Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:165/20.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/02/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:LICENÇA PARA A ACTIVIDADE DE GESTÃO DE RESÍDUOS;
SENTENÇA INEXISTENTE;
ART.º 113.º, N.ºS 2 E 3 DO CPTA;
TRAMITAÇÃO AUTOMÁTICA E INFORMATIZADA;
APENSAÇÃO DO PROCESSO CAUTELAR;
ÓNUS DOS MANDATÁRIOS NO PREENCHIMENTO DOS FORMULÁRIOS;
INDICAÇÃO INFORMÁTICA DA APENSAÇÃO;
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA;
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO;
REMISSÃO PARA DOCUMENTOS INSERTOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO;
SALVAGUARDA IMEDIATA DOS BENS AMBIENTAIS;
MEDIDA CAUTELAR;
PENA ACESSÓRIA NO ÂMBITO CONTRA-ORDENACIONAL;
ALEGAÇÃO NOVA;
PRECARIDADE DA LICENÇA DE GESTÃO DE RESÍDUOS;
PRECARIDADE EM RAZÃO DO REGIME LEGAL;
PRECARIDADE EM RAZÃO DO RISCO E DOS BENS QUE SE VISAM PROTEGER;
ACTO PRECÁRIO;
ÓNUS DA PROVA DOS RISCOS PARA A SAÚDE E AMBIENTE;
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:
I – Uma sentença inexiste em situações extremamente graves, quando a alegada sentença, apesar de corresponder a uma decisão com a indicada aparência, é um acto processual inidóneo para produzir quaisquer efeitos jurídicos com tal alcance;
II - Uma sentença inexiste quando não tem sequer existência material para esse efeito, quando lhe falta a própria natureza (exterior) de sentença, v.g., porque não corresponde a uma acção material, ritualizada numa forma processual, ou porque não corresponde a uma opção voluntária e consciente de quem tem as correspondentes funções jurisdicionais, ou é proferida por uma pessoa que não é titular de tais competências. Igualmente, uma sentença pode sofrer do desvalor de inexistência jurídica por causas intrínsecas, em situações em que o acto processual, emanado por quem tem as devidas competências jurisdicionais, é totalmente ininteligível ou incongruente, deficiência essa que seja impossível de resolver, porque o conteúdo do acto seja totalmente incompreensível ou de objecto impossível ou criminoso;
III - Na lógica da actual legislação processual, a apresentação das peças processuais em juízo, a distribuição e a tramitação subsequente, até à fase da citação, deve ocorrer automática e informaticamente, sem outra intervenção do tribunal;
IV - O processo cautelar tem tramitação autónoma em relação ao processo principal, mas deve ser apensado a este logo que o processo principal seja intentado, devendo tal apensação ocorrer de seguida à apresentação da PI e à correspondente distribuição;
V - A indicação relativa à existência de uma situação que exige um “apenso”, deve ser feita pelo mandatário da parte, em campo próprio do formulário, que deve preencher quando envia as peças processuais para tribunal. A informação introduzida nos formulários prevalece e vale para fazer tramitar a acção automaticamente e pela via informática, até ao momento em que haja uma intervenção do tribunal, que possa corrigir um eventual erro cometido pelo mandatário ao proceder a tal preenchimento;
VI - Quando o art.º 113.º, n.º 3, do CPTA, refere que esta apensação se faz logo que a acção principal seja intentada, só pode referir-se a uma obrigação de apensação a partir do momento em que seja possível ao tribunal verificar da apresentação da PI da acção principal, cruzando-a com a existência de uma acção cautelar, já intentada e a decorrer;
VII - O juiz não tem que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar;
VIII - Só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória;
IX - O art.º 640.º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
X – A remissão para o processo administrativo (PA) em bloco ou para documentos aí insertos, sem mais indicações, designadamente relativas à página do PA em que figuram os documentos que se indicam, não serve para se considerar cumprido o ónus de indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida;
XI - A aplicação de uma medida provisória administrativa para cessação, a título preventivo, da actividade que se estava a desenvolver sem o devido licenciamento e para remoção dos resíduos, visando a salvaguarda imediata dos bens ambientais, que estavam em perigo iminente, não se confunde com a pena acessória de cessação da actividade, aplicável no âmbito de um processo contra-ordenacional;
XII - O recurso jurisdicional visa a reponderação de questões já submetidas à apreciação do tribunal ad quo, com a consequente alteração, ou revogação, da decisão recorrida e não a apreciação e decisão sobre matérias e questões novas, nunca submetidas à apreciação do tribunal de que se recorre;
XIII - A licença para a actividade de gestão de resíduos é um acto permissivo de uma actividade relativamente proibida, que se caracteriza por ser um acto administrativo por natureza precário;
XIV- A precaridade da licença de gestão de resíduos resulta, em 1.º lugar, do respectivo regime legal. A precariedade do acto de licença decorre da sua temporalidade, que faz com que o correspondente direito caduque decorrido o tempo pelo qual a licença foi concedida. Depois, a precariedade daquele acto deriva também da possibilidade do licenciamento ser modificado ou adaptado, ainda que na pendência de um licenciamento válido. Por último, a precariedade da autorização que decorre da licença de gestão de resíduos manifesta-se, igualmente, na circunstância de um anterior acto de licença não garantir o direito à correspondente renovação do licenciamento, porquanto essa renovação exige a prova por banda do requerente que se mantém a cumprir as exigências legais e que lhe forem determinadas;
XV - Mas essa mesma precaridade é também imposta pelo facto de se estar frente a um acto permissivo de uma actividade relativamente proibida e pela necessidade de se salvaguardar eficazmente os correspondentes bens jurídicos ambientais ou de saúde pública;
XVI - O acto autorizativo ambiental é sempre emitido num cenário de incerteza quer quanto ao risco ambiental quer quanto aos meios técnicos e científicos mais adequados para a minimizar aquele risco e, por isso, é necessária e intrinsecamente um acto precário, passível de ser revisto em função dessas circunstâncias;
XVII – A constatação pela Administração do exercício da actividade de gestão de resíduos desprovido de uma licença válida, acompanhada, entre outras desconformidades, da verificação da inexistência de equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos, da possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e solo e da existência de resíduos em quantidade significativa (402.996,91 Kg) depositados no interior e no exterior das instalações sem a devida falta de impermeabilização do solo, basta para que se tenha por suficientemente provado o risco para a saúde e ambiente;
XVIII- Ou seja, nesta sede à Administração incumbe apenas a prova dos factos positivos relativos ao incumprimento das determinações legais ou das regras técnicas aplicáveis ao caso.
XIX - Feita tal prova positiva, por seu turno, é ao requerente da licença para a actividade de gestão de resíduos que incumbe provar que exerce a sua actividade legalmente e sem provocar riscos intoleráveis para a saúde e para o ambiente, não incumbindo à Administração a prova dos indicados factos negativos.
XX - A fundamentação do acto administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo acto, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado. Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do acto, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada acto administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

R.............., Lda, interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), de 20/12/2019, que determinou a “(...) 1- cessação da actividade nas instalações e remoção de todos os resíduos depositados, no interior e no exterior dos pavilhões, a céu aberto, sobre solo impermeabilizado e não impermeabilizado, sitas na Rua…….., n.º ….., localidade de Barracão, União das Freguesias de Colmeias e Memoria, concelho e distrito de Leiria; 2- Apresentação nestes serviços, devidamente preenchidas, as cópias das e-GAR -guias de acompanhamento de resíduos removidos do local identificado, comprovativo o seu envio para destino licenciado, de acordo com o n.º 1 do artigo 6.º, da Portaria n.º 145/2017 de 26 de Abril (...)".

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”I. A Recorrente intentou a presente providência cautelar no dia 22.01.2020 antes de proposta a ação principal, tendo sido o processo distribuído à Unidade Orgânica 5 do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.
II. No dia 24.02.2020, a Recorrente intentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, a ação principal de que dependia a presente ação cautelar.
III. O processo principal foi distribuído à Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e corre termos sob nº 439/20.5BELSB, conforme certidão da Petição Inicial que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzida.
IV. Os autos cautelares que correm termos sob o nº 165/20.5BELSB na Unidade Orgânica 5 do TAC Lisboa, não foram apensados aos autos principais que correm termos sob o nº 439/20.5BELSB na Unidade Orgânica 2 do TAC Lisboa.
V. Consequentemente, por ter sido intentada a ação principal à qual deveriam os presentes autos ter sido apensados, o tribunal a quo não tinha poderes jurisdicionais para proferir a sentença cautelar, violando os artigos 113º, nº 2 e 3 do CPTA, o que desde já se requer seja declarado para efeitos de revogar a sentença proferida.
VI. Conforme jurisprudência e doutrina pacífica, do que se trata in casu, é de um vício mais grave que vai para além da nulidade da sentença, isto é, trata-se de uma inexistência jurídica da sentença por falta de poder jurisdicional para a proferir, devendo a mesma ser reconhecida, o que desde já se invoca, com as demais consequências legais.
VII. O direito a um processo equitativo, traduz-se no facto de que a causa a analisar terá de ser decidida pelo tribunal competente, pré-determinado e estabelecido por lei, não sendo compaginável com uma decisão proferida por um tribunal incompetente, configurando essa uma situação de falta de poder jurisdicional.
VIII. O juiz do tribunal cautelar não tinha poderes para proferir a sentença, ficando desapossado do poder jurisdicional uma vez que quando foi intentada a ação principal, os autos cautelares deveriam ter sido apensados aos autos principais o que simplesmente foi omitido.
IX. Só assim não aconteceria, caso a ação principal ainda não tivesse sido intentada aquando da prolação da sentença recorrida, o que não é o caso.
X. Ora como nos presentes autos resulta claro e evidente, a ação principal foi intentada no dia 24.02.2020, ou seja, antes cerca de um mês da prolação da sentença recorrida, pelo que os autos cautelares deveriam ter sido apensados aos autos principais, passando o poder jurisdicional para a prolação de uma sentença a título cautelar para o juiz do processo principal, o que não aconteceu. XI. Assim, os artigos 20º, nº 4 da CRP, 6º, nº 1, 1ª parte da CEDH e o artigo 47º da CDFUE com reflexo direto no artigo 113º, nº 2 e 3 do CPTA, foram violados pelo tribunal a quo, desrespeitando princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, nomeadamente o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, o princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo, o que desde já se invoca para efeitos de revogação da sentença proferida.
XII. A sentença recorrida é também inexiste/nula por violar o disposto no artigo 32º, nº 9 da CRP, pois uma vez intentada a ação principal, o processo cautelar deveria ter sido apensado àquele, pelo que ao ter sido subtraída uma causa ao juiz do processo principal, aquele preceito constitucional do juiz natural foi violado, o que desde já se requer seja reconhecido.
XIII. A omissão da secretaria ao não proceder à apensação dos autos conforme requerido na Petição Inicial dos autos principais, fez com que a juiz do processo cautelar produzisse a sentença ora recorrida, sem que tivesse poder para isso.
XIV. Na verdade, a Recorrente não poderia ser mais prejudicada pela omissão da secretaria – falta de apensação dos processos – em face da não concessão da providência cautelar requerida com a prolação da sentença ora recorrida.
XV. Conforme facilmente se alcança, sem demais considerações, não existe maior prejuízo do que ter uma sentença desfavorável às pretensões peticionadas numa ação.
XVI. Naturalmente que quando alguém recorre a tribunal, é para obter vencimento de causa, pelo que a prolação de uma sentença desfavorável às pretensões da Recorrente implica evidentemente prejuízos para esta.
XVII. Independentemente do resultado final de concessão, ou não, da providência cautelar requerida pelo juiz dos autos principais, a verdade é que subsistirá sempre a dúvida da possível concessão da providência requerida pelo Recorrente.
XVIII. E igual dúvida subsistiria caso a ora Recorrente tivesse obtido provimento de causa, tendo a ora Recorrida legitimidade para colocar em causa a sentença recorrida pela mesma não ter sido proferida pelo juiz do processo principal em face da omissão de apensação dos autos pela secretaria.
XIX. Assim, na dúvida deve entender-se que a parte não pode ser prejudicada por erros e omissões praticados pela secretaria judicial, como estatui o artigo 157º, nº 6 do CPC.
XX. Os princípios da segurança jurídica e proteção da confiança constitucionalmente consagrados, foram violados pelo tribunal a quo por não ter sido respeitada a imposição da apensação do processo cautelar aos autos principais, violando-se com isso o princípio da legalidade e garantias processuais, o que desde já se invoca seja reconhecido.
XXI. Numa situação de alguma forma similar à dos presentes autos, por omissão da secretaria de não fazer concluso o processo ao juiz, conforme acórdão da Relação de Guimarães, processo nº 13098/14.5YIPRT.G1, de 22.09.2016, decidiu-se que a omissão da secretaria ao não fazer concluso ao juiz o processo no prazo máximo de dois dias: “(…)tal consubstancia uma irregularidade processual susceptível de influir, como influiu, na decisão da causa, na medida em que, indeferido o adiamento da audiência no próprio dia desta (quatro dias depois do pedido), foi realizada a audiência de julgamento sem a presença das partes e sem que a autora pudesse proceder à produção de prova, sendo julgada improcedente a acção com tal fundamento.”
XXII. A omissão da secretaria de proceder à apensação dos autos conforme estatui os artigos 113º, nº 2 e 3 do CPTA, em violação dos prazos que lhe são impostos nos termos do artigo 162º do CPC, prejudicou a ora Recorrente, o que conduz à inexistência jurídica da sentença, o que desde já se requer seja declarado.
XXIII. Sem prejuízo do que vem dito, por mera cautela, e para a hipótese de assim se não entender, deixam-se arguidas as seguintes inconstitucionalidades:
a. A inconstitucionalidade da norma do artigo 113, nº 2 e 3 do CPTA, por violação do direito a um processo justo e equitativo e violação do princípio da segurança jurídica e da confiança (artigos 2º e 20º, nºs 1 e 4 da CRP), quando interpretada no sentido de que não tem influência no exame e decisão da causa, a não apensação aos autos principais da providência cautelar requerida antes de proposta a ação principal logo que esta seja intentada, ação principal essa intentada antes um mês da prolação da sentença nos autos cautelares;
b. A inconstitucionalidade da norma do artigo 113, nº 2 e 3 do CPTA, por violação do princípio do juiz natural (artigo 32º, nº 9 da CRP), quando interpretada no sentido de que não tem influência no exame e decisão da causa, a não apensação dos autos cautelares à ação principal, logo que a ação principal seja intentada;
c. A inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 113º, nº 2 e 3 do CPTA e artigos 162º e 157º, nº 6, ambos do CPC, por violação do direito a um processo justo e equitativo e por violação do princípio da segurança jurídica e da confiança e violação do princípio do juiz natural (artigos 2º e 20º, nºs 1 e 4 e 32º, nº 9 da CRP), quando interpretadas no sentido de que a omissão da secretaria de não apensar à ação principal os autos cautelares, uma vez intentada aquela, não tem influência no exame e decisão da causa.
XXIV. Sem prejuízo do que vem dito, por mera cautela, e para a hipótese de assim não se entender, prossegue-se com os fundamentos do Recurso: XXV. Determina a al. d) do n.º 1, do artigo 615º do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
XXVI. De facto, o tribunal a quo não se pronunciou ou teceu qualquer consideração, não despendendo nem sequer uma linha na sua motivação quanto à violação do artigo 20º da CRP invocada pelo Recorrente, assumindo tal questão um particular relevo para a decisão da causa.
XXVII. Relevo esse tanto mais significativo que seria fundamento suficiente para proferir a providência requerida em face da omissão de provas sustentadas para proferir a decisão suspendenda.
XXVIII. A CCDRC legitima a sua intervenção ao abrigo do artigo 25º, nº 1 da lei 50/2006, de 29.08 para proferir a ordem de cessação da atividade de gestão de resíduos nas instalações da Recorrente.
XXIX. Sucede, porém, que a CCDRC não tem legitimidade para esse efeito pois o Decreto-lei nº 23/2012, de 01 de fevereiro, alterado e republicado, que determina as atribuições da IGAMAOT, estipula no artigo 2º, nº 2 que lhe compete: a. “Al. e) Assegurar a realização de ações de auditoria administrativa e financeira, bem como de inspeção a entidades públicas e privadas em matérias de incidência ambiental, incluindo as relativas ao cumprimento das normas tributárias de taxas e contribuições ambientais, e impor as medidas que previnam ou eliminem situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos bens e do ambiente; b. Al. h) Instaurar, instruir e decidir processos de contraordenação ambiental, nos termos da lei-quadro das contraordenações ambientais, bem como nos demais casos previstos na lei, e levantar auto de notícia relativo às infrações legalmente definidas;”
XXX. Assim, dúvidas não podem subsistir que ao abrigo da lei quadro das contraordenações ambientais (lei 50/2006, de 29.08), quem tem competência exclusiva para proferir ordens ou outro tipo de decisões nos termos da referida lei é apenas a IGAMAOT e não a CCDRC.
XXXI. Conforme acórdão do STJ de 09.1.2010, disponível em www.dgsi.pt/jstj, Relator Cons. Henriques Gaspar, pode ler-se que: “estando em causa competência sancionatória – e em matéria sancionatória em que os princípios fundamentais da legalidade, tipicidade e competência se aproximam, e no essencial se identificam substancialmente como matéria penal e processual penal – a competência tem de ser expressa, directa e predeterminada; em matéria sancionatória não há competências implícitas, nem extensões de competência por analogia de matérias. Para evitar espaços vazios de competência, a lei tem de ser directa, expressa, clara e precisa, como são exigências do princípio da legalidade”.
XXXII. Desta forma, a CCDRC não tem legitimidade para proferir a decisão de encerramento, sendo nula por falta de atribuições em violação do princípio da legalidade (artigo 161º, nº 2, al. b) do CPA, artigo 2º, nº 1 da lei 50/2006, de 29.08, artigo 43º do Decreto-lei nº 433/82, de 27/10 e artigo 3º e 266º da CRP).
XXXIII. Foi a própria CCDRC que se auto vinculou à lei quadro das contraordenações ambientais ao proferir uma decisão de encerramento com base expressamente no artigo 25º da referida lei: “ (…) notifico V. Ex. nos termos e para os efeitos do nº 1 do art.º 25 da lei nº 50/2006, de 29 de agosto (…) proceder à: cessação da atividade nas instalações (…)” XXXIV. A norma jurídica invocada - artigo 25º da lei 50/2006 - não constitui fundamento legítimo para a referida ordem de cessação da atividade nas instalações da Recorrente, constituindo tal circunstância um erro nos pressupostos de direito o que determina a anulabilidade do ato ora suspendendo. XXXV. Desta forma, tanto quanto é percetível da decisão proferida pela CCDRC, não é imputada à Recorrente a prática de qualquer contraordenação, o que apenas sucederia no caso da mesma incumprir “ordens ou mandados legítimos da autoridade administrativa, transmitidos por escrito aos seus destinatários.” XXXVI. Uma coisa é uma contraordenação leve que poderá ser punida ao abrigo do artigo 25º, nº 1 da lei 50/2006, de 29/08, outra coisa diametralmente oposta, e que terá uma fundamentação jurídica distinta, é uma ordem que determina a cessação da atividade de gestão de resíduos em determinadas instalações. XXXVII. Para que exista uma contraordenação leve nos termos do artigo 25º, nº 1, terá de existir previamente uma fundamentação factual e jurídica na base de uma ordem legítima proferida pela entidade administrativa, o que não se verifica nos presentes autos.
XXXVIII. A Recorrente ao não saber em concreto os factos que lhe são imputados e as normas segundo as quais tais factos são proibidos e punidos, viola de forma flagrante o princípio da legalidade e de acesso a uma tutela judicial efetiva (artigo 20º da CRP), uma vez que deveria discriminar os factos, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
XXXIX. A CCDRC não pode de forma arbitrária e indiscriminada invocar factos genéricos e abstratos e fundamentar a violação desses alegados factos com normas que não têm a mínima aplicabilidade legal à decisão.
XL. A CCDRC viola o direito fundamental e constitucionalmente consagrado de acesso à Justiça e à tutela efetiva (artigo 20º da CRP) da Recorrente, por deficiente e obscura contradição entre os factos alegados e as normas jurídicas invocadas, o que determina a nulidade da decisão proferida por erro nos pressupostos de facto e de direito, o que determina a ilegalidade da decisão.
XLI. Uma decisão tendo por base uma norma jurídica da lei quadro das contraordenações ambientais (artigo 25º), referida expressamente para justificar a sua decisão, faz com que se aplique o RGCO, e consequentemente, sejam imputadas as nulidades e ilegalidades constantes do requerimento inicial, designadamente por violação dos artigo 46º e 58º do RGCO.
XLII. É que nos termos do RGCO aplicável por força da auto vinculação da CCDRC a essa mesma lei, não se têm por verificados os pressupostos que uma decisão adotada nos termos da lei quadro das contraordenações ambientais, nomeadamente, por não cumprimento com o artigo 46º do RGCO da decisão em causa nos presentes autos.
XLIII. Assim, não pode a Recorrente concordar quando o tribunal a quo alega na página 35 da sentença recorrida de que “são irrelevantes ao caso as apontadas violações de normas da LQCA (art. 49º) e do RGCO (artºs 46º e 58º) e as eventuais nulidades que daí resultem, pois respeitam a um processo de contraordenação que não existe no caso.”
XLIV. É que tendo por base a norma jurídica invocada para fundamentar a tomada de decisão pela CCDRC – artigo 25º da lei quadro – à Recorrente afigurava-se-lhe como possível, ao invés da presente demanda, impugnar judicialmente a decisão em crise nos presentes autos nos termos do artigo 59º do RGCO.
XLV. Quem tem a obrigação de fundamentar convenientemente os factos, e aplicar as normas jurídicas devidas, subsumindo os factos ao direito não é o tribunal a quo como parece fazer na página 34 da sentença recorrida, mas sim a CCDRC.
XLVI. O tribunal a quo tem isso sim de verificar se os fundamentos factuais e legais invocados pela Administração, se se verificam ou não para a aplicação de uma determina decisão, in casu, o encerramento das instalações, e não interpretar o sentido da aplicação de uma determinada norma pela Administração, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, constitucionalmente consagrado (artigo 2º CRP), como faz quando refere que: “e a alusão às normas da LQCA serve apenas para alertar para uma das consequências do incumprimento da ordem, uma contraordenação e a respetiva coima (…)”, violação essa que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
XLVII. O tribunal a quo deveria ter-se limitado à apreciação e à análise da legalidade da subsunção dos factos à norma do artigo 25º da Lei 50/2006, e não interpretar o porquê da CCDRC ter feito referência a essa norma para fundamentar a sua decisão.
XLVIII. Deveria analisar se o artigo 25º da lei 50/2006 constitui fundamento legítimo ou não para a prolação de uma decisão nos termos exarados, o que não fez.
XLIX. Nestes termos, a decisão da CCDRC é ambígua e obscura que torna a decisão ininteligível, pois fica a Recorrente sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir, devendo a mesma ser declarada nula por ser ininteligível por violação do princípio de acesso à Justiça e à tutela judicial efetiva (artigo 20º da CRP), em face da omissão de pronúncia do tribunal a quo quanto à violação deste princípio.
L. Sem prejuízo do que vem dito, por mera cautela, e para a hipótese de assim se não entender, prossegue-se com os fundamentos do Recurso:
LI. O tribunal a quo considerou que não era necessária a produção de prova testemunhal, entendimento qual o qual não se concorda.
LII. O tribunal a quo considerou que a decisão de encerramento das instalações da Recorrente não violava o princípio da proporcionalidade, no que concerne à necessidade, pois a CCDRC indeferiu o novo licenciamento: “com base em desconformidades consideradas relevantes, como a inexistência de competentes
pirotécnicos e na possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e solo. Em acréscimo, várias falhas foram detetadas na fiscalização de 15/11/2018 (facto O) e na de 11/9/2019 (facto U), incluindo a falta de impermeabilização do solo, ao que acresce a quantidade significativa de resíduos detectada (402.996,91 Kg), conforme o facto O).”
LIII. A ora Recorrente juntou documentos em sede de requerimento inicial, designadamente análise às águas residuais e à qualidade do ar, concluindo-se pela salubridade e não afetação do ambiente e saúde pública, estando os parâmetros medidos dentro da normalidade, não havendo qualquer perigo de contaminação das águas subterrâneas e solo. LIV. É que a Recorrida não impugnou sequer as análises ambientais feitas pela Recorrente relativas à qualidade do ar e análises feitas às águas residuais, e que concluem objetivamente que os parâmetros medidos são inferiores aos limiares de proteção definidos por lei. LV. Dessa forma, porque não impugnadas pelo Recorrido, e porque contradizem frontalmente a alegada afetação do solo e águas subterrâneas, e consequentemente, o ambiente e saúde pública, impunha-se obrigatoriamente a realização da prova testemunhal requerida por forma a demostrar que as alegações genéricas e vagas do ato suspendendo não tinham cabimento. LVI. Note-se que do ato ora suspendendo proferido ao abrigo da al. b) do nº 2 do artigo 13º do Decreto lei nº 228/2012, de 25 de outubro, segundo a fundamentação do Recorrido em sede de Oposição, na decisão suspendenda não existe uma única palavra por parte da CCDRC para os desideratos daquele artigo, ou seja, uma decisão fundamentada em face do “risco iminente para a proteção da saúde pública e para segurança de pessoas e bens”. LVII. Logo, conclui-se que a decisão de encerramento incorre, por um lado, num erro nos pressupostos de facto, por não haver risco para a proteção da saúde pública e segurança das pessoas pela continuação do exercício da atividade pela Recorrente, e por outro lado, num vício de forma por falta de fundamentação, o que determina a anulabilidade do mesmo, incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento.
LVIII. Assim, a produção da prova testemunhal assumia-se como determinante e essencial para demostrar de forma lapidar que as alegações genéricas e vagas da CCDRC estavam desprovidas de fundamento quanto ao risco de afetação da saúde pública e ambiente.
LIX. Como se referiu no Acórdão deste TCAN de 17-06-2016, Proc. 00071/16.8BEAVR: “Julgada não provada matéria de facto, quando não foi concedida a possibilidade de produção de prova - que no caso cabia - há erro de julgamento determinante da revogação da sentença.”
LX. É precisamente isso que se verifica nos presentes autos, uma vez que o tribunal a quo dá como provado factos contestados documentalmente, documentos esses não impugnados pelo Recorrido, e que de forma ainda mais clara resultariam no caso da produção de prova testemunhal conforme requerida. LXI. O tribunal a quo incorre em erro de julgamento da matéria de facto, nomeadamente ao dar como provado o facto vertido no ponto N) que originou a decisão de encerramento das instalações da Recorrente, quando concluiu pelo facto de que num futuro próximo não haverá perspetiva de licenciamento das instalações da Recorrente, conclusão com a qual não se pode concordar. LXII. A Recorrente obteve em 29.06.2017 a aprovação do projeto do novo licenciamento, conforme consta do ponto G) da matéria de facto dada como provada.
LXIII. Não se conformando com a decisão de indeferimento do pedido de licenciamento e com a decisão de encerramento das instalações, e por a considerar que nos termos do nº 5 do artigo 30º, está verificada a conformidade da instalação com o projeto que mereceu a apreciação favorável nos termos do artigo 29º, bem como estão cumpridas as condições previamente estabelecidas, a ora Recorrente intentou a ação principal que corre termos na Unidade Orgânica 2 do TAC de Lisboa, processo nº 439/20.5BELSB, com vista à impugnação daqueles atos administrativos e consequente condenação à prática do ato legalmente devido traduzido na emissão do competente licenciamento necessário ao desenvolvimento da atividade de gestão de resíduos nos termos do artigo 31º do RGGR.
LXIV. A CCDRC considera que não deverá conferir à Recorrente o licenciamento necessário ao desenvolvimento da atividade de gestão de resíduos desde logo porque a alínea a) do nº 2 do artigo 31º do RGGR não estará cumprida, “dado que a instalação está desconforme com o projeto aprovado, não tendo sido dado cumprimento à condição de exploração constante do TUA que se transcreve: “Deverá ser dado cumprimento integral ao projeto apresentado, bem como o cumprimento das peças desenhadas para a unidade” (ponto N dos factos provados - Pág. 10 da Informação DLPA 628/19) LXV. Acontece que a segunda parte da condicionante relativa à necessidade de cumprir as peças desenhadas propostas para a unidade é ilegal. LXVI. O artigo 31º, nº 2 do RGGR estabelece que: “o licenciamento de operações de gestão de resíduos depende do cumprimento dos seguintes requisitos: a. Verificação da conformidade da instalação e ou equipamento com o projecto que tenha merecido uma apreciação favorável nos termos do artigo 29.º; b. Conformidade da operação de gestão com os princípios referidos no título I do presente decreto-lei e com os planos de gestão de resíduos aplicáveis; e c. Cumprimento pela operação a realizar das normas técnicas a que se referem os artigos 20.º a 22.” LXVII. Na verdade, em momento algum é imposto pelo RGGR que a conceção do licenciamento necessário para o exercício da atividade de gestão de resíduos depende da verificação da conformidade das peças desenhadas/plantas propostas para a unidade nos termos e para os efeitos do artigo 31º do RGGR. LXVIII. A verificação da conformidade da instalação nos termos do artigo 31º do RGGR é aferida tendo por base as condicionantes técnicas do projeto e não as peças desenhadas, até porque, alterações às peças desenhadas/plantas, podem não consubstanciar qualquer alteração às condições técnicas de funcionamento da atividade, nomeadamente, qualquer alteração às quantias de resíduos a gerir, às condições de armazenagem dos resíduos, ou ao impacto ou tratamento final de qualquer efluente
LXIX. As plantas refletem apenas o layout, isto é, a localização/disposição dos resíduos na unidade, sendo que, alterado o layout e desde que sejam consignadas as mesmas áreas e as mesmas condições técnicas de funcionamento não existe qualquer alteração ao projeto para o exercício da atividade de gestão de resíduos.
LXX. Saliente-se que uma coisa é o projeto para o qual Recorrente obteve a aprovação em 29.06.2017, e coisa substancialmente diferente, são as peças desenhadas/plantas para a unidade onde será desenvolvida a atividade de gestão de resíduos.
LXXI. O projeto é constituído por um conjunto de elementos que englobam a memória descritiva das operações de gestão de resíduos a realizar, bem como por um conjunto de documentos que são parte integrante do projeto, designadamente os documentos integrantes do pedido de licenciamento da Recorrente realizado a 03.03.2017 com todos os ficheiros juntos como o pedido de licenciamento (Doc. 4 - vd. página 9, 10 e 11 que contém os documentos integrantes do projeto)
LXXII. Assim, é este acervo de documentos que constituem o projeto da Recorrente para o exercício da atividade de gestão de resíduos.
LXXIII. As peças desenhadas para a unidade são uma parte integrante/documento do projeto e não o projeto em si mesmo, como a CCDRC parece confundir.
LXXIV. O projeto engloba vários documentos e várias peças documentais, sendo uma delas as peças desenhadas para a unidade, isto é, as plantas da unidade onde será desenvolvida a atividade de gestão de resíduos.
LXXV. Uma coisa é a conformidade da instalação com o projeto apresentado, outra coisa são as peças desenhadas para a unidade.
LXXVI. Sucede, porém, que nunca no RGGR é referido que a obtenção do licenciamento para o exercício da atividade de gestão de resíduos é condicionada à verificação do cumprimento das peças desenhadas para a unidade, designadamente nos termos do artigo 31º do RGGR.
LXXVII. O RGGR apenas impõe que o licenciamento será concedido verificando-se a conformidade da instalação aquando da vistoria prévia com o projeto que mereceu a aprovação pela CCDRC em 29.06.2017.
LXXVIII. Saliente-se que o próprio RGGR apenas condiciona a obtenção do licenciamento à verificação da conformidade da instalação com o projeto aprovado nos termos do artigo 31º que tenha merecido uma apreciação favorável nos termos do artigo 29.º LXXIX. Este aspeto nunca foi sequer colocado em crise pela CCDRC pois bem sabe que a unidade da Recorrente está conforme o projeto apresentado.
LXXX. A CCDRC e o tribunal a quo desconsideram totalmente o facto de que a condição imposta para concessão do licenciamento em 29.06.2018 ao condicionar o exercício da atividade ao “cumprimento das pelas desenhadas propostas para a unidade” é uma condição ilegal e não prevista no RGGR, uma vez que apenas se exige a conformidade da instalação e ou equipamento com o projeto que tenha merecido uma apreciação favorável nos termos do artigo 29.º.
LXXXI. Consequentemente, incorreu a CCDRC num erro nos pressupostos de direito e de facto que determina a anulabilidade do indeferimento do pedido e decisão de encerramento das instalações, incorrendo por essa via o tribunal a quo num erro de julgamento em face dos elementos legais e factuais constantes do processo administrativo e exigidos pelo RGGR, o que desde já se invoca para efeitos de revogação da sentença.
LXXXII. Para além disso, a aposição de cláusulas acessórias no ato de aprovação do projeto (29.06.2017) para efeitos de concessão do licenciamento nos termos do artigo 31º do RGGR, condicionada ao “cumprimento das peças desenhadas propostas para a unidade”, traduz uma condição ilegal que determina a ilegalidade do ato de indeferimento e decisão de encerramento das instalações.
LXXXIII. Em primeiro lugar, o RGGR não prevê que a concessão do licenciamento para o exercício da atividade de gestão de resíduos esteja condicionada à verificação da conformidade da instalação com as peças desenhadas, mas sim à conformidade da instalação com o projeto aprovado, pelo que se verifica um erro nos pressupostos de direito que acarreta a sua anulabilidade.
LXXXIV. Em segundo lugar, a aposição da condição de aprovação do licenciamento da atividade de gestão de resíduos ao “cumprimento das peças desenhadas propostas para a unidade”, viola o artigo 149º do CPA. LXXXV. O artigo 149º do CPA determina que: “Os atos administrativos podem ser sujeitos, pelo seu autor, mediante decisão fundamentada, a condição, termo, modo ou reserva, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o ato se destina, tenham relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitem os princípios jurídicos aplicáveis, designadamente o princípio da proporcionalidade.”
LXXXVI. A condição aposta no ato de 29.06.2017 nos termos singelos formulados pela CCDRC, da necessidade de a Recorrente dar “cumprimento das peças desenhadas propostas para a unidade”, não cumpre a exigência legal do artigo 149º do CPA que impõe a necessidade de tal condição ser aposta “mediante decisão fundamentada”.
LXXXVII. É manifesto e claro que a condicionante aposta relativa àquela necessidade foi feita de forma singela e simplista, sem qualquer respaldo legal ou factual e menos ainda devidamente fundamentada.
LXXXVIII. A CCDRC, conforme página 10 da Informação DLPA 628/19 junto ao processo pelo Ofício DLPA 2052/19 e constante do ponto N) da matéria de facto provada (fl. 388 do PA apenso), comunicou a decisão final de indeferimento, justificando também o indeferimento do pedido de licenciamento da ora Recorrente para além do alegado incumprimento das peças desenhadas, conforme consta do ponto 2 da Conclusão, com o facto da Recorrente não dar cumprimento ao disposto no artigo 8º do Decreto-lei 152-D/2017, de 11 de dezembro, designadamente, não dará cumprimento a alguns requisitos mínimos de qualidade e eficiência estabelecidos pela APA, I.P., tais como:
a. “Inexistência do equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos;
b. Na área de armazenamento de VFV despoluídos e área de armazenamento de pneus usados, identificados como “29” e “27” na planta aprovada, apesar de impermeabilizados, não asseguram a não contaminação de águas subterrâneas e solo, face à rutura existente no murete;
c. Não foi evidenciado formação do (s) colaborador (es) que efetuam a operação de remoção do fluído de ar condicionado”.
LXXXIX. Sucede, porém, que na verdade, as alegadas desconformidades não se verificam uma vez que foram devidamente sanadas e corrigidas pela Recorrente, padecendo a decisão final de indeferimento do licenciamento e consequente decisão de encerramento das instalações num erro nos pressupostos de facto que acarreta a sua anulabilidade incorrendo o tribunal a quo num erro de julgamento por errada apreciação dos documentos constantes do processo.
XC. Por email datado de 05.11.2019, email esse que terá de constar do processo administrativo, a Recorrente enviou para técnica da CCDRC responsável pelo licenciamento, F.............., a informação solicitada aquando da realização da vistoria em 28.10.2019, dada como provada no ponto M).
XCI. Nesse email datado de 05.11.2019, uma vez realizada a vistoria, e antes da decisão final de indeferimento, a Recorrente fez chegar à CCDR, nomeadamente:
a. fotografias com a correção da alegada rutura existente no murete e que serviu de fundamento para o indeferimento do pedido de licenciamento;
b. documento comprovativo da formação necessária para manuseamento da operação de remoção do fluído de ar condicionado de trabalhador da A..
XCII. Acontece que a documentação da Recorrente não foi minimamente tida em consideração, visto que a CCDRC informou esta por email datado de 06.11.2019: (Doc. 8) “Em resposta ao email que nos dirigiram a 5.11.2019, informa-se que a documentação remetida por essa via não foi considerada no Auto de vistoria elaborado, uma vez que, em sede e vistoria, havia sido solicitado o envio da informação no próprio dia e o auto de vistoria foi despacho superiormente a 21.10.2019, tendo sido já remetido a Vs. Exas. Através do ofício DLPA 1942/19, de 31.10.2019”
XCIII. Aliás, estranha-se esse facto, uma vez que que conforme resulta do Documento 5 já junto, a própria técnica responsável pela análise do procedimento de licenciamento da Recorrente, embora tenha mandado dar entrada no processo ID 52552 (arq 4550) não relevou minimamente o conteúdo do email e da documentação nele constante, mas já o fez em relação à audiência de interessados enviada posteriormente pela Recorrente (19.11.2019), conforme consta do indeferimento do pedido de licenciamento.
XCIV. Quanto à alegada inexistência de equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos, porquanto a Recorrente não realiza tais operações, a mesma não precisa de possuir esse equipamento. XCV. Aliás, nos termos do artigo 31º, nº 3 do RGGR: “A decisão final estabelece os termos e as condições de que depende a realização da operação de gestão de resíduos licenciada.” XCVI. Significa isto, portanto que a CCDRC podia perfeitamente emitir o licenciamento requerido/Alvará, com a condição da Recorrente adquirir aquele equipamento, e nunca proferir uma decisão final de indeferimento, sujeitando a Recorrente a ter de requerer um novo pedido de licenciamento, quando existia uma medida muito menos gravosa para acautelar os interesses em causa, interesses quer da Recorrente, quer os interesses públicos. XCVII. Indeferir um pedido de licenciamento para o exercício de uma atividade por não existir um mero equipamento que é facilmente adquirido, não é minimamente proporcional aos interesses em causa. XCVIII. Note-se que o próprio Alvará de que a Recorrente é titular, estabelece um conjunto de condições a observar por aquela (Alvará nº 33/2012, Pág. 5/9 – condições a que fica submetida a operação a operação de gestão de resíduos, incluindo as precauções a tomar em matéria de segurança).
XCIX. Em face do que vem dito, uma vez que os fundamentos invocados pela CCDRC para indeferir o pedido de licenciamento da Recorrente por um lado foram corrigidos, tendo a CCDRC sido informada disso, e por outro lado, porque a Recorrente simplesmente não realiza a neutralização de componentes pirotécnicos, e consequentemente, não necessita de qualquer equipamento para esse efeito, o ato de indeferimento do licenciamento e decisão de encerramento das instalações padece de um vício por erro nos pressupostos de facto e de direito o que acarreta a sua anulabilidade, sem prejuízo da decisão final a proferir pela CCDRC estabelecer como condição a aquisição daquele equipamento por parte da Recorrente conforme dispõe o artigo 31º, nº 3 do RGGR. C. Desta forma, a decisão de encerramento das instalações, em face das correções efetuadas antes da tomada de decisão final de indeferimento, totalmente desconsideradas pela CCDRC, viola de forma flagrante o princípio da proporcionalidade. CI. As alegadas desconformidades “consideradas relevantes, como a inexistência do equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos e a possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e solo”, salientadas pelo tribunal a quo, estão completamente afastadas, pelo que o tribunal incorre num erro de julgamento ao não ter valorado devidamente os documentos constantes do processo administrativo e ao não dar como provado a correção das alegadas desconformidades, documentalmente demostradas, e que seriam ainda facilmente demostradas mediante a produção da prova testemunhal requerida. CII. Aliás, isto mesmo, poderia facilmente ser demostrado e reforçado com a produção da prova testemunhal que o tribunal a quo simplesmente recusou, ignorando por completo factos e documentos do processo administrativo que negam frontalmente as alegadas desconformidades. CIII. Os documentos são taxativamente demostrativos da correção das alegadas desconformidades para fundamentar o indeferimento do pedido de licenciamento e encerramento das instalações, pelo que se impunha dar como não provado o facto constante do ponto N), incorrendo o tribunal a quo num erro de julgamento o que desde já se invoca.
CIV. Nestes termos, estando verificado o mais, isto é, verificada a conformidade da unidade com o projeto que mereceu a aprovação nos termos do artigo 29º, não se justifica a imposição de uma condição de menor importância, isto é, o cumprimento integral das peças desenhadas propostas para a unidade conforme consta do ato de 29.06.2017.
CV. O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2 da CRP e no artigo 7º do CPA, proíbe o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e
interesses dos particulares, pelo que as medidas restritivas devem ser necessárias, adequadas e proporcionais ao bem público que se pretende alcançar.
CVI. Note-se que a Recorrente corrigiu um conjunto alargado de alegadas desconformidades entre a primeira vistoria (28.03.2019) e a segunda vistoria (28.10.2019), conforme reconhecido pela própria CCDRC que elenca as desconformidades corrigidas e que o tribunal a quo faz tábua rasa não as dando como provadas, quando o mesmo resulta de forma clara e taxativa do processo administrativo. (Doc. 9 – vd. pág. 7 e 8 da Informação DLPA 628/19)
CVII. Do que resulta dos autos e do processo administrativo, é que existem análises ambientais que não foram impugnadas pelo Recorrido e que demostram a salubridade das águas residuais e da inexistência de risco de contaminação do solo e água, bem como da correção das alegadas desconformidades que fundamentaram o indeferimento do pedido de licenciamento e a decisão de encerrar as instalações, incorrendo o tribunal a quo num flagrante erro de apreciação e julgamento e que seria tanto mais evidente quanto fosse possível a produção da prova testemunhal negada, quando existem factos traduzidos em documentos que vão num sentido claramente distinto do decidido pelo tribunal a quo, designadamente o ponto N).
CVIII. E se o tribunal a quo se pretende referir ao facto de a contaminação do solo poder advir da “rutura existente do murete” constante do ponto N) da matéria de facto provada, ignorou por completo o email de 05.11.2019 e fotografias juntas nesse email com a correção dessa alegada desconformidade.
CIX. Atento o exposto, o tribunal a quo incorre num erro de julgamento por não considerar necessária a produção da prova testemunhal requerida e por não considerar violado o princípio da proporcionalidade, o que desde já se invoca.
CX. Quanto ao critério do fumus boni iuris, a sentença recorrida padece de vários erros de julgamento. Vejamos,
CXI. Diferentemente do que concluiu o tribunal a quo a na página 36 da sentença recorrida, a fundamentação do ato suspendendo não é clara, suficiente e congruente
CXII. Se assim fosse, as concretas provas objetivas que demostram a afetação do ambiente e saúde no caso de continuação de laboração da atividade pela Recorrente constariam do ato suspendendo o que não acontece.
CXIII. É que existe uma clara omissão de provas no ato suspendendo que demostrem a afetação da saúde pública e do ambiente conforme prescreve o artigo 13º, nº 2, al. b) do Decreto-lei 228/2012, de 25 de outubro, para além de que se fundamenta a decisão num artigo da lei das contraordenações ambientais – artigo 25º.
CXIV. Conforme alega e bem o tribunal a quo na página 36 da sentença recorrida, a fundamentação deverá conter os “ (…) fundamentos de facto e de direito (requisitos substanciais – art.º/ n.º 2 do CPA) (…)”.
CXV. No entanto, os concretos fundamentos de facto, ou seja, as provas objetivas que demostrem o “risco iminente para a proteção da saúde pública e para segurança de pessoas e bens” não constam do ato suspendendo. CXVI. É que para uma decisão tão gravosa como a determinada pela CCDRC, não pode considerar-se suficiente e esclarecedora a alegada falta de licenciamento da Recorrente, conclusão essa formulada pela CCDRC, desacompanhada de razões/provas objetivas de que o meio ambiente e saúde serão afetados com a continuação da atividade desenvolvida pela Recorrente. CXVII. Tanto mais que a Recorrente já tem um projeto de gestão de resíduos aprovado desde 26.06.2017, bem antes da alegada caducidade do Alvará na perspetiva do Recorrido, para além de que a Recorrente corrigiu um conjunto alargado de alegadas desconformidades entre a primeira vistoria (28.03.2019) e a segunda vistoria (28.10.2019), conforme reconhecido pela própria CCDRC que elenca as desconformidades corrigidas e que o tribunal a quo faz tábua rasa não as dando como provadas, quando o mesmo resulta de forma clara e taxativa do processo administrativo. (Doc. 9 – vd. pág. 7 e 8 da Informação DLPA 628/19) CXVIII. E quanto as alegadas desconformidades que ainda permanecerão as mesmas foram objetivamente sanadas como resulta à saciedade do processo administrativo e já anteriormente demostrado.
CXIX. Consequentemente, a fundamentação do ato suspendendo não é suficiente, clara e congruente pois não contem os fundamentos de facto que justifiquem o risco para o ambiente e saúde pública e que teriam de constar do ato suspendendo para a tomada de decisão da CCDRC de proceder à intimação da Recorrente para o encerramento das instalações, não sendo suficiente uma alegação conclusiva de alegado falta de licenciamento.
CXX. Nestes termos, incorre o tribunal a quo num erro de julgamento por considerar devidamente fundamentado o ato suspendendo quando considera a fundamentação clara, suficiente e congruente em face da violação do disposto no artigo 153º, nº 2 do CPA.
CXXI. Quanto à apreciação da revogação do Alvará, em momento algum ou sob qualquer circunstância, a CCDRC procedeu à revogação do Alvará nº ...../2012/CCDR ou o mesmo caducou, pelo contrário.
CXXII. No dia 25.07.2017, a CCDRC procedeu à prorrogação do Alvará até “à emissão de novo alvará e no máximo até 1 de dezembro de 2017” e no dia 15.12.2017, prorrogou “o Alvará por um período adicional de 3 meses, até 1 de março, no sentido de ocorrer a decisão final sobre o pedido de licenciamento. A prorrogação agora concedida cessa efeitos logo que emitida a decisão final.” , e que resulta do ponto I) dos factos provados. CXXIII. Acontece que o tribunal a quo no ponto L) considera que a Recorrente não atacou a decisão de não prorrogação do Alvará nº ...../2012/CCDR, nem o teria de fazer, incorrendo num erro de julgamento. CXXIV. Nestas condições, enquanto ato constitutivo de direitos que cria uma situação de vantagem à Recorrente, permitindo-lhe o exercício da atividade de gestão de resíduos até à decisão final do procedimento (25.11.2019), não podia a CCDRC emitir a decisão constante do ponto K) da matéria de facto provada, pois violou o disposto no artigo 167º, nº 2 do CPA CXXV. A revogação de atos constitutivos apenas poderá ocorrer nas situações do artigo 167º, nº 2 do CPA, ou nos casos do artigo 38º, nº 4 do RGGR, o que manifestamente não é o caso.
CXXVI. Consequentemente, a revogação constante do ponto K) de não renovação da prorrogação do Alvará da Recorrente, viola o disposto no artigo 167º, nº2 e 38º, nº 4 do RGGR uma vez que não é admissível a revogação de atos constitutivos de direitos, incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento na apreciação dos elementos constantes do processo, designadamente por contraposição dos factos constantes dos ofícios da alínea I) e K).
CXXVII. A revogação não produz efeitos imediatos (ex lege), ou seja, não é uma manifestação automática de eficácia legal, mas um efeito que se faz valer ex voluntate da Administração, por forma a verificar se alguma das alíneas elencadas no nº 4 do artigo 38º do RGGR estão ou não preenchidas.
CXXVIII. Tendo a revogação do Alvará da Recorrente uma natureza de verdadeira sanção, eliminando da ordem jurídica um ato constitutivo de direitos, o efeito extintivo depende de uma declaração administrativa no âmbito de um procedimento administrativo prévio.
CXXIX. A CCDRC não pode pura e simplesmente emitir uma decisão nos moldes ora contestados (cessação da atividade), com os efeitos nefastos que decorrem da mesma, sem que antes realize um procedimento administrativo prévio com vista à revogação do Avará titulado pelo ora Recorrente nos termos do artigo 38º, nº 4 do RGGR, de modo a evitar o sacrifício desproporcionado do interesse da daquela – prosseguir com a atividade de gestão de resíduos.
CXXX. Apenas cumprido que fosse o procedimento administrativo prévio de revogação do Alvará da Recorrente, é que a decisão de encerramento das instalações poderia eventualmente ser adotada, pelo que a preterição daquele procedimento determina a ilegalidade da decisão por preterição do procedimento administrativo legalmente exigível que teria de estar na origem da fundamentação da presente decisão.
CXXXI. Nestes termos, a preterição total do procedimento administrativo legalmente exigido para revogar o Alvará nº ...../2012/CCDR determina a nulidade da decisão de encerramento, nos termos do disposto no artigo 161º, nº 2, al. l) do CPA, incorrendo num tribunal a quo em erro de julgamento.
CXXXII. A igual conclusão chegaremos caso se considere a figura da caducidade do Alvará.
CXXXIII. Quer na jurisprudência nacional, quer na nossa melhor doutrina, é pacífico que, estando em causa uma caducidade/sanção – cessação da atividade de gestão de resíduos -, exige-se a emissão de uma declaração no âmbito de um procedimento administrativo prévio por parte da Administração Pública, o que manifestamente não aconteceu.
CXXXIV. Mais ainda, o facto da decisão administrativa constante dos pontos R) e S) considerar que o Alvará da Recorrente caducou não traduz o melhor entendimento quanto à aplicação do direito uma vez que o faz não por referência ao objeto dos presentes autos, mas sim por referência a outra situação jurídica.
CXXXV. O Alvará é um ato constitutivo de direitos na esfera do Recorrente permitindo-lhe o exercício da atividade e gestão de resíduos.
CXXXVI. Assim, a emissão da decisão de encerramento das instalações da Recorrente apenas poderia verificar-se caso tivesse existido previamente uma declaração expressa da Administração a determinar a caducidade do Alvará da Recorrente, o que manifestamente não aconteceu, o que também por esta via determina a ilegalidade da decisão adotada, incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento na apreciação desta questão.
CXXXVII. E não se diga, como erroneamente fez o tribunal a quo na página 44 da sentença recorrida que “no caso até se pode concluir (…) que a CCDRC declarou e comunicou à aqui Requerente que na sua perspetiva, o Alvará havia caducado….”
CXXXVIII. É que essa alegada informação ocorreu num processo de contraordenação que nada tem que ver com a declaração de caducidade do Alvará para fundamentar a decisão de encerramento das instalações, não se podendo sequer qualificar isso como uma verdadeira notificação de ato administrativo ao Recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 114º, nº 1 e 148º do CPA.
CXXXIX. A este propósito, a Recorrente nunca teve oportunidade de se pronunciar, não se podendo considerar suficiente uma mera alegação genérica e descontextualizada feita num processo de contraordenação, concluindo-se a partir daí que a emissão da decisão suspendenda teve por base uma caducidade declarada expressamente pela CCDRC no âmbito de um procedimento administrativo.
CXL. Tal afirmação da CCDRC de que o Alvará da Recorrente já teria caducado aconteceu num outro processo, que não o presente, não podendo relevar tal facto pois a declaração de caducidade do Alvará da Recorrente terá de ocorrer num procedimento prévio e próprio para a poder legitimar a decisão ora suspendenda, o que não aconteceu.
CXLI. O tribunal a quo incorre pois num erro de julgamento uma vez que a declaração de caducidade para poder fundar a decisão suspendenda quanto muito teria de ter ocorrido no presente procedimento administrativo ora contestado, o que simplesmente não ocorreu, pelo que desde já se invoca esse erro de apreciação.
CXLII. Para além disso quanto ao critério do fumus boni iuris, dúvidas não podem subsistir que ao abrigo da lei quadro das contraordenações ambientais (lei 50/2006, de 29.08), quem tem competência exclusiva para proferir ordens ou outro tipo de decisões nos termos da referida lei é apenas a IGAMAOT e não a CCDRC.
CXLIII. Conforme acórdão do STJ de 09.1.2010, disponível em www.dgsi.pt/jstj, Relator Cons. Henriques Gaspar, pode ler-se que: “estando em causa competência sancionatória – e em matéria sancionatória em que os princípios fundamentais da legalidade, tipicidade e competência se aproximam, e no essencial se identificam substancialmente como matéria penal e processual penal – a competência tem de ser expressa, directa e predeterminada; em matéria sancionatória não há competências implícitas, nem extensões de competência por analogia de matérias. Para evitar espaços vazios de competência, a lei tem de ser directa, expressa, clara e precisa, como são exigências do princípio da legalidade”.
CXLIV. Desta forma, a CCDRC não tem legitimidade para proferir a decisão de encerramento, sendo nula por falta de atribuições em violação do princípio da legalidade ( artigo 161º, nº 2, al. b) do CPA, artigo 2º, nº 1 da lei 50/2006, de 29.08, artigo 43º do Decreto-lei nº 433/82, de 27/10 e artigo 3º e 266º da CRP), incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento quanto a esta questão.
CXLV. Foi a própria CCDRC que se auto vinculou à lei quadro das contraordenações ambientais ao proferir uma decisão de encerramento com base expressamente no artigo 25º da referida lei: “(…) notifico V. Ex. nos termos e para os efeitos do nº 1 do art.º 25 da lei nº 50/2006, de 29 de agosto (…) proceder à: cessação da atividade nas instalações (…)”
CXLVI. A norma jurídica invocada - artigo 25º da lei 50/2006 - não constitui fundamento legítimo para a referida ordem de cessação da atividade nas instalações da Recorrente, constituindo tal circunstância um erro nos pressupostos de direito o que determina a anulabilidade da decisão.
CXLVII. Uma coisa é uma contraordenação leve que poderá ser punida ao abrigo do artigo 25º, nº 1 da lei 50/2006, de 29/08, outra coisa diametralmente oposta, e que terá uma fundamentação jurídica distinta, é uma ordem que determina a cessação da atividade de gestão de resíduos em determinadas instalações.
CXLVIII. O que a CCDRC faz é confundir as coisas e, permitam-nos o recurso à sabedoria popular, “mistura alhos com bugalhos”, ou seja, confunde uma contraordenação que poderá ter por base uma ordem legítima da entidade administrativa, e a ordem em si mesma.
CXLIX. Para que exista uma contraordenação leve nos termos do artigo 25º, nº 1, terá de existir previamente uma fundamentação factual e jurídica na base de uma ordem legítima proferida pela entidade administrativa, o que não se verifica nos presentes autos. CL. Tanto quanto nos é possível depreender da decisão adotada pela CCDRC, pese embora a sua dificuldade interpretativa, o que a CCDRC pretenderá é emitir uma ordem de cessação da atividade nas instalações da Recorrente sitas em Leiria, mas fá-lo invocando uma norma jurídica que pune o incumprimento de ordens legítimas como uma contraordenação leve “quando à mesma conduta não seja aplicável sanção mais grave.”
CLI. A CCDRC viola o direito fundamental e constitucionalmente consagrado de acesso à Justiça e à tutela efetiva (artigo 20º da CRP) da Recorrente, por deficiente e obscura contradição entre os factos alegados e as normas jurídicas invocadas, o que determina determina a anulabilidade da decisão, incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento por não ter verificado esta circunstância.
CLII. Assim, verifica-se por parte da CCDRC, e consequentemente pelo tribunal a quo, um erro de julgamento na decisão adotada, que “tanto pode começar na interpretação e subsunção dos factos e do direito, como estender-se à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afeta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco ou de uma inexata qualificação jurídica ou, como enuncia a lei, de um erro.” (Acórdão do STJ de 02.07.2015, processo nº 5024/12.2TTLSB.L1.S1)
CLIII. Nestes termos, a decisão da CCDRC incorre em ambiguidade e obscuridade que torna a decisão ininteligível pois fica a Recorrente sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir, devendo a mesma ser declarada nula por ser ininteligível o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
CLIV. Não pode a Recorrente concordar com o tribunal a quo que incorre mais uma vez num erro de julgamento quando refere na página 34 da sentença recorrida que “uma ordem é acto administrativo, de comando positivo, que obriga à adoção de uma conduta, não tendo cariz sancionatório.”
CLV. De facto, não vislumbramos uma decisão com semelhante cariz sancionatório, que vá para além de uma ordem de encerramento das instalações nas quais a Recorrente exerce a sua atividade de gestão de resíduos.
CLVI. Como facilmente se alcança, não existe maior sanção que possa ser aplicada à Recorrente do que uma ordem de encerramento das suas instalações. CLVII. Note-se que do ato suspendendo e da matéria de facto provada, não existe uma única palavra para os desideratos da al. b) do nº 2 do artigo 13º invocado pelo CCDRC relativos ao “risco iminente para a proteção da saúde pública e para segurança de pessoas e bens”, para lá de alegações genérica e vagas desprovidas de provas concretas em como a saúde pública e ambiente estarão em perigo. CLVIII. Tanto assim é que a Recorrida nem sequer impugnou as análises ambientais feitas pela Recorrente e que demostram claramente que não há qualquer perigo, seja para o que for, pelo que o tribunal a quo incorre mais uma vez num erro de julgamento, porquanto para concluir que a CCDRC tem atribuições para proferir a decisão suspendenda, teria ainda de o fazer mediante factos e provas objetivas que simplesmente não constam da decisão de encerramento, verificando-se um erro nos pressupostos de direito e de facto.
CLIX. Foi a própria CCDRC que se auto vinculou à aplicação da lei quadro das contraordenações ambientais, ao fundamentar legalmente a sua decisão com base no artigo 25º da referida lei. CLX. Nos termos do artigo 2º, nº 1 da lei 50/2006, “As contraordenações ambientais e do ordenamento do território são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações”, pelo que é aplicável aquando da emissão de uma decisão por uma entidade administrativa os artigos 46º e artigo 58º do Decreto lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contraordenações, doravante RGCO).
CLXI. No entanto, o artigo 46º do RGCO não foi cumprido, pois da decisão de encerramento não consta qualquer referência ou “esclarecimentos necessários sobre a admissibilidade, prazo e forma de impugnação” da decisão da CCDRC, o que consubstancia uma nulidade insanável por violação do artigo 46º, nº 2 do RGCO, incorrendo o tribunal a quo num erro de julgamento.
CLXII. Em suma, face aos vários fundamentos de Direito acima expostos, é errada a conclusão da sentença recorrida quando da página 46 quando afirma que “não é provável que a pretensão da Requerente na acção principal venha a ser julgada procedente, pelo que, não se julga verificado o pressuposto da aparência do bom direito.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. Não procede o argumento da Recorrente no sentido da inexistência jurídica da Sentença por falta de poder jurisdicional, em violação do disposto no artigo 113.º, n.os 2 e 3, do CPTA (artigos 2.º e ss. das Alegações).
2. Pois não configura qualquer vício ou irregularidade – invocável nesta sede recursória – o facto de, após dedução da ação principal, ter sido proferida decisão no âmbito do procedimento cautelar em curso.
3. Cabe ao juiz da ação principal decidir sobre a apensação do procedimento cautelar à ação principal e do momento em que ela é oportuna, mantendo o juiz do procedimento cautelar, até essa decisão, competência própria para prosseguir com os termos deste.
4. Não tendo o processo sido apensado até à data da prolação da Sentença no âmbito do procedimento cautelar, o juiz do procedimento cautelar que assistiu à produção de prova deve prosseguir com o julgamento até final – ou, pelo menos, fixar a matéria de facto – em estrita observância do princípio da imediação e da plena assistência dos juízes, consagrado no artigo 605.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
5. Do artigo 113.º, n.º 3, do CPTA, não resulta a supressão ex lege e ipso facto da competência do juiz do procedimento pelo simples facto de ter sido intentada a ação principal, conforme entendimento estabilizado na doutrina processualista.
6. Assentando a argumentação minuciosamente desenvolvida pela Recorrente nos artigos 2.º a 31.º das Alegações na falta de poderes jurisdicionais do Tribunal a quo, fica evidenciada a total improcedência desses argumentos.
7. Mais concretamente, (i) fica cabalmente prejudicada a ideia, esgrimida pela Recorrente, no sentido da inexistência da Sentença por falta de poderes jurisdicionais do Tribunal a quo (artigos 2.º e ss. das Alegações); (ii) não se deteta qualquer violação dos princípios a um processo justo e equitativo, da segurança jurídica e da confiança com fundamento nessa falta de poderes jurisdicionais do Tribunal a quo (artigos 16.º e ss. das Alegações); e (iii) não se verifica qualquer violação do princípio do juiz natural fundada na falta de poderes jurisdicionais do Tribunal a quo (artigos 26.º e ss. das Alegações).
8. É, por outro lado, irrelevante para o Caso a pretensa violação dos artigos 157.º, n.º 6, e 162.º do Código de Processo Civil (artigos 32.º e ss. das Alegações), pois o facto de não existir movimentação processual na ação principal com vista à apensação de processos nos termos do artigo 113.º, n.os 2 e 3, do CPTA, não determina, como visto, a extinção da competência do Tribunal a quo para proferir a Sentença no âmbito do procedimento cautelar.
9. Mesmo que essa não movimentação processual pudesse consubstanciar uma violação de deveres cominados à secretaria do tribunal dos autos principais, seria uma vicissitude alheia ao procedimento cautelar e inapta a provocar a extinção do poder do juiz desse procedimento.
10. É também inaplicável, ao Caso, do disposto no artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, dado que não se verifica qualquer prejuízo para a Recorrente emergente da não apensação do processo cautelar à ação principal.
11. Pois o prejuízo deve ser aferido em termos relativos, numa comparação entre a situação (hipotética) que existiria se tivesse ocorrido essa movimentação processual e a situação real, em que tal movimentação não ocorreu e foi proferida a Sentença no âmbito do procedimento cautelar.
12. Na situação hipotética, a posição da Recorrente seria, com toda a probabilidade, precisamente a mesma que a posição atual da Recorrente, pois o indeferimento da providência requerida (com vista à suspensão da eficácia da Ordem) deixa a Recorrente precisamente na mesma situação em que esta se encontraria se estivesse a aguardar o proferimento de decisão no âmbito da ação principal.
13. Perante isto, fica também prejudicado o juízo de inconstitucionalidade, arguido pela Recorrente, relativo às normas jurídicas referidas nos n.os 1 a 3 do artigo 51.º das Alegações.
14. A Sentença não é nula, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, pelo simples facto de o Tribunal a quo não se pronunciado sobre a violação do artigo 20.º da Constituição.
15. Essa pronúncia existiu (vide p. 26 da Sentença), ainda que em termos circunscritos e não desenvolvidos com a extensão e sentido desejados pela Recorrente.
16. A nulidade consistente na omissão de pronúncia só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada, as quais não se confundem com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
17. A pretensa violação do artigo 20.º da Constituição é invocada pela Recorrente como argumento, motivo ou pressuposto de uma sua pretensão.
18. A partir do momento em que o Tribunal a quo conclui que a Ordem está devidamente fundamentada, à luz dos parâmetros normativos dessa fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição e artigos 124.º a 126.º e 153.º do CPA/91), torna-se desnecessário aflorar todos os argumentos invocados a esse propósito e as consequências extraídas pela Recorrente dessa falta de fundamentação.
19. A Sentença não enferma de erro de julgamento por não produção de prova testemunhal e violação do princípio da proporcionalidade (artigos 82.º e ss. das Alegações).
20. O Tribunal a quo, com respaldo no disposto no artigo 118.º, n.º 1, do CPTA, considerou desnecessária a produção de prova testemunhal, por os demais elementos probatórios serem suficientes para o tribunal poder formar a sua convicção.
21. No Caso, a factualidade essencial respeita à alegada caducidade da licença e a alguns vícios apontados à Ordem, pelo que considerou o Tribunal que a sua demonstração depende apenas dos documentos juntos pelas partes e dos existentes no processo administrativo.
22. A Recorrente não conseguiu demonstrar por que razão a produção de prova testemunhal iria permitir debelar aquela que foi a conclusão do Tribunal a quo no sentido de que a Ordem, ao decretar a cessação da atividade nas instalações, a remoção dos resíduos e a apresentação das cópias das e-GAR’s pela Recorrente, não viola o princípio da proporcionalidade, por tal constituir concorrência desleal para com os operadores de gestão de resíduos licenciados, e por tal não garantir a prevenção dos riscos ambientais, podendo a continuação do seu funcionamento conduzir à degradação e contaminação do solo com materiais perigosos e à concomitante contaminação dos recursos hídricos e do ar, atingindo, também, a saúde pública.
23. A prova testemunhal pretendida pela Recorrente é inútil e desnecessária se visar demonstrar a não materialização de uma concreta lesão ao ambiente ou à saúde pública, por serem estes bens de interesse difuso merecedores de tutela jurídica enquanto perigos abstratos.
24. No que respeita ao alegado pela Recorrente nos artigos 87 e 88.º as Alegações, são irrelevantes para a inversão desta decisão os documentos a que esta aí se refere.
25. No que respeita ao erro de julgamento da matéria de facto alegado pela Recorrente no artigo 98.º das suas Alegações, esta, em bom rigor, não impugna a matéria de facto dada como provada em N), mas apenas a conclusão do Tribunal a quo, assente nesse ponto, no sentido de que num futuro próximo não haverá perspetiva de licenciamento das instalações da Recorrente (p. 45 da Sentença).
26. O ponto N) da matéria de facto dada como provada contém informação suficiente para motivar esta conclusão ou inferência pelo Tribunal a quo, pois dele resulta que a CCDRC indeferiu o novo licenciamento com base em desconformidades consideradas relevantes, como a inexistência do equipamento para neutralização
de componentes pirotécnicos e a possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e solo. Em acréscimo, várias falhas foram detetadas na fiscalização de 15/11/2018 (ponto O) e na de 11/9/2019 (ponto U), incluindo a falta de impermeabilização do solo. Ao que acresce a quantidade significativa de resíduos detectada (402.996,91 Kg), conforme o ponto O).
27. No seu esgotante afã impugnatório, aproveita a Recorrente este tópico relativo ao pretenso erro de julgamento da matéria de facto para, nos artigos 103.º e ss. das suas Alegações, impugnar a decisão da CCDR relativa a esse (novo) licenciamento.
28. Trata-se de argumentação só sistematicamente deslocada como totalmente alheada do objeto do presente litígio: o ato suspendendo no presente procedimento cautelar é a Ordem, e não o Ofício DLPA 2052/19, de 25/11/2019, pelo qual a CCDRC comunicou à Recorrente a decisão final de indeferimento do pedido de novo licenciamento referido nos pontos C) e G) da matéria de facto dada como provada.
29. Quanto ao critério do fumus boni iuris, e no que respeita à alegada falta de fundamentação, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que a fundamentação do ato suspendendo é clara, suficiente e congruente (pp. 36 e ss. da Sentença).
30. A Ordem está devidamente fundamentada, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito: indicam-se claramente (i) os factos imputados à Recorrente e as circunstâncias em que os mesmos foram verificados, e (ii) as normas infringidas com a prática desses factos, bem como aquelas que estabelecem uma sanção por essa prática.
31. No que respeita à não revogação e não caducidade da licença titulada pelo Alvará, a Recorrente insiste que é titular de um alvará de gestão de resíduos (o Alvará n.º ...../2012/CCDR), o qual não foi revogado, nem caducou – e que, de qualquer modo, a caducidade não seria automática e teria de ser declarada em procedimento.
32. Mas como bem concluiu o Tribunal a quo, a licença titulada pelo Alvará caducou (pp. 37 e ss. da Sentença): «o prazo inicial da licença terminou a 1/6/2017, sendo prorrogada precariamente até 1/3/2018, deixando de ser prorrogada a partir daí, por decisão que não foi atacada e se mantém na ordem jurídica, não lhe sucedendo outra licença» (p. 42 da Sentença).
33. A caducidade do Alvará prejudica a necessidade de um ato de revogação do mesmo, bem como sobre a necessidade de um procedimento próprio para essa revogação – tal como corretamente decidiu o Tribunal a quo (p. 44 da Sentença).
34. Quanto à falta de atribuições e legitimidade da CCDRC, alega a Recorrente que a emissão da Ordem não se compreende nas atribuições da CCDRC (artigos 208.º e ss. das Alegações).
35. Mas a CCDR (neste caso, a CCDRC), no âmbito da prossecução das suas atribuições, exerce os poderes de autoridade do Estado na sua área de atuação (artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro, na sua atual redação). No âmbito desses poderes, destacam-se os respeitantes a «determinar, a título preventivo, e com efeitos imediatos, mediante ordem escrita e fundamentada, a suspensão ou cessação de atividades lesivas ou potencialmente danosas para o ambiente, o encerramento de instalações quando da não aplicação dessas medidas possa resultar risco iminente para a proteção da saúde pública e para segurança de pessoas e bens» (artigo 13.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro).
36. A Recorrente, tanto no seu r.i. como nas suas Alegações, confunde ordens administrativas (como é o caso da Ordem) com processos de contraordenação ambientais, os quais se iniciam com autos de notícia.
37. O processo de contraordenação (o processo n.º 08/2019), que se iniciou com um auto de notícia elaborado na sequência da ação de fiscalização realizada em 15 de novembro de 2018, por se verificar o exercício não autorizado da atividade de tratamento de resíduos (cfr. Doc. 7 da Oposição e ponto P) dos factos provados), e no âmbito do qual foi proferida a Decisão n.º 30/2019/DSAJAL, que condenou a Recorrente ao pagamento de coima e custas, não se confunde com a Ordem.
38. A Ordem é um ato administrativo – um ato de comando positivo, que impõe a um particular a adoção de uma conduta – que não se pode confundir, como insiste a Recorrente, com aplicação de uma coima num processo de contraordenação.
39. A Recorrente foi notificada da Ordem, sendo que, não sendo a mesma cumprida, fica a Recorrente sujeita à aplicação de coima correspondente às contraordenações, conforme estabelecido no n.º 2 do artigo 22.º, e no n.º 1 do artigo 25.º do RGGR. Tal situação está bem explicita no antepenúltimo parágrafo da Ordem.
40. O facto de a Ordem referir os artigos 22.º e 25.º da LQCP (vd. o facto W) não significa, afinal, que não é uma ordem e sim uma decisão de aplicação de coima, porque facilmente se alcança do conjunto do respetivo texto/fundamentação o seguinte: (i) que não é fixada coima alguma; (ii) a ordem baseia-se em normas do Decreto-Lei 178/2006; e a alusão às normas da LQCA serve apenas para alertar para uma das consequências do incumprimento da ordem, uma contra-ordenação e a respetiva coima.
41. Contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo (p. 33 da Sentença), não se encontra verificado nos presentes autos o periculum in mora, pois a Recorrente não logrou provar os factos constitutivos deste requisito.
42. A Recorrente mais não faz do que alegações vagas, genéricas e abstratas, sem quantificar ou concretizar em que medida é que a Ordem lhe causa prejuízos de difícil reparação.
43. Face à argumentação expendida pela Recorrente, não estamos perante uma situação de periculum in mora, para efeitos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, e o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão sem apoio em qualquer facto tido como provado.”

O DMMP não apresentou a pronúncia.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantém:
A) Em 1/6/2012 foi emitido o Alvará de Licença à ora Requerente para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos n.º ...../2012/CCDR, válido por cinco anos, até 1/6/2017, no qual se pode ler (conforme doc. 2 do requerimento inicial - ou RI - e fls. 89 a 99 do PA apenso, aqui dados por reproduzidos):
«Nos termos do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, é emitido o presente alvará de licença à R………, Lda. com sede em Rua…………., n.º….., letras A e B, …………LISBOA, para as seguintes operações de tratamento de resíduos:
- R12 - Troca de resíduos com vista a submetê-los a uma das operações enumeradas de R 1 a R 11);
- R13 - Armazenamento de resíduos destinados a uma das operações enumeradas de R 1 a R 12 (com exclusão do armazenamento temporário, antes da recolha, no local onde os resíduos foram produzidos).
a realizar nas instalações sitas em Rua……………, Barracão - Colmeias - Leiria,
O presente alvará de licença é válido até 01 de Junho de 2017, ficando a realização da operação de resíduos sujeita ao cumprimento integral das especificações em anexo, as quais fazem parte integrante do presente alvará.
[…]
Especificações anexas ao alvará n.º ...../2012/CCDR
[…]
3 - Condições a que fica submetida a operação de gestão de resíduos, incluindo as precauções a tomar em matéria de segurança:
3.1 - titular da licença obriga-se a cumprir o disposto no título, bem como todas as leis e regulamentos vigentes e os que venham a ser publicados;
[…]
3.13- O incumprimento das condições do alvará ou das leis e regulamentos aplicáveis à actividade, constitui motivo suficiente para a sua suspensão ou cessação;
[…]
3.15- Seja dado cumprimento a toda e qualquer legislação ambiental ou relativa à higiene, saúde e segurança nos locais de trabalho, aplicável à sua actividade;
3.16- Seja requerida a correspondente renovação de licença, no prazo mínimo de 120 dias antes do seu termo, caso se mantenham as condições subjacentes à sua atribuição.
[…]
5 - Identificação das instalações e do equipamento licenciado incluindo os requisitos técnicos relevantes:
5.1 Identificação da Unidade de gestão de Resíduos.
Nome da empresa: R...................., Lda.
N.º. Contribuinte:…………
[…]
5.1.1 Localização da Unidade:
Rua…………, Barracão ………COLMEIAS»
B) A 3/3/2017 a Requerente efectuou o pedido de renovação do Alvará de Licença acima referido em A) – conforme doc. 4 do RI, doc. 3 da Oposição e fls. 127 a 145 do PA apenso, mormente, fls. 144, tudo aqui dado por reproduzido.
C) O pedido acima referido em B) foi tramitado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) como novo licenciamento e não como renovação, conforme o Ofício DLPA 704/17, de 31/3/2017, que a CCDRC comunicou à Requerida, no qual se pode ler (vd. fls. 146 e 146A do PA apenso, aqui dadas por reproduzidas):
«Relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, verifica-se que o pedido de renovação do alvará de licença n.º ...../2012/CCDR foi efectuado em Março de 2017, não tendo sido cumprida a condicionante n.º 3.16 daquele Título, relativa à obrigação de formular o pedido de renovação no prazo mínimo de 120 dias. Deste modo, a pretensão passa a ter enquadramento no regime geral de licenciamento previsto nos art.ºs 23.º e 27 do DL n.º 178/2006, de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo DL n.º 73/2011, de 17 de Junho (RGGR).
Tendo presente que o AL n.º ...../2012/CCDR caduca a partir do dia 1 de Junho de 2017, julgamos ser conveniente a solicitação, por parte de V. Ex.a, da prorrogação do prazo de validade mencionado, de modo a que seja permitida a laboração da instalação até à emissão de novo alvará de licença.»
D) A Requerente não atacou, nem perante a Administração, nem por acção em Tribunal, a decisão acima referida no facto anterior, que considerou intempestivo o pedido de renovação do Alvará.
E) Em 24/4/2017 a Requerente apresentou elementos que lhe foram solicitados no aludido Ofício DLPA 704/17 (referido no facto C) e solicitou a prorrogação do mencionado Alvará ...../2012/CCDR (aludido em A), nos seguintes termos (fls. 157 e 157A do PA apenso, aqui dadas por reproduzidas):
«Resposta ao V/ Ofício de referência DLPA ……./17,
[…]
Por fim, como julgado conveniente por essa CCDR, solicitamos a prorrogação do prazo de validade do Alvará OGR actualmente em vigor, de modo a que seja permitida a laboração da instalação até à emissão do novo alvará de licença».
F) Foi emitida a prorrogação desse Alvará ...../2012/CCDR até 1/12/2017, nos termos do Ofício DLPA ……./17, de 25/7/2017 (doc. 3 do RI e fls. 183 do PA apenso, aqui dados por reproduzidos).
G) Em 29/6/2017, seguindo a CCDRC a tramitação de novo licenciamento, emitiu a decisão de aprovação de projecto, aposta na Informação DLPA ……/17, da qual foi dado conhecimento à Requerente através do Ofício DLPA ……/17, da mesma data (doc. 5 do RI e fls. 177 e 177A do PA, aqui dados por reproduzidos).
H) A Requerente veio solicitar nova prorrogação do já referido Alvará ...../2012/CCDR (fls. 197 do PA apenso, aqui dada por reproduzida).
I) Através do Ofício DLPA ……./17, de 15/12/2017, foi a Requerente informada da decisão de prorrogação do mencionado Alvará ...../2012/CCDR até 1/3/2018, nos seguintes termos (doc. 3 do RI e fl. 198 do PA apenso, aqui dados por reproduzidos):
«Mais se informa que se prorroga o Alvará por um período adicional de 3 meses, até 1 de Março, no sentido de ser solicitada a vistoria e ocorrer a decisão final sobre o pedido de licenciamento. A prorrogação agora concedida cessa efeitos logo que emitida a decisão final.»
J) Através de e-mail de 27/2/2018 a Requerente veio solicitar nova prorrogação do dito Alvará ...../2012/CCDR (fls. 202 e 202A do PA apenso, aqui dadas por reproduzidas).
K) Tendo sido comunicado à Requerente, através do Ofício DLPA ……/18, de 9/3/2018 (a fls. 205 e 205A do PA apenso, aqui dadas por reproduzidas), o seguinte:
«Na sequência do pedido formulado via correio electrónico de 27.02.2018 para a emissão de nova prorrogação do Alvará n.º ...../2012/CCDR, de 1 de Junho de 2017, recordamos V. Ex.as dos seguintes aspectos:
- o Alvará em referência foi prorrogado através do nosso Ofício DLPA …../17, de 25.07.2017. até ao dia 1 de Dezembro de 2017 […]
- na sequência das V. comunicações de 30.11.2017, através do nosso Ofício DLPA ……/17, de 15.12.2017 (cópia em anexo), procedeu-se à prorrogação do Alvará por um período adicional de 3 meses […]
Face ao anteriormente exposto, informamos V. Ex.as que não se procederá a qualquer prorrogação adicional do Alvará, podendo V. Ex.as solicitar a vistoria relativamente ao projecto aprovado a 3.7.2017, cuja validade é de 2 anos, se assim o entenderem.»
L) A Requerente não atacou, nem perante a Administração, nem por acção em Tribunal, a decisão acima referida no facto anterior, de não prorrogação do Alvará ...../2012/CCDR.
M) Pelos Ofícios DLPA ……./19, de 11/4/2019, e DLPA ……../19, de 31/10/2019, foi comunicada à Requerente a intenção de emissão de decisão desfavorável ao novo licenciamento referido em C) e G), na sequência das vistorias realizadas a 28/3/2019 e 28/10/2019 (doc.s 6 e 7 do RI e fls. 293 a 304A e 356 a 360A do PA apenso, aqui dados por reproduzidos), constando do Auto de Vistoria de 28/10/2019:
«8 Aspectos Verificados na Vistoria
8.1 Verificação da Conformidade da Instalação/Equipamento com o Título Emitido
Face ao observado no local, verificou-se que a instalação não está de acordo com o projecto apresentado e com as peças desenhadas propostas e aprovadas no Título já emitido, nos seguintes aspectos:
8.1.1 Em termos estruturais:
- a zona de desmantelamento de VFV, estava ampliada para sudeste, relativamente à planta aprovada; verificou-se ainda a inexistência de parede prevista em projecto - cf. imagens l e 2.
- a bacia de retenção prevista no projecto aprovado, onde se realiza a armazenagem dos fluídos resultantes da despoluição de VFV, encontrava-se deslocalizada para Norte - cf. imagem 3.
- ao fundo do corpo do edifício onde se realiza a armazenagem dos fluídos resultantes da despoluição de VFV, verificou-se a inexistência de uma parede prevista em projecto; verificou-se ainda a existência de acesso ao exterior, através de portão, no limite da área a licenciar nos termos do RGGR, situação não prevista no projecto aprovado - cf. imagens 4 e 5.
- as paredes do pavilhão anexo à zona descoberta, localizado a uma cota inferior, não eram perpendiculares entre si, tal como constavam em planta - cf. imagem 6.
- verificou-se a existência de um acesso por escada, não previsto em projecto, dentro da zona coberta, para ligação entre a zona situada em frente aos escritórios e o corpo do edifício mais a sudoeste, o qual se encontra a cota inferior da restante parte coberta - cf. imagem 7.
- no edifício onde se realiza a armazenagem dos pneus usados, verificou-se que o acesso previsto na planta aprovada foi fechado, tendo sido criado novo
acesso, local onde estava prevista a armazenagem de resíduos n.9s 101,103 a 108, em desacordo com a planta aprovada - cf. imagem 8.
8.1.2 Rede de drenagem:
- existência de um novo separador de hidrocarbonetos (SH) não previsto em projecto, cujas águas residuais são encaminhadas, através de sistema de bombagem e gravidade, para o SH previsto - cf. imagem 9.
- a implantação do SH previsto em projecto, não estava de acordo com o previsto no projecto aprovado, na medida em que no projecto deveria estar na vertical do muro exterior, encontrando-se implantada na horizontal - cf. imagem 10.
- na zona identificada em planta como "estacionamento de veículos pesados", a Sudoeste, havia uma grelha de captação de águas residuais e caixa de visita, não previstas em projecto, cujo encaminhamento dos efluentes está a ser realizada para o SH previsto em projecto - cf imagem 11.
- o "tanque de abastecimento de rede de incêndios" identificado em planta não tinha a referida utilização, segundo os representantes do requerente, tendo estes referido que as águas residuais resultantes do SH previsto em projecto são retidas naquele tanque, com posterior encaminhamento para operador de gestão de resíduos - cf imagem 12.
- foi implementada nova rede de drenagem para além do previsto no projecto, com a inclusão de diversas caixas de visita, grelhas, tubagens com encaminhamento dos efluentes por gravidade directamente para separador de hidrocarbonetos (SH), em desconformidade com o previsto no projecto aprovado - cf imagens 13 e 14.
Através de correspondência electrónica datada de 25-10-2019, o requerente enviou planta com a rede de drenagem, onde é possível confirmar as diferenças entre a rede de drenagem representada na planta aprovada e a rede de drenagem implementada no local, documentos que se constam do processo.
8.1.3 Equipamentos:
- inexistência do equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos previsto no projecto aprovado (descrito na página 17/20 da memória descritiva apresentada e no formulário SiLiAmb), em desconformidade com as operações descritas no ponto 2.1 do anexo XIX do DL
157-D/2017, de 11 de Dezembro e equipamento obrigatório elencado nos requisitos mínimos de qualidade e eficiência.
- inexistência da totalidade das prateleiras/estantes para o armazenamento de peças para reutilização, equipamento identificado com a letra "F", em desacordo com o previsto na planta aprovada - cf. imagem 15.
8.2 Verificação do Cumprimento das Condições Previamente Estabelecidas no Título
No que se refere às condições impostas no TUA...................., verificou-se o cumprimento das mesmas, com a excepção das seguintes, as quais se transcrevem, pelos motivos identificados:
- "Deverá ser dado cumprimento integral ao projecto apresentado, bem como às peças desenhadas propostas para a unidade
Pelos motivos expostos no ponto 8.1 não é dado cumprimento à condição imposta.
- "Deverá ser solicitado à Autoridade Nacional de Protecção Civil a apreciação das medidas de autoprotecção a implementar (alínea a) do n.e 2 do art-,s 34.2 do DL 220/2008, de 12 de Novembro, até 30 dias antes da entrada em funcionamento da instalação com a alteração proposta."
Consultadas as plantas entregues na AN PC em Junho de 2018, no que se refere às Medidas de Autoprotecção, verificou-se que as mesmas não são coincidentes com a planta aprovada nem como o existente no local, como por exemplo a existência de escada interior entre os dois pavilhões não prevista no projecto aprovado nem implementada no local, pelo que não é dado cumprimento à condição imposta -cf imagem 16.
8.3. Verificação da conformidade da operação de gestão com os princípios referidos no Título i do RGGR e com os planos de gestão de resíduos aplicáveis (de acordo com alínea b) do n.e 2 do artigo 31.9 do RGGR)
[…]
8.3.3. Requisitos Mínimos de Qualidade e Eficiência para as Operações de Tratamento de Resíduos
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.s 152-D/2017, de 11 de Dezembro, em 01 de Janeiro de 2018, os operadores que pretendam operar no âmbito dos fluxos específicos de resíduos, estão sujeitos ao cumprimento de Requisitos Mínimos de Qualidade e Eficiência estabelecidos pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (adiante APA), de acordo com 0 disposto no art. 8.9 do referido diploma. Relativamente ao fluxo de resíduos de VFV, o qual pressupõe que os requisitos de óleos usados, pilhas & acumuladores e de pneus usados sejam cumpridos, verificou-se, no local, que a instalação não cumpre alguns dos referidos requisitos, essencialmente no que se refere questões estruturais, de formação e em termos de contaminação de águas subterrâneas e solo, conforme se discrimina:
- as instalações não possuem paredes construídas em matérias resistentes ao fogo, na medida em que não dispõem sequer de parede; a separação física entre a parte explorada e a restante área, na zona junto ao desmantelamento de VFV, é realizada através de chapa metálica e tela de ocultação, material que não é resistente - cf. imagens 1 e 2;
- inexistência de estrutura fechada com paredes na zona de desmantelamento, situação que não se verifica pelos motivos já expostos;
- inexistência do equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos, já mencionado no ponto 8.1.3. do presente auto;
- compressor inoperacional, situação confirmada pelos representantes da empresa;
- na área de armazenamento de VFV despoluídos e área de armazenamento de pneus usados, identificadas como "29" e "27" na planta aprovada, apesar de impermeabilizadas, não asseguram a contaminação de águas subterrâneas e solo, face à ruptura existente no murete - cf. imagens 17 e 18.
- não foi evidenciado formação do(s) colaborador(es) que efectuam a operação de remoção do fluído de ar condicionado.
- o projecto das Medidas de Autoprotecção aprovado pela ANPC não é coincidente com a planta aprovada, situação já mencionada no ponto 8.3. do presente auto.
8.3.4. Condições de Trabalho
[…]
8.3.4.2. Questões de Segurança e Saúde dos Trabalhadores
A avaliação de riscos elaborada pela referida empresa e que consta cópia no processo, tem identificados inúmeros perigos com avaliação de risco muito alto- "requer correcção imediata". Os representantes da empresa referiram que as questões já haviam sido sanadas, contudo não apresentaram comprovativos, nem apresentaram nova avaliação de riscos.
8.3.5. Responsabilidade por Danos Ambientais
No que se refere à responsabilidade por danos ambientais prevista no DL n.2 147/2008, de 29-07- 2008, na sua actual redacção, importa referir que não ficou provado que a instalação alvo de vistoria tivesse este requisito ambiental cumprido.»
N) Pelo Ofício DLPA ……./19, de 25/11/2019 (fl. 388 do PA apenso, aqui dada por reproduzida) a CCDRC comunicou à Requerente a decisão final de indeferimento do pedido de novo licenciamento referido em C) e G), aposta na Informação DLPA ……/19, podendo-se ler nas respectivas conclusões (doc. 8 do RI e fls. 370 a 387 do PA apenso, aqui dados por reproduzidos):
«Face ao exposto, confirma-se, após audiência prévia vários dos motivos comunicados ao requerente que obstam a emissão de decisão favorável, concretamente:
1) incumprimento da alínea a) do n.º 2 do artigo 31.º do RGGR dado que a instalação está desconforme com o projecto aprovado, não tendo sido dado cumprimento à condição de exploração constante do TUA, que se transcreve: "Deverá ser dado cumprimento integral ao projecto apresentado, bem como o cumprimento das peças desenhadas propostas para a unidade."
2) incumprimento da alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do RGGR, particularmente do artigo 6.º, relativo à protecção da saúde humana e do ambiente, na medida em a instalação não dá cumprimento ao disposto no art. 8.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, no que se refere ao fluxo de resíduos de VFV (o qual pressupõe que os requisitos de óleos usados, pilhas e acumuladores e de pneus usados sejam cumpridos), situação que se verificou na vistoria realizada em 28-10-2019, que a instalação não cumpre alguns dos Requisitos Mínimos de Qualidade e Eficiência estabelecidos pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., essencialmente no que se refere a questões de contaminação de águas subterrâneas e solo, conforme se discrimina: a. inexistência do equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos;
b. na área de armazenamento de VFV despoluídos e área de armazenamento de pneus usados, identificadas como "29" e "27" na planta aprovada, apesar de impermeabilizadas, não asseguram a não contaminação de águas subterrâneas e solo, face à ruptura existente no murete.
c. não foi evidenciado formação do(s) colaborador(es) que efectuam a operação de remoção do fluído de ar condicionado.»
O) Em resultado da fiscalização realizada pela CCDRC, em 15/11/2018, às instalações da Requerente localizadas na Rua ……….. n.º ……, Barracão, no Município de Leiria, Freguesia de Colmeias e Memória, foi elaborada a Informação DSR_LEIRIA ……/18 (junta como doc. da Oposição e aqui dada por reproduzida), da qual consta, designadamente, o seguinte:
«Factos verificados no local
[…]
Alguns dos resíduos acondicionados nas instalações não se encontravam identificados com os respectivos códigos LER.
Em terreno anexo, sobre solo não impermeabilizado e a céu aberto estavam acondicionados galeras de camião e dois autocarros, tendo o administrador da Firma declarado que não lhe pertenciam eram propriedade de um senhor que faleceu recentemente.
A céu aberto e sobre solo não impermeabilizada estavam acondicionados pneus.
Sobre piso cimentado, a céu aberto e em prateleiras estavam acondicionados VFV's [veículos em fim de vida], descontaminados, ainda com alguns componentes para remover,
Próximo do edifício do escritório, está implantado um depósito de combustível, foi declarado que o mesmo contém gasóleo para abastecer os camiões da Firma.
No interior do pavilhão estavam acondicionados vários resíduos, nomeadamente: RCD’s [resíduos de construção e demolição]; REEE's [resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos]; papel, cartão, plástico, materiais de construção contendo amianto (LER 17 06 05*); VFV's contaminados, vários componentes de VFV’s e metais.
Na zona de despoluição dos VFV's, visualizou-se a existência de contentores para os fluidos sendo que, o contentor da gasolina, LER 13 07 02*, não possuía bacia de retenção (foi declarado pelo administrador dg empresa que iria proceder à colocação da bacia de contenção). […]
[…]
Observações:
[…]
Consultada a plataforma do SILiAmb da APA, verificou-se que após a data de prorrogação do Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos n.º ...../2012/CCDR, caducado desde 2 de Março de 2018, foram recepcionados vários resíduos nas instalações, conforme algumas e-GAR's […]
[…]
Nota: na plataforma do SILiAmb da APA, no Item e-GAR's - Gestão, pesquisando como Destinatário e Estado: Concluída (certificado de recepção), verifica-se a existência de mais de 50 páginas com 20 e-GAR's por página, pelo que se concluí a existência de mais de 1 000 e-GAR's recepcionadas nas instalações, desde 02.03.2018 até 26.11.2018.
[…]
Consultadas as e-GAR's correspondentes aos resíduos produzidos (Produtor/Detentor) pela Firma "R...................., Lda., verifica-se que foram emitidas várias e-GAR's, algumas, descritas no quadro seguinte:
[…]
Nota; na plataforma do SILiAmb da APA, no Item e-GAR's - Gestão, pesquisando como Produto Estado: Concluída (certificado de recepção), verifica-se a existência de mais de 20 páginas com 20 e- GARs por página, pelo que se conclui a existência de mais de 400 e-GAR's de resíduos encaminhados das instalações, para OGR, no período de 02.03.2018 a 26.11.2018.
Nas instalações, como referido no item anterior ¯Factos verificados no local, foi visualizado a existência de resíduos, tendo sido remetido via e-mail, pela Eng.a da Firma, a descrição de existências até Novembro de 2018, descrevendo um total de resíduos de 402.996,91 Kg de resíduos […]
[…]
Conclusão:
Na acção de fiscalização realizada, em 15.11.2018, constatou-se que a Firma estava a exercer a actividade de tratamento (triagem e armazenagem) de resíduos nas instalações, não possuindo alvará de licença para a realização de operações de gestão de resíduos.
Foi apresentada pela funcionária da Firma, documento descrevendo as existências de resíduos nas instalações, até Novembro de 2018, num total de 402.996,91 Kg de resíduos.
Consultada a plataforma do SILiAmb da APA, verificou-se que após a data de prorrogação do Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos N.º ...../2012/CCDR, caducado desde 2 de Março de 2018, foram recepcionados nas instalações e encaminhados vários resíduos.
(Na plataforma do SILiAmb da APA, no Item e-GAR's - Gestão, pesquisando como Destinatário e Estado: Concluída (certificado de recepção), verificou-se a existência de mais de 50 páginas com 20 e-GAR's por página, pelo que se conclui a existência de mais de 1000 e-GAR's recepcionadas nas instalações, desde 02.03.2018 até 26.11.2018.
No Item e-GAR's - Gestão, pesquisando como Produtor e Estado: Concluída (certificado de recepção), verificou-se a existência de mais de 20 páginas com 20 e-GAR's por página, pelo que se conclui a existência de mais de 400 e-GAR's de resíduos encaminhados das instalações, para OGR, no período de 02.03.2018 a 26.11.2018.
Assim, verifica-se que a Firma está a recepcionar e encaminhar resíduos, pelo que, está a exercer a actividade de tratamento (triagem e armazenagem) de resíduos nas instalações, sem licença […]».
P) Em resultado da fiscalização realizada em 15/11/2018, referida no facto anterior, a CCDRC elaborou o auto de notícia n.º 74/2018, de 12/12/2018, dando início ao processo de contra-ordenação 8/2019/DSAJAL (vd. a decisão condenatória junta como doc. da Oposição e a fls. 240 a 243 do PA apenso, aqui dada por reproduzida).
Q) Por despacho de 21/12/2018, exarado sobre a já referida informação DSR_LEIRIA 478/18, de 12/12/2018, foi emitida pela CCDRC proposta/projecto de ordem de encerramento das aludidas instalações da Requerente na Rua …………e de remoção de todos os resíduos do local no prazo de 120 dias (vd. o rosto da Informação DSR_LEIRIA ……./18, junta como doc. da Oposição, aqui dada por reproduzida).
R) No processo de contra-ordenação …../2019/DSAJAL, acima referido no facto P), foi proferida, pela CCDR, a Decisão n.º …../2019/DSAJAL, de 11/2/2019, condenando a ora Requerente numa coima de 12.000,00 € (vd. a decisão condenatória junta como doc. da Oposição e a fls. 240 a 243 do PA apenso, aqui dada por reproduzida), constando, entre outros factos dados por provados nessa decisão:
«1. A arguida, R...................., Lda., com sede na Avenida………, n,°…….., …………, Lisboa, era detentora do Alvará de licença n° ...../2012/CCDR válido até 01/07/2017, para operações de gestão de resíduos;
2. No dia 15/11/2018, a arguida laborava nas instalações sitas na Rua……….., n.°……, Barracão, União de freguesias de Colmeias e Memória, Leiria;
3. Onde exerce a actividade de tratamento (triagem e armazenagem) de resíduos; (código CAE 38112 - recolha de outros resíduos não perigosos)
4. Pelo que estava obrigada a possuir licenciamento para o exercício da mesma;
5. À data da fiscalização, 15/11/2018, não possuía licença válida titulada por alvará;
6. Uma vez que a Alvará de Licença caducou em 1 de Março de 2018, após sucessivas prorrogações;
[…]».
S) A aqui Requerente foi notificada da decisão referida no facto anterior e não recorreu ou impugnou a mesma.
T) A Requerente foi notificada do Ofício n.º DSF ……/19, de 7/5/2019, para, no prazo de 10 dias úteis, se pronunciar sobre o projecto de ordem, enviado em anexo, acima referido no facto Q ), nos seguintes termos (fls. 312 a 316 do PA apenso, aqui dadas por reproduzidas): «Na sequência da acção de fiscalização efectuada pelos nossos Serviços em 15 de Novembro de 2018, às instalações da Firma ¯R..................... Lda.", sitas na Rua………, N.º….., localidade de Barracão, União das Freguesias de Colmeias e Memória, concelho e distrito de Leiria, (Figuras 1 e 2), constatou-se o seguinte:
1. o exercício da actividade de tratamento (triagem e armazenagem) de resíduos nas instalações, sem licença, entre outros, dos seguintes resíduos com os códigos LER:
[…]
A firma foi detentora do Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos N.º ...../2012/CCDR, caducado desde 2 de Março de 2018.
[…]
Consultada a plataforma do SILiAmb da Agência Portuguesa do Ambiente IP, verificou-se que após a data de prorrogação do Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos N.º ...../2012/CCDR, caducado desde 2 de Março de 2018, foram recepcionados nas instalações e encaminhados vários resíduos.
Os fatos descritos infringem o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º conjugado com o n.º 1, do artigo 23.º, do Decreto-Lei n.º 178/2006 de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto- Lei n.º 73/2011 de 17 de Junho.
Assim, de acordo com o n.º 2 e 3 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011 de 17 de Junho, é proibida a realização de operações de tratamento de resíduos não licenciadas nos termos dos referidos diplomas e são igualmente proibidos o abandono de resíduos, a incineração de resíduos no mar e a sua injecção no solo, a queima a céu aberto nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, bem como a descarga de resíduos em locais não licenciados para realização de tratamento de resíduos.
Em consequência, e independentemente do processo de contra-ordenação em curso a ser tratado em processo autónomo, é intenção destes Serviços notificar V. Exa. nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada peia Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto, para, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, proceder à:
1. cessação da actividade nas instalações e remoção de todos os resíduos depositados, interior e exterior do pavilhão, a céu aberto, sobre solo impermeabilizado e não impermeabilizado, sitas na Rua…….., N.º……, localidade de Barracão, União das Freguesias de Colmeias e Memória, concelho e distrito de Leiria;
2. apresentação nestes Serviços, devidamente preenchidas, das cópias das e-GAR - guias electrónicas de acompanhamento dos resíduos removidos do local identificado, comprovando o seu envio para destino licenciado, de acordo com o n.º 1 do artigo 6.º, da Portaria n.º 145/2017 de 26 de Abril;
Findo o prazo para cumprimento da presente ordem, após a sua efetivação, caso se verifique a inobservância da mesma, fica V. Exa. sujeito à coima correspondente às contra-ordenações, conforme estabelecido no n.º 2 do artigo 22.º, no n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada e republicada peia Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto.
Para além da referida contra-ordenação, em caso de incumprimento será novamente notificado nos termos e para os efeitos do n.º 2 e n.º 3 do artigo 25.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto e respectivas alterações.
Dispõe V. Exa. nos termos dos art.ºs 121.º e 122.º do CPA, do prazo de 10 (dez) dias úteis para alegar por escrito o que tiver por conveniente e/ou susceptível de influir na presente determinação junto destes Serviços, para efeitos de audiência prévia, podendo o processo ser consultado na Rua […], no horário das 9:00 às 12:30 e das 14:00 às 17:30.»
U) Foi realizada pela CCDRC, em 11/9/2019, nova acção de fiscalização às instalações da Requerente na Rua …………n.º………, Barracão, no Município de Leiria, Freguesia de Colmeias e Memória, descrita na Informação DSR_LEIRIA ……/19, de 5/11/2019 (junta como doc. da Oposição e aqui dada por reproduzida), na qual se pode ler:
«Em resposta ao solicitado na Nota de Serviço N.º DSF …../19, foi efectuada uma acção de Fiscalização no dia 11.09.2019 […] às instalações da firma R...................., Lda., sitas na Rua……….., n.º ……., localidade de Barracão, União de freguesias de Colmeias e Memória, Concelho e Distrito de Leiria.
A firma foi detentora do Alvará de licença para a realização de Operações de gestão de Resíduos n.º ...../2012/CCDR, caducado desde 2 de Março de 2018.
Em 15 de Novembro de 2018, na sequencia de acção de fiscalização às instalações da Firma, foram encontradas evidências de que após a data de prorrogação do Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos, foram recepcionados nas instalações e encaminhados vários resíduos.
Foi remetido, à Firma, Oficio de Proposta de Ordem- Fase de Audiência Previa DSF 322/19 de 07 de Maio de 2019, sem que tenham sido apresentadas alegações, para no prazo de 120 cento e vinte dias, proceder à:
1- Cessação da actividade nas instalações e remoção de todos os resíduos depositados, no interior e no exterior dos pavilhões, a céu aberto, sobre solo impermeabilizado e não impermeabilizado, sitas na Rua…………, n.º ……., localidade de Barracão, União das Freguesias de Colmeias e Memória, concelho e distrito de Leiria;
2- Apresentação nestes Serviços, devidamente preenchidas, as cópias das e- GAR - guias de acompanhamento dos resíduos removidos do local identificado […]
2- Análise/ Conclusão
Na acção de fiscalização efectuada às instalações da firma R...................., foi possível constatar que se estava a proceder a uma grande operação de requalificação do espaço, nomeadamente ao nível:
A) Infra-estrutura
Estavam a ser executadas intervenções ao nível das paredes, endireitando algumas que se apresentavam desniveladas e desalinhadas, com posterior reboco e colocação de divisórias novas. Ao nível da cobertura, procederam à substituição uma parte da cobertura de um dos pavilhões. Constatámos a existência em fase de conclusão a construção de um separador de hidrocarbonetos. No espaço exterior, que não se encontrava impermeabilizado estava a ser nivelado e a proceder à drenagem do espaço. Foi ainda possível verificar que a vedação estava a ser melhorada, por forma a ficar mais segura. A zona de despoluição dos VFV, também se encontrava em obras, segundo declarações do Sr. R...................., para melhorar as bacias de contenção de derrames.
B) Organização do espaço
Foi possível constatar a colocação de novas placas de códigos LER, bem como o inicio de limpeza do espaço, com colocação de depósitos para armazenamento de resíduos.
C) Resíduos
Verificou-se que ainda permaneciam no interior e exterior dos pavilhões resíduos depositados, ainda que a quantidade tenha reduzido substancialmente, relativamente à quantidade verificada na acção de fiscalização anterior.
Não foram apresentadas, até à data, nestes Serviços quaisquer cópias de e-GAR'S, respeitantes ao acompanhamento de resíduos retirados das instalações.
Não foi possível recolher evidências de que tenha suspensa a actividade, dado que as instalações não se encontravam encerradas.
Da análise efectuada e dado que não foram apresentadas alegações, propõe-se que seja efectivada a Ordem à Firma R...................., de acordo com a minuta de oficio em anexo.»
V) Por despacho do Vice-presidente da CCDRC, de 20/12/2019, exarado sobre a referida Informação DSR_LEIRIA 343/19, foi tomada a decisão, em concordância com o despacho do Director de Serviços de Fiscalização, de ser «efectivada a ordem nos termos propostos» (vd. essa Informação junta como doc. da Oposição e aqui dada por reproduzida).
W) Por Ofício de 23/12/2019, com a ref. DSR_LEIRIA .../19, acompanhado de cópia da Informação DSR_LEIRIA 343/19 (referida no facto U), foi comunicado à Requerente o seguinte (conforme doc. 1 do RI e doc. 1 da Oposição, aqui dados por reproduzidos):
«À Firma:
R...................., Lda Rua…….., ……., Barracão ……. Colmeias
[…]
ASSUNTO: Ordem Actividade não licenciada de tratamento de resíduos, em instalações sitas na Rua……….., n.º ……., localidade de Barracão, União de freguesias de Colmeias e Memória, concelho e distrito de Leiria.
Na sequência de acção de fiscalização realizada por estes Serviços, do dia 15-11-2018, às instalações da firma R...................., Lda., sitas na Rua………………, n.º……, localidade de Barracão, União de freguesias de Colmeias e Memória, concelho e distrito de Leiria, foi emitida por estes Serviços a V. Exa, Proposta de Ordem - Fase de Audiência Previa, através de oficio DSF 322/19, de 07 de Maio de 2019, para no prazo de 120 cento e vinte dias proceder à:
1- Cessação da actividade nas instalações e remoção de todos os resíduos depositados, no interior e no exterior dos pavilhões, a céu aberto, sobre solo impermeabilizado e não impermeabilizado, sitas na Rua……….., n.º …….., localidade de Barracão, União das Freguesias de Colmeias e Memória, concelho e distrito de Leiria;
2- Apresentação nestes Serviços, devidamente preenchidas, das cópias das e-GAR- guias de acompanhamento dos resíduos removidos do local identificado, comprovando o seu envio para destino licenciado, de acordo com o n.º1 do artigo 6.º, da Portaria n.º 145/2017 de 26 de Abril;
No prazo concedido nos termos dos art.ºs 121.º e 122.º do CPA, para efeitos de audiência prévia, não foram apresentadas alegações por V. Exa.
Em nova acção de fiscalização realizada por esta CCDR em 11-09-2019, verificou-se que ainda permaneciam no interior e exterior dos pavilhões resíduos depositados, ainda que a quantidade tenha reduzido substancialmente, relativamente à quantidade verificada na acção de fiscalização anterior.
Não foram apresentadas, até à data, nestes Serviços quaisquer cópias de e-GAR'S, respeitantes ao acompanhamento de resíduos retirados das instalações.
Não foi possível recolher evidências de que tenha suspensa a actividade, dado que as instalações não se encontravam encerradas.
As instalações não estão munidas do necessário licenciamento para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos nos termos do Decreto-Lei n.º 178/2006 de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011 de 17 de Junho.
Os fatos descritos infringem o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º conjugado com o n.º 1, do artigo 23.º, do Decreto-Lei n.º 178/2006 de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011 de 17 de Junho.
Assim, de acordo com o n.º 2 e 3 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011 de 17 de Junho, é proibida a realização de operações de tratamento de resíduos não licenciadas nos termos dos referidos diplomas e são igualmente proibidos o abandono de resíduos, a incineração de resíduos no mar e a sua injecção no solo, a queima a céu aberto nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, bem como a descarga de resíduos em locais não licenciados para realização de tratamento de resíduos.
Face ao exposto, tendo em conta a gravidade da situação, na sequência do meu despacho proferido na informação n.º DSR_LEIRIA ……/19, de 05-11-2019 (cópia em anexo), notifico V. Exa. nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 25.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015 de 28 de Agosto, para no prazo de 120 (cento e vinte) dias, proceder à:
1- Cessação da actividade nas instalações e remoção de todos os resíduos depositados, no interior e no exterior dos pavilhões, a céu aberto, sobre solo impermeabilizado e não impermeabilizado, sitas na Rua…………, n.º …….., localidade de Barracão, União das Freguesias de Colmeias e Memória, concelho e distrito de Leiria;
2- Apresentação nestes Serviços, devidamente preenchidas, as cópias das e-GAR- guias de acompanhamento dos resíduos removidos do local identificado, comprovando o seu envio para destino licenciado, de acordo com o n.º1 do artigo 6o, da Portaria n.º 145/2017 de 26 de Abril;
Findo o prazo para cumprimento da ordem, caso se verifique a inobservância da mesma, fica V. Exa. sujeito à coima correspondente às contra-ordenações, conforme estabelecido no n.º 2 do artigo 22.º,,e no n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015 de 28 de Agosto.
Para além da referida contra-ordenação, em caso de incumprimento, será novamente notificada nos termos e para os efeitos do n.º 2 e n.º 3 do art.º 25.ºda Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto.
Sem prejuízo do atrás referido, fica advertido de que caso não observe o prazo fixado e cumpra o determinado, estes Serviços poderão proceder à execução dos trabalhos, em regime de substituição e a expensas de V. Exa., assegurando o cumprimento do teor da presente notificação, servindo de título executivo as despesas que a execução dos trabalhos originar, conforme artigo 25.º do D.L. n.º 140/99, de 24 de Abril, alterado e republicado pelo D.L. n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro.
[…]
O Vice-Presidente, em suplência do Presidente da CCDRC
X) No dia 27/12/2019 foi a Requerente notificada do Ofício DSR_LEIRIA .../19, referido e transcrito no facto anterior (conforme alegado no art.º 2.º do RI e no art.º 98.º da Oposição, sendo facto não controvertido).

Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil – CPC e 149.º do CPTA, acrescentam-se os seguintes factos, por provados:
Z) O ora Recorrente fez dar entrada no TAC de Lisboa, em 24/02/2020, via SITAF, a PI do processo principal, preenchendo o respectivo formulário, indicando a opção “Não”, no campo “Apenso” – cf. docs. juntos ao recurso e correspondente registo em suporte SITAF – cf. doc. junto ao recurso e SITAF.
AA) A indicada PI deu origem ao P. n.º 439/20/5BELSB, constando do respectivo registo em suporte SITAF que em 15/04/2020 se procedeu à elaboração da correspondente capa do processo e se procedeu à citação do R. – cf. SITAF.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir da inexistência jurídica da sentença prolatada e da violação do direito a um processo justo e equitativo, dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da transparência, da lealdade, do juiz natural e dos art.ºs 113.º, nº. 2 e 3, do CPTA, 20.º, n.º 4, 32.º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 6.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), 47.º da Convenção dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) e 162.º do Código de Processo Civil (CPC), por o Tribunal recorrido não ter poderes jurisdicionais para proferir a sentença cautelar, sendo incompetente para esse efeito, pois tal sentença foi proferida antes do presente processo ter sido apensado pela secretaria aos autos principais, que já estavam intentados e a partir daí a sentença competia ser proferida pelo mesmo juiz da causa principal;
- se assim não entender, aferir da violação do direito a um processo justo e equitativo, dos princípios da segurança jurídica, da confiança, do juiz natural e dos art.ºs. 2.º, 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º, n.º 9, da CRP e da inconstitucionalidade dos art.ºs 113.º, n.º 2 e 3, do CPTA, 162.º e 157.º, n.º 6, do CPC, na interpretação que permita que o processo cautelar não seja, de imediato, apensado aos autos principais, seja conhecido antes de ser apensado ao processo principal e seja conhecido pelo juiz a quem foi distribuído ab inicio tal processo cautelar, por essa circunstância ter influência no exame e decisão da causa;
- aferir da nulidade decisória, por o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a violação do 20.º da CRP e do princípio de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva;
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto, por o tribunal recorrido não ter considerado a prova junta pelo ora Recorrente ao seu requerimento inicial, designadamente a análise às águas residuais e à qualidade do ar e não ter produzido a necessária prova testemunhal, para contrariar a alegação da CCDRC relativa ao risco de afectação da saúde pública e ambiente, assim como, por o tribunal recorrido ter dado por provado o facto N), que estava contestado por tais documentos e que teria de ser dado por não provado;
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto, por o tribunal recorrido não ter dado por provado que o A. e Recorrente corrigiu um conjunto alargado de alegadas desconformidades entre a primeira vistoria (28/03/2019) e a segunda vistoria (28/10/2019), conforme tal facto é reconhecido pela própria CCDRC, que elenca as desconformidades corrigidas, correcções que resultavam ”de forma clara e taxativa do processo administrativo (Doc. 9 – vd. pág. 7 e 8 da Informação DLPA 628/19)” e por o tribunal recorrido ter ignorado o email de 05/11/2019 e fotografias juntas nesse email com a correcção da ruptura existente do murete;
- aferir do erro decisório e da violação do princípio da legalidade e dos art.ºs 161.º, n.º 2, al. b), do CPA, 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29/08, 43.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, 3.º e 266.º da CRP, porque a CCDRC não tem atribuições, competências e legitimidade para prolatar o acto suspendendo, por tais competências pertencerem à IGAMAOT, conforme art.º 2.º, .nº 2, da Lei 50/2006, de 29/08;
- aferir do erro decisório e da existência de um erro nos pressupostos de facto, de um vício de falta de fundamentação, da violação dos princípios da legalidade, do acesso à tutela judicial efectiva, à justiça, da separação de poderes, do direito de fundamentação e dos art.ºs 2.º, 20.º da CRP, 46.º, 58.º e 59.º do Regime Geral de Contra-Ordenações (RGCO), por ter sido a própria CCDRC a auto vincular-se à lei quadro das contra-ordenações ambientais, ao proferir uma decisão de encerramento remetendo expressamente no art.º 25.º da referida Lei, quando essa norma não era um fundamento legítimo para a prolação da dita ordem de cessação da actividade, quando inexistia a prática de qualquer contra-ordenação e quando inexiste fundamentação factual bastante quer para a aplicação de uma contra-ordenação leve, quer para a ordem que determina a cessação da actividade de gestão de resíduos, assim como, porque o acto suspendendo faz invocações factuais e de Direito que o tornam obscuro e ininteligível;
- aferir do erro decisório e da violação do princípio da proporcionalidade e do art.º 149.º do CPA, por o tribunal recorrido ter concluído que num futuro próximo não haverá perspectiva de licenciamento das instalações da Recorrente, quando essa conclusão é contrariada pelo facto G), relativo à aprovação, em 29/06/2017, do projecto do novo licenciamento e quando a segunda parte da condicionante relativa à necessidade de cumprir as peças desenhadas propostas para a unidade é ilegal, pois conforme o art.º 31º, n.º 2, do Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR), a verificação da conformidade da instalação é aferida tendo por base as condicionantes técnicas do projecto e não com base nas peças desenhadas, cuja alteração pode não consubstanciar uma modificação das condições técnicas de funcionamento da actividade, nomeadamente, qualquer alteração às quantias de resíduos a gerir, às condições de armazenagem dos resíduos, ou ao impacto ou tratamento final de qualquer efluente;
- aferir do erro decisório e da existência de um erro nos pressupostos de Direito e de facto, da oposição de uma condição ilegal e da violação do art.º 149.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por a segunda parte da condicionante relativa à necessidade de cumprir as peças desenhadas propostas para a unidade ser ilegal, não estar suficientemente fundamentada e violar o art.º 31.º, n.º 2, do RGGR, sendo que a concessão do licenciamento para o exercício da actividade de gestão de resíduos está condicionada à verificação da conformidade da instalação com o projecto aprovado e não com as peças desenhadas;
- aferir do erro decisório e da existência de um erro nos pressupostos de facto, uma violação do princípio da proporcionalidade e dos art.ºs 18.º, n.º 2 da CRP e 7.º, 153.º, n.º 2, do CPA, porque as alegadas desconformidades do projecto foram sanadas e corrigidas pelo ora Recorrente através do mail que enviou à CCDRC, em 05/11/2019, mail que “terá de constar do processo administrativo”, de onde constam as fotografias com a correcção da alegada ruptura existente no murete e que serviu de fundamento para o indeferimento do pedido de licenciamento e o documento comprovativo da formação necessária para manuseamento da operação de remoção do fluído de ar condicionado de trabalhador da A.;
- aferir do erro decisório e da existência de um erro nos pressupostos de facto e de Direito, da violação do princípio da proporcionalidade e dos art.ºs 18.º, n.º 2 da CRP e 7.º do CPA, por os documentos acima indicados não terem sido considerados pela CCDRC e por não ser necessária a existência de equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos, porquanto a Recorrente não realiza tais operações e por a inexistência de tais equipamentos só poder justificar uma decisão de deferimento condicionada a tal aquisição e nunca um indeferimento do pedido de licenciamento;
- aferir do erro de julgamento, por o acto suspendendo violar o art.º 13.º, n.º 2, al. b), do Decreto-Lei 228/2012, de 25/10, porque omite os fundamentos de facto e não vem alicerçado em provas objectivas, que demostrem que está afectada a saúde pública e o ambiente, não sendo suficiente a alegação relativa à falta de licenciamento da Recorrente, tanto mais quando já há um projecto de gestão de resíduos aprovado desde 26/06/2017 e foram corrigidas muitas das alegadas desconformidades, entre a primeira vistoria e a segunda vistoria;
- aferir do erro decisório, da violação dos art.ºs 167.º, n.º 2 do CPA, 38.º, n.º 4, do RGGR, porque não ocorreu a revogação do alvará n.º ...../2012/CCDR, nem este caducou, tal como deriva do facto I), pelo que o acto que prorrogou novamente o alvará, referido em K), revoga um acto constitutivo de direitos, a saber, o que decorreu da atribuição daquele alvará;
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 161.º, n.º 2, al. l), do CPA, porque a decisão suspendenda revoga o acto constitutivo de direitos que decorre da atribuição do anterior alvará e suas prorrogações e não podia ter sido proferida sem prévio procedimento administrativo para a revogação do indicado alvará ou a determinar a sua caducidade.

Vem o Recorrente invocar a inexistência jurídica da sentença prolatada e a violação do direito a um processo justo e equitativo, dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da transparência, da lealdade, do juiz natural e dos art.ºs 113.º, nº. 2 e 3, do CPTA, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 9, da CRP, 6.º, n.º 1, 1.ª parte. da CEDH, 47.º da CDFUE e 162.º CPC, por o tribunal recorrido não ter poderes jurisdicionais para proferir a sentença cautelar, sendo incompetente para esse efeito, pois tal sentença foi proferida antes do presente processo ter sido apensado pela secretaria aos autos principais, que já estavam intentados e a partir daí a sentença competia ser proferida pelo mesmo juiz da causa principal.
A categoria da inexistência jurídica é controversa, não sendo algo aceite pacificamente pela doutrina, que critica a sua utilidade face ao desvalor da nulidade (cf. neste sentido, FREITAS, José Lebre de - A acção declarativa comum: à luz do Código de Processo Civil de 2013. 3.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 331).
Sem embargo, têm-se aceite que uma sentença possa ser inexistente em situações extremamente graves, quando a alegada sentença, apesar de corresponder a uma decisão com a indicada aparência, é um acto processual inidóneo para produzir quaisquer efeitos jurídicos com tal alcance.
Uma sentença inexiste quando não tem sequer existência material para esse efeito, quando lhe falta a própria natureza (exterior) de sentença, v.g., porque não corresponde a uma acção material, ritualizada numa forma processual, ou porque não corresponde a uma opção voluntária e consciente de quem tem as correspondentes funções jurisdicionais, ou é proferida por uma pessoa que não é titular de tais competências. Igualmente, uma sentença pode sofrer do desvalor de inexistência jurídica por causas intrínsecas, em situações em que o acto processual, emanado por quem tem as devidas competências jurisdicionais, é totalmente ininteligível ou incongruente, deficiência essa que seja impossível de resolver, porque o conteúdo do acto seja totalmente incompreensível ou de objecto impossível ou criminoso.
Nas palavras de Alberto dos Reis, uma “sentença inexistente é um mero acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de sentença, mas absolutamente insusceptível de vir a ter a eficácia jurídica de sentença.
(…) Se o acto contém o mínimo de elementos ou de requisitos indispensáveis para a existência jurídica da sentença, mas está inquinado de vícios de formação, estamos perante a figura da sentença nula; se falta esse mínimo estamos perante a figura da sentença inexistente, isto é, estamos perante um acto que tem existência material, mas não tem existência- jurídica.
Qual é esse mínimo?
A dificuldade está precisamente aqui. Os processualistas ainda não conseguiram resolver este problema.
Chiovenda oferece-nos este quadro a) É inexistente a sentença proferida por quem não é juiz; a sentença que não contém uma pronúncia, isto é, uma decisão; a sentença não escrita e não publicada .
b) É nula absolutamente a sentença proferida por juiz privado de jurisdição (sentença de tribunal especial em matéria da competência do tribunal comum); a sentença emitida contra pessoa subtraída à jurisdição do tribunal (um Estado estrangeiro ou um agente diplomático de país estrangeiro) a sentença pronunciada contra pessoa, imaginária; a sentença constitutiva que crie um estado de coisas impossível; a sentença de conteúdo incerto incompreensível ou contraditório; a sentença que condene numa prestação impossível (impossibilidade física, jurídica ou moral) (Veja-se Princípios cit ., págs. 402 e 403).
Segundo Carnelutti a linha de diferenciação entre inexistência e nulidade desenha-se assim: a nulidade é a inidoneidade actual mas não potencial, do acto para produzir efeitos jurídicos; a inexistência é a inidoneidade, tanto actual como potencial, para á produção de efeitos jurídicos” – in REIS, Alberto – Código de Processo Civil anotado, vol III, 4.ª ed. reimpressão, Coimbra: Coimbra editora, 1985, pp.114 e 117.
Já Castro Mendes exemplifica casos de inexistência da sentença, indicando a proferida por um órgão administrativo a que a lei não dê quaisquer funções jurisdicionais, a proferida verbalmente num café, ou a sentença que condene num crime (cf. MENDES, João de Castro - Direito Processual Civil. Lisboa: AAFDL, 1986, pp. 804-805).
A decisão inexistente é uma decisão aparente.
(…) A decisão inexistente não produz quaisquer efeitos jurídicos, não adquirindo sequer valor de caso julgado. O reconhecimento da inexistência da decisão pode ser realizado através de uma acção de simples apreciação” (in SOUSA, Miguel Teixeira de - Estudos sobre o Novo Processo Civil. 2.a ed. Lisboa: Lex, 1997, pp. 217-218).
Ora, no caso em apreço, a decisão recorrida foi proferida pelo juiz titular do correspondente processo cautelar, a quem o mesmo tinha sido validamente distribuído. A indicada sentença cumpre, também, os requisitos exigidos pelos art.ºs 94.º, n.º 2 a 4, 95.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA e 607.º a 609.º do CPC.
Apresentada a PI do processo cautelar, foi a mesma distribuída automática e informaticamente e foi o respectivo juiz titular do processo que proferiu a sentença, cumprindo, assim, o preceituado nos art.ºs 23.º, 24.º, 26.º e 27.º, n.º 1, al. h), do CPTA. Ou seja, o indicado juiz detinha competência para proferir a indicada sentença.
Portanto, a sentença recorrida não é um acto inexistente, mas, ao invés, é um acto capaz de produzir os respectivos efeitos jurídicos.
Da mesma forma, a decisão recorrida não padece de nenhuma nulidade ou irregularidade, pois foi proferida pelo juiz competente – cf. art.º 27.º, n.º 1, al. h), do CPTA.
Quanto à circunstância da PI do processo principal ter sido apresentada em 24/02/2020, antes da decisão recorrida – que data de 23/03/2020 – e antes de se proceder a uma apensação dos autos cautelares aos autos principais – entretanto intentados – não conduz ao desvalor que o Recorrente imputa à sentença recorrida.
Identicamente, aquela circunstância não implica a ocorrência de nenhuma irregularidade processual que possa ser imputável ao tribunal.
Conforme o art.º 113.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, o processo cautelar tem tramitação autónoma em relação ao processo principal, mas deve ser apensado a este logo que o processo principal seja intentado.
Porém, também determinam os art.ºs 24.º, n.º 3, 26.º e 81.º, n.º 1, do CPTA, que após a apresentação da PI do processo principal, via SITAF, este é distribuído informática e automaticamente e a intervenção da secretaria só se faz no momento da citação aos demandados. Quanto a esta citação é, igualmente, feita oficiosa e electronicamente, sem que ocorra um despacho prévio do juiz. Ou seja, até ao terminus da fase dos articulados não está prevista no CPTA, por regra, a intervenção do juiz. Este, só intervém após aquela fase para proceder, então, a uma primeira apreciação e saneamento do processo – cf. art.º 87.º do CPTA. Assim, será também apenas nesta fase – no termo dos articulados – quando o juiz intervém pela primeira vez na acção administrativa, que cumprirá ao mesmo apreciar das necessárias apensações - cf. art.º 28.º e 113.º, n.º 2 e 3, do CPTA.
Como decorre da factualidade apurada, a sentença recorrida foi prolatada antes da citação dos demandados no processo principal e, obviamente, antes do correspondente juiz ter intervindo nessa acção principal. Portanto, não existiu nenhuma irregularidade decorrente da indicada apensação não ter sido determinada pelo juiz dos autos principais.
Como já se indicou, o art.º 113.º, n.º 3, do CPTA, também consigna que o processo cautelar deve ser apensado ao processo principal logo que este seja intentado. Portanto, nos termos deste artigo113.º, n.º 3, essa mesma apensação deve ocorrer, igualmente, de seguida à apresentação da PI e à correspondente distribuição.
Na lógica da actual legislação processual, a apresentação das peças processuais em juízo, a distribuição e a tramitação subsequente, até à fase da citação, deve ocorrer automática e informaticamente, sem outra intervenção do tribunal – cf. art.ºs 23.º, 24.º, 26.º do CPTA e 132.º, 144.º, 204.º, 207.º, 209.º do CPC e 13.º da Portaria n.º 4/2020, de 13/01 (aplicável à data, entretanto alterada pela Portaria n.º 100/2020, de 22/04).
Para o efeito dessa tramitação automática, caso ocorra a necessidade de se proceder a uma apensação nos termos do art.º 113.º, n.º 3, do CPTA, deve o mandatário da parte indicar no formulário que acompanha a peça processual entregue em juízo, essa mesma circunstância. Deve o mandatário preencher o campo “Apenso” com a opção “Sim” e indicar, de seguida, o correspondente número do processo apenso ou a apensar – cf. art.º 5.º, n.º 1, al. a), 2, 6.º, n.º 2, 3, 5, da Portaria n.º 4/2020, de 13/01 (aplicável à data, entretanto alterada pela Portaria n.º 100/2020, de 22/04).
Introduzida aquela indicação, o SITAF faz a associação automática entre os processos e assinala-a.
Conforme art.º 6.º, n.º 2, da Portaria n.º 4/2020, de 13/01, “em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.
No caso sub judice, o Mandatário do A. e Recorrente, quando apresentou a PI que deu origem ao P. n.º 439/20/5BELSB, assinalou que não ocorria qualquer apensação, daquele processo a um outro ou de um outro a este.
Consequentemente, o SITAF não sinalizou que já estava intentada a PI do processo principal e a tramitação, quer daquele processo principal quer deste processo cautelar, prosseguiu informática e automaticamente, alheando-se a tal circunstância.
Logo, porque aquela sinalização não foi feita pelo Mandatário do A., ora Recorrente, o SITAF não indicou ao tribunal a existência de uma acção cautelar. Consequentemente, o juiz cautelar e a respectiva unidade orgânica também não tiveram conhecimento, à data da entrada da PI da acção principal, dessa mesma ocorrência.
Como se indicou, em 24/02/2020 o ora Recorrente apresentou via SITAF a PI do processo principal. Tal processo foi automaticamente distribuído, ficando com o n.º 439/20/5BELSB e a secretaria – a unidade orgânica - em 15/04/2020 procedeu à elaboração da correspondente capa do processo e à citação do R.
Por conseguinte, só a partir de 15/04/2020 – e já depois de prolatada a decisão no processo cautelar – foi possível à correspondente unidade orgânica apreciar da circunstância que vinha indicada na PI do processo principal, relativa à prévia interposição da acção cautelar.
Em suma, em 23/03/2020, a data da prolação da decisão recorrida, a secretaria do tribunal e o juiz do processo cautelar não poderiam ter conhecimento da apresentação da PI do processo principal, pois essa apresentação ainda não havia sido sinalizada nos autos principais e, consequentemente, nestes autos cautelares.
Ou seja, quando o art.º 113.º, n.º 3, do CPTA, refere que esta apensação se faz logo que a acção principal seja intentada, só pode referir-se a uma obrigação de apensação a partir do momento em que seja possível ao tribunal verificar da apresentação da PI da acção principal, cruzando-a com a existência de uma acção cautelar, já intentada e a decorrer.
A indicação relativa à existência de uma situação que exige um “apenso”, deve ser feita pelo mandatário da parte, em campo próprio do formulário, que deve preencher quando envia as peças processuais para tribunal. Por seu turno, a informação introduzida nos formulários prevalece e vale para fazer tramitar a acção automaticamente e pela via informática, até ao momento em que haja uma intervenção do tribunal, que possa corrigir um eventual erro cometido pelo mandatário ao proceder a tal preenchimento.
É o caso dos autos. O Mandatário do A., ora Recorrente, não preencheu a indicação da existência do processo cautelar, que devia ser apenso aos autos principais – automaticamente - após a apresentação da PI e sua distribuição.
Portanto, as acções prosseguiram – a cautelar e a principal – sem que aquela apensação tenha ocorrido.
Sem embargo, a não apensação da acção cautelar à principal, após a apresentação da PI desta última e até à prolação da decisão nos autos cautelares, também não implica uma irregularidade que conduza a uma nulidade processual, que contamine a sentença recorrida. Na verdade, a lei não declara tal circunstância como equivalendo a uma nulidade e a irregularidade cometida – pelo mandatário da parte – não influiu no exame e na decisão da causa cautelar, que tem tramitação autónoma face à causa principal, conforme o art.º 1113.º, n.º 2, do CPTA – cf. também art.º 195.º do CPC.
No restante, conforme o art.º 197.º, n.º 2, do CPTA, porque o Mandatário do A., ora Recorrente foi quem deu causa à invocada irregularidade, sempre estaria vedada a arguição de uma nulidade daí decorrente.
Não está, pois, violado o direito a um processo justo e equitativo, os princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da transparência, da lealdade, do juiz natural e os art.ºs 113.º, nº. 2 e 3, do CPTA, 20.º, n.º 4, 32.º, nº 9, da CRP, 6.º, n.º 1, 1.ª parte, da CEDH, 47.º da CDFUE e 162.º CPC.

Pelas mesmas razões, não ocorre a violação do direito a um processo justo e equitativo, dos princípios da segurança jurídica, da confiança, do juiz natural e dos art.ºs. 2.º, 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º, n.º 9, da CRP, ou a inconstitucionalidade dos art.ºs 113.º, n.º 2 e 3, do CPTA, 162.º e 157.º, n.º 6, do CPC.
Como se disse, o legislador quis implementar uma regulamentação processual administrativa assente num processo informatizado e automatizado e, nessa mesma medida, impôs aos mandatários das partes que introduzissem no sistema informático as informações necessárias – e correctas – que dão mote à tramitação inicial informatizada. Mais entendeu o legislador, que eventuais erros na introdução dos dados, por aqueles cometidos, não prejudicava a tramitação automática, prevalecendo a informação introduzida nos formulários face à constante das peças processuais e documentos também juntos. Esta prevalência vale até ao momento em que ocorra uma intervenção do tribunal – da secretaria ou do juiz do processo – a suscitar a necessidade de correcção dos dados introduzidos ou a proceder à correcção efectiva da situação.
O Mandatário do A. e Recorrente introduziu uma informação incorrecta relativa à inexistência de apensos. Por isso, o processo tramitou sem ser sinalizada pelo SITAF a existência de um processo cautelar a tramitar. Porém, o processo cautelar haveria sempre de tramitar autonomamente face à acção principal.
Atendendo a que o processo cautelar foi também aquele que primeiro deu entrada em juízo, a ocorrer qualquer erro na distribuição – por o processo principal posteriormente intentado dever ser atribuído “por certeza” e não distribuído - reflectir-se-á nesse processo principal, e não no cautelar.
Em suma, também estas alegações claudicam.

Por imposição do art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), as decisões judiciais têm de ser fundamentadas.
Visa-se com a fundamentação da decisão judicial exteriorizar o raciocínio decisório e as correspondentes razões - factuais e legais - que estão na base daquele raciocínio, para que as partes possam compreender a motivação da decisão proferida e sindicar a sua correcção, caso assim entendam. Visa a fundamentação, ainda, permitir o controlo decisório, em caso de recurso.
Determina o art.º 615.º, n.º 1, do CPC que “É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Nos termos dos art.ºs 94.º, n.ºs 2, 3, 95.º, n.º 1, do CPTA, 153.º, 154.º, 607.º, n.ºs 2 a 4 e 608º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, na sentença o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou os fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. O juiz terá, igualmente, que discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final.
Não obstante, não tem o juiz que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar.
Por seu turno, só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória. Nestes termos, determina o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão. Igualmente, o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, comina com a nulidade a sentença que omita pronúncias que sejam devidas, ou para os casos em que o juiz conheça para além das questões de que podia tomar conhecimento.
Ou seja, só ocorre nulidade da decisão por falta de fundamentação se existir uma violação grave desse dever, quer porque na sentença se omita, de todo, o quadro factual em que era suposto assentar, ou este seja ininteligível, quer porque a sentença padeça, em absoluto, de falta de fundamentação de Direito, por não revelar qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, decifráveis os fundamentos da decisão.
Ora, no caso em apreço o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Na sentença, explicou o Tribunal o seu raciocínio, alicerçando-o num elenco que factos, que foram indicados na sentença, a que se seguiu uma apreciação de Direito, para, por fim, se decidir sobre o mérito da providência. Logo, com esta fundamentação não ocorre nenhuma nulidade por omissão de pronúncia. O Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade decisória.

Nos termos dos art.ºs 636.º, n.º 2 e 640.º do CPC, aplicáveis ex vi do art.º 1.º do Código de CPTA, podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.
O art.º 640.º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Vem o Recorrente invocar um erro no julgamento da matéria de facto, por o Tribunal recorrido não ter considerado a prova junta pelo ora Recorrente ao seu requerimento inicial, designadamente a análise às águas residuais e à qualidade do ar e não ter produzido a necessária prova testemunhal, para contrariar a alegação da CCDRC relativa ao risco de afectação da saúde pública e ambiente, assim como, por o Tribunal recorrido ter dado por provado o facto N), que estava contestado por tais documentos e que teria de ser dado por não provado.
Como decorre do requerimento de recurso, o Recorrente interpõe o recurso contra a “sentença” que foi proferida nos presentes autos.
Ou seja, o presente recurso vem interposto apenas contra a sentença proferida e não relativamente ao despacho antecedente à mesma. Porém, nas alegações de recurso o Recorrente refere querer reagir contra a sentença proferida, na parte em que não admitiu os meios de prova requeridos, designadamente a testemunhal.
Ora, compulsados os autos, verifica-se, que a não admissão dos meios de prova requeridos pelo ora Recorrente ocorreu por via do despacho antecedente à sentença recorrida, que não vem indicado como recorrido.
Portanto, a decisão de não admissão dos meios de prova foi tomada através através de um despacho prévio à sentença, que não é alvo do requerimento de recurso.
Assim, porque a referida sentença – ora recorrida- não indeferiu a admissão de quaisquer meios de prova, irrelevam as alegações do Recorrente quando, erradamente vem dizer que tal indeferimento ocorreu através da sentença recorrida.
Sem embargo, através daquele despacho prévio não se indeferiu meios de prova, mas apenas se considerou que os autos já reuniam toda a prova necessária para o seu conhecimento, isto é, que não existiam factos controvertidos, a necessitar de prova.
Assim, o indicado despacho também não se reporta a um indeferimento da prova testemunhal, requerida pelo A. para ser prestada, para comprovar concretos factos, que se mantivessem controvertidos. Naquele despacho apenas se julga inexistirem factos controvertidos, a necessitarem de prova.
Logo, também por esta razão irreleva a indicada alegação do Recorrente.
No quer se refere ao erro de julgamento da matéria de facto, por o Tribunal recorrido não ter atendido à prova junta pelo ora Recorrente ao seu requerimento inicial, relativa à análise às águas residuais e à qualidade do ar, trata-se de uma alegação que também não cumpre o determinado no art.º 640.º do CPC, pois o Recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que concerne ao facto N), dele decorre assente o teor do documento aí mencionado, o ofício DLPA de 25/11/2029, que comunica ao A. a decisão final, que é confirmado pelo doc. n.º 8 junto à PI.
O teor desse documento é também aceite pelo A.
Por último, o indicado documento não comprova ou visa comprovar as alegações da CCDRC relativa à existência de um dado risco de afectação da saúde pública e ambiente, pelo que também não ficava contraditado por outros documentos juntos pelo A. relativos à análise às águas residuais e à qualidade do ar.

Quanto ao invocado erro no julgamento da matéria de facto, por o Tribunal recorrido não ter dado por provado que o A. e Recorrente corrigiu um conjunto alargado de alegadas desconformidades entre a primeira vistoria (28/03/2019) e a segunda vistoria (28/10/2019), mais uma vez o Recorrente não cumpre os seus ónus processuais, por não ter especificado os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Mais se note, que nem na PI nem no recurso o Recorrente indica quais as concretas desconformidades que corrigiu entre a primeira e a segunda vistoria. A remissão para um conjunto alargado de alegadas desconformidades, não se reconduz a um facto suficientemente especificado, mas a um juízo conclusivo. Cumpria ao Recorrente indicar que concretas desconformidades que foram corrigidas e quando, para, depois, se poder dar por provado que essas mesmas – e concretas - irregularidades foram corrigidas em dada data, que mediava entre a primeira e a segunda vistorias.
Quanto ao doc. 9 junto com a PI, não é relativo à Informação DLPA 628/19.
Já a remissão para o processo administrativo em bloco, ou para o “Doc. 9 – vd. pág. 7 e 8 da DLPA …../19” e para o email de 05/11/2019 e fotografias juntas, sem mais indicações, designadamente relativas à página do PA em que figuram os documentos que se indicam, não serve para se considerar cumprido o ónus de indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Com esta alegação, o Recorrente pretende, basicamente, que o Tribunal de recurso compulse todo o PA à procura de uma informação que tem a ref. DLPA …../19, aposta num qualquer documento ali inserto e que procure naquele PA um mail alegadamente datado de 05/11/2019, que junta umas fotografias. Esta forma de alegação – totalmente remissiva para documentos imprecisamente indicados constantes de um PA - não cumpre, manifestamente, o exigido nos art.ºs 640.º e 662.º do CPC.
Portanto, esta alegação é de rejeitar por não cumpridora dos ónus processuais que incumbiam ao ora Recorrente.
Sem embargo, também se verifica, que do facto N), consta parte do teor da Informação DLPA 628/19, que vem inclusa a fls. 370 a 387 do PA. Logo, a referida informação, na parte que importa, já consta dos factos provados.
Acresce, que para a decisão da presente causa é de todo irrelevante que o A. e Recorrente tenho corrigido parte das desconformidades detectadas, pois, como a seguir indicaremos, aqui apenas se discute a medida cautelar, provisória, de cessação da actividade e não a decisão da CCDR que tenha indeferido o seu pedido de licenciamento formulado pelo ora Recorrente.

Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 02/10, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devam verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Quando dos factos concretos alegados pelo Requerente se antevir que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, ter-se-á por preenchido o requisito periculum in mora.
Ainda aqui, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Quanto ao fumus boni iuris que ora se exige encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do indicado preceito.

Na decisão recorrida julgou verificado o requisito periculum in mora, mas não verificado o requisito fumus boni iuris, pelo que se fez claudicar a providência.
O Recorrente opõe-se a este julgamento, considerando existir, no caso, o requisito fumus boni iuris.
Assim, o Recorrente invoca um erro decisório e a violação do princípio da legalidade e dos art.ºs 161.º, n.º 2, al. b), do CPA, 2.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2006, de 29/08, 43.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, 3.º e 266.º da CRP, porque a CCDRC não tem atribuições, competências e legitimidade para prolatar o acto suspendendo, por tais competências pertencerem à IGAMAOT, conforme art.º 2.º, n.º 2, da Lei 50/2006, de 29/08.
Na decisão recorrida entendeu-se a este propósito o seguinte: ”Sustenta a Requerente que a ordem suspendenda se insere no âmbito das contra-ordenações ambientais, não sendo competente a CCDRC para proferir essa ordem, alegando, também, um conjunto de vícios próprios do processo e da decisão de contra-ordenação.
Porém, a ordem suspendenda não foi proferida - nem o tinha de ser - no âmbito de um processo de contra-ordenação.
Uma ordem é um acto administrativo impositivo, de comando positivo, que obriga à adopção de uma conduta, não tendo caris sancionatório. Já uma contra-ordenação é um «facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima» (art.º 1.º do DL n.º 433/82, de 27/10 ou RGCO), sendo a coima uma sanção pecuniária, impondo um sacrifício como meio para alcançar fins preventivos.
O facto de a ordem referir os art.ºs 22.º e 25.º da LQCP (vd. o facto W) não significa, afinal, que não é uma ordem e sim uma decisão de aplicação de coima, porque facilmente se alcança do conjunto do respectivo texto/fundamentação: que não é fixada coima alguma; a ordem baseia-se em normas do DL 178/2006; e a alusão às normas da LQCA serve apenas para alertar para uma das consequências do incumprimento da ordem, uma contra-ordenação e a respectiva coima (o art.º 25.º/2 dispõe que o «incumprimento de ordens ou mandados legítimos, […] após a respectiva notificação, constitui contraordenação grave»).
No que concerne à alegada incompetência da CCDRC, por não estar em causa uma coima, não se aplica a LQCA (Lei 50/2006, de 29/8).
Refira-se que a CCDRC é a Autoridade Regional dos Resíduos (ARR) a que aludem os art.ºs 12.º e 24.º, al. b), do RGGR, com competência para o licenciamento em causa, mal se compreendendo que não fosse competente para actuar nas situações de falta desse licenciamento. Ora, o diploma legal aplicável, que aprova a orgânica das CCDR (DL 228/2012, de 25/10), estabelece, no seu art.º 13.º/2, al. b), que as CCDR, no âmbito das suas «funções de fiscalização e vigilância nas áreas do ambiente e do ordenamento do território», são competentes para «determinar, a título preventivo, e com efeitos imediatos, mediante ordem escrita e fundamentada, a suspensão ou cessação de actividades lesivas ou potencialmente danosas para o ambiente, o encerramento de instalações quando da não aplicação dessas medidas possa resultar risco iminente para a protecção da saúde pública e para segurança de pessoas e bens».
Em conformidade, na apreciação perfunctória inerente à tutela cautelar, conclui-se que a CCDRC é competente para proferir a ordem suspendenda.
Por outro lado, são irrelevantes ao caso as apontadas violações de normas da LQCA (art.º 49.º) e do RGCO (art.ºs 46.º e 58.º) e as eventuais nulidades que daí resultem, pois respeitam a um processo de contra-ordenação que não existe no caso. E se, por hipótese, a Requerente se quis referir ao processo de contra-ordenação aludido nos factos P) e R), teria de alegar tais vícios em recurso de impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima, e não neste processo.”
Esta decisão é totalmente acertada, havendo de manter-se.
O acto suspendendo foi prolatado ao abrigo das competências da CCDRC, que vêm conferidas pelo art.º 13.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25/10, conjugado com os art.ºs 9.º, n.ºs 2, 3, 12.º, 13.º, 23.º, 24.º e 66.º Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09 (RGGR), que concedem àquela entidade poderes relativos ao licenciamento e fiscalização nesta sede.
Quanto a atribuições, à CCDRC comete a protecção nos domínios do ambiente, da conservação da natureza e da biodiversidade, do ordenamento do território, da urbanização e da edificação e a correspondente fiscalização das actividades que colidam ou que possam pôr em causa com estes bens – cf. os supra indicados preceitos.
Conforme determina o art.º 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25/10, a CCDRC tinha também legitimidade para emanar o acto suspendendo, indicado em W).
Ou seja, a indicada alegação do Recorrente é manifestamente desprovida de razão jurídica, pelo que quanto à mesma existe fumus malus iuris e não fumus boni iuris.

O mesmo ocorre quanto à alegada auto-vinculação da CCDRC à lei-quadro das contra-ordenações ambientais, à inexistência da prática de qualquer contra-ordenação, à inexistência de fundamentos ou factos para a aplicação de uma contra-ordenação e à falta, errada ou contraditória fundamentação do acto suspendendo.
Face ao teor do acto suspendendo - e tal como resulta das als. O a W) dos factos provados - foi determinado ao A. e Recorrente, na sequência de uma fiscalização, que cessasse, a título preventivo, a actividade que estava a desenvolver sem o devido licenciamento. Mais se determinou, que o ora Recorrente removesse todos os resíduos depositados no interior e no exterior dos pavilhões que faziam parte das suas instalações e que se encontravam “a céu aberto, sobre solo impermeabilizado e não impermeabilizado”, devendo comprovar a correspondente remoção para um local licenciado. No acto suspendendo indicou-se, também, que se o Recorrente não viesse a cumprir a ordem preventiva poderia ficar sujeito ao pagamento de uma coima, ao abrigo da Lei n.º 50/2006, de 29/08 (RGCO).
Portanto, o acto suspendendo configura um acto administrativo, uma medida cautelar, provisória e não a aplicação de pena acessória no âmbito de um processo contra-ordenacional – cf. art.º 13.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25/10.
O Recorrente confunde a aplicação de uma medida provisória administrativa com uma (inexistente) pena acessória.
Ora, no caso, não se aplicou coima alguma, pelo que também não se aplicou uma pena acessória no âmbito do regime contra-ordenacional.
Por esta simples razão, claudicam manifestamente as invocadas alegações de recurso.

Vem o Recorrente invocar a existência de um erro decisório e a violação do princípio da proporcionalidade e do art.º 149.º do CPA, por o Tribunal recorrido ter concluído que num futuro próximo não haverá perspectiva de licenciamento das instalações da Recorrente, quando essa conclusão é contrariada pelo facto G), relativo à aprovação em 29/06/2017, do projecto do novo licenciamento e quando a segunda parte da condicionante relativa à necessidade de cumprir as peças desenhadas propostas para a unidade é ilegal, pois conforme o art.º 31º, n.º 2, do RGGR, a verificação da conformidade da instalação é aferida tendo por base as condicionantes técnicas do projecto e não com base nas peças desenhadas, cuja alteração pode não consubstanciar uma modificação das condições técnicas de funcionamento da actividade, nomeadamente, qualquer alteração às quantias de resíduos a gerir, às condições de armazenagem dos resíduos, ou ao impacto ou tratamento final de qualquer efluente.
Esta alegação confunde duas circunstâncias, que estarão em discussão nos autos principais. Uma primeira, relativa à legalidade da medida cautelar, provisória, que se pede aqui a suspensão. E uma segunda, relativa à alegada não caducidade do licenciamento que foi concedido ao ora Recorrente e ao direito a ver renovada a antiga licença ou atribuída uma licença nova.
No que concerne à legalidade da medida cautelar, que ora se pede para suspender, essa mesma legalidade não se imbrica com as supra-indicadas alegações, que se correlacionam unicamente com o acto (de não) licenciamento. Ou seja, não é pelo facto das instalações do Recorrente puderem ser legalizáveis, que aquela medida provisória deixaria de fazer sentido ou poder ser tomada. A medida cautelar de cessação da actividade e de remoção dos resíduos visou a salvaguarda imediata dos bens ambientais, que estavam em perigo iminente, face à forma como o Recorrente os tinha depositados.
Já a invocada não caducidade do licenciamento que foi concedido ao ora Recorrente colide com a matéria factual indiciariamente provada em A) a N), da qual decorre que o indicado licenciamento, enquanto acto sujeito a termo, caducou ao atingir o prazo máximo pelo qual foi sendo prorrogado. Da indicada factualidade decorre, ainda, que o pedido para um novo licenciamento veio a ser indeferido. Nessa mesma medida, não é nada provável que a acção principal venha a ser julgada procedente quando alicerçada na invocação da não caducidade do respectivo licenciamento.
Quanto ao facto dado por indiciariamente provado em G), dele não decorre que tenha sido deferido o pedido de novo licenciamento, sendo certo que dos factos indiciariamente provados em M) a W) retira-se que a A. e Recorrente não está em condições de ver o Recorrido condenado a conceder-lhe o licenciamento em falta, por essa condenação não estar apenas dependente da indicada aprovação do projecto e da necessidade de cumprir as peças desenhadas. Ou seja, tal como decorre da matéria factual indiciariamente fixada, o Recorrente está a exercer uma actividade que está sujeita a licenciamento. Quanto à licença que detinha caducou. Assim, o Recorrente não tem a sua actividade devidamente licenciada. Exerce, pois, ilegalmente essa actividade, porque desprovido de licença.
Quanto ao pedido que o Recorrente formulou para lhe ser atribuída uma nova licença, foi indeferido por várias razões. Por isso, ainda que a decisão da Administração pudesse padecer de um vício decorrente de se ter estabelecido uma condicionante ilegal, por violar o art.º 31º, n.º 2, do RGGR, essa mesma circunstância, no caso concreto, não era razão suficiente para que o ora Recorrente pudesse ver a Entidade administrativa judicialmente condenada a emitir a licença devida. Para o efeito, teria o A. que alegar e provar na acção principal que cumpria todos os restantes requisitos e imposições legais e que o único acto possível de ser tomado pela CCDRC era o correspondente á emissão da licença devida.
Em suma, a invocação de que o acto de indeferimento do pedido de licenciamento padece de ilegalidades, desacompanhada da alegação e prova do direito do Recorrente à emissão da licença, porque devida, por estarem preenchidos todos os requisitos legais para o efeito, não serve para sustentar um pedido cautelar (antecipatório) de não cessação da actividade.
Mais se assinale, que quer na PI quer no recurso, o A. e Recorrente afirma que entre a primeira e a segunda vistoria apenas corrigiu uma parte das desconformidades detectadas, o que significa que confessa que se mantém por corrigir (outras) irregularidades que foram assinaladas pela CCDRC. Logo, esta confissão aponta também para uma provável improcedência de uma pretensão condenatória, porquanto dela se retira que o A. e Recorrente não reunirá todas as condições para ver a CCDRC condenada a emitir a licença devida.
Na verdade, será condição necessária à procedência de um pedido de condenação na emissão da licença devida, a alegação e prova por banda do A. de que as suas instalações cumprem todas as exigências legais, estando já corrigidas as irregularidades antes detectadas.
Como decorre da matéria factual indiciariamente provada, inexiste no estabelecimento do A. e Recorrente equipamento de neutralização de componentes pirotécnicos e verifica-se a possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e do solo. Igualmente, entre as falhas detectadas pela CCDRC está a falta de impermeabilização do solo e a existência de uma quantidade de resíduos acima da devida. Quanto aos aspectos relativos à possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e do solo, à falta de impermeabilização, ou à deposição de resíduos em excesso, nesta acção o A. e ora Recorrente não faz prova – ainda que indiciária – que essa contaminação não existe, que já procedeu à impermeabilização devida, ou que já removeu os indicados resíduos, tomando as medidas necessárias e exigíveis para que aquelas desconformidades já estejam corrigidas.
Portanto, atendendo à factualidade indiciariamente provada, é provável que sendo formulado na acção principal um pedido de condenação na licença devida, esse mesmo pedido também claudique.

No que concerne à alegação do Recorrente referente à ilegalidade da decisão suspendenda, porque a condicionante relativa à necessidade de cumprir as peças desenhadas propostas para a unidade é ilegal, por contrariar art.º 31º, n.º 2, do RGGR, trata-se de uma alegação nova, nunca feita nos autos até à fase do recurso. Logo, esta alegação não poderá ser conhecida através deste recurso.
Cumpre ao A. o ónus de alegar na PI os factos e as razões de Direito que suportam a pretensão que deduz em juízo – cf. art.ºs 78.º, n.º 2, als. e), f) e g) e 114.º, n.º 3, al. g), do CPTA.
Por seu turno, a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras – cf. art.º 95.º, n.º 1 e 120.º, do CPTA.
Quanto ao recurso jurisdicional visa a reponderação de questões já submetidas à apreciação do tribunal ad quo, com a consequente alteração, ou revogação, da decisão recorrida e não a apreciação e decisão sobre matérias e questões novas, nunca submetidas à apreciação do tribunal de que se recorre (cf. art.ºs 149.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, 627.º, n.º 1 e 665.º do CPC).
Assim, não pode o A. e Recorrente pretender alterar a causa de pedir da acção cautelar em fase de recurso, com a invocação de novas ilegalidades ou suscitando novas questões, de conhecimento não superveniente, pois os recursos constituem um meio de impugnação da decisão judicial de que se recorre e não um meio para a apreciação, em primeira linha, de novas questões (que não sejam de conhecimento oficioso).

Identicamente, tal como decorre da PI desta acção cautelar, através da mesma o A., ora Recorrente, não visa reagir contra qualquer acto da CCDRC que tenha indeferido o seu pedido de licenciamento. Na PI o A. não aduz a existência de tal acto e conforme os factos D), L) e S), o A. não impugnou as decisões anteriores, relativas à não prorrogação do anterior licenciamento ou à aplicação de uma coima por estar em actividade sem possuir licença válida.
Assim, nestes autos não estão em causa as decisões de indeferimento dos pedidos de prorrogação da licença, nem o indeferimento do novo pedido de licença, nem a decisão de aplicação de uma coima por falta de licença. Nestes autos cumpre, tão somente, apreciar da ilegalidade do acto suspendendo, relativo a uma ordem cautelar, provisória, de cessação da laboração.
Daí, que as alegações do Recorrente que visam discutir a conformidade da instalação atendendo apenas às condicionantes técnicas do projecto apartando-se do teor das peças desenhadas, em nada importem para o dirimir do presente litígio, por só poderem relevar relativamente aos anteriores actos de indeferimento do pedido de prorrogação da licença, ou ao acto de indeferimento do pedido de licenciamento, que ora não interessam apreciar, pois não corresponderem ao acto suspendendo.

Também no que concerne às invocações relativas à existência de um erro nos pressupostos de Direito e de facto e à oposição de uma condição ilegal, por a segunda parte da condicionante relativa à necessidade de cumprir as peças desenhadas propostas para a unidade ser ilegal e violar o art.º 31º, n.º 2, do RGGR, tratam-se identicamente de alegações totalmente novas, só feitas em sede de recurso, pelo que não nos cumpre agora apreciá-las, pelas razões acima referidas.

O mesmo se diga das invocações relacionadas com a sanação e correcção das desconformidades do projecto, com a correcção da ruptura existente no murete, com a junção ao processo de licenciamento do documento comprovativo da formação necessária para manuseamento da operação de remoção do fluído de ar condicionado de trabalhador da A., ou com a não consideração pela CCDRC dos documentos juntos pelo ora Recorrente ao processo de licenciamento, da desnecessidade da existência de equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos e com a eventual exigência de uma decisão de deferimento do pedido de licença condicionada, ao invés do indeferimento total de tal licenciamento. Estas invocações traduzem-se em invocações novas, só feitas em sede de recurso. Portanto, não podem ser agora apreciadas.
Da mesma forma, são invocações que se prendem com o acto de indeferimento do pedido de licenciamento, que não é alvo desta providência cautelar.

Como já se indicou, a licença que foi concedida ao ora Recorrente caducou em 01/03/2018, depois de sucessivas prorrogações. Esta caducidade operou pelo mero decurso do tempo, não se exigindo para o efeito qualquer outro acto administrativo declarativo. Com a caducidade da licença e das suas prorrogações, extinguiu-se o direito que dela podia derivar para o A. e Recorrente.
Dos factos indiciariamente provados decorre, também, que o A. e Recorrente não formulou o pedido de renovação da licença no prazo legal. Daí que o seu pedido tivesse de sido tratado enquanto um novo pedido.
Quanto à licença antiga, já caducada, ou às suas prorrogações, já terminadas, não concedem ao A. e Recorrente nenhum direito – ou sequer uma expectativa legítima e juridicamente tutelada – a ver emitida uma nova licença. Para o efeito o A. e Recorrente terá que fazer prova procedimental de que cumpre as condicionantes legalmente exigidas para a emissão da nova licença.
Na verdade, a licença para a actividade de gestão de resíduos é um acto permissivo de uma actividade relativamente proibida, que se caracteriza por ser um acto administrativo por natureza precário.
Logo, a “precariedade do acto significa que as situações por ele criadas podem ser modificadas pela Administração, que estas não se cristalizam; (…) A precariedade de uma dada situação jurídica traduz-se, sim, numa instabilidade, porque sobre ela pende, seja a ameaça de revogação, seja a ameaça de outro tipo de acto susceptível de afectar a posição jurídica até ao momento atribuída. (…) O acto precário corresponde, assim, a um acto administrativo, que integra no seu conteúdo eventual uma cláusula acessória: a condição resolutiva” (in CALVÃO, Filipa Urbano - Os actos precários e os actos provisórios no Direito Administrativo. 1.ª ed. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 105; cf. também, relativamente à precariedade da licença ambiental CARVALHO, Raquel - Licença Ambiental como Procedimento Autorizativo. Em Estudos de Direito do Ambiente. Coord. Mário de Melo Rocha. Porto: Publicações da Universidade Católica, 2003. Pp. 259-260).
No caso em apreço, a precaridade da licença resulta, em 1.º lugar, do respectivo regime legal.
Nos termos dos art.ºs. 33.º, n.º 1, al. g) e 2), 34.º e 35.º, n.º 1, do RGGR, a indicada licença tem sempre aposto um termo final e não pode ser atribuída por um período superior a 5 anos, eventualmente prorrogável. Quanto à sua renovação, fica sujeita a requerimento, a formular com a antecedência de 120 dias. A indicada renovação depende, também, de uma posterior vistoria e de uma decisão de conformidade. Para além disso, quer as condições do licenciamento inicial, quer as condições da sua eventual renovação, podem ser modificadas ou adaptadas.
Ou seja, a precariedade do acto de licença decorre da sua temporalidade, que faz com que o correspondente direito caduque decorrido o tempo pelo qual a licença foi concedida. Depois, a precariedade daquele acto deriva também da possibilidade do licenciamento ser modificado ou adaptado, ainda que na pendência de um licenciamento válido.
Por último, a precariedade da autorização que decorre da licença de gestão de resíduos manifesta-se, igualmente, na circunstância de um anterior acto de licença não garantir o direito à correspondente renovação do licenciamento, porquanto essa renovação exige a prova por banda do requerente que se mantém a cumprir as exigências legais e que lhe forem determinadas. Isto é, a titularidade de uma anterior licença válida não garante ao seu destinatário direitos ou vantagens certas, caso venha a requerer a renovação da licença, pois o acto subsequente, de renovação da licença, pode ter um conteúdo diferente do anterior acto – renovado – considerando a evolução do interesse público ou dos interesses que se pretendam salvaguardar com a sujeição ao licenciamento, vg. ambientais e de saúde pública
Sem embargo do regime legal apontar para a precaridade (relativa) do direito que é concedido pela licença de gestão de resíduos, por o configurar como um direito enfraquecido face às restantes condições - procedimentais e legais – do respectivo licenciamento, essa mesma precaridade é também imposta pelo facto de se estar frente a um acto permissivo de uma actividade relativamente proibida e pela necessidade de se salvaguardar eficazmente os correspondentes bens jurídicos ambientais ou de saúde pública.
Como indica Carla Amado Gomes, o acto autorizativo ambiental é sempre emitido num cenário de incerteza quer quanto ao risco ambiental quer quanto aos meios técnicos e científicos mais adequados para a minimizar aquele risco e, por isso, é necessária e intrinsecamente um acto precário, passível de ser revisto em função dessas circunstâncias (cf. GOMES, Carla Amado - Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Ambiente. Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas (Direito Administrativo) [Em linha]. Lisboa: Ed. Carla Amado Gomes, 2007 Disponível em WWW:URL:https://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/Risco&modificação.pdf, especialmente pp. 339-340 e 388-397).
Nas palavras da Autora, “O dever de vigilância é, de facto, a “espinha dorsal” do Direito ao Ambiente, em virtude do forte entrelaçamento entre a capacidade técnico-científica de minimização das emissões poluentes e os objectivos de tutela ambiental. A antecipação do risco é, afinal, uma continuada operação de prevenção do perigo, pois à medida que o conhecimento avança, a possibilidade de constatar causalidades fortalece-se, criando-se, não obstante, novas fontes de risco. A precariedade das decisões autorizativas é especialmente nítida neste contexto, permitindo à Administração, movimentando-se dentro dos parâmetros da norma habilitante, impor condicionamentos continuadamente ajustados às necessidades de tutela provocadas pelo desenvolvimento da actividade. A vigilância torna-se, assim, imprescindível, quer no plano jurídico — para a aferição do fiel cumprimento dos deveres de protecção do ambiente —, quer no plano prático — para garantir o permanente diálogo entre os resultados da investigação científica e a tutela ambiental.
(…) sinal mais marcante da face agravada da prevenção no confronto com a incerteza gerada pela contínua evolução técnica é o imperativo de actualização das condições de concessão da autorização de exploração das instalações potencialmente poluentes. Tal necessidade conduz, por um lado, à precarização das situações jurídicas administrativas, imposta, quer pelo legislador, quer decidida pela Administração (desde que, pelo menos pelo mínimo, devidamente habilitada). A antecipação de riscos pode levar, com efeito, quer ao estabelecimento (legal) de prazos de validade da autorização, findos os quais deverão ser reponderadas as condições da sua concessão em atenção aos dados científicos supervenientes disponíveis, quer à emissão de actos precários, sempre que a fase de determinação do risco desvelar lacunas de conhecimento que não permitem a autorização incondicionada mas que, em contrapartida e em atenção a uma máxima de proporcionalidade, revela uma margem de risco não suficientemente grave para impedir toda e qualquer forma de intervenção ambiental.
(…)Os actos autorizativos ambientais são actos precários por essência, em razão da incerteza estrutural que lhes subjaz. O carácter precário da autorização, quando não resulte directamente da lei, pode ser expressão da ponderação administrativa através da fixação de termos, estabelecimento de condições (resolutivas) e aposição de modos, sempre, naturalmente, com respeito pelo princípio da proporcionalidade.” (in, da Autora, Risco e Modificação…, op. cit., pp. 339-340 e 388-397).
Portanto, a licença que foi concedida ao ora Recorrente, conforme decorre do regime dos artigos 31.º, 33.º e 35.º do RGGR, concedia-lhe uma vantagem efectiva, permitindo-lhe, de imediato e pelo prazo da duração da licença, o exercício da actividade de gestão de resíduos. Mas trata-se ainda de um acto administrativo precário ou provisório, que não assegura aquela vantagem ilimitadamente nem garante a sua renovação para o futuro.
Nessa mesma medida, não há aqui que invocar a existência de uma revogação ilegal, pois essa revogação não ocorreu. O que se verifica nos autos é algo diverso, é uma caducidade do direito do A. e Recorrente, por erro decurso do tempo pelo qual foi concedida a licença.
Quanto à circunstância de o A. e Recorrente ter sido titular de uma anterior licença válida, que entretanto caducou, por si só, também não lhe concede nenhum direito ou expectativa legitima a ver o pedido de licença renovado, ainda que não cumpra todas as condições impostas.
Em suma, claudicam as invocações do Recorrente relativas à violação dos art.ºs 167.º, n.º 2, do CPA, 38.º, n.º 4, do RGGR, à não caducidade da licença, à existência de um anterior acto constitutivo de direitos, que foi revogado através do acto suspendendo, ou à inexistência de prévio procedimento administrativo para a revogação do indicado alvará, ou a determinar a sua caducidade.
Claudicando tais alegações, claudica também a invocada violação do princípio da proporcionalidade, pois no caso não ocorreu nenhuma revogação de um anterior direito do A. que ofenda tal princípio. O que acontece, no caso, é que a licença ao abrigo da qual o A. laborava caducou, extinguindo-se o direito do A. por mero efeito do tempo, sem que tal caducidade tivesse de ser declarada pela Administração. O A. não requereu com a necessária antecedência legal a renovação da licença atribuída. Feito um novo pedido de licenciamento, as vistorias subsequentes apontaram diversas deficiências ou desconformidades, pelo que terá ocorrido uma proposta de decisão desfavorável àquele novo licenciamento.

No que concerne à alegada violação do dever de fundamentação também não se verifica.
Por imposição do n.º 3 do art.º 268.º da CRP, os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos devem ser expressamente fundamentados. Concretizando a imposição constitucional, o art.º 152º do Código de CPA determina que a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, os quais ficarão a fazer, neste caso, parte integrante do respectivo acto (cf. também o artigo 153.º do CPA).
A fundamentação do acto administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo acto, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado.
Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do acto, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada acto administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão.
O STA “vem, desde há muito, entendendo que a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue. Objectivos esses de habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, caso com a mesma não se conforme (objectivo endoprocessual) e de assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e reflexão decisórias (objectivos exa ou extra-processuais)” (In Ac. da 1.º Secção do STA Rec. 39.316, de 18-06-1996, n Apêndice ao DR de 23.10.1998, vol. III – Junho).
Ora, apreciada a fundamentação do acto tal como decorre da factualidade provada, constata-se que tal acto ostenta uma fundamentação de facto e de Direito suficiente, remetendo-se para as vistorias antes realizadas e informações subsequentes.
Por via das remissões feitas, compreende-se que os factos que alicerçam a decisão prendem-se com o não licenciamento da actividade e as constatações das anteriores vistorias. Do teor do acto resultam expressos os factos concretos que foram constatados pela CCDRC e que motivam a decisão tomada.
Com os indicados fundamentos normativos era possível ao Recorrente compreender as razões em que se fundava a decisão tomada e reagir eficazmente contra a mesma, tal como o fez.

No mais, não tinha a CCDR que juntar e reunir outra prova, para além do que se constatou nas vistorias feitas e ficou lavrado nos respectivos autos, associada à circunstância, plenamente provada, do Recorrente estar a laborar sem ser titular de uma licença válida.
A constatação pela Administração do exercício da actividade de gestão de resíduos, desprovido de uma licença válida, acompanhada, entre outras desconformidades, da verificação da inexistência de equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos, da possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e solo e da existência de resíduos em quantidade significativa (402.996,91 Kg) depositados no interior e no exterior das instalações sem a devida falta de impermeabilização do solo, basta para que se tenha por suficientemente provado o risco para a saúde e ambiente.
Ou seja, nesta sede à Administração incumbe apenas a prova dos factos positivos relativos ao incumprimento das determinações legais ou das regras técnicas aplicáveis ao caso.
Feita tal prova positiva, por seu turno, é ao requerente da licença para a actividade de gestão de resíduos que incumbe provar que exerce a sua actividade legalmente e sem provocar riscos intoleráveis para a saúde e para o ambiente, não incumbindo à Administração a prova destes factos negativos.
Como refere Carla Amado Gomes a propósito do licenciamento ambiental, nesta sede, é ao “operador cabe demonstrar que a instalação não envolve riscos intoleráveis para a saúde e para o ambiente — para além do risco residual inerente a um empreendimento do tipo —, e que utiliza a melhor tecnologia disponível no mercado para minimizar tais riscos, na medida do tecnicamente possível (cfr. esp. a alínea f) do artigo 11º/1 do RLA). Trata-se de uma forma de operacionalizar a propalada inversão do ónus da prova que decorreria do princípio da precaução, nomeado mas não delineado ou definido no artigo 7º do RLA, que constitui, afinal, um imperativo básico de prevenção de riscos que o operador, melhor que ninguém, está em condições de avaliar.” – in GOMES, Carla Amado - O procedimento de licenciamento ambiental revisitado. Em Estudos de Direito do Ambiente e de Direito do Urbanismo. Coord. Marcelo Rebelo de Sousa e Carla Amado Gomes [Em linha]. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2011 Disponível em WWW:<URL:https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_ambienteurbanismo_completo.pdf>. pp. 129-130.

Valem aqui as invocações feitas na decisão recorrida, nomeadamente as seguintes, que se subscrevem: “No caso, lendo o texto da decisão (reproduzido no facto provado W), vê-se que está fundamentada, alcançando-se que a CCDRC emite a ordem porque entende que «as instalações não estão munidas do necessário licenciamento para a realização de operações de gestão de resíduos», remetendo para a Informação DSR_LEIRIA …./19 (reproduzida no facto provado U), onde consta que «a firma foi detentora do Alvará de licença para a realização de Operações de gestão de Resíduos n.º ...../2012/CCDR, caducado desde 2 de Março de 2018». Uma cópia dessa informação foi remetida com a ordem (como consta do texto da mesma). Percebe-se, pois, que a CCDRC dá a ordem pela razão de, na sua perspectiva, ter caducado a licença da Requerente em 2/3/2018 e esta exercer, desde então, a actividade de gestão de resíduos sem licença. A fundamentação existe, é clara, suficiente e congruente. Questão diversa, que não respeita à forma, mas sim à substância, é a de saber se é ou não correcta essa razão, o que se fará de seguida.
Pelo exposto, indicia-se que a ordem está fundamentada.
Apreciemos, então, perfunctorimente a legalidade substancial da ordem suspendenda, porque a Requerida alega que a licença não caducou e, de qualquer modo, a caducidade não seria automática e teria de ser declarada em procedimento, enquanto o Requerido sustenta a caducidade do Alvará ...../2012/CCDR, o mesmo é dizer, a caducidade da licença titulada pelo Alvará.
(…) Acerca desta matéria do licenciamento de resíduos é relevante o que escreve Pedro Moniz Lopes («Licenciamento de operações de tratamento de resíduos, margem de livre apreciação administrativa e precariedade do acto final», em Direito dos Resíduos, Série Cursos Técnicos 4, ICJP, online em https://www.icjp.pt/publicacoes/pub/ 1/4763/view): «O procedimento de licenciamento incide sobre a actividade de gestão de resíduos, actividade essa, como se compreende, potencialmente danosa para o ambiente e para a saúde pública. Faz aqui pleno sentido, portanto, a noção clássica de licença enquanto acto permissivo de uma actividade relativamente proibida» (pág. 112).
«Na lógica do regime da Lei dos Resíduos, todas as operações de tratamento de resíduos encontram-se, em princípio, sujeitas a licenciamento» (p. 114).
«A licença atribuída […] constitui, naturalmente, um acto favorável ao requerente, permitindo-lhe realizar uma actividade até então relativamente proibida. No entanto, neste como noutros domínios, atento o peso intenso que o interesse público na tutela do ambiente compreende, o efeito estabilizador do acto de licenciamento é comprimido quase ao seu mínimo, justificando a natureza precária do acto autorizativo de licenciamento da actividade de tratamento de resíduos» (p. 124).
O tratamento de resíduos não corresponde, pois, ao exercício de um direito preexistente da Requerente, mas sim, a uma actividade relativamente proibida («é proibida arealização de operações de tratamento de resíduos não licenciadas» - art.º 9.º/2 do DL n.º 178/2006), cujo direito de exercício se constitui com a licença e não se pode manter se a mesma não for renovada ou prorrogada (proibição com reserva de permissão).
Em consonância, a precariedade do licenciamento em causa resulta de vários aspectos do regime legal (há sempre um prazo, que não pode exceder os 5 anos – art.º 33.º/1 al. g) e 2; a exigência de requerimento, de vistoria e de decisão para a renovação – art.º 35.º/1; a modificabilidade ou adaptabilidade da licença – art.º 34.º), bem como, do próprio Alvará (facto A).
No caso, considera-se importante resumir aqui parte da factualidade indiciariamente provada:
- A licença foi concedida por cinco anos, desde 1/6/2012 a 1/6/2017 (facto A);
- O pedido de renovação do Alvará dessa licença teria de ser efectuado até 120 dias antes de 1/6/2017 (condicionante 3.16 do Alvará, transcrita no facto A, e o art.º 35.º/1 do RGGR), ou seja, até 1/2/2017, mas o pedido foi efectuado a 3/3/2017 (factos B e C), não impugnando a aqui Requerente a decisão que considerou intempestivo esse pedido de renovação do Alvará (facto D);
- A licença passou a ser prorrogada precariamente, «até à emissão do novo alvará de licença» (vd. o facto E), e foi prorrogada sucessivamente, até 1/12/2017 (facto F) e 1/3/2018 (facto I);
- Em nosso entendimento, o texto do Ofício DLPA ……./17 («prorroga o Alvará por um período adicional de 3 meses, até 1 de Março», «a prorrogação agora concedida cessa efeitos logo que emitida a decisão final» - facto I), não comporta o sentido sustentando pela Requerente, de continuar com o Alvará n.º ...../2012/CCDR válido. O que resulta desse Ofício é a prorrogação por três meses, até 1/3/2018, salvo se antes fosse proferida a decisão. Efectivamente, se a prorrogação fosse para se manter indefinidamente até ser emitida a decisão não faria sentido fixar o prazo de três meses;
- O Ofício DLPA ……./18 comunica a decisão de não prorrogar o Alvará (facto K) e a ora Requerente conformou-se com ela, não a impugnando (facto L).
Do exposto conclui-se que o prazo inicial da licença terminou a 1/6/2017, sendo prorrogada precariamente até 1/3/2018, deixando de ser prorrogada a partir daí, por decisão que não foi atacada e se mantém na ordem jurídica, não lhe sucedendo outra licença.
«No direito administrativo, emerge, em primeiro lugar, a caducidade em sentido estrito ou caducidade preclusiva.
Tal como no direito civil, são fundamentalmente razões de certeza ou estabilidade das situações jurídicas que impõem que determinadas posições subjectivas activas apenas possam ser exercidas dentro de determinados limites temporais. O interesse geral exige a fixação de um prazo peremptório para o exercício de direitos ou faculdades, sob pena de extinção, independentemente das causas do seu não exercício.»
No entanto, «[a] par da caducidade em sentido estrito, fala-se em caducidadesanção para designar situações da perda de direitos por incumprimento de deveres ou de ónus no contexto de uma relação duradoura entre a Administração e um particular» (Maria Fernanda Maçãs, «A caducidade por incumprimento e a natureza dos prazos na atribuição da utilidade turística«, in CJA, n.º 48, pp. 3 e 6; no mesmo sentido e mais recentemente, Sara Younis Augusto de Matos, «Eficácia e Caducidade no Direito Administrativo Comum», em Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, v. II, 2018, pp. 404-405).
Lendo-se no Ac. do TCAN, de 29-11-2019, proc. 00317/14.7BEBRG (citando o Ac. de 15-05-2014, do mesmo Tribunal, no proc. 00440/12.2BEBRG), que «a caducidade constitui uma das formas de extinção dos actos administrativos, distinguindo a doutrina duas modalidades possíveis de caducidade, a saber, a caducidade preclusiva e a caducidade sanção […]
Conforme é comummente afirmado, na caducidade preclusiva está em causa ¯a mera contagem de um prazo, o mesmo é dizer, uma situação de caducidade em que uma norma estabelece um prazo máximo para o cumprimento de uma obrigação, sem que pareça haver outros elementos que possam influir numa conformação para mais ou para menos do prazo concedido pela própria lei, operando a mesma automaticamente, pelo que a declaração de caducidade que venha a ser emitida não tem efeitos constitutivos, mas meramente declarativos, não havendo por isso, no silêncio da lei, lugar a audiência prévia dos interessados.
Diferentemente, na caducidade sanção existe já uma margem de apreciação da Administração, tendo a declaração de caducidade que vier a ser emitida, efeitos constitutivos, pelo que deve ser precedida de audiência prévia dos interessados.»
Em nosso entender, estamos perante o termo da licença em causa ou caducidade preclusiva e operativa ex vi legis (art.ºs 31.º, 33.º e 35.º do RGGR), sem necessidade de ser declarada. Efectivamente, desde o início e por imposição legal a licença teve um prazo. Negada nova prorrogação e decorrido o prazo da licença, a consequência é a extinção da mesma pelo decurso do tempo, sem necessidade de acto declarativo, porque do RGGR decorre expressamente que a licença é temporária, tem prazo, sendo essa extinção a consequência necessária de a licença não ser renovada ou prorrogada. Em consonância, aliás, com a lógica inerente a este tipo de licenças com impacto ambiental, de proibição sob reserva de permissão. Assim, terminando o prazo da permissão temporária e precária a mesma extingue-se, sendo reposta a proibição.
De qualquer modo, no caso até se pode concluir, em nosso entendimento, que a CCDRC declarou e comunicou à aqui Requerente que, na sua perspectiva, o Alvará havia caducado, designadamente, na Informação DSR_LEIRIA …../18, comunicada com o Ofício n.º DSF …../19 (factos O), Q) e T), mencionando que «consultada a plataforma do SILiAmb da APA, verificou-se que após a data de prorrogação do Alvará de Licença para a Realização de Operações de Gestão de Resíduos N.º ...../2012/CCDR, caducado desde 2 de Março de 2018, foram recepcionados nas instalações e encaminhados vários resíduos». Aliás, a própria decisão administrativa referida nos factos R) e S) revela esse entendimento.
Por conseguinte, numa análise provisória própria da tutela cautelar, indicia-se que a ordem supendenda partiu do pressuposto correcto de a Requerente não ter licença para a actividade em causa, porque a licença não foi novamente prorrogada, atingiu o seu termo e caducou.
Ficando, pois, prejudicada a questão da necessidade de um acto de revogação dessa licença e a consequente nulidade suscitada pela Requerente.
Alega, ainda, a Requerente a violação do princípio da proporcionalidade.
Como decorre, entre outros, dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 187/2001, 632/2008 e 360/2016, «o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
A actuação administrativa deve ser adequada, apta à realização do fim público com ela visado (tem de permitir atingir esse fim). Deve ser necessária, ou seja, indispensável à realização desse fim (a menos lesiva de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, o meio menos lesivo ou o mais benigno). Por último, essa actuação dever ser na justa medida a alcançar esse fim.
No caso, o fim que a ordem visa alcançar é o mesmo subjacente à exigência do licenciamento da actividade em causa e consta do art.º 6.º do RGGR: a protecção da saúde humana e do ambiente (evitar e reduzir os riscos para a saúde humana e para o ambiente).
Ordenar a cessação da actividade perigosa é adequado (idóneo) a alcançar tal fim.
No que concerne à necessidade é, a nosso ver, importante assinalar a possibilidade de ser ordenada a suspensão da actividade, caso houvesse perspectiva de licenciamento num tempo próximo. Porém, não é caso. Efectivamente, a CCDRC indeferiu o novo licenciamento (facto N), com base em desconformidades consideradas relevantes, como a inexistência do equipamento para neutralização de componentes pirotécnicos e a possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e solo. Em acréscimo, várias falhas foram detectadas na fiscalização de 15/11/2018 (facto O) e na de 11/9/2019 (facto U), incluindo a falta de impermeabilização do solo. Ao que acresce a quantidade significativa de resíduos detectada (402.996,91 Kg), conforme o facto O).
Em conformidade, a CCDRC concluiu que as instalações em causa e a Requerente não têm actualmente condições para a actividade em causa, não podendo a mesma ser licenciada. Perante isto, não se perspectivando para breve o licenciamento, desconhecendo-se mesmo se tal virá a ocorrer, não é suficiente ordenar a suspensão temporária da actividade.
Entende-se, pois, ser necessária a cessação da actividade para prevenir o perigo, mormente de contaminação da água e do solo.
Por fim, consideramos que a cessação da actividade, pelas razões expostas, não ultrapassa o limite da justa medida, não sendo excessiva.
Assim, na apreciação sumária própria da tutela cautelar, não se indicia a violação do princípio da proporcionalidade.
Face ao exposto, não é provável que a pretensão da Requerente na acção principal venha a ser julgada procedente, pelo que, não se julga verificado o pressuposto da aparência do bom direito.
Ficando prejudicada a apreciação da questão da ponderação de danos a que alude o art.º 120.º/2 do CPTA.”
Em suma, na situação em análise não ocorre o requisito fumus boni iuris. Estar-se-á, sim, numa situação próxima do fumus malus.
Razões porque se confirma a decisão recorrida, que é totalmente acertada.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 2 de Julho de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)