Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1409/19.1BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL;
EXPRESSÃO MATEMÁTICA
Sumário:A expressão matemática que visa dar execução à escala de pontuação definida para o factor preço não pode contradizer o modelo de avaliação em que se integra.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO


E... – C..., S.A., melhor identificada nos autos, instaurou acção administrativa de contencioso pré-contratual, ao abrigo dos artigos 100º e ss. do CPTA, contra o Município de Azambuja, pedindo:
“(..) que seja anulado o ato adjudicação praticado pelo Município da Azambuja, em benefício da proposta da Concorrente P..., no Concurso Público identificado nestes autos, por o mesmo se encontrar eivado de ilegalidades.
Requer –se, face aos fundamentos expostos, que o Tribunal ordene a exclusão da proposta do concorrente P..., por a mesma violar a lei (lei laboral - o que constitui a causa de exclusão da proposta prevista no Art.° 70° n.° 2 al. f) do CCP.) excedendo os períodos mínimos de trabalho previstos legalmente, e por a mesma violar os termos e condições imperativamente impostos no concurso (o que constitui causa de exclusão da proposta prevista no art. 70.º n.º 2 al. a) e b) do CCP).
Caso assim não se entenda, requer-se a este Tribunal que, em face dos erros grosseiros e notórios, praticados pelo júri na avaliação das propostas determine ao júri:
i. A correção da proposta da E... nos seguintes termos:
a) No subfactor 4.2.1 – Plano de atividades + Memória descritiva e Justificativa do Plano de Atividades não pode o júri atribuir a classificação de 2 pontos;
b) No subfactor 4.2.2 Plano de Recursos (mão de obra e Equipamento) + Memória descritiva e Justificativa do Plano de recursos, não pode o júri atribuir a classificação de 3;
c) No subfactor 4.2.3 – Plano de Pagamentos, não pode o júri atribuir a classificação de 2.
ii. A correção da avaliação da proposta do concorrente P... nos seguintes termos:
a) No subfactor 4.2.1 – Plano de atividades + Memória descritiva e Justificativa do Plano de Atividades não pode o júri atribuir a classificação máxima de 4 pontos;
b) No subfactor 4.2.2 Plano de Recursos (mão de obra e Equipamento) + Memória descritiva e Justificativa do Plano de recursos, não pode o júri atribuir a classificação máxima de 4;
c) No subfactor 4.2.3 – Plano de Pagamentos, não pode o júri atribuir a classificação máxima de 4.
Mais se requer, caso entretanto venha a ser celebrado o contrato com o adjudicatário, que o mesmo seja anulado porquanto os vícios são causa adequada e suficiente da invalidade do contrato, e os interesses públicos e privados em presença e a gravidade das ofensas detetadas no procedimento em causa implicam a invalidade do contrato sob pena de ofensa aos princípios da boa-fé, e da atuação transparente e isenta das Entidades Adjudicantes
Indicou as seguintes Contra-interessadas:
1. P... Ambiente, S.A.,
2. S... – Serviços Urbanos e Meio Ambiente, S.A.,
3. L... – Serviços Ambientais, S.A., todas melhor identificadas nos autos.
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Instaurada a acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, este declarou-se territorialmente incompetente e os autos foram remetidos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
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Por despacho de 02.10.2020, foi determinada a apensação do processo nº 16/20.0BESNT aos presentes autos.
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O processo nº 16/20.0BESNT, acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual foi intentado pela S... – SERVIÇOS URBANOS E MEIO AMBIENTE, S.A., com os demais sinais nos autos, contra o MUNICÍPIO DE AZAMBUJA, tendo indicado as seguintes Contrainteressadas, todas com os demais sinais nos autos:
1. P... Ambiente, S.A.,
2. E... – C..., S.A..;
3. L... – Serviços Ambientais, S.A..
Formula o seguinte pedido:
“A) Ser anulado o Procedimento Concursal, o seu Relatório Final assim como o Acto de Adjudicação impugnado que nele se suporta, bem como o Contrato caso tenha já sido celebrado, por ilegalidade insuprível do acto de avaliação das Propostas;
B) Subsidiariamente, para o caso de o Tribunal decidir não anular o Procedimento Concursal, no que não se concede, deve ser anulado o Relatório Final assim como o Acto de Adjudicação impugnado que nele se suporta, bem como o Contrato caso tenha já sido celebrado; e ainda ser ordenada a elaboração de um novo Relatório em que o júri exclua as Propostas da P... Ambiente, S. A. e E..., C..., S. A., nos termos do disposto no art. 70º, nº 2, als. a) e b) do CCP, e adjudique a Proposta da Autora.
C) Subsidiariamente, para o caso de o Tribunal decidir não excluir as Propostas da Concorrente P... e da Concorrente E... (ou não excluir alguma delas), no que não se concede, ser ordenada a elaboração de um novo Relatório em que o júri proceda à correcção das pontuações atribuídas (i) à Proposta da P... Ambiente, S. A. (ii) à Proposta da E..., C..., S. A., e à Proposta da S... - Serviços Urbanos e Meio Ambiente, S. A. nos termos supra expostos nesta PI, por verificação de erro grosseiro na avaliação anterior, ficando a Proposta da Autora ordenada em 1º lugar, recaindo sobre ela a Adjudicação.»
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Por sentença de 02.12.2020, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa anulou o procedimento de concurso público “F106-2018 Aquisição de serviços para recolha e transporte de resíduos urbanos, volumosos e verdes, recolha de RCD, limpeza urbana de grandes eventos, fornecimento e lavagem de contentores e desobstrução de coletores pluviais no concelho de Azambuja”, bem como o acto de adjudicação e o contrato celebrado com a CIP.
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Inconformada com a sentença proferida, a Recorrida E..., S.A., (anteriormente P... Ambiente, S.A.), Contra-interessada nas duas acções, interpôs recurso da mesma.
Concluiu assim as suas alegações:
I. A fórmula de avaliação das propostas, nomeadamente do fator preço, não viola o disposto no artigo 132.º e no artigo 139.º do CCP.
II. O modelo de avaliação das propostas, nomeadamente no fator preço não é ilegal, por fazer corresponder à avaliação qualitativa uma avaliação quantitativa certa.
III. No procedimento concursal em crise, o fator preço é avaliado por uma fórmula matemática que não deixa qualquer margem para discricionariedade, sendo apenas de aplicar a fórmula de avaliação ao preço apresentado em cada uma das propostas para se obter a pontuação do respetivo fator.
IV. Afigura-se, portanto, que este modelo cumpre as imposições dos artigos 139.º, n.º 3 e 1.º-A do CCP porque é estabelecida uma escala de pontuação que respeita o princípio da transparência e da concorrência.
V. Não existe proibição legal que impeça que o preço seja encontrado primeiro através de uma fórmula similar à dos autos, no primeiro momento, e após, num segundo momento, tal resultado ponderando em 50%.
VI. Não existe qualquer diminuição na ponderação de 50% do fator preço. Existem é dois momentos de avaliação: um primeiro em que se obtém a pontuação no fator preço e um segundo em que é efetuada a ponderação de 50% dessa pontuação.
VII. A definição da fórmula de avaliação do fator preço está na plena disponibilidade adjudicante, na medida em que não lhe é vedada a utilização da fórmula em apreço.
VIII. A referida fórmula já foi utilizada por diversas vezes anteriormente, quer pela Agência Portuguesa do Ambiente, quer pela própria entidade adjudicante, tendo sempre as adjudicações efetuadas com base na mesma tido obtido visto do Tribunal de Contas.
IX. A avaliação do fator preço resulta de uma fórmula matemática e a mesma foi previamente definida dentro da margem de discricionariedade que à entidade adjudicante compete, sendo a mesma clara, inteligível para qualquer concorrente experimentado no tipo de procedimento concursal em apreço, como é o caso das Apeladas e todos os contrainteressados.
X. No caso sub judice, a referida fórmula não anula o impacto concorrencial do “factor preço”, pelo que não se traduz na violação dos referidos princípios.
XI. Guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo efetuou uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 74.º, 75.º, 132.º e 139.º do CCP, desta sorte incorrendo na sua violação.
XII. Não é sindicável, por se inscrever na prerrogativa de avaliação inerente ao desempenho da função administrativa, a escolha dos métodos de comparação e avaliação das propostas, incluindo a atribuição de pontos ou valores aos fatores atendíveis; a esse nível, haverá apenas que controlar, para além daquilo que é manifestamente erróneo ou desrazoável, se o júri do procedimento se afastou da vinculação decorrente da lei ou do programa do concurso.
XIII. O júri do procedimento respeitou a fórmula de avaliação das propostas prevista no programa de procedimento do concurso público em crise nos presentes autos.
XIV. No douto acórdão citado na sentença recorrida, verifica-se que a fórmula utilizada para valoração do fator preço foi utilizada num concurso lançado ao abrigo de um acordo-quadro - o que não se verifica no caso dos autos.
XV. A fórmula de atribuição de pontuação da proposta está na plena disponibilidade da entidade adjudicante, quando não esteja em causa um concurso público lançado ao abrigo de um acordo-quadro, mas sim de um procedimento concursal autónomo, apenas vinculado ao CCP e à discricionariedade que sempre assistirá à entidade adjudicante na definição da fórmula de avaliação do preço e das propostas na sua globalidade, a que esta se auto-vincula.
XVI. Guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo efetuou uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 74.º, 75.º, 132.º e 139.º do CCP, desta sorte incorrendo na sua violação.
Nestes termos e nos melhores de direito deve a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que julgue improcedente a ação, e absolva a entidade demandada de todo o peticionado nas petições iniciais.
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Igualmente inconformada com a sentença proferida, dela recorreu a Entidade Demandada, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
a. É o presente recurso interposto da douta sentença de fls.__ que julgou parcialmente procedente a ação intentada pela Autora S... (proc. nº 16/20.0BESNT) e, em consequência, determinou a anulação do procedimento concursal, bem como do ato da adjudicação e do contrato celebrado com a indigitada adjudicatária.
b. Ancorando-se, erroneamente, pensa-se, numa pretensa contradição insanável entre elementos do modelo de avaliação das propostas, considerando o Tribunal recorrido que o modelo adotado pela entidade adjudicante, aqui Recorrente, quanto ao fator “Preço Total”, é inconciliável com o objetivo legal do critério de adjudicação estabelecido no PC e no artigo 74º, nº 1, alínea a), do CCP, por anular praticamente o impacto concorrencial do “Factor Preço”, na referida ponderação mínima de 60%, em violação do princípio da concorrência e da igualdade concorrencial.
c. Contudo, ao menos no entender do Recorrente, o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e subsunção dos factos ao direito, como aqui se procura demonstrar.
Vejamos.
d. O Município, aqui Recorrente, escolheu o critério da proposta economicamente mais vantajosa compreendendo os fatores preço total e valia técnica da proposta, atribuindo uma valência de 50% a cada um desses fatores
e. De acordo com o preceituado no nº 2 do artigo 139º do CCP, [a] pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada fator ou subfator elementar, multiplicados pelos respetivos coeficientes de ponderação, como se verificou no caso vertente.
f. A escala de pontuação para cada fator ou subfactor elementar foi definida mediante uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos para o aspeto da execução do contrato submetidos à concorrência respeitante a esse fator ou subfactor (cf. artigo 139º, nº 3, do CCP).
g. Efetivamente, como resulta do Programa do Procedimento, foi especificada a ponderação relativa que a entidade adjudicante atribui a cada um dos critérios escolhidos para determinar a PEMV (cf. artigo 139º, nºs 2 a 5, do CCP).
h. Tudo em articulação estreita com os fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação adotado – cf. artigo 75º, nº 2 do CCP, sem olvidar a regra geral contida no nº 1.
i. No caso concreto em apreço, a pontuação global de cada proposta, foi expressa numericamente, correspondendo ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada fator ou subfator elementar, multiplicadas pelos valores dos respetivos coeficientes de ponderação, como se determina ipsis verbis no nº 2 do artigo 139º do CCP.
j. Em concreto, a escala de pontuação adotada para o fator “Preço Total” foi assim claramente conforme ao critério de adjudicação e aos coeficientes de ponderação estabelecidos pela própria entidade adjudicante.
k. Sem que se tivesse verificado o mínimo condicionamento da concorrência, ou em sentido inverso aos interesses financeiros públicos, tal como o próprio Município, aqui Recorrente, os definiu, aquando do estabelecimento do critério de adjudicação e dos fatores de avaliação.
l. Sendo igualmente de referir que o Júri efetuou uma avaliação das propostas de forma individual e de acordo com a sua valia intrínseca, resultando a comparabilidade das mesmas, das pontuações atribuídas a cada uma, e não as pontuações atribuídas, da comparabilidade das propostas.
m. Não existindo, salvo melhor e mais douto entendimento, qualquer contradição nas cláusulas do programa de procedimento, na medida em que a entidade adjudicante em causa definiu previamente à apresentação de propostas, no anexo VI, do Programa do Procedimento, todas as condições essenciais aptas à definição da proposta economicamente mais vantajosa, as quais, eram facilmente inteligíveis e aceitáveis para os seus destinatários, dando assim cabal cumprimento ao princípio da transparência.
n. E mesmo que se entendesse que a fórmula utilizada para avaliação do fator preço não era adequada, o que só se concede em benefício da discussão, a verdade é que ela não se mostrou idónea a distorcer o resultado final, e como tal não deveria ter sido alvo de censura pelo Tribunal a quo.
o. Inversamente à conclusão a que chegou o Tribunal recorrido, a fórmula matemática utilizada induzia à obtenção de maior pontuação para propostas de preço mais baixo, dentro do patamar de avaliação resultante da sua aplicação.
p. Nestes termos, ao contrário do decidido, o modelo de avaliação no seu todo não desvirtuou a proporcionalidade existente entre os diversos fatores do critério de adjudicação, nem afetou a ponderação de cada fator, nem o respectivo peso relativo na avaliação das propostas, não havendo por isso qualquer desrespeito pela disciplina normativa reguladora do modelo de avaliação das propostas, suscetível de poder comprometer a legalidade do procedimento pré-contratual sob sindicância.
q. Salvo melhor entendimento, consideramos que ficou demonstrado que não estamos perante nenhuma violação dos mais elementares princípios da contratação pública, na medida em que, o Município, aqui Recorrente, não fez qualquer interpretação das regras do procedimento, suscetível de determinar uma discriminação entre os concorrentes no procedimento, promovendo assim o cumprimento do princípio da igualdade, da transparência e da sã concorrência.
r. Cingindo-se, assim, ao estrito cumprimento das normas do CCP que enformam e disciplinam o procedimento adjudicatório sindicado, com ênfase para as previstas nos seus artigos 74º, 75º, e 130º a 148º.
s. Perante o acabado de expor, é de concluir, ao menos no entender do Recorrente, que este desenvolveu o competente procedimento com vista à adoção de uma decisão fundamentada, proporcional e adequada, decidindo em conformidade com as disposições legais aplicáveis.
t. Em S..., ao decidir anular o procedimento de concurso público sub judicio, a douta sentença incorreu, salvo o devido respeito, em manifesto erro de julgamento, ao proceder a uma incorreta interpretação e aplicação do direito, em particular, das normas constantes dos artigos 74º, 75º, 132º e 139º do CCP, devendo por isso ser revogada, em conformidade.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se aquela por outra que julgue válido o procedimento contratual e, em consequência o ato de adjudicação à contrainteressada adjudicatária.
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Notificada dos dois recursos apresentados, a Recorrida S... (Contra-interessada no proc. 1409/19 e Autora no proc. 16/20), contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
I - O Anexo VI do Programa do Procedimento intitulado “Critério de Adjudicação (art. 74º do CCP)” estabelece, no seu ponto 3, que “a cada factor será atribuído um índice de 0 a 10 [pontos]. Também no ponto 4.1 do mesmo Anexo VI é declarado aos Concorrentes que a escala de pontuação para a avaliação parcial do factor “Preço Total” varia entre 0 e 10 pontos.
II. E, em conformidade com esta determinação, em todos os factores/subfactores (com excepção do factor “Preço”) o mérito das Propostas pode ser realmente avaliado com uma pontuação entre zero e dez pontos.
III. Porém tal não sucede no factor “Preço”.
IV. A expressão matemática que a Entidade Adjudicante definiu para atribuição das pontuações no factor “Preço” (ponto “4.1 – Preço Total (PT)” do PP) não permite atribuir qualquer pontuação inferior a 8,75 pontos (nomeadamente, 8 pontos, 7 pontos, 6 pontos, e por aí adiante até aos 0 pontos) não obstante ter sido declarado aos Concorrentes, no referido ponto “4.1 – Preço Total (PT)” do PP, que a escala de pontuação para a avaliação parcial do factor “Preço Total” varia entre 0 e 10 pontos.
V. Por bom senso, mas também, e principalmente, porque a isso obriga o Princípio da Boa Administração, Princípio expressamente acolhido no art. 5º do CPA e art. 1.º-A, n.º 1, do CCP, segundo o qual “a Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade”, tem de admitir-se que quanto mais elevado for o preço da Proposta menos vantajosa é para a Entidade Adjudicante a relação custo / benefício da sua eventual adjudicação.
VI. Assim, uma Proposta que apresente o preço (máximo possível) de 7.646.191,31€ (= ao Preço Base e, portanto, o menos vantajoso para a Entidade Adjudicante) deveria obrigatoriamente ser classificada, no factor “Preço”, com a pontuação mais baixa da escala de pontuação, ou seja, 0 pontos, pois que determina o ponto “4.1 – Preço Total (PT)” do Anexo VI do PC que a escala de pontuação para a avaliação parcial do factor “Preço Total” varia entre 0 e 10.
VII. Porém, da aplicação da fórmula matemática estabelecida no ponto 4.1 do Anexo VI do PC resulta que uma Proposta que apresente o preço mais alto possível – 7.646.191,31€ (= Preço Base) − é avaliada com 8,75 pontos, sendo que, em coerência com o que se determina no “ponto 3” e 1º parágrafo do “ponto 4.1” do referido Anexo VI do PC, deveria obter, neste subfactor “Preço”, 0 pontos, porquanto, como aí se anuncia, o factor “Preço Total” é avaliado numa escala de 0 a 10 pontos.
VIII. Estamos perante uma flagrante, manifesta e insuprível contradição entre a escala de pontuação definida para avaliara o factor “Preço” – que tem uma amplitude (patenteada e anunciada aos Concorrente) entre 0 pontos e 10 pontos − e a concreta expressão matemática estabelecida para lhe dar concretização (que reduz a escala anunciada de 0 a 10 pontos para uma escala real de apenas 8,75 a 10 pontos).
IX. Como referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina 2011, págs. 971/972) “A fórmula ou expressão matemática pode ser qualquer uma, desde que seja racional e não contradiga o caderno de encargos e o modelo de avaliação em que se integra (…)”. [destaque nosso]
X. Qualidades, designadamente, racionalidade e coerência, de que não comunga a fórmula de avaliação das Propostas no factor “Preço” definida e aplicada no Concurso sub judice, pois que contradiz manifesta e objectivamente o Modelo de Avaliação em que se integra, uma vez que que o mesmo estabelece que a escala de pontuação do factor “Preço”, varia entre 0 e 10 pontos, mas a fórmula não permite atribuir qualquer pontuação dos “0 pontos” (inclusive) aos “8,74 pontos” (inclusive), o que significa a impossibilidade prática de, no concreto exercício de avaliação de Propostas, poder-se utilizar 87,49% da escala de avaliação fixada.
XI. Este facto evidente, manifesto, de a avaliação no factor “Preço” apenas poder variar entre 8,75 e 10 pontos, não podendo percorrer toda a escala de avaliação anunciada dos 0 aos 10 pontos, deturpa muito significativamente a ponderação real, efectiva, de cada factor e o seu respectivo peso relativo na avaliação concreta das Propostas.
XII. Não está em causa que o processo de ponderação do peso relativo de cada factor/subfactor na pontuação final da Proposta é executado num segundo momento. Isso compreende-se perfeitamente e nunca esteve, sequer, em discussão.
XIII. O que está verdadeiramente em causa é a pontuação concreta atribuída no factor “Preço” que é, num segundo momento, sujeita ao processo de ponderação para cálculo da pontuação final da Proposta. Como é evidente, se essa pontuação atribuída no factor “Preço” está erradamente calculada, o cálculo do peso relativo de cada factor/subfactor na pontuação final da Proposta é seriamente deturpado.
XIV. E, salvo o devido respeito, parece-nos desprovido de qualquer sentido prático e jurídico vir invocar a possibilidade de poderem ter sido definidos outros Modelos de Avaliação de Propostas que permitissem efectivamente aplicar a escala de avaliação no factor “Preço” em toda a amplitude anunciada dos 0 aos 10 pontos.
XV. Pois que, se tivesse sido definido outro Modelo de Avaliação, designadamente para pontuação do factor “Preço”, também os Concorrentes teriam apresentado Propostas com outro “Preço”, ou seja, estaríamos perante outro concurso e outras Propostas diferente do que ora se encontra sub judice.
XVI. Por outro lado, o processo de avaliação das Propostas no factor “Preço” somente nesta amplitude (entre 8,75 e 10 pontos) é notoriamente incoerente, desproporcional e desprovido de racionalidade económica, pois que reduz drasticamente o real impacto das diferenças de preço proposto ao não permitir um escalonamento proporcional entre a diferença de “Preço” da Proposta e a diferença de pontuação atribuída/obtida, violando, deste modo, Princípios básicos da Contratação Pública, designadamente, o Princípio da Igualdade, o Principio da Proporcionalidade e, muito especialmente, o Princípio da Concorrência.
XVII. O regime da Contratação Pública visa, entre outros, prosseguir o objectivo fundamental de favorecer o desenvolvimento de uma concorrência efectiva no acesso aos mercados públicos. É o que também se consagra no artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP.
XVIII. Este objectivo destina-se, por um lado, a garantir as oportunidades e interesses dos potenciais concorrentes no acesso a esses mercados, mas também, por outro, a realizar objectivos de satisfação do interesse público, na sua dupla vertente de satisfação das necessidades e do interesse financeiro.
XIX. Entre outros aspectos, o critério de adjudicação escolhido — a proposta economicamente mais vantajosa para a Entidade Adjudicante (cf. art. 15º do PC) —implica, por um lado, que se criem condições para um efectivo funcionamento da Concorrência nos factores escolhidos e, por outro, que o Modelo de Avaliação definido e aplicado às Propostas permita a real avaliação das vantagens económicas que resultem do funcionamento dessa Concorrência.
XX. Assim, o exercício da discricionariedade técnica da Entidade Adjudicante na construção do Modelo de Avaliação das Propostas está, além do mais, balizado pela necessidade de estimular (em vez de inibir) o funcionamento da Concorrência e de assegurar, o mais possível, escolhas fundadas em critérios de economicidade.
XXI. Concretamente, o efectivo funcionamento da Concorrência no factor “Preço” exige, pois, que os Concorrentes compitam entre si para oferecer o melhor preço possível, sendo que, num Concurso Público, os Concorrentes não conhecem os preços que os seus opositores irão apresentar. Nesse ambiente, o preço que irão propor é o mais baixo preço que possam fazer (salvaguardadas as especificidades do “preço anormalmente baixo”) por saberem que a Entidade Adjudicante vai valorizar correcta e proporcionalmente as diferentes gradações do preço proposto.
XXII. No caso sub judice, esta premissa essencial da verdadeira e efectiva Concorrência de valorização efectiva, correcta e proporcional das diferentes gradações admissíveis do preço da Proposta está capitalmente ferida, pois que a fórmula matemática definida para classificação das Propostas no factor “Preço” reduziu quase à insignificância o real impacto das diferenças de preço proposto, ao não permitir um escalonamento proporcional entre a diferença de “Preço” da Proposta e a diferença de pontuação atribuída/obtida, e com isso constrangeu, condicionou inadmissível e ilegalmente, o efectivo funcionamento da Concorrência no factor “Preço”.
XXIII. Sendo, por conseguinte, aplicável na perfeição ao caso sub judice o mui doutamente decidido pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo no processo nº 0167/18.1BELSB, de 18/09/2019: “Viola o princípio da concorrência e da igualdade concorrencial o critério que praticamente anula o impacto concorrencial do “factor preço” na referida ponderação (…)” [ponto IV do Sumário]
XXIV. Por todas estas razões, aquela fórmula de avaliação das Propostas não pode ser aplicada porque é ilegal, pois que (i) apresenta uma manifesta e insuprível contradição entre a escala de pontuação definida para avaliara o factor “Preço” e a concreta expressão matemática estabelecida para lhe dar concretização, (ii) e é violadora de Princípios básicos da Contratação Pública, designadamente, o Princípio da Igualdade, da Proporcionalidade e, muito especialmente, da Concorrência.
XXV. Devendo, por conseguinte, os recursos apresentados serem julgados totalmente improcedentes por não provados, mantendo-se inteiramente a Douta Sentença recorrida, pois que a mesma não é merecedora de qualquer censura.
XXVI. Na eventualidade de não ser integralmente mantida a decisão de 1ª instância, no que não se concede, a aqui Recorrida S... requer, ao abrigo do disposto no art. 149/2 do CPTA, que sejam conhecidos os pedidos formulados, a título subsidiário, na Petição Inicial para cujos artigos — 34 a 120 — e documentos juntos se remete quanto à alegação, fundamentação e prova.
XXVII. A Proposta da E... S. A. apresenta inúmeros incumprimentos quanto ao imperativamente exigido nos documentos concursais patenteados, nomeadamente, (i) a não afectação à Prestação de Serviços do número mínimo de equipamentos exigidos pelo CE, (ii) o incumprimento do disposto no ponto “5 – Veículos de Recolha” do “Anexo 1 – Condições Técnicas” do CE, (iii) o incumprimento do disposto no ponto 12 da “Cláusula 5ª – Obrigações Principais do Prestador de Serviços” do CE, (iv) a apresentação de um “Plano de Pagamentos” em violação, designadamente, do disposto na “Cláusula 16ª – Facturação e Condições de Pagamento” e ponto 8 do Anexo Técnico I do CE, (v) o incumprimento do disposto na alínea e) do nº 1 da “Cláusula 5ª – Obrigações Principais do Prestador de Serviços” e ponto 18 do “Anexo 1 – Condições Técnicas” do CE, (vi) o incumprimento do disposto no ponto VI do n. º 2 do “Artigo 6.º - Documentos que Constituem as Propostas” do PP, (vii) o incumprimento do disposto no nº 7 da “Cláusula 5ª – Obrigações Principais do Prestador de Serviços” do CE.
XXVIII. Por todas estes vícios pormenorizadamente detalhados na PI, a Proposta da E... S. A. tem de ser excluída do procedimento concursal nos termos do disposto no art. 70º, nº 2, alíneas a) e b) do Código dos Contratos Públicos, por não apresentação de atributos e omissão de termos/condições exigidos, por um lado, e por apresentação de atributos que violam parâmetros base fixados no CE bem como apresentação de termos/condições que violam aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, por outro.
XXIX. No caso de se entender que a verificação de todos estes vícios, tantos e tão graves, não conduzem à exclusão da Proposta da E... S. A., no que não se concede, então sempre são fundamento e justificação para uma redução significativa da pontuação que a Proposta obteve em cada um dos subfactores em que se decompõe o factor “Valia Técnica da Proposta (VTP)”.
XXX. A Proposta da E... S. A. também apresenta inúmeros incumprimentos quanto ao imperativamente exigido nos documentos concursais patenteados, nomeadamente, (i) o incumprimento do disposto no ponto VI do n. º 2 do “Artigo 6.º - Documentos que Constituem as Propostas” do PP, (ii) o incumprimento do disposto no ponto 12 da “Cláusula 5ª – Obrigações Principais do Prestador de Serviços” do CE.
XXXI. Por estes vícios pormenorizadamente detalhados na PI, a Proposta da E... tem de ser excluída do procedimento concursal nos termos do disposto no art. 70º, nº 2, alínea a) do Código dos Contratos Públicos, por não apresentação de atributos e omissão de termos/condições exigidos.
XXXII. No caso de se entender que a verificação destes vícios não conduzem à exclusão da Proposta da E..., no que não se concede, então sempre são fundamento e justificação para uma redução significativa da pontuação que a Proposta obteve nos subfactores “4.2.1 – Plano de Actividades (PA) + Memória Descritiva e Justificativa do Plano de Actividades (MDJ-PA)” e “4.2.2 – Plano de Recursos (PR) + Memória Descritiva e Justificativa do Plano de Recursos (MDJ-PR)”.
XXXIII. Na eventualidade de não ser decidida a exclusão das Propostas da E... S. A. e também da E... S. A., no que não se concede, atento tudo o que pormenorizadamente se expôs na PI, sempre terá então de proceder-se à reavaliação e consequente reclassificação da Proposta da S..., pois que o júri cometeu diversos erros grosseiros na sua avaliação, que afectam directamente a pontuação total da Proposta e consequente ordenação final.
XXXIV. Pelas razões e argumentos detalhados na PI, o júri cometeu erro grosseiro na avaliação da Proposta da S... nos subfactores “4.2.1 – Plano de Actividades (PA) + Memória Descritiva e Justificativa do Plano de Actividades (MDJ-PA)”, e “4.2.2 – Plano de Recursos (PR) + Memória Descritiva e Justificativa do Plano de Recursos (MDJ-PR)”, avaliação que deve ser corrigida (em ambos) para a classificação 4, que corresponde a 10 pontos.
TERMOS EM QUE os recursos que apresentaram a Contra-Interessada Adjudicatária E..., S. A. (ex P... Ambiente, S. A.) e a Demandada Município de Azambuja devem ser julgados totalmente improcedentes e não provados e, em consequência, confirmar-se inteiramente a Douta Sentença recorrida por a mesma não merecer qualquer censura.
Caso V/Exas., Venerandos Desembargadores, revoguem a Douta Decisão do Tribunal a quo, requer-se, ao abrigo do disposto no art. 149/2 do CPTA, a apreciação e decisão dos pedidos subsidiários formulados pela S... na PI cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão proferida, devendo:
a) Ser anulado o Relatório Final assim como o Acto de Adjudicação impugnado que nele se suporta, bem como o Contrato celebrado; e ainda ser ordenada a elaboração de um novo Relatório em que o júri exclua as Propostas da E..., S. A. e E..., C..., S. A., nos termos do disposto no art. 70º, nº 2, als. a) e b) do CCP, e adjudique a Proposta da S... – Serviços Urbanos e Meio Ambiente S. A.
b) Subsidiariamente, para o caso de o Venerando Tribunal decidir não excluir as Propostas da Concorrente E... e da Concorrente E... (ou não excluir alguma delas), no que não se concede, ser ordenada a elaboração de um novo Relatório em que o júri proceda à correcção das pontuações atribuídas (i) à Proposta da E..., S. A. (ii) à Proposta da E..., C..., S. A., e à Proposta da S... - Serviços Urbanos e Meio Ambiente, S. A. nos termos expostos na PI, por verificação de erro grosseiro na avaliação anterior, ficando a Proposta da S... – Serviços Urbanos e Meio Ambiente S. A. ordenada em 1º lugar, recaindo sobre ela a Adjudicação.
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O Ministério Público, regularmente notificado nos termos e ao abrigo dos artigos 146º e 147º do CPTA, não emitiu parecer.
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Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações dos recursos interpostos, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por aferir se a sentença recorrida efectuou errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 74.º, 75.º, 132.º e 139.º do CCP.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade que, por não impugnada, se mantém:
A) Através do Anúncio de Procedimento n.º 1969/2019, publicado na II Série do Diário da República nº 40, de 26 de fevereiro de 2019 e no JOUE, e Aviso de prorrogação de prazo n.º641/2019, publicado na II Série do Diário da República, nº 89, de 9 de maio de 2019, foi publicitado pelo Município de Azambuja o “Concurso Público para a Adjudicação do procedimento F106-2018 Aquisição de serviços para recolha e transporte de resíduos urbanos, volumosos e verdes, recolha de RCD, limpeza urbana de grandes eventos, fornecimento e lavagem de contentores e desobstrução de coletores pluviais no concelho da Azambuja”.
B) Dou aqui por integralmente reproduzidos o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos do procedimento identificado na alínea anterior.
C) O júri do procedimento prestou esclarecimentos a diversas questões colocadas pelos concorrentes, conforme ata nº 2, de 6/06/2019, e respetivo anexo, que dou aqui por integralmente reproduzidos.
D) A Autora e as Contrainteressadas apresentaram proposta ao concurso identificado em A) supra, propostas que foram admitidas e que dou aqui por integralmente reproduzidas, tendo as demais propostas apresentadas sido excluídas.
E) Em 4/09/2019, reuniu o júri do procedimento para análise das propostas e elaboração do relatório preliminar, tendo-o elaborado, anexo à ata nº 5 e que dela faz parte integrante, que dou aqui por integralmente reproduzido.
F) Pronunciaram-se em sede de audiência prévia, entre outras, as concorrentes S... e E..., pronúncias que dou aqui por integralmente reproduzidas.
G) Em 26/11/2019, reuniu o júri do procedimento para análise das pronúncias apresentadas pelas concorrentes identificadas na alínea anterior e, após a referida análise, elaborou o relatório final, anexo à ata nº 6 e que dela faz parte integrante, que dou aqui por integralmente reproduzido.
H) Em 04/12/2019, os concorrentes foram notificados da deliberação da Câmara Municipal de Azambuja, de 03/12/2019, que aprovou, nos termos da Proposta nº 102/P/2019, de 26/11/2019, do Presidente da Câmara Municipal de Azambuja, o relatório final, aprovado na reunião do júri de 26/11/2019, e procedeu à adjudicação da prestação de serviços à proposta apresentada pela CIP.
I) Em 19/12/2019, o D. e a CIP. celebraram o contrato, no âmbito do procedimento identificado em A) supra.
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De Direito

No âmbito dos processos apensos 1409/19 e 16/20, foi proferida sentença que, julgando procedente o pedido formulado pela S..., SA, nesta última acção, determinou a anulação do procedimento de concurso público “F106-2018 Aquisição de serviços para recolha e transporte de resíduos urbanos, volumosos e verdes, recolha de RCD, limpeza urbana de grandes eventos, fornecimento e lavagem de contentores e desobstrução de coletores pluviais no concelho de Azambuja”, bem como o acto de adjudicação e o contrato celebrado com a adjudicatária.
Foi esta a motivação apresentada:
“Considerando que a S... (no processo 16/20.0BESNT) invoca um vício que, a verificar-se, poderá conduzir à anulação do procedimento concursal, conforme peticionado, cumpre iniciar pela sua apreciação.
Da alegada contradição insanável entre elementos do modelo de avaliação das propostas
Alega a S... que o modelo de avaliação das propostas apresenta, na parte respeitante ao fator “Preço”, uma contradição insanável entre os seus termos que torna ilegal a sua aplicação para cumprimento das funções que deve cumprir, dado que a fórmula de avaliação das propostas no fator “Preço” apenas permite atribuir pontuação numa escala entre 8,75 e 10 pontos e o modelo de avaliação estabelece que a escala de pontuação de cada fator varia entre 0 e 10.
Em resposta, o D. invoca que foram valoradas as diferenças de preços para menos de acordo com o modelo de avaliação escolhido, sem prejudicar a proposta de preço mais baixo.
Por sua vez, alega a CIP. que a invocada contradição do modelo de avaliação das propostas é aparente, porque resulta da fórmula do concurso que quanto mais baixo for o preço maior será a pontuação, existindo, assim, uma valoração diferenciadora entre todas as propostas de acordo com os preços apresentados.
Cumpre apreciar.
O Programa de Concurso (PC) estabelece no seu artigo 15º, sob a epígrafe “Critério de Adjudicação”, que «1. A adjudicação é realizada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, determinada pela melhor relação qualidade-preço, de acordo com os fatores de ponderação e respetivas fórmulas definidos no Anexo VI ao presente Programa de Concurso:
Preço Total ……50%
Valia Técnica da Proposta ……50%
Para a análise das propostas utilizar-se-á o modelo constante do Anexo VI ao presente Programa de Concurso. (…)».
O Anexo VI do PC estabelece, nomeadamente, que:
«1. A adjudicação será efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa.
2. A seleção da proposta economicamente mais vantajosa será feita tendo em conta os seguintes fatores:
FATOR PESO RELATIVO
Preço Total (PT) 0,50
Valia Técnica da Proposta (VTP) 0,50
3. A cada fator será atribuído um índice de 0 a 10. Este índice será afetado pelo peso relativo.
A pontuação final da proposta PF é obtida pela seguinte fórmula:
PF = (PT x 0,50) + (VTP x 0,50)
em que:
PF - é a pontuação final da proposta;
PT - é o índice obtido conforme disposto no n.º 4.1 seguinte
VTP – é o índice obtido conforme disposto no n.º 4.2 seguinte
O índice a atribuir ao fator Preço Total (PT) é calculado de acordo com a fórmula indicada no n.º 4.1, com arredondamento a oito casas decimais.
O índice a atribuir ao fator Valia Técnica da Proposta (VTP) é calculado de acordo com a fórmula indicada no n.º 4.2, com arredondamento a oito casas decimais.
O índice a atribuir ao fator Viaturas combinadas de limpeza e desobstrução (VCLD) é calculado de acordo com a fórmula indicada no n.º 4.3, com arredondamento a oito casas decimais.
4.1 - Preço Total (PT) A escala de pontuação para a avaliação parcial do fator “Preço Total”, entre 0 e 10, será atribuída pela aplicação da seguinte expressão matemática:
P = 10 – 1,25 x VP / PB,
Em que:
P - é a pontuação a atribuir ao “Preço Total” da proposta;
VP - é o valor da proposta em apreciação;
PB - é o preço base.
4.2 – Valia Técnica da Proposta (VTP)
Este fator será avaliado por intermédio da decomposição em 3 (três) subfatores, afetados dos respetivos pesos específicos:
4.2 VALIA TÉCNICA DA PROPOSTA (VTP)
Subfator Peso específico
4.2.1 – Plano de Atividades (PA) + Memória Descritiva 0,60
e Justificativa do Plano de Atividades (MDJ-PA)

4.2.2 – Plano de Recursos (PR) + Memória Descritiva 0,25
e Justificativa do Plano de Recursos (MDJ-PR)

4.2.3 – Plano de Pagamentos (PP) 0,15

Resultando, assim, na seguinte expressão matemática, que permite classificar, em termos de Valia Técnica da Proposta, cada proposta:
VTP = (0,60 x 4.2.1) + (0,25 x 4.2.2) + (0,15 x 4.2.3)
Cada subfactor será valorado de acordo com a escala de avaliação que lhe está associada, organizada segundo os respetivos descritores, sendo essa avaliação convertida para uma pontuação de 0 (zero) a 10 (dez). (…).».
Dispõem os artigos 74º nº 1, 75º nº 1 e 139º do Código dos Contratos Públicos (CCP) que:
«Artigo 74.º Critério de adjudicação
1 - A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, determinada por uma das seguintes modalidades:
a) Melhor relação qualidade-preço, na qual o critério de adjudicação é composto por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, relacionados com diversos aspetos da execução do contrato a celebrar;
b) Avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar.
(…)
Artigo 75.º Factores e subfactores
1 - Os fatores e os eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar, abrangendo todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
(…)
Artigo 139.º Modelo de avaliação das propostas
1 - Caso a determinação da proposta economicamente mais vantajosa se faça pela relação qualidade-preço, ou a avaliação do preço ou custo se decomponha em mais do que um fator de avaliação, o modelo de avaliação das propostas tem de observar o disposto nos números seguintes.
2 - A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada factor ou subfactor elementar, multiplicadas pelos valores dos respectivos coeficientes de ponderação.
3 - Para cada factor ou subfactor elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos para o aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse factor ou subfactor.
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar, com excepção dos da proposta a avaliar.
5 - As pontuações parciais de cada proposta são atribuídas pelo júri através da aplicação da expressão matemática referida no n.º 3 ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respectivo atributo com o conjunto ordenado referido no mesmo número.».
O D. tem o dever de selecionar uma proposta que lhe garanta uma vantagem económica, respeitando, desse modo, o objetivo de escolher a proposta que lhe seja economicamente mais vantajosa, conforme resulta dos citados normativos.
Para alcançar tal desiderato, o D. deve estabelecer um modelo de avaliação das propostas que permita uma avaliação das vantagens económicas resultantes do funcionamento efetivo da concorrência.
Ora, na situação trazida aos presentes autos, o D. escolheu o critério da proposta economicamente mais vantajosa, compreendendo os fatores preço total e valia técnica da proposta.
Porém, a fórmula prevista no Anexo VI do PC para a avaliação parcial do fator “Preço Total” não se encontra em sintonia com a escala de pontuação entre 0 e 10, estabelecida no mesmo Anexo VI, na medida em que não permite atribuir qualquer pontuação entre 0 e 8,74, nem permite que um concorrente consiga obter a pontuação máxima de 10, por ser irrealista a apresentação de um preço total de “0”.
Passando a explicar com exemplos concretos.
A fórmula matemática estabelecida para a avaliação parcial do fator “Preço Total” é:
“P = 10 – 1,25 x VP / PB,
Em que:
P - é a pontuação a atribuir ao “Preço Total” da proposta;
VP - é o valor da proposta em apreciação;
PB - é o preço base.”.
O valor do preço base do procedimento ascende a € 7.646.191,31.
Considerando, por hipótese, que um concorrente apresentava uma proposta de preço total igual ao preço base teríamos o seguinte resultado:
P= 10-1,25 x 7.646.191,31/7.646.191,31
P= 10-1,25 x 1
P= 10- 1,25 = 8,75
Esta solução era possível, mas já não seria possível uma proposta de preço contratual superior ao preço base, que automaticamente seria excluída, ao abrigo do disposto no artigo 70º nº 2 alínea d) do CCP, não passando, assim, pelo crivo da análise, isto é, não chegaria à fase de avaliação das propostas.
Por outro lado, considerando, por hipótese, uma proposta de preço total igual a “0” (zero), totalmente irrealista, teríamos o seguinte resultado:
P= 10-1,25 x 0 / 7.646.191,31
P= 10-1,25 x 0
P= 10- 0 = 10
Esta solução não é possível, pois nenhum concorrente estaria disposto a prestar os serviços a custo zero, nem tal preço podia cair no conceito de preço anormalmente baixo, por o D. saber que os serviços a prestar têm pelo menos o custo igual ao valor do preço base que estabeleceu.
Mesmo que o D. tivesse definido as situações em que o preço de uma proposta seria considerado anormalmente baixo, a pontuação máxima nunca seria 10, através da fórmula matemática estabelecida para avaliação parcial do preço total.
Em S..., a escala de pontuação de 0 a 10 não se encontra definida na fórmula matemática estabelecida, a valorização do fator “Peço Total” encontra-se limitada entre 8,75 e 10, que, conforme já supra explanado, a pontuação de 10 é impossível de obter.
Por outro lado, o fator de ponderação de 50% do “Preço Total” não se verifica, porque de acordo com a fórmula estabelecida no Anexo VI do PC, a sua ponderação em concreto é de apenas 12,5% e sendo a pontuação de 10 impossível de obter, a referida ponderação será de facto inferior aos 12,5%.
Considerando hipoteticamente os 12,5% do fator “Preço Total”, o fator “Valia Técnica da Proposta” assume uma ponderação muito superior aos 50% estabelecidos no PC, isto é, de 87,5%.
Ante o exposto, o modelo de avaliação adotado, quanto ao fator “Preço Total”, não permite a atribuição de pontuação entre 0 e 8,74, antes pontua uma proposta de preço igual ao preço base em 8,75, que não permite um distanciamento dentro da escala de pontuação estabelecida relativamente a uma proposta economicamente mais vantajosa para o D., não funcionando, desse modo, a efetiva concorrência que se pretende em qualquer procedimento de contratação pública.
O modelo adotado, quanto ao fator “Preço Total”, é inconciliável com o objetivo legal do critério de adjudicação estabelecido no PC e no artigo 74º nº 1 alínea a) do CCP.
Na esteira do decidido pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo, em 18/09/2019, no processo nº 0167/18.1BELSB, cujo seu sumário passo a citar parcialmente, com a devida vénia à sua Relatora, «…Viola o princípio da concorrência e da igualdade concorrencial o critério que praticamente anula o impacto concorrencial do “factor preço”, na referida ponderação mínima de 60%.».
Por todo o exposto, o procedimento concursal vai ser anulado, bem como o ato de adjudicação e o contrato entretanto celebrado com a CIP.”
Em síntese, considerou a sentença recorrida que o modelo adoptado pela entidade adjudicante quanto ao factor “Preço Total”, é inconciliável com o objectivo legal do critério de adjudicação estabelecido no Programa de Concurso e no artigo 74º, nº 1, alínea a), do CCP, por afectar o impacto concorrencial do “Factor Preço”, na ponderação de 50%, em violação do princípio da concorrência.
A Entidade Demandada/Entidade Adjudicante e a Contra-interessada/Adjudicatária insurgem-se contra a mesma.
Atentos os fundamentos invocados por uma e outra, que se confundem e entrecruzam, conheceremos dos recursos apresentados em simultâneo.
Adiante-se que o decidido é para manter, não tendo as Recorrentes invocado argumentos que afastem a conclusão a que chegou o Tribunal a quo.
Vejamos.
Resulta do programa de procedimento que a Entidade Adjudicatária adoptou o critério da adjudicação previsto no artigo 74.º, n.º 1, al. a) do CCP, ou seja, o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com dois factores (preço e valia técnica), sendo o factor da valia técnica dividido em vários subfactores.
O artigo 132.º, n.º 1, al. n) do CCP estabelece que o programa do concurso deve indicar “o modelo de avaliação das propostas, nos termos do artigo 139.º “devendo ainda serem explicitados claramente os fatores e os eventuais subfactores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, os valores dos respetivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos fatores ou subfactores elementares, a respetiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos que permita a atribuição das pontuações parciais”.
Por sua vez, prevê o artigo 139.º prevê que:
“1 - Caso a determinação da proposta economicamente mais vantajosa se faça pela relação qualidade-preço, ou a avaliação do preço ou custo se decomponha em mais do que um fator de avaliação, o modelo de avaliação das propostas tem de observar o disposto nos números seguintes.
2 - A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada fator ou subfator elementar, multiplicadas pelos valores dos respetivos coeficientes de ponderação.
3 - Para cada fator ou subfator elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos para o aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse fator ou subfator.
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, direta ou indiretamente, dos atributos das propostas a apresentar, com exceção dos da proposta a avaliar.
5 - As pontuações parciais de cada proposta são atribuídas pelo júri através da aplicação da expressão matemática referida no n.º 3 ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respetivo atributo com o conjunto ordenado referido no mesmo número.”
Como resulta do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, que aprovou o CCP, estas e outras disposições visam salvaguardar os princípios da concorrência, da transparência, da imparcialidade, da igualdade, da boa fé e do primado do interesse público, princípios que norteiam ou devem nortear
os procedimentos adjudicatórios.
A propósito dos artigos 74.º, 75.º, 132.º e 139.º, do Código dos Contratos Públicos, diz o Tribunal de Contas que: Considerada a normação contida nos art.os 74.º, 75.º, 132.º e 139.º, do Código dos Contratos Públicos, e os demais princípios que emergem do art.º 1.º, n.º 4, de igual diploma legal, é imperioso afirmar que o modelo de avaliação das propostas constitui a pedra angular e essencial do procedimento tendente à formação dos contratos [exceciona-se o procedimento referente ao ajuste direto – vd. art.º 115.º, do C.C.P.] em que o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa” - cfr. acórdão n.º 18/2014, de 24.06.2014, (processo n.º 191/2014), disponível para consulta em www.tcontas.pt.
E acrescenta: “Do afirmado resulta, afinal, que a melhor e legal definição do critério de adjudicação a prever no Programa do Concurso, para além de pressupor coerência entre os elementos que substanciam o modelo de avaliação, exigirá que os fatores se diferenciem entre si e sejam complementares [deverão, também, incidir sobre atributos a apresentar em sede de propostas] e que os subfactores expressem um desenvolvimento lógico dos fatores, obrigará a que os coeficientes de ponderação atribuídos a fatores e subfactores se articulem, de modo progressivo, e que as escalas de pontuação assumam um desenvolvimento proporcional por forma a permitir a valoração de todas as propostas e a respetiva diferenciação, e, em suma, pressuporá que os fatores, subfactores e escalas de pontuação não contrariam a essência do critério de adjudicação eleito, o qual, «in casu», se traduz em “proposta economicamente mais vantajosa”.
Por outro lado, no âmbito da contratação pública, o procedimento tem por escopo a escolha de um co-contratante e, inerentemente, uma proposta que satisfaça as necessidades públicas em condições económico-financeiras tidas por adequadas e vantajosas para a entidade adjudicante [vd., neste sentido, o art.º 74.º, do C.C.P.].
Uma escolha que, realce-se, deverá processar-se em ambiente de subordinação aos citados princípios, assegurando-se, entre o mais, o direito de todos os operadores económicos ao mercado dos contratos públicos em condições de igualdade.
Ao estabelecer os dois critérios possíveis de adjudicação em procedimento de contratação pública [o do preço mais baixo e o da proposta economicamente mais vantajosa], o legislador, no art.º 74.º, do C.C.P., evidencia o objetivo primeiro do procedimento tendente à contratação pública e que se traduz, afinal, no encontro de uma proposta que assegure uma vantagem económica para a entidade adjudicante.”
No caso em apreço, o Programa de Concurso estabelece que:
- a selecção da proposta economicamente mais vantajosa será feita tendo em conta os factores preço total e valia técnica da proposta, com o peso relativo de 50% cada; e que
- a cada factor será atribuído um índice de 0 a 10 pontos.
O que vem dito pelo Tribunal a quo é que a fórmula matemática que a Entidade Adjudicante definiu para atribuição das pontuações no factor “Preço” não permite atribuir qualquer pontuação inferior a 8,75 pontos nem tão pouco de 10 pontos e não (apenas) “que o modelo adotado pela entidade adjudicante não permite a obtenção de uma pontuação de 10 ou de 0, exemplificativamente, no fator preço”, como refere a Recorrente (Contra-Interessada Adjudicatária) E..., S. A. (ex P... Ambiente, S. A.). Donde, a escala de pontuação para a avaliação parcial do factor “Preço Total” não varia – como declarado no Programa de Concurso - entre 0 e 10 pontos.
Como demonstra a sentença recorrida, uma proposta que apresente o preço de 7.646.191,31€ (preço base, preço mais alto possível e, portanto, neste aspecto, o menos vantajoso para a Entidade Adjudicante) deveria ser classificada, no factor “Preço”, com a pontuação mais baixa da escala de pontuação, ou seja, 0 pontos. Porém, a aplicação da fórmula matemática estabelecida acarreta que uma proposta que apresente aquele preço é avaliada com 8,75 pontos.
Assim, com efeito, apesar de o Programa de Concurso declarar que a escala de pontuação de cada factor e, portanto, também do factor “Preço”, varia entre 0 e 10 pontos, a fórmula matemática definida para classificação das propostas neste factor não permite tal escala, antes a reduzindo de 0 para 8,75.
Donde, é inegável a contradição entre a escala de pontuação definida e anunciada para avaliar o factor “Preço” e a concreta expressão matemática que lhe pretende dar execução.
Afirma a Recorrente E..., S. A. (ex P... Ambiente, S. A.) que a definição da fórmula de avaliação do factor preço está na plena disponibilidade do adjudicante.
Tal afirmação não é inteiramente correcta.
Como referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira a “…fórmula ou expressão matemática pode ser qualquer uma, desde que seja racional e não contradiga o caderno de encargos e o modelo de avaliação em que se integra (…)”- in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina 2011, págs. 971/972).
Também o Acórdão do Tribunal de Contas - nº 1 /24.JAN.2012 – 1ª S/PL - Recurso Ordinário nº 16/2011 – afirma que tem de haver “coerência entre todos os elementos do modelo de avaliação e todos devem contribuir para a efetiva observação do critério de adjudicação”. E concretiza, no que se refere às escalas de pontuação, que as mesmas “devem ser coerentes, devem ter um desenvolvimento proporcional, devem permitir a valoração de todas as propostas e contribuir para a sua diferenciação”; que “não podem trair as opções feitas pela entidade adjudicante quando estabelece o critério de adjudicação: o da proposta economicamente mais vantajosa”; e “não podem igualmente trair os fatores e subfactores - que densificam o critério de adjudicação - e os respetivos coeficientes de ponderação.”
Ora, ao contrário do que arguem as Recorrentes, a circunstância de a avaliação no factor “Preço” apenas poder variar entre 8,75 e 10 pontos, ao invés dos anunciados 0 a 10 pontos, não podendo percorrer toda a escala de avaliação anunciada dos 0 aos 10 pontos, é susceptível de afectar e alterar a relação fixada entre os diversos factores do critério de adjudicação, ou seja, afectar a ponderação efectiva de cada factor e o seu respectivo peso relativo na avaliação concreta das propostas.
Argumenta a Recorrente E..., S. A. (ex P... Ambiente, S. A.) que, mesmo que tivesse sido utilizada uma fórmula matemática diferente, o resultado não seria diverso, na medida em que a ponderação de 50% é sempre efectuada após a obtenção da classificação no factor preço e não antes.
Primeiro, cabe dizer que se tivesse sido definido outro modelo de avaliação para pontuação do factor “Preço”, também os concorrentes poderiam ter apresentado propostas com outro preço.
Depois, não se discute aqui a possibilidade de existir um primeiro momento em que é feita a atribuição da pontuação ao factor preço e um segundo momento em que é feita a ponderação de 50% desse mesmo factor. O que se diz é que a pontuação atribuída ao factor “Preço” afecta o cálculo do peso relativo de cada factor na pontuação final da proposta.
A fórmula matemática definida para classificação das propostas no factor “Preço” desincentiva a apresentação de propostas diferenciadas, reduzindo o real impacto das diferenças de preço proposto, o que se traduz na violação do princípio da concorrência, ao contrário do que afirmam as Recorrentes.
É certo que, quer a escala seja de 0-10 ou de 8,75-10, ficará graduado em primeiro lugar aquele que propuser menor preço. Porém, não é inócua a escala utilizada. A graduação mantém-se mas os valores obtidos alteram-se. Quanto menor a escala, mais próximos são os valores, menor diferença se estabelece entre eles. E menos inócuo será se conjugarmos o valor obtido para o factor preço com outro factor, que obedeceu a uma escala diferente.
Em suma, o modelo adoptado desincentivou a apresentação de propostas diferenciadas que permitissem a obtenção de propostas economicamente vantajosas para a Entidade Adjudicante e, nesse sentido condicionou o funcionamento da concorrência.
Finalmente, não assiste também razão à Recorrente E..., S. A. (ex P... Ambiente, S. A.) quando afirma a inexistência de similitude entre o caso dos autos e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, em 18/09/2019, no processo nº 0167/18.1BELSB, citado na sentença recorrida.
Sendo certo que os casos não são iguais, é igualmente certo que podemos retirar ensinamentos daquele aresto, como fez a sentença recorrida.
Assim, embora não estejamos perante um concurso público lançado ao abrigo de um acordo-quadro, mas sim de um procedimento concursal autónomo, a Entidade Adjudicante está vinculada não só ao CCP mas também aos documentos conformadores do concurso, ou seja, às normas que a Entidade Adjudicante criou e a que esta se auto-vincula.
Nestes termos, soçobram os fundamentos dos recursos apresentados.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos recursos apresentados, mantendo a sentença recorrida.
*
Custas a cargo das Recorrentes.
*
Registe e notifique.
***
Lisboa, 18 de Março de 2021

(Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.03, a Relatora consigna e atesta que os Juízes Adjuntos – Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Carlos Araújo e Sofia David – têm voto de conformidade com o presente acórdão).
Ana Paula Martins