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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05803/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/30/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.S.
ABATIMENTOS AO RENDIMENTO LÍQUIDO GLOBAL. ARTº.56, DO C.I.R.S.
CONCEITO DE PENSÃO DE ALIMENTOS.
AGREGADO FAMILIAR.
ARTº.104, Nº.1, DA C.R.PORTUGUESA.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE.
Sumário:1. Os abatimentos ao rendimento líquido global expressam despesas socialmente relevantes, cuja existência reduz a capacidade contributiva do sujeito que as suporta. A consideração fiscal das despesas socialmente relevantes assume actualmente, por regra, a forma de deduções à colecta (cfr.artº.78, do C.I.R.S.). O único abatimento que sobrevive no I.R.S. é o relativo a pensões de alimentos e está previsto no citado artº.56, do C.I.R.S.

2. Não definindo o C.I.R.S. o conceito de pensão de alimentos, deve valer aqui a noção civilística que nos diz que os alimentos abrangem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, mais compreendendo a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (cfr.artº.2003, do C.Civil).

3. Ainda de acordo com a lei civil, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional manter-se-á a obrigação de alimentos na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normal­mente requerido para que aquela formação se complete (cfr.artº.1880, do C.Civil).

4. Na senda do regime civil, surge-nos o artº.13, nº.4, al.b), do C.I.R.S., norma que inclui como dependentes do agregado familiar, além do mais, os filhos maiores que, não tendo mais de 25 anos nem auferindo anualmente rendi­mentos superiores ao salário mínimo nacional mais elevado, tenham frequentado no ano a que o imposto respeita o 11º. ou 12º. anos de escolaridade, estabelecimento de ensino médio ou superior ou cumprido serviço militar obrigatório ou serviço cívico. Concluindo, de acordo com esta norma até aos 25 anos de idade, se o filho não auferir rendimentos superio­res ao salário mínimo e, além do mais, frequentar estabelecimento de ensino médio ou superior, integra o agregado familiar como dependente e, como tal, as suas despesas de educação podem estar sujeitas a abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S.

5. O artº.104, nº.1, da C.R.Portuguesa, consagra as características a que deve estar sujeito o imposto sobre o rendimento pessoal, o qual deve ser único e progressivo, mais devendo visar a diminuição das desigualdades económicas dos cidadãos. A unicidade do imposto quer dizer que todos os rendimentos pessoais devem ser englobados num único imposto, de forma a tomar em conta o seu montante global. A progressividade quer dizer que a taxa deve ser tanto maior quanto mais elevado for o rendimento global do contribuinte.

6. O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental. As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

7. O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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ARNALDO …………………………….., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.73 a 77 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada tendo por objecto liquidações oficiosas de I.R.S. e juros compensatórios, relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006 e no montante total de € 7.525,24.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.91 a 98 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Os quatro filhos do ora impugnante, Afonso ……., Maria ……….., Alexandre e Mariana, passaram a ter direito à pensão mensal de seu pai, “... enquanto se mantiverem os pressupostos da necessidade de tal quantia para prover o seu sustento...”, conforme homologado por sentenças judiciais;
2-Tendo o ora recorrente sido condenado à prestação de alimentos aos seus quatro filhos no âmbito dos processos ./2001, do 2º. Juízo, 562/2001, do 2º. Juízo, 539/2001 do 1º. Juízo, e 429/2000, do 1º. Juízo, todos do Tribunal Judicial de Torres Novas, conforme foi provado nos autos;
Nomeadamente,
3-Em 11 de Dezembro de 2001, foi homologado por sentença no Processo 563/2001.C, que correu seus termos no 2º. Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, que o ora recorrente foi condenado a pagar mensalmente a seu filho, Afonso …………., a quantia mensal de 60.000$00, a que corresponde 299,28 €;
4-Em 11 de Dezembro de 2001, foi homologado por sentença no Processo 562/2001.C, que correu seus termos no 2º. Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, que o ora recorrente foi condenado a pagar mensalmente a sua filha, Maria ……………., a quantia mensal de 60.000$00, a que corresponde 299,28 €;
5-Em 10 de Dezembro de 2001, foi homologado por sentença no Processo 539/2001.C, que correu seus termos no 1º. Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, que o ora recorrente foi condenado a pagar mensalmente a seu filho, …………………., a quantia mensal de 60.000$00, a que corresponde 299,28 €;
6-Em 10 de Maio de 2001, foi homologado por sentença no Processo 429/2000, que correu seus termos no 2º. Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, que o ora recorrente foi condenado a pagar mensalmente a sua filha, Mariana ………………………., a quantia mensal de 50.000$00, a que corresponde 249,40 €;
7-Todos os encargos com as prestações de alimentos aos quatro filhos do ora recorrente, foram homologadas por sentença judicial “... enquanto se mantiverem os pressupostos da necessidade de tal quantia para prover o seu sustento.,.”;
Pelo que,
8-Todos os encargos com as prestações de alimentos aos quatro filhos do ora recorrente, têm enquadramento para efeitos de abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S.;
9-O ora recorrente foi fiscalizado pela Administração Tributária em 2005, tendo esta mantido os valores das declarações de I.R.S. dos anos anteriores, com as quantias pagas aos quatro filhos, para enquadramento, para efeitos de abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S., sem quaisquer correcções;
10-Por via da actualização dos acordos, com os índices publicados pelo Instituto Nacional de Estatística os valores anteriormente constantes das sentenças homologadas, as prestações de alimentos passaram a ser:
a) Ano de 2004 = 15.381,46 €
Pensão da Mariana 3.343,84 €; Pensão do Alexandre 4.012,54 €; Pensão do Afonso 4.012,54 €; Pensão da Maria Rita 4.012,54 €
b) Ano de 2005 = 11.641,83 €
Pensão da Mariana 3.424,11 €; Pensão do Alexandre 4.108,86 €; Pensão da Maria Rita 4.108,86 €
c) Ano de 2006 = 11.909,62 €
Pensão da Mariana 3.502,88 €; Pensão do Alexandre 4.203,37 €: Pensão da Maria Rita 4.203,37 €;
11-Não existe fundamento por parte da Administração Tributária, para liquidar adicionalmente I.R.S., a existirem sentenças que condenam o ora recorrente a prestar alimentos enquanto os filhos necessitarem de sustento;
12-A sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no artº.56, do C.I.R.S., artº.55, da L.G.T., e nos artºs.1874, 1879, 1880, 2003, 2006, nº.1, al.b), e 2013, todos do C.Civil, e ainda por violação do artº.104, da C.R.P., e dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade;
13-Não existe fundamentação por parte da Administração Tributária, legalmente exigida, para as presentes liquidações adicionais de I.R.S. aos anos de 2004, 2005 e 2006. Devendo ser em consequência, declarados nulos (subsidiariamente anular) os actos de liquidação impugnados na parte em que resulta da não consideração do abatimento ao rendimento líquido dos encargos decorrentes das pensões de alimentos;
14-Esta ilegalidade, em concreto, traduzida através de inobservância de direitos do contribuinte, legalmente protegidos, evidencia um lapso conducente a liquidações indevidas, que devem ser anuladas;
15-Termos em que e nos melhores de direito e com o mui sempre Douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão contida na sentença ora recorrida do Tribunal Tributário de 1ª. Instância ser anulada, com o que se fará sã, serena e objectiva justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente manutenção da decisão recorrida (cfr.fls.111 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.113 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.74 a 76 dos autos):
1-O impugnante foi notificado para exibir os documentos comprovativos dos valo­res declarados no campo 601, do quadro 6, do anexo H, da declaração modelo 3 e condições referidas no artº.56, do C.I.R.S. (cfr.documento junto a fls.17 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
2-Em resposta, o impugnante enviou carta acompanhada de três declarações assina­das pelos filhos Mariana ……….., Maria ……………… e Alexandre ……………., nos quais declaram ter recebido do pai, respectivamente, os valo­res de € 7.368,00, 4.753,00 e 6.770,00, no ano de 2006, em cumprimento de sen­tenças judiciais (cfr.documentos juntos a fls.22 a 24 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
3-Os filhos nasceram nas seguintes datas e obtiveram as seguintes sentenças:
a. Afonso ……………….., nasceu em 7/12/1976 - em 2004 tinha 28 anos;
i. O impugnante foi condenado a pagar 60.000$/mês com início em 2001;
b. Maria ………………., nasceu em 19/9/1978 - em 2004 tinha 26 anos;
i. O impugnante foi condenado a pagar 60.000$/mês com início em 2001;
c. Alexandre ……………….. nasceu em 28/3/1981 - em 2004 tinha 23 anos;
i. O impugnante foi condenado a pagar 60.000$/mês com início em 2001;
d. Mariana ……………….. nasceu em 2/11/1984 - em 2004 tinha 20 anos;
i. O impugnante foi condenado a pagar 50.000$/mês com início em 2001 (tudo como consta do documento junto a fls.33 e 34 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
4-Por via da actualização de acordo com os índices publicados pelo INE as pen­sões tinham os seguintes valores:
a. As de 60.000$ tinham em 2004 o valor de € 67.037$X12 = 804 444$= € 4.012,54;
i. Em 2005: € 4.108,86
ii. Em 2006: € 4.203,37 (tudo como consta do documento junto a fls.33 e 34 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
b. A de 50.000$ tinha em 2004 o valor de € 55.865$X12= 670.380$ = € 3.343,84
i. Em 2005: € 3.424,11,
ii. Em 2006: € 3.502,88 (tudo como consta do documento junto a fls.33 e 34 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
5-Não tendo sido apresentados documentos comprovativos quanto ao aproveita­mento escolar, a A. Fiscal considerou que as pensões suportadas com os filhos Afonso ….. e Maria ……. não tinham enquadramento para efeitos de abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S.;
6-E em relação às restantes, foi reduzida a actualização para a taxa de inflação publicada pelo INE;
7-Pelo que por despacho de 22/10/2008 foram efectuadas as seguintes cor­recções:
a. Para o ano de 2004 a pensão da Mariana foi calculada em € 3.343,84 e a do Alexandre em € 4.012,54;
b. Para o ano de 2005 a pensão da Mariana foi calculada em € 3.424,11 e do Alexandre € 4.108,86;
c. Para o ano de 2006 a pensão da Mariana € 3.502.88 e do Alexandre € 4.203,37 (cfr. tudo como consta dos documentos juntos a fls.33, 34, 47 e 48 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
8-O impugnante exerceu o direito de audição nos termos que constam de fls.38 a 41 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido;
9-O qual foi apreciado, sem que a A. Fiscal alterasse o projecto de decisão (cfr.documento junto a fls.47 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos “factos provados” com remissão para as folhas do processo onde se encontram…”.
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A decisão da matéria de facto em 1ª. Instância baseou-se em prova documental constante dos presentes autos e apenso, pelo que, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
10-Na sequência do despacho identificado no nº.7 supra, em 12/11/2008, a Fazenda Pública estruturou liquidações oficiosas de I.R.S., relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006, nas quais surge como sujeito passivo o impugnante, Arnaldo …………………, com o n.i.f. ……………., cifrando-se no montante total a pagar de € 7.525,24 (cfr. documentos juntos a fls.13 a 19 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude de considerar legal as correcções à matéria colectável, em sede de abatimentos ao rendimento bruto do agregado familiar, e consequentes liquidações, levadas a efeito pela A. Fiscal, relativamente aos anos fiscais de 2004, 2005 e 2006 do impugnante e na cédula de I.R.S.
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Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O apelante dissente do julgado alegando, em síntese e conforme aludido supra, que todos os encargos com as prestações de alimentos aos quatro filhos do ora recorrente foram homologados por sentença judicial, pelo que, têm enquadramento para efeitos de abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S. Devem as liquidações de I.R.S. em causa nos presentes autos ser declaradas nulas, ou anuladas. A sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no artº.56, do C.I.R.S., artº.55, da L.G.T., e nos artºs.1874, 1879, 1880, 2003, 2006, nº.1, al.b), e 2013, todos do C.Civil, e ainda por violação do artº.104, da C.R.P., e dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade (cfr.conclusões 1 a 14 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à sentença recorrida um erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (I.R.S.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-A/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento. É um imposto de características pessoais, visto levar em consideração as características pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte. É, ainda, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger todos os rendimentos, consagrando nove cédulas ou categorias diferentes dos mesmos. Encontramo-nos perante um imposto progressivo, que assenta, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários (cfr.artºs.1, 7, 10, nº.3, 14, 28, 38 e 71, todos do C.I.R.S.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.185 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.553 e seg.).
O rendimento líquido total a que se refere o artº.56, do C.I.R.S. (na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12) resulta da soma dos rendimentos líquidos de cada uma das categorias de rendimentos previstas no artº.1, do mesmo diploma. Por sua vez, o rendimento colectável, valor sobre o qual irá incidir a taxa de imposto aplicável ao caso concreto, obtém-se abatendo ao rendimento global líquido as importâncias previstas no citado preceito, comprovadamente suportadas e não reembolsadas, que sejam respeitantes aos encargos com pensões de alimentos a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença judicial ou por acordo homologado nos termos da lei civil, ressalvando-se os casos em que o seu beneficiário faça parte do mesmo agregado familiar ou relativamente ao qual estejam previstas deduções à colecta nos termos do artº.78, do C.I.R.S. Os abatimentos expressam despesas socialmente relevantes, cuja existência reduz a capacidade contributiva do sujeito que as suporta. A consideração fiscal das despesas socialmente relevantes assume actualmente, por regra, a forma de deduções à colecta (cfr.artº.78, do C.I.R.S.). O único abatimento que sobrevive no I.R.S. é o relativo a pensões de alimentos e está previsto no citado artº.56, do C.I.R.S. (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.161 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.473 e seg.).
O poder paternal compreende a obrigação de prestar alimentos (cfr.artºs.1878, nº.1, e 1874, nº.2, do C.Civil).
Não definindo o C.I.R.S. o conceito de pensão de alimentos, deve valer aqui a noção civilística que nos diz que os alimentos abrangem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, mais compreendendo a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (cfr.artº.2003, do C.Civil; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.473; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1995, pág.573 e seg.).
Ainda de acordo com a lei civil, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional manter-se-á a obrigação de alimentos na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normal­mente requerido para que aquela formação se complete (cfr.artº.1880, do C.Civil).
Na senda do regime civil, surge-nos o artº.13, nº.4, al.b), do C.I.R.S., norma que inclui como dependentes do agregado familiar, além do mais, os filhos maiores que, não tendo mais de 25 anos nem auferindo anualmente rendi­mentos superiores ao salário mínimo nacional mais elevado, tenham frequentado no ano a que o imposto respeita o 11º. ou 12º. anos de escolaridade, estabelecimento de ensino médio ou superior ou cumprido serviço militar obrigatório ou serviço cívico. Concluindo, de acordo com esta norma até aos 25 anos de idade, se o filho não auferir rendimentos superio­res ao salário mínimo e, além do mais, frequentar estabelecimento de ensino médio ou superior, integra o agregado familiar como dependente e, como tal, as suas despesas de educação podem estar sujeitas a abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S. (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.33 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.290 e seg.).
“In casu”, o recorrente defende que os encargos com as prestações de alimentos aos quatro filhos foram homologados por sentença judicial, pelo que, têm enquadramento para efeitos de abatimento nos termos do citado artº.56, do C.I.R.S.
Pelo contrário, a A. Fiscal baseia as liquidações oficiosas objecto do presente processo no pressuposto de que as pensões suportadas com os dois filhos mais velhos do impugnante, Afonso Duarte e Maria Rita, não tinham enquadramento para efeitos de abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S., dado que já tinham mais de 25 anos em 2004, assim não integrando o conceito de agregado familiar nos termos do artº.13, nº.4, al.b), do C.I.R.S.
E a perspectiva da A. Fiscal e da sentença recorrida está certa de acordo com o regime legal delineado supra.
Assim é, porquanto, em 2004 os filhos do impugnante/recorrente Maria …….. (a qual tinha 26 anos) e Afonso …………. (que tinha 28 anos) não podiam integrar o agregado familiar do contribuinte, por força do disposto no mencionado artº.13, nº.4, al.b), do C.I.R.S.
Ainda assim, estes filhos do impugnante/recorrente poderiam ter direito a alimentos, nos termos já enunciados no artº.1880, do C.Civil. Mas o direito a essas pensões reveste processo especial (cfr.artº.1412, do C.P.Civil), não constando dos autos prova de que tal processo tenha sido impulsionado e, muito menos, de que tenha sido homologado acordo nesse sentido e ao abrigo dessa norma.
E, salvo melhor opinião, as pensões providas ao abrigo do citado artº.1880, do C.Civil, podem também ser sujeitas a abatimento nos termos do artº.56, do C.I.R.S., dado que este último preceito não estabelece qualquer limite de idade do alimentado.
Em conclusão, não estavam reunidos os requisitos legais para que pudessem ser objecto de abatimento ao abrigo do artº.56, do C.I.R.S., as alegadas quantias despendidas pelo impugnante/recorrente com os filhos Afonso ……. e Maria ……….. nos anos de 2004 a 2006.
Quanto aos filhos Alexandre ………… e Mariana, enquadrando-se os mesmos na situação de dependentes para efeitos do analisado artº.13, nº.4, al.b), do C.I.R.S., mais estando reunidos os requisitos consagrados no artº.56, do C.I.R.S., foram admitidos os abatimentos pela Fazenda Pública, embora somente quanto às quantias reconhecidas pelas decisões judiciais de 2001, actualizadas de acordo com a taxa de inflação declarada pelo I.N.E. para os anos de 2004 a 2006 (cfr.nºs.2, 3, 4 e 6 do probatório), sendo este o modo correcto de manter actualizadas as pensões fixadas.
Em conclusão, as correcções efectuadas pela A. Fiscal ao ao rendimento declarado pelo impugnante/recorrente para os anos de 2004 a 2006, tal como as consequentes liquidações oficiosas de I.R.S. objecto dos presentes autos, assim não vislumbrando este Tribunal que os mesmos actos tributários tenham violado qualquer normativo do regime civil ou tributário.
Por último, alega o recorrente que a sentença recorrida violou, por errada interpretação, o artº.104, da C.R.P., e os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.).
No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5593/12).
Apesar disso, sempre se dirá que o artº.104, nº.1, da C.R.Portuguesa, consagra as características a que deve estar sujeito o imposto sobre o rendimento pessoal, o qual deve ser único e progressivo, mais devendo visar a diminuição das desigualdades económicas dos cidadãos. A unicidade do imposto quer dizer que todos os rendimentos pessoais devem ser englobados num único imposto, de forma a tomar em conta o seu montante global. A progressividade quer dizer que a taxa deve ser tanto maior quanto mais elevado for o rendimento global do contribuinte (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1099; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.229 e seg. e 287 e seg.).
No caso concreto, não vislumbra o Tribunal “ad quem” como pode a sentença recorrida ter violado o regime constitucional previsto no examinado artº.104, nº.1, da C.R. Portuguesa, o mesmo se devendo referir face ao normativo constante do citado artº.56, do C.I.R.S.
Passemos, agora, ao exame da alegada violação do princípio da igualdade previsto nos artºs.13, e nº.2, do 266, da C.R.Portuguesa.
O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental.
As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; ac.Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).
No caso concreto, não detecta este Tribunal de revisão em que possa a decisão recorrida ou o normativo constante do artº.56, do C.I.R.S., violar o dito princípio constitucional da igualdade (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 18/04/2007, rec.1177/06).
Por último, estudemos a alegada violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no nº.2, do artº.266, da C.R.Portuguesa, como princípio orientador do agir da Administração.
O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.801 e seg.).
De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr.José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67, em anotação ao artº.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações procedimentais que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes (cfr.Diogo L. Campos e Outros, L.G.T. comentada e anotada, Vislis Editores, 3ª. edição, 2003, pág.238 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.406 e seg.).
No caso “sub judice”, também não consubstancia o recorrente em que consista a violação do examinado princípio, por parte da sentença recorrida ou do normativo constante do artº.56, do C.I.R.S. Este Tribunal igualmente não lobriga tal violação.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não sofre de qualquer dos vícios que lhe são assacados pelo apelante, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 30 de Outubro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)