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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11685/14
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS; LITISCONSÓRCIO; CONTESTAÇÃO
Sumário:i) O incidente de intervenção de terceiros, que tem como objectivo que o interveniente se venha a associar a uma das partes, exige que se verifique uma certa relação litisconsorcial e que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do autor ou do réu (cfr. art. 316.º do CPC).

ii) No que se refere à intervenção principal passiva suscitada pelo réu, bem como em qualquer dos incidentes de intervenção de terceiro, o juiz deve aferir da admissibilidade do mesmo face à relação jurídica tal como emerge da contestação.

iii) Se do requerimento de intervenção de terceiros se extrai que não se pretende salvaguardar nenhuma situação de litisconsórcio passivo, mas antes que ocorra uma substituição passiva, não pode admitir-se a intervenção principal provocada requerida, nem pode ser promovida a convolação do mesmo requerimento para incidente de intervenção acessória
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A…..– Auto-Estradas ………., SA (Recorrente) interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, na acção administrativa comum sob a forma ordinária, intentada por António …………….., não admitiu a intervenção principal provocada da sociedade B………………, SA, por si requerida.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

A. Emerge o presente recurso do despacho proferido em 3 de junho de 2014 pelo Tribunal a quo que julgou inadmissível a intervenção principal da B………….requerida pela aqui Apelante.

B. Na ação ora sub judice está em causa a eventual responsabilidade por um alegado incumprimento da obrigação de operação e manutenção de um lanço integrante da Subconcessão do Baixo Tejo de que a Apelante é subconcessionária.

C. Através do Contrato de Operação e Manutenção celebrado entre a A……… e a B………. e previsto no Contrato de Subconcessão celebrado entre o Estado Português e a A…….., a B……….. assumiu a prestação dos serviços de operação e manutenção dos lanços de estradas que integram a Subconcessão do Baixo Tejo.

D. Nesses serviços inclui-se a promoção da "(...) vigilância e segurança das condições de circulação rodoviária" (cf. Ponto 2.7 do Anexo 1.1(w) do Contrato de Operação e Manutenção).

E. Nos termos do Contrato de Operação e Manutenção, a B………… declarou responder "(...) pela culpa e pelo risco nos termos da lei geral, por quaisquer danos ou prejuízos causados no exercício das actividades que constituem objecto deste Contrato".

F. A B……… e a B………….. celebraram o Acordo de Cessão de Posição Contratual nos termos do qual a B……….. cedeu à B………… a sua posição contratual no Contrato de Operação e Manutenção.

G. Da análise conjugada do Acordo de Cessão de Posição Contratual com o Contrato de Operação e Manutenção e com o Contrato de Subconcessão resulta evidente que a entidade responsável pela operação e manutenção da Subconcessão do Baixo Tejo não e a Apelante mas sim a B……… e que qualquer responsabilidade pelo cumprimento defeituoso ou incumprimento de obrigações atinentes à operação e manutenção dos lanços das autoestradas que integram a Subconcessão do Baixo Tejo, como aquela que está em causa nos presentes autos, deve ser imputada, em primeira linha, à B……………e não à Apelante.

H. O facto de o Autor, ora Apelado, não ser parte no Acordo de Cessão de Posição Contratual e no Contrato de Operação e Manutenção não impede que este possa demandar a B……………..

I. A alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CPC estabelece que o réu pode chamar a juízo outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida, desde que, para tanto, mostre "interesse atendível" .

J. A jurisprudência tem considerado que o réu tem interesse atendível quando pretende com o chamamento "a dedução de defesa conjunta" ou simplesmente "acautelar o eventual direito de regresso ou sub-rogação que lhe possa assistir"

K. É vidente que a A………. tem um interesse relevante no chamamento da B………que, além de efetuar as concretas tarefas relativas à operação e manutenção da via onde o acidente dos autos terá ocorrido, é a responsável por quaisquer prejuízos causados no exercício dessa atividade.

L. E ainda que assim não se considere – sem conceder – em última análise, sempre teria a Recorrente direito de regresso perante a B………….. pelo que também por esta via terá um interesse atendível no seu chamamento.

M. Na presente ação está em causa uma situação de litisconsórcio voluntário passivo pois a B………..é também parte da relação material controvertida em questão, sendo titular de uma situação subjectiva própria, paralela à da A…………., tendo igual interesse em contradizer o alegado pelo Autor, ora Apelado.

N. É à B………..que interessa, em primeira linha, contestar o alegado pelo Autor, demonstrando que cumpriu as obrigações por si assumidas no Acordo de Cessão da Posição Contratual.

O. A jurisprudência tem entendido que, na decisão de admissão da intervenção principal passiva, tem de ser tida em conta a relação jurídica tal como emerge da contestação, ou seja, a intervenção deve ser admitida se a defesa do réu demonstrar que o interveniente tem interesse paralelo ao seu na relação material controvertida.

P. Com efeito, ficou demonstrado que a B……….tem uma relação jurídica conexa com a da Apelante na presente ação, uma vez que a A……… foi demandada pelo facto de o Autor entender que competia à Apelante assegurar as obrigações em matéria de operação e manutenção da Subconcessão do Baixo Tejo.

Q. Pelo exposto, o despacho ora recorrido que indeferiu o pedido de intervenção da B……..viola o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CPC, devendo, consequentemente ser revogado e substituído por outro que a admita.

R. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de raciocínio se admite sem conceder, sempre deveria ser admitida a intervenção da B…………a título acessório, sendo que se se entender que esta não é primeiramente responsável pela operação e manutenção da Subconcessão do Baixo Tejo - o que não se concebe -, sempre poderia a Apelante exercer um eventual direito de regresso contra a B………..cm caso de condenação nos presentes autos pelo acidente em causa em razão de cumprimento defeituoso ou incumprimento da obrigação de vigilância e segurança na autoestrada em que o referido acidente alegadamente ocorreu (cf. artigo 321 .° do CPC).

S. Pelo que, ainda que por hipótese académica - sem conceder -, não se admita se a intervenção principal provocada da B…………, sempre a sua intervenção acessória deverá ser admitida.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a intervenção principal da B……….. ou, subsidiariamente, que admita a sua intervenção a título acessório - como é de Direito e assim se fazendo Justiça!



Não foram apresentadas contra-alegações.


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Com dispensa dos vistos legais (simplicidade), importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao não ter deferido a intervenção principal provocada requerida, considerando não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Não tendo sido na decisão recorrida fixados factos pela Mma. Juiz a quo, constando os elementos para tanto suficientes, acorda-se nesta Instância em consignar a seguinte factualidade, a qual é a única relevante para a discussão e decisão do presente incidente (artigo 662.º do CPC):

1. Dá-se por reproduzido o doc. de fls. 17 v – “Participação de Acidente de Viação” – donde consta como local do acidente: “IC-20-Km 3,900-Acesso para a ……………”.

2. Consta da contestação apresentada pela A……….. que: “Decorre do Contrato de Operação e Manutenção que a obrigação de manutenção das condições de circulação e de operação da Subconcessão do Baixo Tejo foi transferida para a B…………, enquanto operadora do lanço de estrada em causa” (cfr. fls. 86, art. 14.º).

3. E que: “(…), nos termos da cláusula 19.1. do Contrato de Operação e Manutenção, a B……… declarou responder «(…) pela culpa e pelo risco nos termos da lei geral, por quaisquer danos ou prejuízos causados no exercício das actividades que constituem objecto deste Contrato” (idem, art. 15).

4. E que: “Em 23 de Dezembro de 2009, a B………. e a B……….., SA celebraram um acordo de cessão de posição contratual (“Acordo de Cessão de Posição Contratual”) nos termos do qual a B……….. cedeu à B……….., entre outras posições contratuais, a sua posição no Contrato de Operação e Manutenção, conforme cópia do acordo que aqui se junta como documento n.º 3 e que se dá por integralmente reproduzida” (cfr. fls. 86 v., art. 16.º).

5. Mais constando da contestação que: “(…) qualquer responsabilidade pelo incumprimento de obrigações atinentes à operação e manutenção das estradas que fazem parte da Subconcessão do Baixo Tejo nunca poderia ser invocada perante a A…….., ao contrário do que pretende, em primeira linha o Autor (cfr. art. 21.º da contestação, fls. 86 v.).

6. E que: “Deve em consequência a A……. ser considerada parte ilegítima neste processo e, consequentemente, ser absolvida da instância conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 577.º alínea e) e 576.º n.º 2 do CPC” (idem, art. 22.º, a fls. 87).

7. Dá-se por reproduzido o doc. de fls. 98 e s.: “Reforma do Contrato de Subconcessão do Baixo Tejo Celebrado em 24 de Janeiro de 2009”.

8. Dá-se por reproduzido o doc. de fls. 163 e s.: “Contrato de Operação e Manutenção”, donde consta uma clausula com a seguinte redacção: “A Operadora responderá pela culpa e pelo risco nos termos da lei geral, por quaisquer danos ou prejuízos causados no exercício das actividades que constituem objecto deste Contrato” (cfr. fls. 174).

9. Dá-se por reproduzido o doc. de fls. 199 e s.: “Contrato de Cessão de Posição Contratual”, celebrado entre a B……. – Auto-Estradas de Portugal, SA e a B…… ……., SA (…………., SA), donde consta uma clausula com a seguinte redacção: “A cessão de posições contratuais referida no número anterior implica a transmissão para a B……..de todos os direitos e obrigações que para a B……….. resultam (i) do contrato de O………, (ii) do Acordo Directo EP e (iii) do Acordo Directo Bancos” (cfr. fls. 200 v.).




II.2. De direito

Vem questionada no recurso a decisão da Mma. Juiz do TAF de Almada que indeferiu a requerida intervenção principal provocada da B…………... Para tanto afirmou-se o seguinte.

Nos termos do artigo 316.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º41/2013, de 26 de Junho: «1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. 2. Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. 3. O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor».

Atento o disposto na norma citada, conclui-se que, em caso de litisconsórcio voluntário, apenas é de admitir o chamamento pelo réu dos litisconsortes quando o mesmo demonstre ter um interesse atendível em tal chamamento.

O chamamento para intervenção pelo réu, em caso de litisconsórcio voluntário, só pode ser requerido na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito.

Na presente acção, em que são rés a E. – Estradas ………., S.A. e a A……… – Auto-Estradas do Baixo Tejo, S.A., o autor pede a condenação das rés no pagamento de uma indemnização, assentando a sua pretensão, em suma, no incumprimento por parte da ré do dever de vigiar e manter sempre em bom estado o pavimento da via onde ocorreu o acidente por si sofrido.

Ora, o facto de a ré A…….. – Auto-………….., S.A., nos termos da sua alegação, não ser responsável pela manutenção da via onde alegadamente ocorreu o acidente, não permite, à luz do disposto no artigo 316.º, n.º 3 do CPC, aprovado pela Lei n.º41/2013, de 26 de Junho, a intervenção do terceiro (alegadamente) responsável pela manutenção da via.

Com efeito, face à relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na petição inicial, não se verifica uma situação de litisconsórcio voluntário, que é pressuposto do chamamento de terceiro pelo réu, nem a ré tem um interesse atendível no chamamento, uma vez que caso se conclua que não é responsável pela manutenção da via onde ocorreu o acidente, nos termos alegados, o pedido contra si deduzido terá de improceder.

Acresce que o incidente de intervenção principal provocada não se destina a acolher a situação em que o réu pretende, como nos presentes autos, chamar a acção quem entende ser responsável pela manutenção da via, sendo que é ao autor que compete configurar a relação material controvertida.

Pelo exposto, por não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos, não se admite a intervenção principal provocada da B……….., S.A.

E o assim decidido, adiantamos já, embora por motivos diferentes, é de manter. Vejamos porquê, importando deixar algumas notas sobre a intervenção de terceiros.

Os incidentes de intervenção de terceiros constituem excepção ao princípio da estabilidade da instância, segundo o qual, citado o réu, aquela (instância) deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (art. 260.º e 262.º do CPC).

Na intervenção principal, o terceiro associa-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, enquanto na intervenção acessória a posição do interveniente é a de mero auxiliar na defesa do réu, tendo em vista o seu interesse indirecto na improcedência de pretensão do autor.

Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, ainda que por referência à anterior redacção do CPC, o incidente de intervenção principal permite a modificação subjectiva da instância, por iniciativa de qualquer das partes e é admissível quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu associado ou como associado da parte contrária; isto é, quando qualquer das partes deseje chamar um litisconsorte voluntário ou necessário (art. 325º nº 1 CPC) e quando o autor pretenda provocar a intervenção de um réu subsidiário contra quem queira dirigir o pedido (art. 325º, nº 2 e 31º-B do CPC).

E a razão de ser do instituto, está bem explicita no recente acórdão da Relação de Lisboa de 28.01.2014, proc. n.º 4192/06.7TBAMD-A.L1-1:Visa-se, pois, pragmaticamente, o suprimento de situações que, por razões meramente formais, dificultem a realização do direito material e que obviam à celeridade processual, como decorre, por exemplo, da necessidade de propositura de nova ação contra um outro réu por o primitivamente demandado na primeira ação não ser o sujeito da relação material controvertida. // Pressuposto desta prerrogativa é que o requerente da intervenção alegue a causa do chamamento e justifique o interesse que, através dele, pretende acautelar (artigo 325.º, n.º 3, do CPC) e o faça na forma e no tempo previsto no artigo 326.º do CPC.”

A intervenção principal provocada destina-se às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal. Por outro lado, a intervenção acessória (provocada) destina-se aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção. A intervenção principal tem, pois, a ver com a sanação da ilegitimidade plural (litisconsório necessário ou voluntário - art. 316.º do CPC) e a acessória tem a ver com outra acção (de regresso) do réu perdedor contra terceiro por causa de ter perdido a acção em que foi demandado (art. 321º CPC).

É sabido que o litisconsórcio necessário verifica-se quando a lei ou o negócio jurídico exige a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, ou quando pela natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, entendendo-se que a decisão produz o seu efeito útil normal, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (art. 33.º do CPC). Ao invés, no litisconsórcio voluntário a intervenção é facultativa, deixando a lei material na disponibilidade das partes a sua constituição. Donde, o litisconsórcio será voluntário quando a lei ou o contrato consintam que o direito comum seja exercido por um só dos interessados ou que a obrigação comum só a um dos interessados seja exigível.

Como resulta do que se vem de dizer, o pressuposto do incidente de intervenção principal provocada – que é o que foi requerido e indeferido – é a existência de uma igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa, sendo que o terceiro, que poderia accionar inicialmente em termos de litisconsórcio ou de coligação, é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas. Portanto, a intervenção principal visa exclusivamente, perante uma acção pendente, proporcionar a terceiros, que a lei designa por intervenientes, o litisconsórcio ou coligação com alguma das partes primitivas.

E no que se refere à intervenção principal passiva suscitada pelo réu, bem como em qualquer dos incidentes de intervenção de terceiro, o juiz deve aferir da admissibilidade do mesmo face à relação jurídica tal como emerge da contestação (e não da p.i. como parece ter sido o entendimento da decisão recorrida) – cfr. o acórdão da Relação de Lisboa de 4.06.2009, proc. n.º 2550/08. De modo ainda mais especificado, sumariou-se a este propósito no acórdão da Relação do Porto de 8.07.2004, proc. n.º 0433602: “A consideração do pressuposto da legitimidade plural que com o incidente de intervenção provocada se visa assegurar, é apreciada ou ajuizada na data em que vem requerida a intervenção principal, devendo atender-se aos elementos de que nessa data se disponha: é nessa data e com tais elementos que se aferirá se o chamado deve ou não ser formalmente considerado portador do interesse directo em contradizer, atenta a relação material controvertida, pouco importando saber então do mérito ou demérito da mesma, tão somente se apreciando e decidindo o incidente no pressuposto da existência desse mérito.

Ora, tendo em conta a factualidade alegada pela ora Recorrente, por nós consignada no probatório, bem como os fundamentos avançados no presente pedido incidental, impõe-se concluir que a interveniente B……….não tem qualquer interesse igual ao da Ré, pelo que não estão verificados os pressupostos do litisconsórcio (nem da coligação).

Na verdade, interpretando o requerimento de intervenção principal ínsito na contestação, verificamos que o mesmo surge após a ora Recorrente ter suscitado a sua ilegitimidade (defesa por excepção constante dos art.s 8.º a 22.º), o que, aliás, reitera no recurso interposto (5.º a 9.º das alegações). Pelo que, desde logo constatamos uma incongruência lógica que impede a peticionada intervenção da B………..: alegando a ré, ora Recorrente, ser parte ilegítima, como pode pretender que a um terceiro seja reconhecida a existência de uma igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o que detém? A legitimidade processual da parte primitivamente demandada funciona aqui como um pressuposto adjectivo do chamamento. Em bom rigor, o que evidencia o requerimento de intervenção provocada é uma intenção de substituição processual das partes primitivas – concretamente da ora Recorrente –, amplitude que o instituto não tem. E não tem inclusivamente no n.º 3 do art. 316.º do CPC invocado pela Recorrente, pois que do mesmo se extrai a (prévia) existência de um litisconsórcio – “outros litisconsortes”, no texto da norma –, situação que a requerente da intervenção, ora Recorrente, repudia ao pugnar pela sua ilegitimidade (ou bem que há uma situação de litisconsório, necessário ou voluntário; ou bem que há ilegitimidade processual).

Repare-se que a vingar a versão apresentada pela Ré, ora Recorrente, a mesma não estaria obrigada à realização de qualquer prestação, designadamente indemnizatória, para com o Autor, em virtude do Contrato de Operação e Manutenção celebrado e, principalmente, por via do contrato de cessão da posição contratual, descrito em 9. supra. Pelo que não se perfila uma qualquer pluralidade de partes passiva com unicidade da relação material controvertida, ou seja, na versão da Ré esta não ocupa, a par do terceiro cuja intervenção foi requerida, uma posição passiva perante o Autor.

É certo que a questão da intervenção principal de terceiro está relacionada com a excepção de ilegitimidade passiva suscitada. Porém não pode aqui antecipar-se um juízo sobre essa excepção, sendo, de igual modo, incontroverso que o incidente de intervenção não serve para sanar esse vício (ilegitimidade), pelo menos nesta fase (1). [(1) E escapa ao objecto do presente recurso a eventual aplicação do art. 39.º do CPC, o qual sob a epígrafe “Pluralidade subjetiva subsidiária” dispõe que: “É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”. Preceito que se impõe ao juiz, recaindo sobre si o dever de providenciar oficiosamente pelo suprimento das excepções dilatórias susceptíveis de sanação, praticando os actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa a definição das partes, convidando-as a suscitar os incidentes de intervenção de terceiros adequados - vide a parte preambular do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que inovou nesta matéria; também o art. 6.º, n.º 2, do CPC].

Em síntese, a ora Recorrente não pretende salvaguardar nenhuma situação de litisconsórcio passivo, antes pretendendo sim que ocorra uma substituição passiva, já que o eventual responsável pelo alegado incumprimento da obrigação de operação e manutenção de um lanço integrante da Subconcessão do Baixo Tejo, em cujo pedido de responsabilidade civil se funda, não seria ela mas o terceiro que pretende chamar.

Assim, a intervenção principal provocada requerida não é admissível, porquanto não se subsume aos requisitos legais que a enquadram e justificam. De igual modo, pelos mesmos motivos, reiterando aqui a fundamentação que temos vindo a avançar, não pode o mesmo requerimento (de intervenção principal provocada) ser convolado oficiosamente para incidente de intervenção acessória.

Improcede, pois, o recurso integralmente.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O incidente de intervenção de terceiros, que tem como objectivo que o interveniente se venha a associar a uma das partes, exige que se verifique uma certa relação litisconsorcial e que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do autor ou do réu (cfr. art. 316.º do CPC).

ii) No que se refere à intervenção principal passiva suscitada pelo réu, bem como em qualquer dos incidentes de intervenção de terceiro, o juiz deve aferir da admissibilidade do mesmo face à relação jurídica tal como emerge da contestação.

iii) Se do requerimento de intervenção de terceiros se extrai que não se pretende salvaguardar nenhuma situação de litisconsórcio passivo, mas antes que ocorra uma substituição passiva, não pode admitir-se a intervenção principal provocada requerida, nem pode ser promovida a convolação do mesmo requerimento para incidente de intervenção acessória.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, com a presente fundamentação, manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015
Pedro Marchão Marques
Conceição Silvestre

Cristina Santos