e que é suscitável de causar impacte ambiental significativo, sendo, por conseguinte, a taxa, considerada nesta componente, a prestação devida pelos custos que o utilizador provoca à comunidade ao desenvolver uma atividade potencialmente poluente, sendo certo que a taxa pode ser fundamentada pelo princípio da compensação de custos de atividades públicas provocadas pelos particulares ou que lhes podem ser imputáveis – Cfr, neste sentido, Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, pág. 262 -.
XVII. Daí que, enquanto a componente A da taxa se refere à utilização do domínio público hídrico, a componente U da taxa refere-se aos custos ambientais decorrentes da utilização da água, a qual pode aplicar-se à utilização de águas particulares, sendo que, em ambos os casos, o valor da taxa é calculado em função do volume de água captado, desviado ou utilizado, o que é confirmado pelo disposto no art. 66º, nº 2, da Lei da Água ao referir que a obtenção de autorização implica o pagamento da taxa de recursos hídricos devida “pelo impacte negativo da atividade autorizada nos recursos hídricos”.
XVIII. Assim sendo, pode afirma-se que, além da receção do normativo comunitário no direito interno haver respeitado todos os ditames exigidos pela C.R.P., a contraprestação exigida ao sujeito passivo que explora a atividade poluente ou potencialmente poluente encontra referência nos custos de serviços públicos de tratamento e prevenção do inquinamento das águas por ele utilizadas, razão pela qual tal taxa não padece da invocada inconstitucionalidade.
SEM PRESCINDIR,
IXX. Como acima se deixou referido, a autoridade do caso julgado prejudica o conhecimento das questões levantadas pelo Recorrente, no entanto, a Recorrida, por mera cautela de patrocínio, não deixará de apreciar o recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, aduzindo que não é pelo facto de o Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de março, referir que as massas minerais e águas de nascente não se integram no domínio público do Estado que se verifica, automaticamente, como pretende o Recorrente, a sua inclusão no domínio privado, já que não era esse o sentido e a extensão da autorização legislativa resultante do art. 2º, nº 1, alínea b), a da Lei nº 13/89, de 29 de junho.
XX. Tendo em conta que o D.L. nº 90/90, de 16 de março, disciplina o regime jurídico de revelação e aproveitamento dos recursos geológicos que se integram no domínio público do Estado, não abrangendo, por conseguinte, o domínio das demais pessoas coletivas de direito público - regiões autónomas e autarquias locais -, que são igualmente titulares do direito de propriedade sobre uma panóplia de bens destinados a prosseguir os fins públicos que lhes são próprios e que constituem, assim, o seu domínio público, como é o caso de estradas e caminhos municipais ou vicinais, ruas, praças, jardins, espaços verdes e sistemas de saneamento (abastecimento de águas e esgotos) existentes na respetiva área e em espaços de que cada autarquia seja proprietária.
XXI. Uma vez que os bens dominiais são normalmente classificados com base nos critérios da identidade do titular do direito - domínio público do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais – da função dos bens - domínio público de circulação, cultural, militar, etc., - no processo da sua criação - domínio público natural e artificial - e quanto à sua estrutura material - domínio público hídrico, terrestre e aéreo -, importa concluir, assim, que, considerando o conteúdo do D.L. nº 90/90, de 16 de março, o disposto neste diploma abrange apenas os recursos que se integram no domínio público da pessoa coletiva Estado.
XXII. Acresce que, a “Lei da Titularidade classifica o domínio público hídrico em três grandes grupos – o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas – organizando a seguir, separadamente, para cada um destes grupos, as normas jurídicas sobre a titularidade do domínio público hídrico” – Cfr. JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, Um Novo Regime Da Titularidade das Águas Públicas, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, Nºs 23/24, 2005, pág. 111 -.
XXIII. O Tribunal recorrido entendeu que a água da Fonte Paulo ……….. não cabe no domínio privado do Recorrente por pertencer antes ao domínio público nos termos do disposto no art. 7º, al. a), da Lei 54/2005, de 15.11, estando atribuída a exploração e gestão - serviço público atribuído em exclusivo -, à concessionária do sistema multimunicipal, no caso à Recorrida - arts. 3º, nº 1, e 3º-A, do DL nº 379/93, arts.º 2º, nº 1, e 3º do DL nº 319/94, arts. 2º, nº 1 e 3º, nº 1, do DL nº 162/96, DL nº 121/2000, de 04/07 - uma vez que, nos termos Concessão (e suas Bases), ela tem “por conteúdo a conceção, a construção, a exploração e a gestão, em regime de exclusivo, de um sistema multimunicipal de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público” (Base I), com objeto que “compreende a captação de água, o respetivo tratamento e o seu fornecimento aos utilizadores” (Base II, nº 1), com o “direito de utilizar o domínio público do Estado ou dos municípios utilizadores, neste caso mediante afetação, para efeitos de implantação e exploração das infraestruturas da concessão (Base XVII, nº 1)” - Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de dezembro.
XIV. Apenas o Estado, enquanto entidade concedente, pode definir, por força da lei que aprovou as Bases da Concessão, as condições em que o concessionário poderá exercer o direito que lhe é atribuído por aquelas bases, tendo o Estrado transferido para a concessionária, ora Recorrida, a prerrogativa de utilização, mediante afetação, a água em questão, para efeitos da prossecução de uma das suas atividades principais, a saber, o abastecimento público de água.
XXV. Acresce que, a propósito da Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos, JOSÉ ROBIN DE ANDRADE diz que “ (…) nela se consigna o princípio da dominialidade da água e, no caso de cursos de água, dos leitos e margens, quando a água superficial ou subterrânea se situar em terrenos pertencentes a entes públicos, quaisquer que eles sejam. Nesta medida, os recursos hídricos pertencentes a entes públicos são inevitavelmente dominais (…)”– In Um Novo Regime Da Titularidade das Águas Públicas, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, Nºs 23/24, 2005, pág. 124 – o sublinhado é nosso -.
XXVI. No entanto, há, ainda, que referir que, relativamente às fontes – como é o caso -, “a lei parte de uma perspetiva diversa, ao estabelecer que a sua dominialidade resulta de um conjunto de obras de adaptação destinadas a permitir o aproveitamento público das águas de determinada corrente ou nascente (para beber, para efeitos de consumo doméstico ou para qualquer outro fim), independentemente da sua natureza anterior (…)” – Cfr. ANA RAQUEL MONIZ, Domínio Público Local: Noção e Âmbito, CEJUR, junho 2007, págs. 32 e 33 – o sublinhado e destacado é nosso -.
XXVII. Neste sentido, GUILHERME MOREIRA (As Águas no Direito Civil Português, Vol. I, págs. 274 e segts.) explicita que a referência à fonte (assim como aos reservatórios) pretende significar o “lugar onde as águas são aproveitadas, não se tomando em consideração a origem dessas águas”, podendo estas provir de uma nascente no ponto em que brotam à superfície ou em ponto mais ou menos distante para o qual sejam conduzidas por aqueduto, ou serem derivadas de uma corrente navegável ou flutuável – Cfr. Ob. acima cit., nota de pé de página 65, pág. 33 -.
XXVIII. Ora, para além de ser canalizada até à ETA existente próximo de Manteigas (Cadaval), a água da Fonte Paulo …………, como o próprio Recorrente confessa, é aproveitada para abastecimento do Município, sendo usada pelos munícipes do Concelho de Manteigas que a utilizam no consumo doméstico – Cfr. art. 28º da contestação -, pelo que, também por esta via, a água da Fonte Paulo ………. não cabe no domínio privado do Recorrente por pertencer antes ao domínio público nos termos do disposto no art. 7º, al. e), da Lei 54/2005, de 15.11.
XXIX. Nos termos do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro, consideram-se sistemas multimunicipais os sistemas “em alta”, ou seja, a montante da distribuição de água, ou a jusante da coleta de esgotos e de resíduos sólidos, só podendo ser criados em situações de importância estratégica, desde que sirvam pelo menos dois municípios e que exijam um investimento predominantemente a efetuar pelo Estado em função das razões de interesse nacional (artigo 1.º, n.º 2).
XXX. Da leitura do diploma resulta que os sistemas multimunicipais seriam, por princípio, os sistemas “em alta” (a montante da distribuição de água e a jusante da recolha de lixos e efluentes), ficando nesse caso, os sistemas municipais reduzidos à rede de distribuição domiciliária de água ou a rede de recolha de efluentes e de resíduos sólidos.
XXXI. O Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de dezembro, é um diploma paralelo ao anterior, desta vez para o setor da água, onde se reiteram também os traços de dualidade e coabitação necessária entre sistemas multimunicipais e os sistemas municipais, não compreendendo, portanto, o serviço multimunicipal a distribuição de água aos munícipes que continua a ser tarefa dos municípios ou dos respetivos concessionários.
XXXII. De resto, o preâmbulo deste diploma volta a lembrar que os sistemas multimunicipais são “os sistemas em alta a montante da distribuição de água”, a qual continua pertença dos respetivos sistemas municipais, em que os utilizadores dos referidos sistemas multimunicipais são os municípios e não os munícipes, sendo o concessionário obrigado a fornecer aos serviços municipais a água de que estes precisam para distribuir aos seus munícipes (Base XXVIII).
XXXIII. A criação dos sistemas multimunicipais tem por objetivo garantir a qualidade e continuidade dos serviços públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e, isto, numa lógica de serviço público, nos termos do qual estas atividades estão fora do mercado e prestadas em regime de exclusivo e sujeitas aos tradicionais princípios de serviço público da universalidade, da igualdade, da continuidade e da adaptação.
XXXIV. A Recorrida utilizou, desde o início da sua atividade, nos termos dos diplomas legais acima referidos, do Contrato de Concessão e de fornecimento celebrado com o Recorrente, a água da Fonte Paulo ………., utilização que foi, formalmente, explicitada no Contrato de Concessão (Aditamento), onde são, expressamente, referidas todas as origens de água de que o Sistema se serve, entre as quais a origem de água em questão nos presentes autos.
XXXV. Na verdade, a nível de abastecimento de água, o projeto global, constante do Anexo ao referido aditamento, é constituído pelo subsistema de Manteigas, que, além de integrar condutas adutoras e reservatórios, passou a incluir as “captações de água do Sistema de Manteigas”, localizadas na Serra da Estrela, totalizando 17 minas, “água que aflui graviticamente aos reservatórios Municipais através de conduta de PVC, fibrocimento e ferro (…)”, onde é “submetida ao tratamento necessário, que se resume a desinfeção”, e a “(…) captação de água na Fonte Paulo …………., localizada junto à estrada nacional que liga a Nave de Santo António a Manteigas, na Serra da Estrela(…)”, água que “(…) é canalizada através de conduta INOX, pertencente à empresa Águas Glaciar, até à ETA existente próximo de Manteigas (…)”, sendo que “(…) devido à excelente qualidade da água apenas se faz desinfeção e correção da agressividade” - Cfr. ponto 34º da matéria assente - o sublinhado e destacado é nosso -.
XXXVI. Ora, ao invés do invocado pelo Recorrente, a captação de água naquela fonte não constitui uma situação à margem das captações de água do referido Sistema, antes, pelo contrário, integra-o, encontrando-se ali descriminada, no sentido de que se encontra perfeitamente identificada, quer através do seu nome – Fonte Paulo ……….. -, quer através da sua localização – junto à Estrada Nacional – quer, ainda, através do tratamento a que água é sujeita na ETA – desinfeção e correção da agressividade -.
XXXVII. De facto, não há equivocidade que resista à impressividade do sentido de tal cláusula, uma vez que a referência à Estação de Tratamento de Água (ETA), para onde aquela é canalizada e sujeita a tratamento pela Recorrida, não deixa margem para dúvidas quanto à integração no contrato de concessão.
XXXVIII. Depois de um período em que o modelo português assentava numa lógica de exclusividade municipal, em que a extensão do serviço público de captação, transporte, tratamento e distribuição domiciliária de água da Fonte Paulo Luís Martins estava confiada ao Recorrente, foi, posteriormente, instituída a figura dos sistemas multimunicipais, em que a responsabilidade pela captação, tratamento e adução de água passou a caber à Recorrida por força dos poderes em que ficou investida com a celebração do contrato de concessão, tendo a partir de então a Recorrida passado a assegurar, por vez do Recorrente, esta atividade, razão pela qual a água da Fonte Paulo ………, que se encontrava afeta pelo Recorrente ao abastecimento dos munícipes, faz parte integrante do contrato de concessão, para continuar, assim, a cumprir essa função de abastecimento público.
XXXIX. Nem se invoque, para daí extrair argumentos no sentido da exclusão, que o sistema de captação (conduta em INOX) da água da Fonte Paulo …………… é propriedade da empresa de Águas ……, pois onde, no passado, esteve o Recorrente, a fornecer água aos seus munícipes, transportando-a através da conduta de tal empresa, depois da criação do Sistema Multimunicipal do Alto Zêzere e Coa e da celebração do contrato de concessão, passou a estar a Recorrida, ou seja, houve apenas uma alteração dos sujeitos na execução da tarefa de captação, tratamento e adução de água para consumo humano, alteração essa imposta pelo quadro legal e contratual que acima se deixa vertido.
XL. Ora, parece-nos fora de toda a dúvida que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário não poderia interpretar a declaração inserta naquela cláusula senão no sentido de que a captação da água da Fonte Paulo ……….. integra o contrato de concessão, pois se a menção ali constante fosse no sentido de a excluir, como pretende o Recorrente, por certo ter-se-ia explicitado no texto essa vontade negocial utilizando a expressão “exclui-se” ou outra de teor semelhante.
XLI. O que houve foi o cuidado nítido, na redação de tal cláusula, de esclarecer que a água da Fonte Paulo …………. seria canalizada daquela Fonte até à ETA através de uma concuta pertencente à empresa Águas ………., conduta que, até ao início da exploração pela Recorrida do sistema multimunicipal, era utilizada pelo Recorrente para captar e distribuir água aos seus munícipes, nada derivando, no entanto, desse facto quanto à integração da origem de água no contrato de concessão.
XLII. Não se vê, pois, caminho de interpretação que, sem violência ao texto da cláusula, conduza a outro resultado interpretativo, pois tratando-se de negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, não tendo a tese do Recorrente qualquer correspondência no texto da cláusula, razão pela qual terá que sufragar.
XLIII. Compaginando o teor da Constituição com o disposto no art. 17º, nº 1, da Lei nº 47/2007, de 28/08 que consagra que o “(…) regime de apoio judiciário se aplica a todos os Tribunais, qualquer que seja a forma de processo", o que inculca que o termo Tribunais , vertido no nº 1 do art. 20º da CRP, abrange os Tribunais Arbitrais, entendimento que é sufragado pelo Ac. da R.L., de 23.05.91, tirado no processo nº 0047942, que decidiu que “É admissível a concessão da medida de apoio judiciário nos tribunais arbitrais”.
XLIV. A Lei do Apoio Judiciário não afasta do seu âmbito de aplicação as pessoas coletivas públicas, mas apenas as pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, integrando no respetivo âmbito, com direito a patrocínio judiciário, na modalidade de apoio judiciário, as pessoas coletivas que não tenham fins lucrativos, desde que demonstrem estar em situação de insuficiência de meios económicos.
MAS NÃO SÓ,
XLV. Apesar de o Recorrente afirmar que alegou a sua incapacidade económico-financeira superveniente que não lhe permite cumprir, sem culpa, a convenção arbitral, o certo é que, no caso concreto, ainda que tal impossibilidade se verificasse, o que não sucede, não se está no domínio das obrigações em sentido técnico, mas de uma vinculação, e a "prestação", ou seja, a obrigação de recorrer a tribunal arbitral, não se tornou impossível, pois o que, eventualmente, se poderia ter tornado impossível seria o pagamento das despesas da arbitragem, não existindo, por conseguinte, qualquer extinção da obrigação de recorrer ao tribunal arbitral.
XLVII. No entanto, ainda que assim não fosse, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre se dirá que competia ao Recorrente alegar e provar os encargos e as suas disponibilidades no sentido de se poder concluir pela existência da alegada incapacidade económico-financeira, o que, de facto, não fez, pois limitou-se a alegar que tem visto a sua constitucional autonomia financeira ser fortemente restringida e condicionada pelos planos de estabilidade e crescimento que lhe diminuíram fortemente as transferências financeiras do orçamento de Estado.
XLVIII. Tornava-se indispensável que o Recorrente tivesse alegado factos concretos que permitissem chegar à conclusão de que a situação da autarquia local em causa, quer no que respeita a encargos, quer a disponibilidades, era de tal natureza que impunha que se concluísse pela insuficiência económicofinanceira,
tendo, no entanto, o Recorrente resumido tudo à expressão mais simples, alegando, conclusivamente, sem explicitar facto ou factos relevantes para suporte dessa situação (conclusiva) de insuficiência económica
XLIX. Aliás, uma quebra de transferências financeiras num Município, que cobra dos seus munícipes, de acordo com o plano tarifário por si aprovado, os serviços de água e de saneamento que lhe são prestados pela Recorrida, não lhe entregando, porém, as avultadas quantias pagas por aqueles, ou seja, o Recorrente autofinancia-se à custa da Recorrida, não é sequer "beliscada" com os encargos derivados de uma ação arbitral.
XLX. Há, ainda assim, outros indicadores da capacidade financeira do Recorrente, para além do referido autofinanciamento, como seja o facto de, a ser real a situação que o Recorrente quer fazer crer, não ter lançado mão dos meios como os configurados no art. 1º do D.L. nº 38/2008, de 07 de março, apanágio dos municípios em débil situação económico-financeira, o que permite, entrever-se que a situação económica do Recorrente não tem a debilidade que invoca sem, aliás, o concretizar e documentar cabalmente, o que leva à improcedência da questão suscitada pelo Recorrente.
AINDA SEM PRESCINDIR,
XLXI. Na contestação, o Recorrente invocou pretensos créditos sobre a Recorrida, daí que tenha enviado o dito oficio Ref. 4025/75, de 16.10.2008, e emitido as notas de débito nºs 03FLPM/2011 e 05FLPM/2011 – Cfr. Docs. 6 e 7 junto à douta contestação –, onde deduziu a percentagem de 15%, por si livre e arbitrariamente fixada, relativamente ao designado custo de tratamento, e ao pedir que “(…)a presente ação [seja] julgada improcedente, pela procedência do supra alegado impugnativo (…)”, tem de concluir-se que o Recorrente manifestou de forma clara e concludente a vontade de compensar os alegados créditos – art. 217º, nº 1, do CC. -, declarando, desde logo, quais os créditos que pretende ver extintos (art. 855º do CC), declaração que foi levada ao conhecimento da Recorrida através da douta contestação, não lhe assistindo, no entanto, qualquer razão nessa invocação.
XLXII. Ora, prevenindo a hipótese de o Tribunal “ad quem” conceder provimento ao recurso, com a revogação da sentença em apreço, a Recorrida invoca o direito a requerer a ampliação do objeto do recurso - art. 684º-A, nº 2. do C.P.C.-, e assim, a título subsidiário, arguiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente ao dito direito que o Recorrente diz ter em abater às faturas os valores de caudais da água da Fonte Paulo Luís Martins, direito que não se verifica por falta dos requisitos da compensação e da alegação da correspondente factualidade caracterizadora de um negócio jurídico de fornecimento de água celebrado entre Recorrida e Recorrente, questões suscitadas pela Recorrida na réplica e que sempre levariam à improcedência da argumentação expendida pelo Recorrente.
XLXIII. A Recorrida, para além de exercer prerrogativas de autoridade, está sujeita a um regime material de constituição e de controlo público idêntico ao das pessoas coletivas públicas, razão pela qual a compensação invocada pelo Recorrente não é legalmente possível nos termos do exarado no art. 853º, nº 1, al. c), do C.C.
XLXIV. De igual forma, prevenindo a hipótese de o Tribunal “ad quem” conceder provimento ao recurso, com a revogação da sentença em apreço, a Recorrida invoca o direito a requerer a ampliação do objeto do recurso - art. 684º-A, nº 1, do C.P.C.-, e assim, a título subsidiário, a ver reapreciada a inadmissibilidade da reconvenção deduzida pelo Recorrente.
XLXV. Na verdade, os pedidos do Recorrente, ao invés do invocado na douta sentença, não se encontram alicerçados no fundamento da defesa, uma vez que, como resulta do respetivo pedido, o Recorrente não pretende que a Recorrida seja condenada a pagar-lhe e ou abater as notas de débito identificadas no art. 31º da contestação, daí que tenha dado ao pedido reconvencional o valor de 8 000,00 €, que não coincide com o montante das invocadas notas de débito (7 068,56 € + 7 032,75 €), não se enquadrando, assim, o pedido reconvencional em nenhuma das situações taxativamente previstas como admissíveis, sendo, por conseguinte, a reconvenção deduzida inadmissível.
XLXVI. Ainda que assim se não entendesse, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre se dirá que, na alínea d) do pedido, o Recorrente pede a condenação da autora / reconvinda a pagar ou a abater nas suas faturas referentes a fornecimento de água o valor das notas de débito, que o réu / reconvinte lhe envia referente aos caudais de água provenientes da fonte “Paulo ………….”, que fixam o valor da água por metro cúbico.
XLXVII. Tal pedido levaria, em caso de procedência, a que a Recorrida estivesse eternamente amarrada ao pagamento de notas de débito por aquele emitidas de acordo com o seu livre arbítrio… com valores por si fixados… e sem que Recorrida se pudesse defender…, estando o Recorrente dispensado de invocar a origem do crédito e os factos concretizadores do mesmo, bastando-lhe, para o efeito, a emissão e envio das notas de débito, documento que não só não é elemento integrador de qualquer contrato, como o não substitui ou prova.
XLXVIII. A ser assim, o referido pedido nada tem a ver com as situações das alíneas do nº 1 do art. 471º do CPC, razão pela qual não poderá deferir a pretensão do Recorrente, pois se o fizesse estaria a proferir uma condenação genérica, num caso em que tal formulação era inadmissível, o que sempre determinaria a absolvição da Recorrente da instância reconvencional no despacho saneador – art. 493º, nº 2, do C.P.C. –.
XLXIX. O douto saneador recorrido não merece, pois, qualquer reparo, devendo, por conseguinte, ser mantido nos seus precisos termos, já que não violou nenhum preceito legal.
Termos em que deverá julgar-se extinta a instância por julgamento de forma ou, quando assim se não entenda, julgar-se improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se, consequentemente, o douto saneador recorrido nos seus precisos termos, requerendo-se, a título subsidiário, para o caso de, ainda, assim se não entender, a procedência da ampliação do objeto do recurso, como é de JUSTIÇA.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pela Sentença recorrida:
1.º) A A. é uma sociedade anónima que tem por objeto social a exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Coa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de Almeida, Belmonte, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fundão, Guarda, Manteigas, Mêda, Penamacor, Pinhel e Sabugal – Cfr. D.L. nº 121/2000, de 04 de junho, alterado pelo D.L. nº 185/2000, de 10 de agosto -.
2.º) A A. é concessionária da exploração e gestão do referido sistema multimunicipal, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho, e nos termos estipulados no contrato de concessão celebrado entre o Estado e a AZC, em 15 de setembro de 2000 (DOC. 1 da p. i.).
3.º) De acordo com os artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho, o exercício das atividades concedidas à A. implica a celebração de contratos de fornecimento e recolha com os municípios utilizadores.
4.º) Segundo os artigos 1.º, n.º 2, e 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro, e também o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho, o Município de Manteigas, aqui R., é utilizador do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Coa.
5.º) Nessa conformidade, em 15 de setembro de 2000, e no exercício das suas atividades, a A. celebrou com o R. um contrato de fornecimento, no qual se obriga a fornecer ao município água destinada ao abastecimento público, mediante o pagamento de tarifas devidas (DOC. 2 da p. i.).
6.º) Na mesma data, as duas entidades celebraram também um contrato de recolha, no qual a A. se obriga a recolher efluentes provenientes do sistema próprio do R., mediante o pagamento de tarifas devidas (DOC. 3 da p. i.).
7.º) Ao abrigo da Cláusula 1.ª de tais contratos de fornecimento e recolha, a execução dos mesmos faz-se também nos termos e de acordo com as condições previstas no contrato de concessão celebrado entre o Estado e a A., em 15 de setembro de 2000 (Cfr. DOC. 1 da p. i.).
8.º) Nos termos das Cláusulas 14.ª a 17.ª do referido contrato de concessão, os municípios utilizadores encontram-se obrigados ao pagamento de tarifas pelos fornecimentos e serviços prestados pela A., sendo o valor dessas tarifas estabelecido nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho.
9.º) As partes acordaram que as faturas referentes a débitos de consumo e de recolha de efluentes, bem como as relativas a quaisquer outros fornecimentos ou serviços prestados, são pagas pelo R. na sede da A., até sessenta dias após a data da emissão da correspondente fatura.
10.º) Em cumprimento do Decreto-Lei nº 97/2008, de 11 de junho, e do Despacho n.º 484/2009, de 8 de janeiro, do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, a A., enquanto concessionária da exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Coa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, passou a cobrar, a partir de julho de 2008, a taxa de recursos hídricos, em resultado do alinhamento da legislação nacional (Lei da Água) com as diretivas comunitárias (Diretiva n.º 2000/60/CE), e a proceder à sua entrega às respetivas Administrações das Regiões Hidrográficas.
11.º) De acordo com os diplomas legais acima citados, tal taxa tem de ser repercutida, de forma detalhada, pelas entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, como sucede com a A., nos utilizadores a quem prestam os serviços, no caso concreto ao aqui R., sendo calculada nos termos ali estabelecidos e faturada em função dos volumes que constam na fatura de água ou de saneamento, devendo, ainda, a existência de acertos na faturação dos serviços, em resultado de leituras reais, ser igualmente refletidos no montante da taxa de recursos hídricos repercutida.
12.º) Em execução dos dois contratos referidos, a A. presta, desde então, ao R. (i) serviços de fornecimento de água e (ii) serviços de saneamento, recolha e tratamento de efluentes, tendo procedido, nos termos acordados, à emissão de faturas pelo valor devido pela prestação desses serviços ao R..
13.º) Sucede, porém, que o R. não pagou, no devido prazo, diversas faturas respeitantes ao valor devido por serviços efetivamente prestados pela A. apurado com base nas tarifas devidas por esses serviços, situação que se mantém até à presente data, apesar das solicitações da A. no sentido da regularização dessa situação.
14.º) Assim, durante o período de 06 de dezembro de 2010 a 04 de janeiro de 2011, a A. prestou ao R. serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, no volume total de 63.027 m3.
15.º) Referente a esse serviço foi emitida, em 28 de fevereiro de 2011, a fatura n.º 3040384702, no valor de 44 894,62 €, vencida em 29 de abril de 2011 (DOC. 4 da p. i.).
16.º) Fatura essa que, tendo sido recebida pelo R., não foi paga até à presente data.
17.º) Durante o período de 06 de dezembro de 2010 a 04 de janeiro de 2011, a A. forneceu ao R. o volume total de 23.881 m3 de água.
18.º) Referente a esse serviço foi emitida, em 28 de fevereiro de 2011, a fatura n.º 3040384686, no valor de 15 638,91 €, vencida em 29 de abril de 2011 (DOC. 5 da p. i.).
19.º) Fatura essa que, tendo sido recebida pelo R., não foi paga até à presente data.
20.º) ao R. serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, no volume total de 59.614 m3.
21.º) Referente a esse serviço foi emitida, em 28 de fevereiro de 2011, a fatura n.º 3040384768, no valor de 44 761,10 €, vencida em 29 de abril de 2011 (DOC. 6 da p. i.).
22.º) Fatura essa que, tendo sido recebida pelo R., não foi paga até à presente data.
23.º) Durante o período de 04 de janeiro de 2011 a 02 de fevereiro de 2011, a A. forneceu ao R. o volume total de 24.756 m3 de água.
24.º) Referente a esse serviço foi emitida, em 28 de fevereiro de 2011, a fatura n.º 3040384752, no valor de 16 996,52 €, vencida em 29 de abril de 2011 (DOC. 7 da p. i.).
25.º) Fatura essa que, tendo sido recebida pelo R., não foi paga até à presente data.
26.º) Durante o período de 02 de fevereiro de 2011 a 02 de março de 2011, a A. prestou ao R. serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, no volume total de 57.558 m3.
27.º) Referente a esse serviço foi emitida, em 10 de março de 2011, a fatura n.º 3040384801, no valor de 43 140,20 €, vencida em 09 de maio de 2011 (DOC. 8 da p. i.).
28.º) Fatura essa que, tendo sido recebida pelo R., não foi paga até à presente data.
29.º) Durante o período de 02 de fevereiro de 2011 a 02 de março de 2011, a A. forneceu ao R. o volume total de 24.627 m3 de água.
30.º) Referente a esse serviço foi emitida, 10 de março de 2011, a fatura n.º 3040384785, no valor de 16 907,95 €, vencida em 09 de maio de 2011 (DOC. 9 da p. i.).
31.º) Fatura essa que, tendo sido recebida pelo R., não foi paga até à presente data.
32.º) As quantias constantes das faturas acima referidas, no montante global de 182 339,30 €, não foram pagas pelo R. nas datas dos respetivos vencimentos nem até à presente data, apesar de ter sido instado para pagar.
33.º) Entre o Estado Português e a autora foi acordado, em 18/05/2001, aditamento ao contrato de concessão celebrado no dia 15/09/2000, aditamento pelo qual o Anexo 1 do contrato de concessão passou a ter a redação constante do Anexo a tal aditamento (cfr. doc. nº 8 da contestação).
34.º) Constando desse Anexo (Anexo 1 / Projeto Global), quanto ao «IX – Sub Sistema de Manteigas» / «IX1 – Captação» : «As captações de água do Sistema de Manteigas, localizam-se na Serra da Estrela, totalizando 17 minas. Esta água aflui graviticamente aos reservatórios Municipais através de condutas de PVC, fibrocimento e ferro em diâmetros que variam entre 60 e 140 mmm. Nos reservatórios mencionados, a água é submetida ao tratamento necessário, que se resume a desinfeção. Existe uma captação de água na Fonte Paulo …………, localizada junto à estrada nacional que liga a Nave de Santo António a Manteigas, na Serra da Estrela. Esta, é canalizada através de conduta INOX, pertencente à empresa Águas ……, até à ETA existente próximo de Manteigas. Devido à excelente qualidade da água apenas se faz desinfeção e correção de agressividade.».
35.º) Pelo Secretário de Estado da Indústria foi «concedida a Licença de Estabelecimento para explorar a água de nascente» da fonte Luís ……….., conforme lhe foi comunicado em 1992 (cfr. doc. nº 4 da contestação).
36.º) O réu celebrou, em 28/12/1993, designado “Contrato de Exploração” com a sociedade “Da Nascente – Empresa de Águas de Mesa de Manteigas”, pelo qual «cede à referida Sociedade “DA ………… – EMPRESA DE ……………”, os direitos de exploração da referida nascente para os exclusivos fins a que se destina aquela licença de estabelecimento», comprometendo-se a dita sociedade «a instalar, sem qualquer encargo para a Câmara Municipal, uma tubagem de 250 milímetros desde a Fonte Paulo …………. até á estação de Tratamento do Cadaval, em cuja zona se repartirá em duas secções de 125 milímetros, para abastecimento conjunto e igual do Município e da Sociedade.» (cfr. doc. nº 5 da contestação).
37.º) O réu emitiu à autora :
- nota de débito nº 03FPLM/2011, reportada à fatura, nº 3040384752, no valor de € 7.068,56 (cfr. doc. nº 6 da contestação);
- nota de débito nº 05FPLM/2011, reportada à fatura, nº 3040384785, no valor de € 7.032,75 (cfr. doc. nº 7 da contestação).
38.º)
A autora emitiu as faturas nºs. 3040384634, de 10/01/2011, relativa à recolha e tratamento de efluentes, no valor de € 44.865,17 (cfr. doc. nº 1 da réplica), e 3040384616, de 10/01/2011, relativa ao fornecimento de água, no valor de € 15.614,69 (cfr. doc. nº 2 da réplica).
39.º) A autora, por missiva de 25/02/2011, comunicou ao réu “o Ofício nº 4950, de 13-12-2010, emitido pela Direção Geral dos Impostos – Direção dos Serviços do IVA, com o despacho sobre o regime de IVA aplicável à taxa de gestão de resíduos (TGR) e à taxa de recursos hídricos (TRH), a aplicar com efeito a janeiro de 2011.” (cfr. doc. nº 3 da contestação).
40.º) A autora, por missiva de 04-03-2011, remeteu ao réu o seguinte (doc. nº 3 da réplica) :
«(…)»

41.º) Emitiu a autora as ditas notas de crédito nº 3040510157, no valor de 44 865,17 €, e nº 3040510141, no valor de 15 614,69 €, juntas pelo réu com os docs. nºs 1 e 2 da contestação, e cujos termos aqui se têm com presentes.
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso, tendo defendido a sua improcedência.
O processo colheu os vistos legais e foi submetido à conferência.

3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. A água da nascente em causa é do domínio público ou privado ?
3.2. A recorrente pode recorrer aos Tribunais Judiciais ?
3.3. As taxas em questão são inconstitucionais ?

4.1. A decisão noutro processo a título incidental sobre a classificação jurídica de uma água de nascente como pertencente ao domínio privado ou público não faz força de caso julgado fora desse processo, por força do artº 497 CPC.
As águas de nascente são do domínio privado do dono do terreno onde brotam, por força do artº 1389 do Código Civil. Esta disposição legal mantém-se em vigor sem qualquer alteração, como se conclui da leitura do artº 7 da Lei 54/2005 de 15/11 (lei da titularidade dos recurso hídricos), que não abrange estas águas:
“O domínio público hídrico das restantes águas compreende:
a) Águas nascidas e águas subterrâneas existentes em terrenos ou prédios públicos;
b) Águas nascidas em prédios privados, logo que transponham abandonadas os limites dos terrenos ou prédios onde nasceram ou para onde foram conduzidas pelo seu dono, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas;
c) Águas pluviais que caiam em terrenos públicos ou que, abandonadas, neles corram;
d) Águas pluviais que caiam em algum terreno particular, quando transpuserem abandonadas os limites do mesmo prédio, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas;
e) Águas das fontes públicas e dos poços e reservatórios públicos, incluindo todos os que vêm sendo continuamente usados pelo público ou administrados por entidades públicas.”
Para a recorrente poder aproveitar-se da titularidade destas águas, tinha de alegar e provar factos de onde pudéssemos concluir que o terreno onde de elas brotam pertence ao seu domínio privado, o que não fez. No artº 14 da contestação limitou-se a dizer que “é legítimo dono e possuidor de uma água de nascente”, o que foi impugnado pelo recorrido no artº 100 da réplica onde se diz que o R. “não é dono nem legítimo possuidor do prédio onde se localiza a Fonte Paulo Luís Martins”.
Se o recorrente pretende invocar o direito de propriedade de tais águas, para poder receber uma compensação monetária pela sua utilização, tem de alegar e provar a sua titularidade como pertença do seu domínio privado.
Não o tendo feito, têm de improceder todas as questões relacionadas com a compensação e a reconvenção.

4.2. A solução dada à questão anterior prejudica o conhecimento da segunda questão.

4.3. Alega a recorrente que as “taxas” de recursos hídricos não são juridicamente taxas, mas, isso sim, contribuição especial de financiamento de serviço público, que enquanto contribuições financeiras estão sujeitas ao princípio da legalidade da administração (existência prévia de lei habilitante) e ainda a um princípio da legalidade tributária reforçada, traduzido na reserva de competência legislativa do parlamento para determinação do regime geral (lei-quadro) destes tributos, que a inexistência de lei-quadro ou um regime legal de lei emitida pela assembleia da república determina a inconstitucionalidade orgânica das taxas de recursos hídricos.
Em termos fiscais, há hoje três tipos de tributo: impostos, taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (artº 165.1.i. da CRP).
As taxas pressupõem a prestação de um serviço pela entidade que as cobra. As contribuições, configuram, em princípio, não apenas a prestação de um serviço, mas também a amortização de investimentos realizados. Afigura-se-nos que há princípios das taxas, como o da equivalência jurídica, da proporcionalidade e da justa repartição dos encargos públicos, que também serão aplicáveis à caracterização das contribuições.
A taxa em questão nos presentes autos foi criada pelo artº 78 da Lei 58/2005 de 29/12, que diz:
“1- A taxa de recursos hídricos (TRH) tem como bases de incidência objetiva separadas:
a) A utilização privativa de bens do domínio público hídrico, tendo em atenção o montante do bem público utilizado e o valor económico desse bem;
b) As atividades suscetíveis de causarem um impacte negativo significativo no estado de qualidade ou quantidade de água, internalizando os custos ambientais associados a tal impacte e à respetiva recuperação.
2—A utilização de obras de regularização de águas superficiais e subterrâneas realizadas pelo Estado constitui também base de incidência objetiva da TRH, proporcionando a amortização do investimento e a cobertura dos respetivos custos de exploração e conservação, devendo ser progressivamente substituída por uma tarifa cobrada pelo correspondente serviço de água.
3—A TRH corresponde à soma dos valores parcelares aplicáveis a cada uma das bases de incidência objetivas.
4—As bases de incidência, as taxas unitárias aplicáveis, a liquidação, a cobrança e o destino de receitas da TRH, bem como as correspondentes competências administrativas, as isenções referidas no n.o 3 do artigo 80.o e as matérias versadas no n.o 2 do artigo 79.o e no n.o 2 do artigo 81.o, são reguladas por normas a aprovar nos termos do n.o 2 do artigo 102”.
Apesar de o legislador lhe ter chamado “taxa”, a sua qualificação jurídica adequada, atento o teor do artigo citado, é a de contribuição.
Sendo uma contribuição que foi criada pela Assembleia da República, não se pode falar em inconstitucionalidade orgânica. Esta norma funciona, na nossa opinião, como verdadeira lei-quadro destas contribuições, sendo a sua concretização por via legislativa permitida pelo artº 102 da mesma Lei, que funciona então como norma habilitante dos restantes diplomas concretizadores. A inexistência de um regime geral de contribuições constituirá eventualmente uma inconstitucionalidade por omissão, que contudo não deve ter no caso concreto a virtualidade de tornar inconstitucional a contribuição em causa, atentas as características das normas em causa terem por um lado, suficiente generalidade e, por outro, suficiente densidade na regulação da matéria em causa.
Logo, não se verifica a invocada inconstitucionalidade.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar improcedente o recurso e confirmar a Sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 11 de Abril de 2013
Paulo Carvalho
Cristina dos Santos
Ana Celeste Carvalho( Voto a decisão, mas não os seus fundamentos, pois salvo o devido respeito pela posição que fez vencimento, não se retira do artº1389º do Código Civil que as águas de nascente são do domínio público do dono do terreno onde brotam, por tal preceito não definir ou dispor sobre a titularidade ou propriedade das águas, mas antes sobre o seu aproveitamento, o que respeita não à propriedade, mas ao seu uso ou disposição. A propriedade vem definida no artigo 1386º do Código Civil e na Lei das Águas.)