Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05850/01
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/12/2007
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IRC-ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA-ACTIVIDADES SUJEITAS A IRC
-ACTIVIDADES NÃO SUJEITAS-RECEITAS DO BINGO
Sumário:1. Os rendimentos directamente derivados do exercício de actividades culturais, recreativas e desportivas encontram-se isentos de IRC (artº 10º, nºs 1 e 2 alíneas a) e c) do CIRC).

2. Relativamente a outras actividades prosseguidas por uma associação desportiva (nomeadamente bares e receitas provenientes de exploração de Bingo)estão as mesmas sujeitas a IRC.

3. Deste modo, a determinação do rendimento global terá de ser efectuada ao abrigo do disposto nos artºs 47º e 48º do CIRC, uma vez que, não sendo uma associação desportiva uma sociedade que exerce a título principal uma das actividades previstas no artº 3º, nº 1. alínea a) daquele diploma, é-lhe inaplicável o disposto no artº 17º, também do mesmo diploma.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Associação C...– Organismo Autónomo de Futebol, com o nº fiscal 500065292, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do (então) TT de 1ª Instância de Coimbra que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC de 1991 no montante de 10.514.618$00 e de 1992 no montante de 9.544.525$00 apresentando para o efeito alegações nas quais conclui:

1ª). A sentença recorrida viola a decisão do Tribunal Superior, e assim o caso julgado, e entre outras as disposições do n° 1 do artigo 666° e 671° do CPC, devendo proceder-se á ampliação da matéria de facto, e procedeu-se á aquisição de prova.

2ª). E a nova matéria dada como provada, não são factos, mas meras conclusões, pelo que violada também se encontra o disposto nos artigos 511°, 659°, 660° do CPC.

3ª). De igual modo não são especificados os fundamentos de facto da sentença, nem a descriminação da matéria provada da não provada (artigos 142°, 2 e 144°, 1 do CPT e 668, n° 1 alínea b) do CPC).

4ª). Não tendo sido impugnados os documentos juntos com a petição inicial, - o Plano de Aplicação de Resultados do Bingo -, cuja concretização é fiscalizada pela Inspecção Geral de Jogos, impõe-se dar como provada tal matéria, nos termos das disposições do artigo 490°, n° 1 e alínea b) do n° 1 do CPC.

5ª). E ao ser dada como provada matéria constante de documentos não notificados á impugnante, mostra-se também violado o princípio do contraditório n° 3 e 517° do CPC.

6ª). Tendo as receitas do jogo do Bingo dos clubes desportivos e assim da recorrente de ser obrigatoriamente aplicadas que não geram qualquer rendimento - desporto amador de formação, recreação e lazer - e por força do disposto no n° 5 do artigo 26° do Decreto Regulamentar n° 76/86 de 31 de Dezembro, tais receitas, mais não são, afinal do que um custo fiscal, que deve ser deduzido ao rendimento global, pelo que a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 47°, 48°, e n° 3 do artigo 9° do Código Civil.

7ª). E a não se entender assim, sempre e pelo menos, a sentença recorrida deveria pronunciar-se e conhecer daquela aplicação OBRIGATÓRIA e por força da lei, nas actividades previstas no artigo 48°, n° 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, disposição que assim se mostra violada o que torna a sentença nula ex vi da alínea d) do artigo 668° do CPC. Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

2. O MºPº, junto deste tribunal, apôs o seu visto (v. fls. 330).

3. Colhidos os vistos cabe agora decidir,

4. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes factos:

1º)- Através dos ofícios n.º 7703, de 5 de Julho de 1996.(fls.166 dos Autos), foi a autora notificada do despacho proferido quanto ao exercício de 1991;

2ª)- Tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado em 16.07.96 (doc. de fls.167 dos Autos);

3º)- Através do ofício n.º 7704, de 5 de Julho de 1996 (fls. 222 dos Autos), foi a autora notificada do despacho proferido junto ao exercício de 1990;

4º)- Tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado em 16.07.96 (doc. de fls. 223 dos Autos);

5º)- Não se conformando com tais decisões, deduziu a contribuinte a presente impugnação, a qual deu entrada na 1ª Repartição de finanças de Coimbra em 16 de Setembro de 1996; (vide carimbo de entrada aposto a fls. 2 dos Autos).

6º)- De acordo com os estatutos da impugnante ( vide doc. 7 e segs. dos autos os seus fins são:
1º)- o fomento do futebol federado;
2º)-o desenvolvimento desportivo e sócio cultural dos associados;
3º)-a exploração do jogo de Bingo ou outro, legalmente autorizado;

7º)- O jogo do Bingo está sujeito à verificação da sua contabilidade por parte da inspecção geral de jogos;

8º)- Sendo que, depois, é agregada à contabilidade geral;

9º)- A declaração apresentada pela impugnante tem em conta, assim, todas as receitas e todos os prejuízos existentes, na sua óptica;

10º)- É feita a consolidação de todos as receitas e de todas as despesas.

11º)- Não resulta dos Autos que todas as receitas do Bingo foram aplicadas em actividades que não geram qualquer rendimento;

12º)- Circunstancialismo alegado pela impugnante, mas por ela não demonstrado;

13º)- Nem colhendo evidência nos autos, por qualquer outra via;

14º)- As várias parcelas correspondentes da totalidade dos rendimentos da impugnante, sujeitos a tributação de IRC, nos exercícios dos anos de 1991 e 1992, com discriminação dos rendimentos eventualmente não sujeitos a IRC revelam-se também nos documentos ora juntos de fls. 296 a 298;

15º)-Na sequência daqueles outros considerandos de fls. 194, 195, 196, 197 e 198 dos Autos;

16º- Não havendo sido infirmados pela impugnante, nem contrariados pelos demais elementos contidos nos Autos.

5. De acordo com as conclusões das alegações, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:

a) Incumprimento por parte do tribunal recorrido do determinado pelo tribunal de recurso, uma vez que a nova matéria de facto dada como provada se resume a meras conclusões (conclusões 1ª e 2ª);

b) Falta de especificação dos fundamentos de facto na sentença e da discriminação da matéria provada da não provada (conclusão 3ª);
c) Erro de facto da sentença ao não dar como provados factos não impugnados e ao dar como provados factos constantes de documentos não notificados à recorrente (conclusões 4ª e 5ª);

d) Erro de direito da sentença porque as receitas do Bingo constituem um custo fiscal devendo, por isso, ser deduzido no rendimento global (conclusão 6ª).

Antes de entrarmos na apreciação das referidas questões e porque a questão foi suscitada nos autos, cabe apreciar se ocorreu já ou não a prescrição das dívidas objecto da impugnação.

É que, embora a prescrição não constitua um vício da liquidação, a prescrição torna a dívida inexigível determinando a inutilidade superveniente da lide na impugnação, tal como a jurisprudência dos tribunais tributários superiores tem decidido.

5.1. Para este efeito importa então dar como assentes os seguintes factos:

a) As dívidas impugnadas reportam-se aos anos de 1991 e de 1992.

b) Não tendo o impugnante efectuado o pagamento voluntário, foi instaurado processo executivo para cobrança da dívida do imposto de 1991 em 07.08.95 (v. fls. 345).

c) Não tendo o impugnante efectuado o pagamento voluntário, foi instaurado processo executivo para cobrança da dívida do imposto de 1992 em 09.10.95 (v. fls. 345).

d) A execução ficou suspensa em virtude de as dívidas se encontrarem garantidas com penhora e ter sido deduzida reclamação graciosa e, posteriormente, impugnação judicial (v. fls. 345 e 355).

e) Os presentes autos estiveram parados (conclusos sem qualquer despacho ou prática de acto processual), desde 19.02.2002 a 26.02.02 (v. fls. 330/331).

Dado que as dívidas se reportam aos ano de 1991 e 1992, é aplicável em matéria de prescrição o disposto no artº 34º, nº 1 do CPT, que estabelece que o prazo de prescrição é de dez anos. Este prazo, de acordo com o artº 33º, nº 1 do mesmo diploma, conta-se a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário.

Há que ter ainda em atenção que a dedução de impugnação interrompe a prescrição cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se nesse caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

Efectuando cálculos temos que, e relativamente ao imposto de 1991:

a) Desde 1.1.92 até 07.08.95 - decorreram 3 anos, 7 meses e sete dias;
b) Desde 26.02.03 até à presente data - decorreram 4 anos, 3 meses e 17 dias.

Tudo somado, temos 7 anos 10 meses e 24 dias.

Quanto ao ano de 1992, o prazo começa a correr a partir de 1.1.93.
Assim, e tendo a execução sido instaurada em 9.10.95, decorreram apenas sete anos e 26 dias, não estando preenchido o prazo de dez anos previsto no artº 34º do CPT.

Uma vez que, entretanto, a LGT veio encurtar o prazo de prescrição para oito anos (v. artº 48º, nº 1) há que verificar se este regime não será mais favorável ao contribuinte, atento o que dispõe o artº 297º, nº 1 do Código Civil.

Ora, neste caso o prazo só começa a contar-se a partir da entrada em vigor da LGT - 01.01.1999. Assim, não é possível contar o prazo decorrido desde a verificação do facto tributário, sendo apenas de contar o que decorreu desde 26.02.03, sendo que, assim, não se perfizeram os oito anos do prazo de prescrição.

Pelo que ficou dito, improcede a referida questão da prescrição.

5.2. Debrucemo-nos agora sobre a 1ª questão suscitada pela recorrente.

5.2.1.Conforme resulta de fls. 292, depois de a impugnante ter interposto recurso da decisão da 1ª instância, o relator do processo neste tribunal proferiu despacho, ao abrigo do disposto no artº 705º do CPC, invocando que importava “adquirir para os presentes autos elementos de facto, que a sentença recorrida não considerou (nem se encontram no processo), no sentido de apurar, mormente, as várias parcelas componentes da totalidade dos rendimentos da impugnante, ora recorrente, sujeitos a tributação em IRC nos exercícios de 1991 e 1992, com discriminação dos rendimentos eventualmente não sujeitos a IRC”.

Deste modo, os autos baixaram ao tribunal de 1ª instância, tendo sido aditados alguns factos ao probatório e proferida nova decisão.

Os factos aditados são os seguintes:

11º)- Não resulta dos Autos que todas as receitas do Bingo foram aplicadas em actividades que não geram qualquer rendimento;

12º)-Circunstancialismo alegado pela impugnante, mas por ela não demonstrado;

13º)- Nem colhendo evidência nos autos, por qualquer outra via;

14º)- As várias parcelas correspondentes da totalidade dos rendimentos da impugnante, sujeitos a tributação de IRC, nos exercícios dos anos de 1991 e 1992, com discriminação dos rendimentos eventualmente não sujeitos a IRC revelam-se também nos documentos ora juntos de fls. 296 a 298;

15º)- Na sequência daqueles outros considerandos de fls. 194, 195, 196, 197 e 198 dos Autos;

16º- Não havendo sido infirmados pela impugnante, nem contrariados pelos demais elementos contidos nos Autos.

Será então, que ao consignar este factos, a sentença incumpriu o despacho acima referido?

Parece-nos que não, uma vez que foram aditados ao probatório factos que se entendeu corresponderem ao exigido por aquele despacho.

A questão que se coloca e suscitada na 2ª conclusão, é a de saber se esses denominados “factos” não constituirão meras conclusões.

E, neste particular teremos de concluir que os factos enunciados nos nºs 11º a 13º e 16º encerram meras conclusões, pelo que serão eliminados do probatório.

5.2.2. Aqui chegados, importa corrigir o probatório, aditando-se os seguintes factos:

Dá-se por reproduzido o teor dos documentos de fls. 27º e 28º (Plano de aplicação das receitas do Bingo nos anos de 1991 e 1992);

O cálculo do imposto foi efectuado de acordo com o ponto 4 do relatório de fiscalização tributária de fls. 67 e segs.

5.3. Em face do que ficou escrito e decidido resulta prejudicado o conhecimento das questões suscitadas nas conclusões 3ª a 5ª, cumprindo, por isso, conhecer apenas do erro de direito a que se refere a conclusão 6ª.

Será então que liquidação do imposto deverá ser efectuada de acordo com a pretensão da recorrente ou pelo modo como a Administração Tributária a efectuou?

Isto é, o rendimento global deve ser apurado considerando o disposto no artº 17º do CIRC ou deverá ser efectuado ao abrigo dos artºs 47º e 48º do mesmo diploma?

Pensamos que a razão está do lado da Administração Tributária, sendo de seguir a fundamentação constante de fls. 102 e 103, onde se escreveu o seguinte:

“1. A reclamante é uma associação desportiva, tendo-lhe sido reconhecida a utilidade pública, por despacho de 22/09/88 do Primeiro Ministro; e tem como actividade principal, por força dos Estatutos, a prática desportiva. Encontram-se isentos de IRC os rendimentos directamente derivados do exercício de actividades culturais, recreativas e desportivas, nos termos do n° 1 do artigo 10° do Código, verificados os condicionalismos das alíneas a) a c) do n° 2 do mesmo artigo.
2. Pelas restantes actividades, a saber, a exploração de jogo de bingo, serviços de publicidade, cessão de exploração de bar e restaurante e aluguer de instalações, encontra-se a reclamante sujeita a IRC, nos termos do n° 1 do artigo 2° do CIRC, e não isenta - cfr. com n° 3 do artigo 10° do CIRC.
Não exercendo a reclamante, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, é a base do imposto constituída pelo rendimento global, que correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS - cfr. com alínea b) do n° 1 do artigo 3° do CÍRC.
A determinação do rendimento global, obedeceu ao estabelecido nos artigos 47° e 48° do Código do CIRC, tendo sido englobados a totalidade dos rendimentos sujeitos e não isentos, nomeadamente os provenientes do aluguer de imóveis - categoria F -, exploração de bar e do bingo - categoria C -. e publicidade - também categoria C.
O montante do rendimento global assim apurado, importou em 49.271 221$00 e é consequência da soma algébrica do resultado liquido do bar no montante de 2.224.799$00 com o resultado liquido da sala de bingo, no valor de 69.551.457$00, mais o resultado líquido da categoria F na importância de 2.129 400$00 e do valor negativo de 24.634.435$00. Este último valor é por sua vez resultante da diferença entre os rendimentos de publicidade, 60.440.285$00, e os custos comuns, apurados em conformidade com o disposto no artigo 48° do CIRC, no montante de 85.074.720$00 ( cfr. com relatório, ponto 4. fls. 25 e 26 destes autos e DC reproduzido de fls. 12 a 14).
O apuramento do lucro tributável em conformidade com o disposto no artigo 17° do Código do CIRC, como pretende a reclamante, só é aplicável às sociedades que exerçam as actividades anteriormente referidas a título principal, o que não é o caso - cfr. com alínea a) do n° 1 do artigo 3° do Código”.

Concorda-se com o que ficou escrito, sendo irrelevante para o caso que a aplicação das receitas do Bingo tenham sido todas aplicadas em actividades isentas ou não sujeitas a IRC.

É que, as receitas do Bingo destinam-se por força de lei a financiar essas mesmas actividades, pelo que nem poderiam ser aplicadas com outra finalidade.

Isso, porém, não cria regime tributário especial.

Por outro lado, e como referiu a Administração Tributária, a recorrente não é uma sociedade que exerce a título principal e com fins lucrativos uma das actividades referidas no artº 3º, nº 1, alínea a) do CIRC. Daí que não lhe possa ser aplicado o regime do artº 17º do mesmo diploma, privativo daquelas sociedades.

Improcede, pelo exposto, a conclusão 6ª das alegações e, em consequência, o recurso.

6. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 12/06/2007

VALENTE TORRÃO
LUCAS MARTINS
PEREIRA GAMEIRO